Reportagem da revista Consultor Jurídico traz uma entrevista com Paulo Guimarães, advogado do CIMI há mais de 25 anos, que mostra sua preocupação quanto à demarcação de terras indígenas. Atribui os principais problemas aos interesses de terceiros, mas não reconhece os problemas jurídicos que estão no Supremo Tribunal Federal para resolver, e que são de sua alçada analisar.
Também considera que a Constituição de 1988 é um divisor de águas e uma porta aberta para um novo relacionamento dos povos indígenas com a sociedade nacional. Virou costume dizer-se isso. Ouvi muito os jovens procuradores alardeando essa interpretação. Parece até que a defesa dos povos indígenas começou com eles e com a Constituição. Esquecem a importância do SPI, a visão de Rondon sobre a autonomia dos povos indígenas, seu papel de convencer a sociedade política brasileira e o pensamento crítico nacional sobre a importância dos povos indígenas para a nação brasileira. Esquecem das demais constituições, do Estatuto do Índio, da Convenção 169, da OIT, e, por fim, esquecem dos movimentos indígenas e indigenistas.
Este pensamento reificador do presente atribui ao passado a visão de integrar os índios, porque esse termo está no primeiro artigo do Estatuto do Índio, enquanto a Constituição de 88 não fala em integrar. Mas esta interpretação advem de um pensamento formal, própria de advogados que vivem da dialética e do sofisma e da reificação das palavras. Afinal, este mesmo artigo do Estatuto do Índio fala em respeito ás sociedades e culturas indígenas e a preservação de seus valores.
Por fim, quanto ao presente pós-constituição de 1988, todas as políticas públicas para os povos indígenas, como educação, saúde, desenvolvimento étnico, participação em conselhos e em formulação de políticas implicam a integração dos índios ao âmbito do Estado e da sociedade brasileiros. Só não vê quem não quer, ou quem está preso a pensamentos formais e ideologias mistificadoras.
O importante é discernir a diferença entre integração e assimilação. Este assunto foi debatido há mais de 40 anos e foi visto o quanto são diferentes. Mas, parece que esse pessoal esquece o passado.
_____________________________________________
Direito vulnerável
Índios encontram dificuldade para demarcar terra
por Vinicius Furuie
Os direitos do índio à terra e à ordem social própria ainda são vulneráveis aos interesses militares e econômicos, apesar dos avanços conquistados na Constituição de 1988. É o que afirmou o advogado Paulo Machado Guimarães, há 25 anos assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) em entrevista coletiva. O organismo é ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
O processo de demarcação de terras assegurado é quase sempre inviabilizado quando a área em questão está localizada na faixa de 150 quilômetros da fronteira. Guimarães cita como exemplo o conturbado processo de demarcação da reserva de Raposa Serra do Sol, em Roraima.
“Eles ainda não engoliram a reserva Ianomami” diz Paulo Guimarães. Embora esses casos já tenham entrado na fase final de resolução, persiste uma grande tensão entre os interesses militares e os defensores da causa indígena.
Outro direito constitucional, aquele que garante aos índios “o usufruto exclusivo das riquezas dos solos, rio e lagos”, é ameaçado pelo interesse de companhias mineradoras. Segundo o advogado, o lobby é intenso para mudar o artigo que determina a necessidade de aprovação do Congresso para aproveitamento de recursos hídricos e minerais. “O poder dessa decisão ter passado do Executivo para o Legislativo é um espinho atravessado na goela das grandes mineradoras”
As diferenças entre as Constituições
Segundo o assessor, houve uma drástica mudança entre as Constituições de 1967 e 1988 no que tange ao lugar do índio na sociedade nacional. “Até a nova Constituição, havia a perspectiva de legislar sobre a incorporação do índio à sociedade nacional”.
O “silvícola” era situado fora da sociedade nacional devido à sua incapacidade de compreensão das relações sociais e tinha sua civilidade bastante reduzida. Sem plenos direitos à propriedade e com limitada imputabilidade, o índio era submetido a um regime de tutela do Estado que mediava sua incorporação à sociedade.
Essa perspectiva muda em 1988 com o artigo 231 que assegura o direito à diversidade étnica e cultural pela garantia de terra e organização social aos povos indígenas. A União continua proprietária das terras, mas cabe a ela o dever de “demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
O direito à terra
A formatação dessas conquistas resultou de um longo processo de negociação entre setores anti-indigenistas e figuras como o jurista Dalmo Dallari e o governador Mário Covas durante a Constituinte. O critério final, que define as terras de direito indígena como aquelas “tradicionalmente ocupadas”, é considerado um grande avanço por aqueles que defendem a causa indígena.
Guimarães aponta, porém, falhas na legislação que podem comprometer a autonomia conquistada. “O parágrafo 6 do artigo 231 abre a possibilidade de interferência caso haja ‘relevante interesse público da União’. Isso pode ser qualquer coisa”, afirma o advogado.
Preocupação que se justifica pelo aumento dos ataques ao patrimônio indígena. “Hoje o conflito entre os interesses indígenas e de setores como garimpo e agropecuária configura um cenário diuturnamente dramático”. O advogado conclui que nessa disputa é essencial sensibilizar os juízes e a mídia para tratar os índios de maneira justa.
Revista Consultor Jurídico, 20 de maio de 2007
segunda-feira, 21 de maio de 2007
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário