segunda-feira, 21 de maio de 2007

Entrevista com Paulo Guimarães, consultor do CIMI

Reportagem da revista Consultor Jurídico traz uma entrevista com Paulo Guimarães, advogado do CIMI há mais de 25 anos, que mostra sua preocupação quanto à demarcação de terras indígenas. Atribui os principais problemas aos interesses de terceiros, mas não reconhece os problemas jurídicos que estão no Supremo Tribunal Federal para resolver, e que são de sua alçada analisar.

Também considera que a Constituição de 1988 é um divisor de águas e uma porta aberta para um novo relacionamento dos povos indígenas com a sociedade nacional. Virou costume dizer-se isso. Ouvi muito os jovens procuradores alardeando essa interpretação. Parece até que a defesa dos povos indígenas começou com eles e com a Constituição. Esquecem a importância do SPI, a visão de Rondon sobre a autonomia dos povos indígenas, seu papel de convencer a sociedade política brasileira e o pensamento crítico nacional sobre a importância dos povos indígenas para a nação brasileira. Esquecem das demais constituições, do Estatuto do Índio, da Convenção 169, da OIT, e, por fim, esquecem dos movimentos indígenas e indigenistas.

Este pensamento reificador do presente atribui ao passado a visão de integrar os índios, porque esse termo está no primeiro artigo do Estatuto do Índio, enquanto a Constituição de 88 não fala em integrar. Mas esta interpretação advem de um pensamento formal, própria de advogados que vivem da dialética e do sofisma e da reificação das palavras. Afinal, este mesmo artigo do Estatuto do Índio fala em respeito ás sociedades e culturas indígenas e a preservação de seus valores.

Por fim, quanto ao presente pós-constituição de 1988, todas as políticas públicas para os povos indígenas, como educação, saúde, desenvolvimento étnico, participação em conselhos e em formulação de políticas implicam a integração dos índios ao âmbito do Estado e da sociedade brasileiros. Só não vê quem não quer, ou quem está preso a pensamentos formais e ideologias mistificadoras.

O importante é discernir a diferença entre integração e assimilação. Este assunto foi debatido há mais de 40 anos e foi visto o quanto são diferentes. Mas, parece que esse pessoal esquece o passado.



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Direito vulnerável
Índios encontram dificuldade para demarcar terra
por Vinicius Furuie

Os direitos do índio à terra e à ordem social própria ainda são vulneráveis aos interesses militares e econômicos, apesar dos avanços conquistados na Constituição de 1988. É o que afirmou o advogado Paulo Machado Guimarães, há 25 anos assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) em entrevista coletiva. O organismo é ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.

O processo de demarcação de terras assegurado é quase sempre inviabilizado quando a área em questão está localizada na faixa de 150 quilômetros da fronteira. Guimarães cita como exemplo o conturbado processo de demarcação da reserva de Raposa Serra do Sol, em Roraima.

“Eles ainda não engoliram a reserva Ianomami” diz Paulo Guimarães. Embora esses casos já tenham entrado na fase final de resolução, persiste uma grande tensão entre os interesses militares e os defensores da causa indígena.

Outro direito constitucional, aquele que garante aos índios “o usufruto exclusivo das riquezas dos solos, rio e lagos”, é ameaçado pelo interesse de companhias mineradoras. Segundo o advogado, o lobby é intenso para mudar o artigo que determina a necessidade de aprovação do Congresso para aproveitamento de recursos hídricos e minerais. “O poder dessa decisão ter passado do Executivo para o Legislativo é um espinho atravessado na goela das grandes mineradoras”

As diferenças entre as Constituições

Segundo o assessor, houve uma drástica mudança entre as Constituições de 1967 e 1988 no que tange ao lugar do índio na sociedade nacional. “Até a nova Constituição, havia a perspectiva de legislar sobre a incorporação do índio à sociedade nacional”.

O “silvícola” era situado fora da sociedade nacional devido à sua incapacidade de compreensão das relações sociais e tinha sua civilidade bastante reduzida. Sem plenos direitos à propriedade e com limitada imputabilidade, o índio era submetido a um regime de tutela do Estado que mediava sua incorporação à sociedade.

Essa perspectiva muda em 1988 com o artigo 231 que assegura o direito à diversidade étnica e cultural pela garantia de terra e organização social aos povos indígenas. A União continua proprietária das terras, mas cabe a ela o dever de “demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

O direito à terra

A formatação dessas conquistas resultou de um longo processo de negociação entre setores anti-indigenistas e figuras como o jurista Dalmo Dallari e o governador Mário Covas durante a Constituinte. O critério final, que define as terras de direito indígena como aquelas “tradicionalmente ocupadas”, é considerado um grande avanço por aqueles que defendem a causa indígena.

Guimarães aponta, porém, falhas na legislação que podem comprometer a autonomia conquistada. “O parágrafo 6 do artigo 231 abre a possibilidade de interferência caso haja ‘relevante interesse público da União’. Isso pode ser qualquer coisa”, afirma o advogado.

Preocupação que se justifica pelo aumento dos ataques ao patrimônio indígena. “Hoje o conflito entre os interesses indígenas e de setores como garimpo e agropecuária configura um cenário diuturnamente dramático”. O advogado conclui que nessa disputa é essencial sensibilizar os juízes e a mídia para tratar os índios de maneira justa.

Revista Consultor Jurídico, 20 de maio de 2007

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