sábado, 28 de fevereiro de 2009

Menina Tukano é tratada por pajés e médico

O índio José Barreto (à esq.), pai de L., e o médico Monteiro, no Hospital Getúlio Vargas, em Manaus. A parceria salvou a menina de 12 anos

O Brasil é um país extraordinário por sua capacidade de improviso e de experimentação. O acontecimento abaixo prima pelo inusitado -- um conflito entre concepções indígenas e brasileiras sobre a cura -- e a solução encontrada é fruto da capacidade de experimentação e renovação das duas culturas que balizam essas concepções aparentemente antagônicas.

Eis um resumo do acontecimento:

No começo de janeiro uma menina Tukano, cujo povo vive na Terra Indígena Alto Rio Negro, no norte do estado do Amazonas, foi mordida em sua aldeia por uma cobra jararaca. O próprio pai a levou para a cidade de São Gabriel da Cachoeira para tomar soro antiofídico, mas, de lá foi transportada por avião para Manaus. Ao chegar ao hospital sua situação estava bastante comprometida e os médicos decidiram que teriam que amputar seu pé para salvá-la. Acontece que seu pai e alguns pajés Tukano acharam que a menina podia ser curada pelas rezas tradicionais e por ervas medicinais da cultural tukano. Aconteceu um impasse entre a cultura tradicional indígena e a cultura ocidental científica. O hospital a princípio se recusava a aceitar a presença de pajés nas dependências internas de tratamento intensivo. Os pais apelaram para o Ministério Público Federal, que entrou com uma ação contra o hospital favorecendo a decisão dos Tukano. Com isso a menina foi retirada do hospital e levada para uma casa de saúde indígena, em Manaus, onde continuou a ser tratada pelos pajés Tukano. Daí um médico do Hospital Universitário trouxe uma nova solução. Contatou o pai da menina e os pajés e propôs que ambos tratassem a menina, sem amputar seu pé. Para isso os pajés exigiram que as enfermeiras que fossem atender à menina seguissem uma série de regras de resguardo, como bem, não estivessem menstruadas nem fizessem sexo 24 horas antes de estarem em antendimento. Pois bem, parece que tudo foi acertado e a menina está sendo atendida assim e -- milagrosamente, ou cientificamente, ou etnicamente -- está melhorando!

Agora, perguntemo-nos: onde no mundo isso poderia acontecer senão no Brasil?

O encontro conceitual e emocional entre as duas culturas polares foi mediado pelo pajé e pelo médico e auxiliado pela procuradora. O diálogo foi possível graças ao respeito mútuo.

A cultura brasileira e a cultura indígena tukano estão de parabéns por seus representantes respectivos que souberam encontrar um modo auspicioso de diálogo e entendimento.

Vamos torcer para que a menina se recupere completamente e que uma lição seja tirada desse episódio extemporâneo, e que, por suas virtudes, creio que virá a ser repetido, com as devidas cautelas, muitas e muitas vezes no futuro.

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Juntos, médicos e pajé evitam amputação

Índios dividem com médicos o tratamento de uma menina num hospital do Amazonas internada depois de ter sido picada por uma jararaca

Revista ÉPOCA, por Mariana Sanches

Todos os dias, às 9 da manhã, um pajé da etnia tucano cruza os corredores do Hospital Universitário Getúlio Vargas, em Manaus, e entra em uma das enfermarias. Ali, faz um ritual com rezas e ervas selvagens em torno da índia L., de 12 anos, debilitada por causa da picada de uma cobra jararaca em seu pé direito. Quando o pajé sai do quarto, as enfermeiras retornam com seus curativos, analgésicos, anti-inflamatórios e o soro antiofídico. Mas não qualquer enfermeira. Por exigência dos tucanos, só têm contato com a índia as mulheres que não estão grávidas, que não tenham mantido relações sexuais nas últimas 24 horas e que estejam fora do período menstrual.

A mistura da medicina ocidental com as tradições indígenas no tratamento de L. é resultado de mais de um mês de negociações entre médicos e índios. Até a Procuradoria da República no Amazonas se envolveu na discussão. A história começou no início de janeiro, quando L. foi atacada pela cobra na região do Alto Rio Negro, na fronteira com a Colômbia. No local não há luz elétrica nem posto médico. A cidade mais próxima, São Gabriel da Cachoeira, fica a 14 horas de lancha. Os pais de L. enfrentaram a viagem. “Eu queria que ela recebesse o soro e depois fosse tratada em casa mesmo, como já fizemos com outras pessoas na tribo”, diz o pai, José Barreto. “Mas os médicos se desesperaram e quiseram mandá-la ao hospital em Manaus.” Era o início da confusão.

Internada no Pronto-Socorro Infantil João Lúcio, L. sofreu cirurgias para retirar os tecidos necrosados pelo veneno da jararaca. “Começaram a tirar pedaços dela, não explicaram nada e disseram que seria preciso amputar a perna”, diz o pai. “Eu pedia que deixassem o pajé entrar e fazer os rituais, mas não deixavam.” A direção do hospital diz que o uso de ervas poderia piorar o quadro de L. e que rituais naquela ala hospitalar seriam inviáveis. “A menina estava internada ao lado de uma UTI com 150 pessoas”, diz Joaquim Alves, diretor do hospital. “Como eu poderia permitir que eles fizessem rituais e perturbassem o silêncio recomendado nas UTIs?”

Os tucanos recorreram à Procuradoria da República. “Eu entendi o apelo do pai da criança. Se tivesse um filho com recomendação de amputação, gostaria de consultar outros médicos. Eles queriam consultar os seus sábios”, diz a procuradora Luciana Gadelha. O pai tirou L. do Pronto-Socorro João Lúcio e a levou para uma casa de saúde indígena, onde ela só recebia os cuidados dos pajés. Ficou nessa situação até que o diretor do Hospital Universitário Getúlio Vargas, Raymisson Monteiro, propôs um acordo inusitado: aliar o tratamento indígena ao tratamento médico convencional. As enfermeiras aceitaram se submeter às restrições. Os índios ganharam tempo e espaço para os rituais e seus chás de ervas, mas abriram mão de colocar unguentos sobre os ferimentos. Em três dias de tratamento simultâneo, L. deixou de ter febre. A pele cresceu e cobriu os ossos do pé, antes expostos pela ferida. A amputação foi descartada.

A história de L. deixou o médico Joaquim Alves intrigado. “Sinceramente, não sei o que fazer se, como cirurgião, digo que um pé precisa ser amputado para evitar infecção generalizada e o pajé me diz que pode curá-lo com unguento. É fato que a menina está melhorando, mas como saber se isso é efeito dos rituais ou mera coincidência?” Entre as possíveis explicações para a melhora, uma é que algum dos remédios – os da milenar farmacopeia indígena, os da avançada medicina ocidental, ou ambos – tenha surtido efeito. Outra é que a crença nos feitiços compartilhada pela comunidade seja capaz de provocar mudanças benéficas no organismo do doente. De qualquer forma, o caso de L. é um exemplo de como a cooperação entre dois tipos de medicina pode funcionar.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Guarani se reúnem em aty guassu em Amambai

O CIMI colocou em seu site a notícia abaixo que trata do início de um aty guassu na cidade de Amambai, MS.

A assembleia foi convocada aparentemente pelos paí Guarani para tratar dos dois principais problemas que afligem a paciência dos Guarani de Mato Grosso do Sul: o administrativo e o fundiário.

O problema administrativo tem dois aspectos cruciais: um é a destruição da AER Amambai e a concentração dos serviços na única administração restante para os Guarani, a AER do Cone Sul, localizada em Dourados. Essa decisão foi feita logo no começo da atual gestão da Funai e os Guarani a engoliram com a promessa de que a nova administração iria ser poderosa e bem aquinhoada. Por algum tempo os Guarani aceitaram esse controle vindo de Dourados, quando há pelos menos 15 anos a AER de Amabai funcionava para mais da metade dos índios Guarani do Mato Grosso do Sul. Agora não somente querem a descentralização quanto a renovação da AER Amambai e a criação de mais duas outras. O outro aspecto administrativo crucial diz respeito á condução da Sra. Margarida Nicoletti na AER Cone Sul. Para muitos sua gestão é eficiente e correta e a Sra. Nicoletti é leal aos índios e aos seus propósitos. Por exemplo, ela brigou duramente com os pastores evangélicos, mas não com os pastores católicos. Para outros, ela é centralizadora, atende em especial aos grupos indígenas ligados ao CNPI e tomou como princípio desconsiderar o papel tradicional dos chamados capitães das aldeias Guarani.

Nesse quesito a posição da gestão atual da Funai é: nem uma coisa, nem outra. Os índios que engulam o que têm.

Já o problema fundiário é mais grave. Trata-se da promessa feita pela Funai, tanto em Dourados quanto em Brasília, através de um TAC firmado com o Ministério Público Federal, em novembro de 2007, segundo o qual a Funai se comprometia a demarcar cerca de 500.000 a 1.000.000 de hectares no Mato Grosso do Sul. Muitos índios Guarani acreditaram nessa promessa e agora querem seu cumprimento. Essa promessa destemperada resultou no envio de 6 grupos de trabalho para dar partida ao reconhecimento das novas terras guarani. E o coice veio exatamente de onde mais se esperava: a resistência acirradíssima dos fazendeiros locais e no envolvimento direto e emocional do governador do estado, André Puccinelli. No desenrolar desses acontecimentos, que se deram entre julho e outubro de 2008, o governador Puccinelli foi ao presidente Lula e acertou que não haveria demarcação nenhuma em Mato Grosso do Sul passando por cima dele. O atual presidente da Funai foi chamado e admoestado para atender ao reclamo do governador e agora põe-se na quietude fingindo-se de mercador.

Nesse segundo quesito a posição da gestão atual da Funai é: não dá para fazer nada agora.

O Aty guassu que está se realizando em Amambai está tendo o apoio ostensivo do CIMI, cuja ideia é de forçar a Funai e o seu presidente atual a tomar posição de cumprir sua promessa, ou desistir de sua posição.

Vamos esperar para ver o documento que sairá na sábado. Terá a marca tradicional dos autores dos últimos documentos emitidos nessas assembleias.


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Lideranças no MS ressaltam que não vão abrir mão da demarcação de suas terras

Notícia do CIMI

Os Kaiowa-Guarani de Mato Grosso do Sul começam hoje o primeiro Aty Guasu de 2009, assembléia que vai até o dia 28 de fevereiro no município de Amambaí. Um dos principais temas do encontro será o problema da crise de administração na FUNAI de Dourados. Porém muitas lideranças já adiantaram que com ou sem a atual administradora, não vão abrir mão da demarcação de suas terras.

Participam do encontro, lideranças políticas e religiosas, professores, vereadores indígenas, agentes de saúde, crianças para buscar uma definição sobre o problema que afeta a administração da FUNAI de Dourados/MS.A chefe atual, Margarida Nicoletti, está sendo questionada por um grupo de lideranças indígenas, que pedem o afastamento da mesma e a nomeação de um indígena como novo administrador da entidade. Por outro lado um grupo maior de lideranças fez uma reunião no 03 de fevereiro,ocasião em que decidiram chamar o Aty Guasu para que seja decidido nessa instância, por meio da vontade da maioria das lideranças de todas as aldeias, a continuidade ou não de Nicoletti como administradora da FUNAI de Dourados.

Reestruturação

As lideranças que querem a continuidade de Margarida colocaram condicionamentos para seguir apoiando a atual administração da FUNAI em Dourados. Em nota enviada ao presidente da FUNAI Marcio Meira, 26 lideranças das aldeias do cone sul de MS e vereadores indígenas Kaiowa-Guarani ressaltaram "além da permanência da atual administradora queremos a definição das políticas que precisam ser implementadas pela FUNAI, bem como mais funcionários para que estas políticas possam ser executadas". Entre as mudanças, pedem "a estruturação da regional da FUNAI de Amambaí e ampliação de regionais para Antonio João, Paranhos e Iguatemi e novos administradores nas regionais e que os mesmos sejam escolhidos no Aty Guasu, visto que os atuais não têm cumprido seu papel", afirmam.

Demarcação em jogo

As lideranças que apóiam Margarida dizem que a idéia de tirar Margarida da FUNAI não representa o sentimento da maioria do povo Kaiowa-Guarani e que existe "interesses políticos dos não índios que querem prejudicar a atual administração". Na reunião de lideranças no dia 3 de fevereiro em Dourados este grupo enviou uma mensagem à sociedade com a seguinte reflexão: "Tem grupo vinculado ao agronegócio que quer confundir os indígenas e criar briga entre nós, achando que derrubando Margarida nós vamos esquecer a luta pela demarcação de nossas terras. Independente de Margarida, a demarcação quem vai fazer são os Kaiowa-Guarani".

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Raposa Serra do Sol será decidida em março

O presidente do STF, Gilmar Mendes, declarou ontem que o julgamento da homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol será retomado no mês de março.

Até agora oito ministros votaram, todos seguindo o voto original do relator Ayres Britto, porém seguindo em grande parte as 18 ressalvas apresentadas extra-petito pelo ministro Menezes Direito.

Os três ministros faltantes são: o próprio Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello. São considerados os ministros mais conservadores, juntos com Cézar Peluso e Menezes Direito.

Na enquete ao lado, pergunta-se se esses três ministros seguirão os votos dos que já votaram, isto é, favorável à homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol e com restrições quanto a vários temas do indigenismo brasileiro, e se acrescentarão novas ressalvas.

As ressalvas que foram apresentadas no voto de Menezes Direito podem ser lidas aqui.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Na ditadura Funai demite indigenistas e antropólogos

No período inicial da transição da ditadura para a democracia, por volta de 1977-78, surgiram muitos movimentos em prol de minorias e dos direitos humanos. Um deles foi o movimento dos antropólogos que, juntos com o CIMI, jornalistas e advogados que começavam a defender os povos indígenas, se puseram contra o projeto de emancipação dos índios que o governo Geisel pretendia implementar por volta de 1978. Outro movimento que se galvanizou foi o dos indigenistas da Funai, que pretendia liberar a Funai da presença maciça dos militares, especialmente depois que o primeiro civil, Ademar Ribeiro da Silva, foi nomeado presidente em março de 1979, mas demitido em novembro do mesmo ano. O movimento dos indigenistas e antropólogos da Funai tinha o apoio de muitas lideranças indígenas que despontavam no panorama político brasileiro e de muitos antropólogos fora da Funai. Criou-se a Sociedade Brasileira de Indigenistas, em princípios de 1980, logo alguns dos líderes foram demitidos e, em seguida, pela solidariedade demonstrada por outros, cerca de 68 deles foram demitidos. Alguns conseguiram escapar dessa demissão em massa.

A história da formação da Sociedade Brasileira de Indigenistas (SBI) ainda está para ser contada. Na verdade, a história do indigenismo brasileiro ainda está para ser contada, e espero que venha a ser por pessoas que participaram e participam dessa história. Na matéria que se segue, Rubem Valente, da Folha de São Paulo, analisa os dados encontrados nos arquivos da ASI, da Funai baseados em relatórios de espiões e infiltrados no movimento. É a continuação das matérias anteriores que saíram ontem no mesmo jornal. (Ver logo abaixo.)

O entrevistado dessa matéria é o antropólogo e indigenista Cláudio Romero, um dos líderes da SBI. Ele esclarece alguns pontos interessantes dos dados apresentados por Rubem Valente, mas é discreto quanto às atividades de supostos espiões que trabalhavam na própria Funai e que poderiam estar a serviço dos interesses dos militares. Na verdade, sabia-se que os militares tentaram cooptar indigenistas para espionar os colegas, que ameaçaram muitos com demissões, mas os delatores eram quase sempre gente fora do círculo de indigenistas.

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Funai demitiu antropólogos por protestos durante a ditadura

Documentos de braço do extinto SNI abertos após 30 anos de sigilo revelam espionagem de funcionários do órgão que discordavam das políticas indigenistas

Folha de São Paulo, por Rubem Valente

No segundo semestre de 1980, a política indigenista da ditadura militar sofreu um duro ataque do próprio corpo de especialistas do governo. Um grupo de antropólogos e indigenistas lotados na Funai (Fundação Nacional do Índio) rebelou-se contra a política oficial de "integração" dos índios à "sociedade nacional" e entregou uma carta de protesto ao então ministro do Interior, coronel Mário Andreazza.

Além de pedir a substituição dos coronéis do Exército e da Aeronáutica que comandavam a Funai, os indigenistas protestavam contra a demissão de colegas ligados à nascente SBI (Sociedade Brasileira de Indigenistas), ONG que denunciava mazelas do setor, com repercussão internacional.

A reação foi imediata: 68 indigenistas, antropólogos e outros servidores foram demitidos "por justa causa" ou "indisciplina" nos dias seguintes. Essa é a parte pública do episódio.

A abertura dos arquivos da ASI (Assessoria de Segurança e Informações), o braço do SNI (Serviço Nacional de Informações) na Funai, entregues ao Arquivo Nacional de Brasília após três décadas de sigilo, revela que os antropólogos eram acompanhados por arapongas meses antes do início dessa que é considerada a maior crise indigenista da ditadura.

Ontem, a Folha mostrou que os papéis do SNI também comprovam a espionagem dos missionários que fundaram o Cimi (Conselho Indigenista Missionário), ligado à Igreja Católica, durante o governo de Emílio Garrastazu Médici (1969-1974). Os militares acreditavam que o conselho queria "subverter" o controle do órgão sobre os índios.

O libelo dos indigenistas, usado pelo regime para justificar as decisões, só foi redigido dois meses depois que uma reunião da SBI foi gravada em fita cassete, transcrita e relatada à Funai. A infiltração na reunião da SBI foi também anterior às primeiras demissões.

O arquivo da ASI contém as 19 páginas datilografadas em papel timbrado que resumiram a reunião. No encontro, os dirigentes foram acusados pela perda de territórios indígenas para colonos e posseiros. Os servidores denunciavam que os principais cargos eram ocupados por militares estranhos aos conceitos da tradição do indigenismo brasileiro.

Em vez de apurar as acusações, Andreazza (1918-1988) entregou a carta à ASI da Funai e iniciou as demissões, executadas pelo coronel João Carlos Nobre da Veiga, então presidente do órgão. Veiga havia sido o coordenador do braço do SNI, uma DSI (Divisão de Segurança e Informações) na então companhia estatal Rio Doce Geologia e Mineração.

Outra evidência veio à tona na época da crise. Segundo Cláudio dos Santos Romero, um dos fundadores da SBI, os indigenistas desconfiaram de um espectador de uma reunião que dizia ser "professor em Luiziânia", Goiás. Depois de interpelado, descobriu-se que o homem era capitão do Exército. Romero tirou foto dele e a enviou anonimamente para o coronel do Exército Ivan Zanoni Hauser, um alto funcionário da Funai que estava investigando a SBI. O coronel ficou furioso, disse à Folha.

O indigenista era um crítico da ditadura. No meio da reunião de 1980, pelo relato do araponga, Romero -que presidiu o órgão nos anos 90- levantou-se para declarar que a "cúpula da Funai é terrível e sutil". Houve também denúncias sobre o comportamento de delegados regionais, que supostamente beneficiavam colonos e posseiros em detrimento dos índios.

Outros documentos mostram que a vigilância se estendeu a indigenistas não relacionados com a SBI. Um "relatório de missão" descreve a ida de policiais federais a uma aldeia em Santa Terezinha (MT), para "investigar as atividades de um indivíduo suspeito de possuir curso superior", mas que trabalhava no posto da Funai "como pedreiro". A PF nada concluiu sobre Lázaro Dirceu Mendes Aguirre, formado em filosofia. Ele, que mora até hoje na região e trabalha com os mesmos índios tapirapés, fazia trabalho voluntário.

Na ditadura Funai espionava missionários -- I

Nesta terça-feira de Carnaval, o jornal Folha de São Paulo saiu com uma longa matéria sobre as atividades de espionagem da antiga Assessoria de Segurança e Infomação (ASI) da Funai, na época da ditadura militar.

A ASI foi o setor mais temido de todos os órgãos públicos brasileiros. Ela estava em todos, conhecia quase tudo que se passava, vigiava todos e tentava mandar em todos. As ASIs tentavam comunicar-se entre si, mas era através do mais temido SNI que suas informações faziam sentido e alimentava a ditadura militar de informações.

Na Funai não era diferente. A ASI existiu desde o começo da Funai e durante muitos anos coletou informações de todas as delegacias regionais e dos postos indígenas. Sempre havia algum representante dela nas delegacias e essa pessoa era frequentemente quem comandava as ações estratégicas do órgão. As informações coletadas chegavam a Brasília em forma de telegramas e relatórios das delegacias (hoje administrações) regionais e dos espiões e informantes avulsos. Além da ASI, todo delegado regional era obrigado a reportar sobre o que estava acontecendo em sua região a respeito de pessoas ou organizações vistas com alguma desconfiança.

Ao final do período de existência, a ASI da Funai deixou cerca de 92 caixas de informações que foram levadas para o Arquivo Público Nacional e agora começaram a ser liberadas para pesquisa. O jornalista Rubem Valente, da Folha de São Paulo, resolveu começar a pesquisar esse arquivo. O que achou é de muito interesse para a história do indigenismo moderno, bem como reflete o período negro da história recente brasileira.

Na matéria abaixo e nas seguintes Rubem Valente abre a caixinha de pandora e aborda temas sobre a relação entre missionários, especialmente católicos, e a Funai. Na última matéria trata de telegramas enviados por Apoena Meirelles, um dos grandes indigenistas brasileiros, assassinado em outubro de 2004, quando era delegado regional de Porto Velho, Rondônia.

Rubem Valente descobriu um filão de informações as mais diversas sobre esse período negro da história brasileira. Outras matérias seguirão nas próximas semanas, inclusive sobre o período de transição, quando foi criado o movimento dos indigenistas, em 1979, e que resultou na demissão sumária de 40 indigenistas por insubordinação e subversão.

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Funai espionou missionários na ditadura

Folha de São Paulo, por Rubem Valente

Liberados em janeiro para pesquisa, documentos de braço do SNI no órgão indigenista relatam 30 anos de vigilância
Militares acreditavam que o Cimi (Conselho Indigenista Missionário) pretendia "subverter" o controle da fundação sobre os índios

Guardadas por mais de 30 anos numa sala da FUNAI (FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO) em Brasília, 92 caixas com documentos confidenciais produzidos por um braço do SNI (Serviço Nacional de Informações) no órgão foram finalmente liberadas a pesquisadores em meados de janeiro.

Os papéis demonstram a espionagem feita pelos órgãos de segurança sobre o grupo de padres e bispos que, em abril de 1972, sob o governo do general Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), fundou o Cimi (Conselho Indigenista Missionário), ligado à Igreja Católica.

As centenas de telegramas, ofícios, relatórios de missão, análises e bilhetes manuscritos foram produzidas ou recebidas pela ASI (Assessoria de Segurança e Informações), que por duas décadas funcionou na FUNAI. A coordenação regional do Arquivo Nacional em Brasília, ligado à Casa Civil, recolheu os papéis em 2008.

O SNI montou uma extensa rede de espionagem na máquina estatal. Cada ministério contava com uma divisão de segurança e informações, enquanto fundações, autarquias, universidades e estatais tinham uma ASI. As unidades se relacionavam com a chefia central do SNI. O Arquivo Nacional já contou pelo menos 248 órgãos diferentes vinculados ao SNI. A FUNAI era um deles.

"Dossiê"

A partir de 1974, com o general Ernesto Geisel (1974-1979) na Presidência, a entrada e a atividade de missionários nas áreas indígenas foram monitoradas por uma rede de informações que começava no alto escalão da FUNAI, passava por delegados regionais dos órgãos e por capitães de postos indígenas e chegava aos índios, coagidos e interrogados sobre a presença dos padres, como indicam vários dos telegramas. Todos os documentos eram enviados à chefia da ASI em Brasília.

O "dossiê Cimi" compreende cerca de 2.000 páginas, incluindo cadernos de formação e textos produzidos pelo Cimi e que eram apreendidos pelos espiões tão logo distribuídos entre os índios.

Os militares acreditavam que o Cimi pregava o comunismo nas aldeias e queria "subverter" o controle do órgão sobre os índios. Os informes -alguns intitulados "atuação da esquerda clerical" ou "infiltração comunista e atuação de grupos religiosos"- serviram de base a inúmeras medidas da presidência da FUNAI contrárias aos missionários.

Na FUNAI, a figura relevante do período foi o controvertido general de Exército Ismarth de Araújo Oliveira, que presidiu a FUNAI entre 1974 e 1979 -o mais longevo da história do órgão. Hoje descrito por parte de antropólogos e indigenistas como defensor das causas indígenas, Ismarth aparece em telegramas e bilhetes ordenando vigilância, proibindo o acesso a terras indígenas e determinando medidas contra os padres.

Em 1978, Ismarth enviou carta confidencial ao general-de-brigada Francisco Batista Torres de Melo, comandante da Brigada Mista de Corumbá (MS), então responsável por uma extensa faixa territorial que ia de Goiás ao sul de Mato Grosso e na qual viviam populosas etnias indígenas acossadas por posseiros e colonos.

"A FUNAI está seriamente preocupada com o recrudescimento da atuação da ala esquerdista da igreja nas áreas indígenas de Mato Grosso, em particular nas que estão sob o controle das missões salesianas", escreveu Ismarth.

Citando os bispos Pedro Casaldáliga e Tomás Balduíno, cofundadores do Cimi, Ismarth escreveu que a intenção "dessa ala esquerdista da igreja [é] usar o índio como instrumento, criando agitação em áreas que estão tranquilas".

Ismarth sugeriu que fosse feita a "infiltração de um elemento da Brigada na área da Missão Salesiana de São Marcos [MT]. Para não despertar suspeitas, o mesmo portaria uma carteira funcional de servidor da FUNAI".

Dias depois, o general respondeu que concordava com a infiltração e encomendou a missão secreta a uma seção do Exército em Aragarças (GO).

Localizado pela Folha em Fortaleza (CE), o general-de-divisão reformado Torres de Melo, 84, disse não se lembrar desses papéis. "Eu me dava bem com a igreja. Não me lembro de nenhum problema na época." Entre 1974 e 1977, Melo comandou a Polícia Militar de São Paulo, na gestão do secretário de Segurança Pública Erasmo Dias.

Às vezes o general Ismarth usava seu poder de veto em simples retaliação às críticas públicas feitas pelos missionários contra o governo. Num bilhete de 1976, por exemplo, o general despachou no canto de um pedido de entrada de um padre a uma aldeia do Amazonas: "As críticas que o Cimi, por intermédio do padre Egydio [Schwade], vem fazendo ao governo e à FUNAI não permitem que o pedido seja atendido".

Em outro bilhete, respondeu a um funcionário que queria saber se a FUNAI fora chamada para uma reunião com o Cimi: "A FUNAI não foi comunicada e mesmo que tivesse [sido], não participaria de reunião do Cimi, face as características de que as mesmas se revestem de ataques ao governo".

Vigilância

Ismarth era sempre informado pela ASI sobre as ações do Cimi. Em resposta, disparava telegramas. Em março de 1978, orientou: "Esta presidência tomou conhecimento de que o padre [do Cimi] Dionísio Egon Heck dirigiu-se a esse Estado a fim de manter contatos com índios dessa região, seja para agitá-los, seja para participação [informá-los] sobre problemas no sul do país. Determinar a todos os PIs [postos indígenas] estreita vigilância, impedindo ingresso do mesmo a qualquer área. Em caso de recalcitrância, acionar autoridades".

As perseguições da FUNAI se estendiam aos índios que aceitavam conversar com os missionários. Em 1976, ao ser informado de que a cúpula do Cimi estava reunida em Rio Branco (AC), Ismarth datilografou carta confidencial ao chefe da ASI. "A reunião está tendo caráter sigiloso e, apesar da vigilância da FUNAI, o Cimi conseguiu arrebanhar dois índios do rio Purus (...). Os órgãos de segurança: Polícia Federal, SNI e do próprio Estado estão atentos. (....) Ao término da reunião, será tentado deter os índios e conseguir que os mesmos informem os assuntos tratados e a orientação dada pelo Cimi."

Na ditadura Funai espionava missionários -- II

Em prosseguimento à matéria central sobre a espionagem que a assessoria de segurança e informação da Funai fez contra missionários e outros, no tempo da ditadura militar, o jornalista Rubem Valente entrevistou o coronel-aviador Paulo Moreira Leal, que foi presidente da Funai entre 1981 e 1983 sobre esse período.

Segundo a matéria, foi o coronel Leal que reatou relações com indigenistas críticos à Funai, depois que 40 deles foram demitidos em abril de 1980, e com missionários do CIMI.

O coronel Leal fala com mágoas desse período. Eis sua entrevista.

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Coronel diz que Funai foi "folha negra na vida"

Folha de São Paulo, por Rubem Valente

Presidente da FUNAI entre 1981 e 1983, o coronel-aviador reformado Paulo Moreira Leal, 94, disse que sua passagem pelo órgão foi "uma folha negra na vida" e não quis fazer mais comentários. Ele foi procurado para falar sobre as funções da ASI, o braço do SNI (Serviço Nacional de Informações) no órgão indigenista. "Não queria voltar a esse assunto [FUNAI] porque o sr. sabe, magoou muito a gente. É a vida", disse o coronel.

Documentos da ASI mostram que a gestão de Leal reatou as relações com indigenistas críticos à ditadura e fez uma distensão com o Cimi, ligado à Igreja Católica. Em 1981, Leal voltou a autorizar a entrada de missionários em áreas indígenas.

Chefe do escritório do SNI em Manaus (AM) no final da década de 70, o coronel reformado do Exército Delcy Gorgot Doubrawa, 79, mandou ofícios à FUNAI, em 1979, para pedir informações à ASI da FUNAI sobre assembleia indígena no Amazonas. "Eu trabalhava em Manaus, que era o ponto central. E os comandantes dessas unidades de fronteira nos abasteciam com informações. Mas, no meu período, ali, não houve atritos." Doubrawa não se recordou do ofício. "Não me lembro, mas se o sr. está lendo, realmente o documento foi expedido. É que a FUNAI tinha mais contato, mais informações, e nós nos valíamos também dos dados da FUNAI, pois eram dados confiáveis."

O general-de-divisão reformado Francisco Batista Torres de Melo, 84, disse não se recordar do pedido feito pelo então presidente da FUNAI, general Ismarth de Araújo Oliveira, para que infiltrasse um militar entre os salesianos. Melo disse que a própria Igreja Católica "tomou providências" contra a parte do "clero à esquerda". "Você viu que a santa igreja foi em cima deles, "não pode ser assim". A santa doutrina da igreja está acima dos homens."

Alvos

O padre Antônio Iasi, 89, cofundador do Cimi, foi dos mais vigiados pela FUNAI nos anos 70. "De início, o Ismarth autorizou o trabalho do Cimi nas aldeias, mas quando percebeu que fazíamos relatórios para a imprensa, ele cortou completamente a autorização. Nós continuamos a fazer o trabalho clandestinamente, e a situação ficou tensa", relembrou Iasi. Os relatórios descreviam as más condições de saúde e alimentação nas aldeias.

O bispo dom Tomás Balduíno, 73, outro cofundador do Cimi, descrito em relatórios da FUNAI como "subversivo", ironizou a palavra. "De certa forma era verdade mesmo, nós fazíamos a subversão nas aldeias porque o índio começava a despertar para seus problemas. Quando o Cimi chegou, foi uma transformação radical. Eles [índios] começaram a buscar a recuperação de suas terras e de sua cultura", disse o bispo. (RV)

Na ditadura Funai espionava missionários -- III

A terceira parte da matéria de Rubem Valente, do jornal Folha de São Paulo, trata de alguns telegramas enviados pelo grande indigenista brasileiro, Apoena Meirelles, que, por volta de 1980, trabalhava em Rondônia como delegado regional de Porto Velho e como sertanista que fez contato com diversos povos da região.

Segundo esses telegramas, Apoena comunica à Funai sua opinião negativa sobre a visão de religiosos do CIMI e de outras missões sobre a questão indígena, pede que lhes seja vetada a entrada em terras indígenas, alerta sobre o aborrecimento dos índios com a ausência da Funai nas terras indígenas e em um deles pede a demissão dos indigenistas José Carlos Meirelles, Terri Aquino e Antônio Macedo, supostamente por insubordinação.

Na sequência da matéria, o jornalista Rubem Valente entrevistou Terri Aquino, que não se lembrava de ter tido discussões com Apoena na ocasião para merecer essa comunicação.

Apoena Meirelles, filho de Francisco Meirelles, foi um grande indigenista brasileiro. Fez os primeiros contatos com diversos povos indígenas pelo Brasil, desde os Avá-Canoeiro e especialmente os Suruí, Zoró e Urueuauau, em Rondônia, e tinha opiniões muito firmes sobre diversos temas do indigenismo brasileiro. Um deles era sobre a presença de missionários em terras indígenas, algo que não combinava com sua visão política duplamente de comunista e de rondoniano. Embora amigo de muitos indigenistas que foram contra o domínio de militares na Funai, Apoena não participou ativamente do movimento dos indigenistas que bateram de frente com os militares a partir do final da década de 1970. Talvez isto tenha a ver com o tal pedido para a Funai demitir os indigenistas do Acre. Ou talvez o caso seja explicado por algo mais comezinho, como a indisciplina dos citados. Não sei. Eles poderão explicar melhor. De todo modo, é evidente que Apoena não é um delator, pois sua visão sobre as missões religiosas era conhecida de todos e o pedido de demissão de colegas indigenistas fazia parte da prerrogativa de suas funções de administrador de uma unidade indigenista.

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Sertanista pediu demissões em telegramas confidenciais

Folha de São Paulo, Rubem Valente

Filho do sertanista Francisco Meirelles (1908-1973), referência no indigenismo, Apoena Meirelles (1949-2004) tornou-se também um inspirador das novas gerações de sertanistas. Nascido numa aldeia xavante, passou toda a vida adulta no trabalho indigenista. Em 2004, teve um fim trágico, ao ser baleado e morto numa suposta tentativa de assalto a um banco em Porto Velho (RO).

Antes de integrar o SPI (Serviço de Proteção ao Índio), o pai de Apoena foi filiado ao PCB (Partido Comunista Brasileiro) e acabou preso em 1935 por envolvimento no levante comunista em Recife (PE). Apoena carregou do pai a imagem de "esquerdista" e teve atritos com os militares. Contava ter sido preso na passeata dos Cem Mil, no Rio, em 1968. Segundo seus ex-colegas na FUNAI, Apoena, que viria depois a presidir o órgão, foi demitido na gestão do coronel Paulo Moreira Leal (1981-1983).

O passado político de Apoena não impediu que ele ocupasse um cargo de confiança na FUNAI entre final dos anos 70 e início dos 80, o de delegado da 8ª Regional (RO e AC).

Os documentos da ASI (Assessoria de Segurança e Informações) da FUNAI, agora revelados, contudo, indicam que Apoena concordou diversas vezes com a ditadura em pelo menos dois pontos: detestavam o trabalho dos missionários religiosos em aldeias indígenas e os funcionários supostamente "insubordinados".

Num telegrama confidencial de junho de 1980, Apoena pediu à direção da FUNAI que demitisse sumariamente, por suposta "insubordinação", o antropólogo Terri Valle de Aquino, o sertanista José Carlos dos Reis Meirelles Júnior e o auxiliar artífice Antonio Luiz Batista de Macedo. Eles foram de fato demitidos dias depois.

Quase 30 anos depois, Aquino, que foi reconduzido à FUNAI na década de 90, só soube por um telefonema da Folha, há duas semanas, que seu superior havia pedido aos militares sua demissão. "Nunca discuti com Apoena. É uma completa surpresa para mim."

Aquino contou que na época da demissão estava ajudando os índios caxinauás a se organizarem e pedirem ao governo a demarcação de terras. "Eu não tinha problemas com Apoena, os índio que tinham."

Por telegramas, Apoena também pediu da FUNAI, em Brasília, que tomasse medidas enérgicas contra o Cimi e outras missões religiosas. Em 1980, despachou mensagem confidencial: "Encontrei índios revoltados com a ausência da FUNAI na região, completamente sob domínio do Cimi e de outras organizações religiosas".

Talvez o mais duro ataque de Apoena ao Cimi tenha sido o telegrama de 21 de março de 1982. Diz que os "elementos" do Cimi estimulavam "o ressurgimento de focos de tensão, causado pelo sectarismo e pela visão unilateral do problema do índio". Termina pedindo sinal verde para "vetar o ingresso do Cimi nas áreas indígenas".

O papel desempenhado por Apoena na FUNAI era de conhecimento dos indigenistas críticos do governo, conforme indica outro documento do acervo da ASI. O texto da peça de teatro "A Grilagem do Cabeça", que seria exibida no Amazonas e acabou censurada pela ditadura, trazia um personagem chamado Apoena, que, ao conversar com índios apurinãs, procura sempre defender a FUNAI. "Estou aqui enviado pelo presidente da FUNAI para resolver de uma vez por todas a situação", dizia o personagem. A ASI não gostou: "A peça é uma crítica sarcástica, falando sobre terra. (...) Fala do Apoena Meirelles. Percebe-se o veneno nas entrelinhas". (RV)

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Ministro Ayres Britto explica sua visão sobre Raposa Serra do Sol

A revista CartaCapital sai essa semana com uma longa entrevista com o ministro Carlos Ayres Britto, do STF. O ministro fala sobre seu voto favorável à homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol e como ele foi seguido por outros sete ministros. Comenta também sobre as "19 ressalvas" exaradas pelo ministro Menezes Direito, que, na verdade, são adendos extra-petito, isto é, comentários fora do tema específico da homologação. O ministro Britto diz que tem reservas a alguns dos pontos ressalvados, especificamente aquele que trata da ampliação de terras indígenas. Ayres Britto também tece comentários sobre uma altercação que teve com seu colega de corte o ministro Marco Aurélio Mello. Também sutilmente reprova a opinião do ministro Cézar Peluso sobre a questão da aculturação dos índios e o papel que o Exército teria ou não a realizar sobre essa questão.

É bom lembrar que, segundo o jornal O Globo, de sexta-feira passada, na coluna de Ilimar Franco, o ministro Marco Aurélio Mello já escreveu seu voto sobre o caso Raposa Serra do Sol, sobre o qual tinha pedido vista na votação em que oito ministros já apresentaram seus votos.

Talvez possamos esperar para fins de março a finalização da votação e a exaração da sentença final desse caso.

Eis a entrevista do ministro Britto:


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Pelas áreas contínuas

CartaCapital, por Luiz Antonio Cintra

Para o ministro Ayres Britto, o STF fez história no caso da Raposa

Apesar de o julgamento não ter sido oficialmente concluído, já é certo que os indígenas foram os vencedores no julgamento da demarcação da Reserva Raposa-Serra do Sol, em Roraima. Os sete votos proferidos na sessão da quarta-feira 10 seguiram, na essência, o voto do relator, ministro Carlos Ayres Britto, lido em agosto. "O núcleo da decisão foi o de que o procedimento demarcatório da Raposa foi todo ele jurídico, obedeceu rigorosamente aos parâmetros legais e constitucionais", afirma Britto. A maioria dos onze ministros julgou que a demarcação será mantida no formato atual, em área contínua, sem a presença de não-índios, contrariamente à reivindicação dos fazendeiros da área e governo estadual. Também foi consensual que o fato de a reserva estar na fronteira do País não ameaça a soberania nacional, como argumentaram produtores rurais e setores das Forças Armadas.

A conclusão do caso foi mais uma vez adiada, graças a novo pedido de vista, desta vez do ministro Marco Aurélio Mello, que incluiu em sua solicitação a análise da ação cautelar, apesar de a maioria também ter decidido pela cassação da liminar que garante a permanência dos fazendeiros até a análise do mérito. Com o pedido, o julgamento será reiniciado em 2009, quando o governo poderá, publicada a súmula, retirar os não-índios. Além de Mello, faltam votar Gilmar Mendes e Celso de Mello.

Durante a sessão, Mello deixou explícito o seu descontentamento com a postura do ministro Britto, que insistiu para a liminar ser cassada durante a sessão, dada a maioria. Na entrevista a seguir, Britto comenta o caso, as condições sugeridas por Carlos Alberto Direito e as rusgas com o outro colega de tribunal.

CartaCapital: Qual a avaliação que o senhor faz do resultado do julgamento?

Carlos Ayres Britto: O núcleo da decisão foi o de que o procedimento demarcatório da Raposa-Serra do Sol foi todo ele jurídico, obedeceu rigorosamente aos parâmetros legais e constitucionais. Conforme, aliás, o meu voto proferido em agosto. Agora, essa decisão tem dois desdobramentos muito importantes. Em primeiro lugar, o de que o formato é mesmo o contínuo, e não o fragmentado, tipo "queijo suíço", em que os índios ficam com os buracos e os não-índios ficam com o queijo propriamente dito. O segundo desdobramento é que as terras constitutivas da reserva são totalmente indígenas, ali não há terras devolutas, que seriam do estado de Roraima, nem terras particulares, que seriam dos fazendeiros. Na verdade, o que decidimos foi isso. O ministro Carlos Alberto Direito propôs, porém, e foram aprovadas, condições para operacionalizar a decisão. Das dezoito condições propostas, umas quinze eram fundamentos do meu voto. Ele trouxe umas três novas, como a proibição de ampliar a área demarcada, que eu só aceito no caso da Raposa-Serra do Sol, mas não em toda demarcação, aí não vou concordar. Fala-se muito em demarcações anteriores em desconformidade com o modelo constitucional, em "ilhas", que, como sabemos, termina-se matando os índios de fome.

CC: Quais condições serão de fato implementadas?

CAB: Elas terão de ser discutidas. O ministro Direito adotou uma técnica de decisão nova, ao transportar fundamentos para a parte dispositiva da decisão, aquela que considerou todo processo de demarcação legal, em área contínua, onde as terras são integralmente dos índios. Ele levou em conta a complexidade e a delicadeza da questão, com possibilidade inclusive de confronto físico. Agora, as dezoito condições comportam discussão, sobretudo a que proíbe revisão da área demarcada.

CC: O senhor ficou contrariado com a decisão do presidente do Tribunal de acatar o segundo pedido de vista do ministro Marco Aurélio Mello?

CAB: Não posso deixar de dizer que estranhei o pedido de vista do ministro Marco Aurélio, eu não esperava. É uma questão já debatida, mas é um direito dele. Também não esperava que ele, além de pedir vista na ação popular, pedisse vista também na ação cautelar. Quando propus que, na ação cautelar, cassássemos a liminar (que permite a permanência dos não-índios na área indígena), quando se formou a maioria, fui surpreendido pelo segundo pedido de vista. Mas a minha estranheza não deslegitima o pedido de vista do ministro, que se aborreceu, dizendo que estava aprendendo comigo depois de 30 anos de exercício profissional. Ora, aprendemos todos os dias, uns com os outros, não tem essa de 30 anos. Se tivermos a mente e o sentimento abertos, aprendemos todos os dias e isso não é desdouro para ninguém.

CC: Há quem considere as condições sugeridas pelo ministro Direito de competência do Congresso Nacional. O senhor concorda?

CAB: Concordei com o formato decisório proposto pelo ministro Direito, ao cercar de condições o núcleo da decisão. Quanto a cada uma dessas decisões, é outra história, e já explicitei o meu dissenso. Quero inclusive estudar melhor algumas condições que ficam em uma linha muito tênue entre a legislação e a jurisdição, então precisamos retomar essa discussão. A referência ao Instituto Chico Mendes é uma delas, outra sobre tributos. Não que eu seja, a priori, contra, mas precisamos discutir. A priori, sou contra a cláusula 17, a que impede as revisões. Se na sessão de julgamento assentamos que o modelo é o contínuo, como vamos proibir a revisão de processos demarcatórios no modelo descontínuo? Mas o fundamental é que não podemos confundir o núcleo da decisão com as condições de operacionalização. Também é preciso deixar claro que o voto do ministro Direito foi muito estudado, muito cuidadoso, próprio de um erudito.

CC: O ministro Cezar Peluso disse que o Exército tem a função de levar adiante o processo de "aculturação dos indígenas". O que o senhor acha?

CAB: Para mim, o processo de aculturação é lento e não significa a assimilação de uma cultura pela outra, com a sobrevivência de apenas uma delas, no caso a dita civilizada, como se a aculturação fosse um dever do civilizado para absorver e mesmo aniquilar a cultura tida como primitiva. Aculturação é convivência reciprocamente benéfica, para que uma adense a outra. Em uma linguagem mais simples, os índios também têm o direito de nos catequizar um pouco, basta que sejamos inteligentes para aprender com eles. E a Constituição consagra um modelo de cultura que não é o do aniquilamento de nenhuma das duas. Quando se fala em reconhecer o modo de viver, de cultivar a terra, a Constituição fala em "segundo os seus usos, costumes e tradições", os dos indígenas, não os dos não-índios, dos brancos. De modo contemporâneo, não preconceituoso, a Constituição chancelou Paulo Freire, que dizia não haver saberes maiores ou menores, mas diferentes. Ou como diz o poeta Manoel de Barros, o saber dos índios tem força de fonte, é carregado de uma ancestralidade machucada por nós, os seus opressores, então temos de aprender com eles. E a Constituição consubstancia o mais sonoro "não" ao etnocídio, ou seja, à morte do espírito, à destruição dos elementos de uma cultura.

CC: Qual o impacto do caso para o debate público dos direitos indígenas?

CAB: Espero que essa decisão tenha a força de suscitar na sociedade brasileira um repensar da causa indígena, para que a sociedade perceba que tem muito a aprender com os índios. E que se lembre de Einstein, quando ele disse que é mais fácil desintegrar um átomo do que desfazer um preconceito. Então, o momento é oportuníssimo, a discussão toda pode desembocar em um passo adiante na direção de uma sociedade verdadeiramente fraternal, porque pluralista e sem preconceitos. Os índios são brasileiros, não são estrangeiros residentes no País. Devemos tirar partido disso. Somos beneficiados pela habitação deles em áreas de fronteiras, eles reagiram às invasões. É bom que estejam nas fronteiras, não é ruim. As Forças Armadas deveriam tirar partido disso, porque os índios conhecem o interior e as bordas do nosso território, são os mais íntimos da nossa geografia.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Revista ISTO É repercute convênio entre CTI e Funai

Repercute na revista ISTO É desta semana a postagem que fizemos sobre o convênio firmado entre a Funai e a Ong neoliberal CTI pelo qual a Funai passa para aquela ong a responsabilidade pela "formação política e cultural" de mais de 80 povos indígenas. O mais grave disso é que a Funai nunca nem teve essa tarefa de formação política dos povos indígenas! Vai rolar doutrinação pura!

Eis como saiu na revista, na seção Brasil Confidencial:

A Funai terceiriza

Algumas lideranças indígenas articulam um protesto contra o presidente da Funai, Márcio Meira. No dia 2 de janeiro, a Funai transferiu para a ONG Centro de Trabalho Indigenista as atividades de "formação" e "fortalecimento cultural e político" dos povos indígenas isolados, que somam cerca de 80 etnias distribuídas em 500 aldeias. Por coincidência, em várias destas áreas encontram-se jazidas de ouro e reservas de diamante. "É uma ONG substituindo o Estado num assunto estratégico, que é o destino dos povos indígenas isolados", critica o ex-presidente da Funai Mércio Gomes.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Bolívia em crise por causa da bandeira indígena

Os aspectos culturais e simbólicos da Bolívia estão em crise. Um dos símbolos consagrados pela nova Constituição é uma bandeira indígena, chamada "wiphala".

Acontece que o pessoal do leste boliviano, sobretudo o departamento (estado) de Santa Cruz, onde a presença indígena é bem menor, está se recusando a hasteá-la no pavilhão governamental. Suas autoridades dizem que esse símbolo é do altiplano boliviano, que tem uma cultura diferente da cultura cruzeña.

A ideia de multiculturalismo, sem um princípio unitário, termina dando nisso. Assim aconteceu com a Yugoslávia de anos atrás. Assim poderá vir a acontecer na Bolívia.

Criar uma unidade político-cultural em meio à diversidade cultural exige uma engenharia ideológica muito sutil. Vamos ver se a Bolívia consegue se firmar nesse campo. A questão principal é como conciliar os departamentos do oriente boliviano com os do altiplano. Tudo serve de desculpa para os orientais irem contra a unidade que Morales quer estabelecer sob a hegemonia do altiplano.


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Bolívia: bandeira indígena motiva nova disputa entre Governo e oposição

La Paz, EFE

A nova Constituição da Bolívia fez da wiphala, tradicional bandeira indígena, um dos símbolos oficiais do Estado plurinacional, mas também gerou polêmica nas regiões opositoras ao presidente Evo Morales.

Os departamentos de Santa Cruz (leste) e Tarija (sul) rejeitam colocar a wiphala ao lado da bandeira nacional nos prédios públicos, argumentando que não representa sua cultura, confirmaram hoje à Agência Efe representantes dessas regiões.

Já Oruro (oeste) e Cochabamba (centro) foram as primeiras regiões a içar a bandeira de forma solene em suas sedes oficiais.

No dia 7 de fevereiro, Morales promulgou a nova Carta Magna, que em seu artigo 6.2 detalha que os símbolos do país são sua bandeira tradicional, o hino boliviano, o escudo de armas, a wiphala, a flor de kantuta (típica dos Andes) e a flor do patujú (comum no leste).

O ministro de Culturas boliviano, Pablo Groux, disse que há muitas teorias sobre o significado desta bandeira, mas a mais aceita é de que representa o "multiculturalismo da área andina", e por isso é "um símbolo dos povos indígenas" e, agora, dos bolivianos.

Apesar disso, as autoridades de regiões opositoras a Morales não se sentem representadas na bandeira indígena, e decidiram não içá-la em seus prédios públicos.

"Nós, de Santa Cruz, não reconhecemos a wiphala", disse hoje à Efe o secretário de Autonomias da Prefeitura, Carlos Dabdoub.

Segundo Dabdoub, a única bandeira que representa todos os bolivianos é a oficial da Bolívia.

Outros líderes regionais, como o presidente do Conselho Municipal de Santa Cruz, Enrique Landívar, são mais enfáticos no momento de recusar o uso da bandeira indígena.

"Essa bandeira representa à cultura do oeste da Bolívia, não a nossa. Nós mantemos nossos símbolos", afirmou.

Apesar de este novo símbolo nacional aparecer na Constituição promulgada recentemente, a falta de uma norma específica sobre a matéria faz com que apenas alguns locais do país tenham adotado a wiphala em suas sedes oficiais.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

26 índios Xukuru são condenados em Pernambuco. Por que?

Para seu conhecimento e sua reflexão sobre a quantas anda a imagem dos índios brasileiros diante da Justiça formal brasileira, leia a notícia abaixo.

Trata-se de uma sentença proferida por um juiz federal em Pernambuco contra 26 índios Xukuru, que vivem na Terra Indígena Xukuru, vizinhos da cidade de Pesqueira, na região do agreste pernambucano. O caso advém do seguinte acontecimento, resumido.

Em fevereiro de 2003, o índio Xukuru Marcos Luidson, conhecido como Marquinho Xukuru, filho do falecido cacique Chicão, que conseguira alguns anos antes dar partida ao processo de reconhecimento e retomada das terras dos Xukuru naquela região, e que havia sido assassinado, estava viajando de sua aldeia para a cidade de Pesqueira. Marcos Luidson era então um jovem de pouco mais de 20 anos, mas havia sido proclamado pelos pajés dos Xukuru, em consulta com os encantados que compõem o universo místico-religioso daquele povo, como o novo grande chefe dos Xukuru, em substituição ao seu pai falecido. Ao se aproximar da vila de Cimbres e ao diminuir a marcha para permitir a passagem de uma boiada, Marcos foi abordado agressivamente por alguns índios rivais com os quais se altercou em discussão e ameaças, luta corpórea e tiros, ao final dos quais, dois de seus companheiros quedaram mortos. Marcos conseguiu escapar do cerco e fugir por um canavial.

Esse acontecimento é relatado assim por Marcos Luidson, embora haja divergência com o relato na visão do lado oposto.

Alguns dias depois, uma multidão de índios ligados ao cacique Marcos Luidson atacou a vila de Cimbres, onde moravam duas centenas de famílias de Xukuru que não seguiam a orientação política da maioria comandada por Marcos. (Obs.: os Xukuru somam cerca de 5.500 indivíduos.) O resultado foi a queima de muitas casas, automóveis e criação e a expulsão dessas famílias à força, com a ameaça de que jamais voltariam a viver entre eles.

As famílias expulsas foram abrigadas pela FUNAI, que ficou com a incumbência ordenada pelo Ministério Público de cuidar delas até que fossem restituídas as condições sociais e econômicas em que viviam.

Durante anos a Funai reservou uma parte de seu orçamento enviado à AER de Recife para cuidar minimamente do bem-estar das famílias que lá permaneciam hospedadas em pensões ou em casas de aluguel. Em certo momento, em fins de 2003, havia cerca de 600 pessoas. Nos anos seguintes, algumas famílias retornaram a Cimbres, e se hospedaram em casas alugadas pela Funai. Por sua vez, houve diversas tentativas de se obter uma ou mais glebas de terras para abrigar famílias cujo retorno à Terra Indígena era impossível de ser realizado. Ademais, mesmo entre as famílias expulsas havia rivalidades difíceis de contornar. Um dos líderes queria uma boa fazenda só para si mesmo! O INCRA, em vários momentos, conseguiu terras de fazendas postas à venda, mas os índios concernentes não as aceitavam, preferindo outras mais difíceis de serem obtidas, por preços mais exorbitantes e fora das possibilidades da Funai.

Enquanto isso, corria em juízo o processo instaurado sobre o acontecimento da invasão da vila de Cimbres, cujos resultados judiciais começam a despontar nesses dias.

O que consta abaixo é precisamente um dos resultados. 26 índios Xukuru foram condenados, embora ainda tenham direito de recorrer em liberdade, a sentenças que podem variar entre 1 e 10 anos. São índios que participaram diretamente da invasão de Cimbres. O estranho inesperado é que os procuradores da Funai não foram chamados para fazer a defesa dos índios, a qual ficou nas mãos de um advogado pernambucano indicado pelo CIMI. A falta de conhecimento indigenista deve ter sido uma das fortes razões para o resultado embaraçoso que aí está. Os índios é que pagarão o pato.

De todo modo, parece uma condenação extremamente exagerada. Tumultos muito mais sérios perpetrados por multidões enfurecidas dificilmente recebem condenações desse tipo. Em segundo lugar, a explicação dada para isso implica uma visão de história que está longe de ser verdadeira. Eis como explica sua sentença o juiz:

"em nenhum tempo da humanidade, nas sociedades mais ou menos desenvolvidas, hoje ou antes, qualquer mínimo sentimento de idoneidade para com o coletivo poderia admitir o ataque desenfreado a membros de uma mesma comunidade e a crueldade pura e simples para com próximos muito próximos".

Será que esse juiz está no Brasil, no mundo, ou perto do Paraíso? Ataques de pessoas de uma mesma comunidade contra outras é moeda corrente em todo mundo, "civilizado" ou "bárbaro", de hoje ou de sempre. O que houve entre os iugoslavos, recentemente, só para citar um dos mais graves momentos de ódio intra-étnico?

Ao contrário do que imagina o juiz, em sua intenção de corrigir um erro humano, o que ocorre é que, em muitos desses casos, o alarme e o ódio levantados só podem ser remidos por uma negociação entre as partes para que haja a possibilidade de recomposição e reconciliação.

A sentença do juiz, seus argumentos refletem uma posição preconceituosa, eivada de sentimentos negativos para com os índios Xukuru. Não é que não seja preciso algum tipo de punição, porém se tal sentença chegar a ser cumprida, o ódio entre os grupos rivais Xukuru vai permanecer indefinidamente. Se o juiz considera que isso é só uma advertência, porque há recurso, então ele está alimentando o sistema jurídico sem senso de objetividade para com a solução do caso.

Portanto, não é aceitável que uma sentença venha a acirrar ódios intra-étnicos. É preciso que a Funai e o Ministério Público contestem essa sentença e não permitam que ela danifique intempestivamente as possibilidades de reconciliação entre os grupos Xukuru rivais.

Talvez o que esteja acontecendo é que a Justiça brasileira está dando sinais de que vai endurecer em seu julgamento sobre os povos indígenas. As tais 19 ressalvas feitas pelo ministro do STF, Menezes Direito, seguidas por sete ministros durante o julgamento do caso Raposa Serra do Sol, em 4 de dezembro último, podem ser interpretadas como um ponto inicial dessa nova inclinação.

Certamente que segmentos regionais do Judiciário brasileiro acompanham o STF e suas sentenças majoritárias. É de se esperar que uma reflexão mais profunda feita por ministros e juízes brasileiros resultem numa visão equilibrada e não distorcida da realidade indígena e sua relação histórica com a sociedade nacional.

Não carece enquadrar essa realidade pela visão ilusionista e messiânica que prevalece em certas hostes indigenistas. Há sólidos elementos históricos para se formular uma visão equilibrada e justa da relação entre índios e sociedade nacional diante das mudanças sociais e culturais pelas quais a sociedade brasileira está passando.


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Justiça condena 26 índios por ataques de 2003 em PE

Agência Estado, por Angela Lacerda

Recife - Vinte e seis índios da tribo Xucurus foram condenados nesta semana a penas que variam de um a 10 anos de prisão, em primeira instância, pelo juiz da 16ª. Vara da Justiça Federal, Francisco Glauber Pessoa Alves, por destruição e incêndio de carros e casas em 2003, na Vila de Cimbres, no município de Pesqueira, no agreste pernambucano. Eles podem recorrer ao Tribunal Regional Federal (TRF-5 região), no Recife, aguardando os trâmites do processo em liberdade.

O conflito foi provocado como represália pela morte de dois índios Xucurus de Ororubá, supostamente assassinados por índios Xucurus de Cimbres. Os Xucurus de Ororubá são dissidentes da tribo dos Xucurus que vivem na Vila de Cimbres. De acordo com a Justiça Federal, o processo original foi desmembrado em sete ações a fim de dar mais rapidez ao trâmite. Deste total, seis ações já foram julgadas, com a oitiva de 30 réus, 17 testemunhas arroladas pelo Ministério Público Federal e 43 testemunhas da defesa. Quatro dos réus foram absolvidos.

Os 26 índios foram condenados por porte ilegal de armas, incêndio, constrangimento ilegal e dano. Os réus chegaram armados e incendiaram casas onde se encontravam mulheres e crianças, "num episódio de tensão e horror", qualificou o juiz federal. Na sua sentença ele observou que "em nenhum tempo da humanidade, nas sociedades mais ou menos desenvolvidas, hoje ou antes, qualquer mínimo sentimento de idoneidade para com o coletivo poderia admitir o ataque desenfreado a membros de uma mesma comunidade e a crueldade pura e simples para com próximos muito próximos".

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Drops Indigenistas -- 8

1. A repercussão do caso do convênio estabelecido entre a Funai e a Ong CTI está deixando constrangidos muitos indigenistas e sertanistas de alta cepa no meio indigenista. Alguns deles estão reunidos em Brasília para definir os termos do convênio com mais precisão. O convênio não esclarece de onde virá o dinheiro, nem como será usado. É apenas um "guarda-chuva" para outros convênios serem inseridos como adendos. Por isso os indigenistas terão que fazer programas de aplicação definindo o arco de ação do convênio e os recursos a serem alocados.

A principal financiadora desses convênio adendados, referentes só aos povos indígenas em isolamento, é a USAID, a agência de desenvolvimento internacional, de triste memória para quem participou da luta contra a ditadura militar, mas que parece que anda interessada em questões amazônicas. A USAID já vem patrocinando estudos e programas dos ISA, da ACT, da OPAN, bem como do CTI, Conservation International e outras Ongs com atuação na Amazõnia.

O valor do financiamento da USAID é de cerca de 5 milhões de dólares (US$ 5.000.000).

Not bad! Dá até para se mudar para São Paulo e viver bem.


2. Jorge das Neves, o Jorge Gaguinho, que fora nomeado administrador da AER de Campo Grande, MS, com os votos da maioria dos 38 caciques Terena, desistiu do cargo. Pediu demissão após 45 dias. Pensava que ele fosse ficar mais um pouco. Parece que a pressão veio da presidência da Funai, após receber comunicação do Ministro Tarso Genro de que o governador Puccinelli não estava satisfeito com os pedidos de ajuda que ele estava fazendo ao estado.

Será que foi essa a razão? Jorge estava em Brasília com cinco caciques Terena pedindo recursos para consertar os sistemas de água das aldeias. Acreditava que fosse atendido. Santa ingenuidade.


3. Um dos advogados do CIMI, Claúdio Beirão, que foi assessor do Ministério da Justiça nos três primeiros anos do primeiro governo Lula, escreveu um artigo lamentando que o presidente Lula não tivesse homologado sequer UMA terra indígena no ano passado.

Na verdade, esta é a primeira vez desde 1973 que nenhuma terra indígena é homologada num ano inteiro.

E olha que a nova administração da Funai entrou com a panca de que iria dar continuidade e até acelerar as demarcações de terras indígenas. Belo resultado!

Como o CIMI está apoiando fervorosamente a atual direção da Funai, com assento no CNPI e tentando emplacar uma direção favorável a eles na Coiab, Beirão arrefece a crítica, esquece o número pífio de portarias da Funai de reconhecimento de terras indígenas, mas se consola dizendo que, entretanto, teriam sido criados mais de 60 Grupos de Trabalho para reconhecer novas terras indígenas.

Ora, ora, quase todos esses GTs nem saíram do papel, os poucos que saíram estão parados, o Lula já disse que não demarca terras no Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Santa Catarina e Rondônia, e o ex-coordenador-geral de reconhecimento de terras indígenas caiu fora da Funai às turras com a diretoria de assuntos fundiários por discordâncias de objetivos, de método e de estilo.

Belo artigo!


4. O grupo de Terena e Guarani Kaiowá que sentara praça na calçada da sede da Funai, há mais de três semanas, protestando contra a presença da atual administração da AER Dourados, em Dourados, MS, foi retirado do local pela Polícia Federal.

Mudou-se para a Praça do Centenário, em frente. Não vai arredar pé. O movimento está firme e seguro do que quer, não se importando com as críticas de que é minoritário.

Por outro lado, os líderes velhos Guarani resolveram convocar nova Assembleia Geral, o Aty Guassu, para o início de março, para resolver essa questão. Fica ou não fica a Nicolleti? O pessoal do CIMI e das Ongs interessadas já está se movimentando.


5. Por mais que não se detecte de cara, o fato é que a grande maioria dos povos indígenas está de saco cheio com a presença contínua de Ongs neoliberais em torno deles. As exigências que fazem para que se comportem conforme os ditames políticos adequados deixa os índios enfurecidos. Uma nova leve de ex-estudantes da USP e de outras faculdades paulistas se emprega nas Ongs indigenistas e são doutrinados a pensar como elas. Aí fica mais difícil ainda.

O que está ficando evidente para os índios é que a Funai está cheia de pessoas que fazem parte de Ongs, alguns que são ou foram dirigentes e é das Ongs que estão saindo as diretrizes de ação do órgão.

A paciência dos índios tem limites.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Entrevista do CTI deixa mais ambiguidades sobre convênio com a Funai

Gilberto Azanha, fundador e coordenador do CTI, toma a frente da atual presidente do CTI (Regina Muller) e explica o convênio firmado com a Funai pelo qual visa criar "normas e regras" para o etnodesenvolvimento, sem esquecer também o desenvolvimento político e cultural dos povos indígenas mencionados, além dos índios isolados e dos índios de recém-contato. Ao todo, cerca de 80 povos indígenas poderão estar nas mãos do CTI para serem agraciados pelo seu conhecimento, dedicação e benemerência.

O convênio tem sido motivo de muito zunzunzum na Funai, tanto pelo caráter esquivo com que foi elaborado quanto pela amplitude do domínio que é dado ao CTI. O Ministério Público já sabe desse convênio e até agora não se manifestou em nada. O Congresso Nacional está tomando conhecimento.

Azanha não se comove com as críticas que lhe foram feitas por esse Blog. Diz na entrevista abaixo, feita pelo site Amazônia em Revista, que a Funai não está cedendo nada ao CTI, só reconhecendo sua presença. Que o único propósito do convênio é estabelecer normas e regras, ora, ora.

Perguntado na bucha se ele é a favor das hidrelétricas do rio Madeira e do rio Xingu, especialmente a UHE Belo Monte, todas elas muito controversas, ele foge da questão completamente. Responde comovido e criticamente que os índios não são ouvidos e são os últimos a serem consultados. Eis sua cantinela indigenista. Entretanto, quando questionado sobre porque os índios que estão incluídos no Convênio não foram consultados, diz, num segundo momento, que os índios não precisam saber sobre esse convênio porque é "muito abstrato". Eita, a coisa é feia.

Na verdade, Gilberto Azanha não diz o que pensa porque gosta de jogar nas duas pontas da questão indígena. Faz estudos para empresas de todos os tipos sobre os impacto ambientais que os índios possam sofrer, define que compensações podem ser feitas, de um lado; de outro lado, diz aos índios que tal empreendimento é um escândalo e que vai acabar com suas vidas. Joga uma ponta contra a outra para ver se tudo dá em soma zero. Foi assim que fez no caso da UHE Estreito, no rio Tocantins, e deixou um impasse sem fim, os custos disparados, e os índios no cúlpitro e a ver navios.

Mais recentemente, o CTI, sem ambiguidades, é a Ong neoliberal que está com um baita contrato com a empresa CNEC para fazer precisamente os estudos de impacto étnico e econômico sobre os povos indígenas que serão afetados pela UHE Belo Monte, a maior de todas as hidrelétricas brasileiras.

Ao ser perguntado se era a favor ou contra de hidrelétricas no rio Madeira e no Xingu, podia ao menos ser honesto e dizer que é a favor, como foi a favor das hidrelétricas do rio Madeira, cujos estudos de impacto etno-ambiental também foram feitos pelo CTI. Ou que é contra, mas que está aproveitando os estudos que lhe foram incumbidos para alertar os índios sobre os perigos que advirão dessa hidrelétrica. Mas não, ficou no disse que não disse.

Azanha deveria, aliás, dizer de cara aos índios Kayapó, sem subterfúgios, que sua Ong está trabalhando para convencer os índios Juruna, Xikrin do Bacajá, Assurini, Arara, e outros mais de que a UHE Belo Monte é uma maravilha da engenharia brasileira e que será muito bom para o país e para todos. Ao menos para justificar seu trabalho, seu dinheiro, seu pão de cada dia, sua dignidade de cidadão brasileiro.

Muita gente pensa isso, que a UHE Belo Monte é maravilhosa, e não é ilegítimo pensar assim, digo eu. O que não se pode fazer é fugir de suas responsabilidades perante os índios.

Aliás, por falar em Kayapó, eles estão planejando fazer uma grande assembleia, em meados de março, na aldeia Kriketum, para discutir esse assunto de Belo Monte. Os Kayapó querem a presença inclusive do presidente Lula para ouvir a voz deles. Um dos seus principais líderes, Akyaboro, está hoje de manhã na Casa Civil tentando falar com o presidente Lula para transmitir o convite. Será que a ministra Dilma Roussef não poderia ir? O mesmo convite será feito para o ministro do Meio Ambiente, de Minas e Energia, da Justiça, e o presidente da Funai.

Os índios querem as coisas em pratos limpos. Não carece enrolar eles.


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Entrevista: "Os índios são sempre os últimos a falar", diz antropólogo - 16/02/2009

Local: São Paulo - SP
Fonte: Amazonia.org.br
Link: http://www.amazonia.org.br

Thais Iervolino

Gilberto Azanha é antropólogo e coordena o Centro de Trabalho Indigenista (CTI). Há mais de 30 anos trabalhando com os povos indígenas da Amazônia, Azanha conta, em entrevista exclusiva, quais os principais desafios que povos indígenas enfrentam hoje, a situação atual dos índios isolados, além de contar um pouco da atuação o CTI na região e sua relação com a Fundação Nacional do Índio (Funai).

Amazônia.org.br - Quais os desafios com relação à questão indígena na Amazônia?
Gilberto Azanha - Primeiro é o Estado realmente ter presença para acabar com as atividades irregulares que ocorrem na Amazônia e acabam afetando as terras indígenas.

O outro é o governo respeitar os interesses dos povos indígenas e a autonomia administrativa que eles têm que ter nas terras deles. Eles são parcialmente ouvidos ou são ouvidos a posteriori, principalmente quando se trata de grandes projetos, por exemplo agora o PAC [Programa de Aceleração do Crescimento]. Esses são os desafios, que têm a ver com a presença do Estado, para o bem ou para o mal.

Amazônia.org.br - Qual a sua opinião sobre os grandes empreendimentos previstos na Amazônia, como as hidrelétricas do Madeira (RO) e Belo Monte (PA)?
Gilberto Azanha - É o que eu te disse anteriormente: de um lado tem a leniência do Estado com relação às atividades ilegais como o corte de madeira e do outro a história com relação às obras do PAC, na qual os índios são ouvidos na última etapa de um processo.

Não se discute antes com eles a necessidade disso, para eles entenderem e terem direito de responder 'nós temos outra necessidade'. Nunca é um diálogo, sempre é uma imposição. Os índios são sempre os últimos a falar e quando eles protestam e o Ministério Público entra no caso falam que "os índios e o ministério atrapalham o progresso da nação".

Amazônia.org.br - Com relação aos índios isolados, no ano passado vocês denunciaram a ausência do Estado peruano no atendimento a esses povos. Como está essa situação?
Gilberto Azanha - Continua igual. O Peru não quer saber. O peru colocou na cabeça que vai explorar petróleo na Amazônia, custe o que custar, independentemente do que se ocorre, se tem índio isolado em suas terras.

Eles [governo peruano] acham que "índios isolados" é pura "invencionice" de ONGs. Os peruanos continuam fazendo exploração predatória dentro das terras deles e empurram povos já contatados para o território dos índios isolados, isso faz com que haja problemas, os índios isolados migram - fugindo dessas lutas.

Os índios isolados, na verdade, são isolados porque eles fogem e não porque eles não sabem o que está acontecendo. Eles têm noção do que é avião, tem acesso a bens, mas eles não querem ter o contato, eles refutam o contato, eles fogem do contato. Mesmo com povos já contatados, eles vêem como uma ameaça.

Eles não têm noção de fronteira. Eles entram num lugar onde não tem esse tipo de pressão e esse lugar, por acaso, se chama Brasil. Este lugar, por acaso, tem uma política consequente e coerente da Funai - de duas décadas pelo menos - em deixar essas populações tranquilas e ter o contato quando elas acharem que é conveniente para elas.

A gente apoia esse projeto. A gente consegue financiamento de fora para apoiar porque a Funai nunca tem orçamento nem estrutura.

Essa questão é muito delicada, porque os povos isolados têm pouca resistência orgânica. A Funai tem que ser eficiente nessa área se ela quer preservar esses povos.

Como apoiamos, vamos captar dinheiro no exterior, elaborar um termo de cooperação com a Funai e comprar materiais, fazer expedições para a Funai executar, para colocar à disposição da Funai.

Amazônia.org.br - No ano passado, o CTI assinou um termo de cooperação com a Funai. Do que se trata o termo?
Gilberto Azanha - Estabelece normas e regras para a cooperação nessas áreas, para o desenvolvimento dos povos indígenas.

Amazônia.org.br - Há duas semanas, foi publicada no blog do ex-presidente da Funai Mércio Gomes (http://merciogomes.blogspot.com) uma denúncia dizendo que os índios não foram informados sobre o termo. Como foi o processo para a realização desse acordo com a Funai?
Gilberto Azanha - Trabalhamos na Amazônia há mais de 30 anos. Esse termo é uma maneira de a Funai regularizar a nossa presença em terras indígenas.

Eles [os índios] não precisam ser informados porque é uma coisa abstrata: um termo de cooperação para estabelecer normas e regras para a atuação do CTI em terra indígena. Não é o que o Mércio diz, que a Funai está entregando suas ações. É o contrário: a Funai está regulamentando a nossa presença em terra indígena.

Amazônia.org.br - Quais as atividades que o CTI realiza na região?
Gilberto Azanha - Desde estudos de demarcação de terras até projetos de saúde e educação.

Amazônia.org.br - Vocês atendem a quantos povos indígenas?
Gilberto Azanha - Diversos povos, mas especialmente os Xavantes. Já atendíamos antes mesmo da fundação da organização. O CTI foi fundado, em 1979, para dar uma estrutura institucional para as ações que diversos antropólogos. O que a Funai quis fazer é dar um exemplo de como se pode regulamentar. Estamos fazendo isso. Qualquer chefe de posto da Funai nas regiões em que trabalhamos sabe quem somos nós, qual a relação que temos com os índios.

Amazônia.org.br - Quais as próximas atividades do CTI?
Gilberto Azanha - Em relação à questão dos índios isolados no Peru, onde a situação é mais terrível, nós vamos continuar se aliando às organizações indígenas. Lá, a maioria das organizações de direitos dos índios são organizações indígenas. Fazemos encontro, atuamos, pressionamos a Petrobrás, que tem lotes de terrenos na Amazônia peruana...

No Brasil, conseguimos um financiamento da USAID [Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional] para continuar apoiando as ações da coordenação de índios isolados da Funai.

Com relação às outras populações indígenas da Amazônia, quais são as atividades previstas para este ano?
Gilberto Azanha - Para este ano, a gente continua com o nosso trabalho de educação no Vale do Javari, que é um projeto de conservação do vale. Temos um trabalho no médio Xingu e continuaremos com os trabalhos no Maranhão e no norte do Tocantins, que também é um trabalho de educação, de demarcação e regularização fundiária e de aliança e apoio às organizações indígenas locais.

Jarbas Vasconcellos abre o verbo contra o PT e o PMDB


Este Blog não costuma apresentar análises de eventos políticos recentes. Tampouco de encômios a políticos. Entretanto, a entrevista com o senador Jarbas Vasconcellos, de Pernambuco, publicada essa semana pela Veja, merece nossa consideração. Sua força não é exatamente política, mas cultural e ética, no sentido de que afeta nossos sentimentos de brasilidade e de esperança de dignidade.

Conheci o senador Vasconcellos quando ele era governador de Pernambuco e o visitei no Palácio dos Guararapes, em Recife. Conversamos sobre as questões indígenas de seu estado e no esforço que ele começava a fazer para incorporar a atuação indígena nas suas secretarias. Me parecia mais um governador inclinado a contribuir com o bem-estar dos povos indígenas, mesmo sem saber como fazê-lo. Não mais o vi.

A entrevista do senador Jarbas é devastadora ao PMDB e ao PT. Descasca as vestes formais dos senadores Sarney e Renan Calheiros e não mede palavras na sua análise sobre o papel do governo Lula em tornar o povo dependente dos programas assistencialistas e de sua entrega aos interesses eleitoreiros mais desprezíveis do PMDB e do PT.

A entrevista me fez lembrar aquela dada pelo irmão de Fernando Collor, o Pedro, que iniciou o bombardeio contra o então presidente. Mas, é certo que não terá nenhuma repercussão parecida. Os caciques do PMDB já declararam que não vão fazer nada formalmente contra Jarbas, enquanto tentam miná-lo por baixo do pano e esperam que o tempo a faça ser esquecida.

Entretanto, é uma entrevista épica, pelo vigor poético desassombrado que contem, e poderá ter uma repercussão de outra sorte. Ficará como um marco nesse horizonte vazio de esperanças. O senador Jarbas não contemporiza com a falta de ética, com os oportunismos e com o cinismo reinante no Reino do Lulismo-Peemedebismo, nem falta-lhe coragem para destacar nomes no meio da manada. Cita-os e diz porquê.

Será o suicídio político do senador Jarbas? Ou será um passo rumo a algo mais forte? Nem podemos falar sobre isso. O que vale é o desassombro de um homem que tem uma carreira política brilhante e que pretende deixar uma marca de exemplo para os brasileiros. O senador Pedro Simon era, até então, o último varão probo da República. Agora temos o Jarbas.

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Jarbas descarta deixar partido e diz que corrupção no PMDB atinge escalão superior

Gabriela Guerreiro, da Folha Online, em Brasília

Depois de fazer duras críticas ao PMDB e denunciar a existência de corrupção dentro do partido, o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) descartou nessa segunda-feira a possibilidade de deixar a legenda. Ao reiterar que grande parte dos peemedebistas está envolvida em atos de corrupção, Jarbas não quis revelar nomes com o discurso de que sua ideia é apenas fomentar o "debate" dentro da legenda.

Parte do PMDB quer mesmo é corrupção, diz senador Jarbas Vasconcelos
"Como posso citar nomes? É um número muito volumoso, eu não vim ficar como auditor do PMDB no Congresso. Eu não disse que todo o PMDB era corrupto, mas grande parte. São nos escalões superiores que a corrupção vive", disse o senador.

Apesar de denunciar a existência de corrupção dentro do PMDB, Jarbas afirmou que não vai sair da legenda --nem avalia que será expulso do partido. "Não acredito em expulsão. Pode ser que tenha um processo, mas as pessoas [corruptas] têm perfil conhecido. Eu não retiro nada do que eu disse, quem quiser [me] processar, procure o conselho de ética do partido", afirmou.

O senador classificou de "estapafúrdia e ridícula" a versão de que teria concedido entrevista à revista "Veja" com duras críticas ao partido com o objetivo de ser expulso da legenda. "É ridícula essa tese de que estou fazendo isso para ser expulso. Minha função é ser senador", afirmou.

Jarbas também rebateu as acusações de que as críticas ao PMDB são estratégia para ser lançado como vice na eventual chapa do tucano José Serra (PSDB-SP) à Presidência da República em 2010. O senador também criticou as especulações de que suas críticas têm como objetivo fazê-lo ganhar destaque na mídia para as eleições do ano que vem

"Não quero ser vice, não sou candidato a vice. Eu não vou fazer barreira da minha atuação parlamentar para conquistar voto. Mas as pessoas também não podem querer que, depois de uma entrevista daquelas, eu vote no PT", afirmou.

Renan

Jarbas disparou críticas ao líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL), e ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). O senador disse que vai manter sua prática de não participar de nenhuma reunião da bancada do PMDB presidida por Renan no Senado. "É uma posição de autodesconforto. Eu sequer vou mais à reunião do partido, sobretudo agora, comandado pelo Renan", afirmou.

Em relação a Sarney, Jarbas criticou a sua candidatura para presidir o Senado e as eleições que resultaram na sua vitória. "A eleição do Sarney foi muito estranha, ele terminou cedendo à pressão do Renan. O Senado tem problemas de imagem internos e externos. Não combato o Sarney, mas as suas práticas", disse.

Na opinião de Jarbas, a única bandeira atual do PMDB é barganhar cargos no Poder Executivo --postura que, segundo ele, é liderada pelo grupo de Sarney e Renan. "O presidente Lula e o PT não inventaram a corrupção, mas a corrupção tem sido a marca do governo dele."

O senador disse que suas críticas ao partido têm como objetivo debater questões essenciais ao PMDB. "Quem vai para um episódio desses sabe das consequências. Se eu desencadeei esse processo, cabe ao Senado, à bancada, provocar esse debate. Eu fiz a minha parte."

Wilson Mattos, advogado Terena abre o verbo contra as Ongs indigenistas neoliberais

Wilson Mattos, índio Terena-Guarani, advogado com licença da OAB, ex-membro do CNPI, desabafa contra as Ongs que se arvoram especialistas em índios e contra a Funai e os que prometem ilusões e entregam confusões.

Vale pena ler sua diatribe contra a situação que domina o movimento indigenista atual.


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“Especialista” em índios... sou contra!

Wilson Matos da Silva*, para O Progresso, Dourados

Conscientes das nossas responsabilidades, enquanto indígena cidadão brasileiro, na construção cidadania indígena o crescimento do País, minha geração de jovens índios, valentes guerreiros optou pela EDUCAÇÃO, como forma de enfrentamento dos problemas crescentes em nossas aldeias.

No início poderíamos ser contados nos dedos das mãos, (dias difíceis aqueles, mas vencemos!), nossos ideais foi ganhando crédito, hoje, temos mais de 500 jovens acadêmicos indígenas no Estado de Mato Grosso do Sul, destes, 180 são do curso de ciências jurídicas, futuros operadores do direito e o número de acadêmicos continua crescendo.

É certo que temos grande oposição dos apadrinhados políticos, que insistem em nos desqualificar perante a opinião pública, cooptam alguns índios pseudo-líderes e os legitimam para servirem os seus intentos. São os "donos dos índios", que insistem em tentar nos desqualificar dizendo que não somos mais índios, tentam nos deslegitimar dizendo os índios são contrárias as nossas idéias.

Os ‘donos dos índios’, são alguns agentes do Estado que na maioria das vezes são nomeados pelos famosos padrinhos políticos, não tendo qualificação ou quando tem, não simpatiza com a causa indígena. Esses "donos dos índios" quando expomos nossos pensamentos em busca de soluções possíveis para as nossas aldeias, com o know how de quem vivencia e sente na pele os problemas, nos contestam porque tem medo de perder seus empregos (teta). Intitulam-se "especialistas em índios", donos do bem e do mal.

Uma verdadeira máfia de "protetores" se movimentam nos meandros da política nacional fundando ONGs, através da qual recebem dinheiro público para ações nas Aldeias que nunca chegam a seu destino; propõe a demarcação de milhões de hectares de terras, quando na verdade sabem ser totalmente impossível, servindo apenas para denegrir a já caótica imagem do índio junto à sociedade. Hoje, em pleno século XXI, querem nos impor a pecha de bugres, infiel, desordeiro e por fim agora até canibais.

Em todas essas ações, esses verdadeiros "Urubus" que vivem sobre a desgraça dos nossos povos, recebem sempre uma boa paga para perpetrar a destruição de nossa gente; são diárias, hotéis de luxo, honorários de "consultoria", "locação" de veículos, pagamento de "RPAs", "auxilio" financeiro etc e etc.

Aproveitam-se da ingenuidade de alguns índios, arregimentam grupos e os instigam a protestos descabidos em rodovias contra seus desafetos políticos, ou em propriedade que sabem, jamais serão dos índios.

Ignoram a declaração da ONU que diz: Art. 3º Os povos indígenas têm direito à livre determinação. Em virtude desse direito, determinam livremente sua condição política e perseguem livremente seu desenvolvimento econômico social e cultural.

Em nenhum momento nós os índios com formação ou em formação, fomos chamados a participar do processo demarcatório, que alias, já está enchendo! Nós os índios precisamos de ampliação de nossas Aldeias, sim! Todos sabem que estamos confinados em minúsculos territórios, mas daí, a cogitarem a demarcação de milhões de hectares, quando ao longo de mais de vinte anos não nos garantiram sequer a ínfima área do Nhanderú Marangatú ou do Lima Campo dentre outras.

Parece-me que propositadamente fizeram todo aquele alarde por ocasião do pleito eleitoral, com objetivo eleitoreiro e por "tabela" promover uma manifesta degradação do Índio junto à sociedade, é bom que se diga, nestes anos de luta pela demarcação após a Constituição de 88, 20 anos se passaram muitos lideres foram assassinados a tiros, perderam suas vidas como a rezadeira Churite Lopes de 70 anos, sonhando em um pedacinho de chão que pudesse legar aos seus descendentes.

Já os "especialistas" em índios, ongueiros, urubus, parasitas; nenhum deles perderam suas vidas ao contrário ganharam suas vidas R$ e, mas R$ constituíram da desgraça de nossos povos um negócio altamente lucrativo para suas proles. As regionais do Órgão tutor se transformaram em verdadeiros feudos, bem nas barbas de que tem o dever constitucional de nos defender.

Tenho sido duramente criticado, por alguns apadrinhados políticos, semi-analfabeto que posam de "doutores", pela minha insistente apologia ao meu povo. Senão vejamos: Sou nascido e criado na Aldeia Jaguapirú, onde resido, aqui estão vivendo meus pais; meus irmãos; meus tios; meus avós, que alias deram a vida pela demarcação desta aldeia; todos meus parentes afins e agora meus netos, e estes desavisados ousam a dizer que estão buscando a proteção do meu povo é muita petulância.

Esses "especialistas em índios" invadem nossas aldeias sem ser convidados, e passam a fazer experiências como se fôssemos ratos de laboratórios e, aí daquele indígena que ousar discordar dos seus intentos. Estes intrusos, a grande maioria está inserida nas políticas de governo nas três esferas. (existem agentes públicos bons embora raros, mas, estou falando dos maus).

A sociedade organizada precisa nos ajudar a expurgar esses parasitas nocivos ao desenvolvimento das nossas comunidades!

*É índio residente na Aldeia Jaguapirú, advogado, presidente da CEAI/OABMS (Comissão especial de Assuntos Indígenas da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional do MS): wilsonmatos@pop.com.br

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Rede Globo faz matéria sobre os Kulina e o suposto canibalismo

Ontem à noite, a Globo mostrou no seu programa de variedades O Fantástico uma matéria sobre o suposto caso de canibalismo perpetrado por índios Kulina, da região do rio Purus, no oeste do estado do Amazonas.

O programa foi narrado por uma repórter da Globo e contou com entrevistas de um ex-indigenista, do presidente da Funai e de um antropólogo acreano. A repórter filmou a aldeia, as casas e o ambiente ao redor e entrevistou alguns índios Kulina, na própria aldeia onde o suposto fato teria acontecido. O suposto fato do canibalismo foi negado por um índio entrevistado. Já os policiais civis que a acompanharam confirmaram ter ouvido de outros índios que o fato teria acontecido mesmo.

O que há de certo nessa história é que um rapaz da cidade de Envira foi convidado por alguns jovens indígenas Kulina para visitar a aldeia. Lá beberam muito álcool juntos e o rapaz foi assassinado cruelmente, com muitas facadas, seu corpo foi esquartejado e atirado em diferentes lugares e parte de suas vísceras foram achadas num panelão. Um policial local disse que o fígado teria sido assado. Dois índios teriam dito anteriormente que os índios que participaram do assassinato teriam comido parte do corpo do rapaz.

Na entrevista com a repórter, um índio adulto, muito constrangido, negou que os outros tivessem comido parte do morto. Foi uma negativa diplomática ou verdadeira?

Para os efeitos da repercussão da notícia, o modo como a matéria foi editada deixa poucas dúvidas de que houve alguma coisa estranha nesse assassinato. O ex-indigenista disse que duvidava do fato porque os índios já estavam em contato permanente com a sociedade brasileira, sugerindo nas entrelinhas que já sobre os índios isolados não se pode ter tanta certeza de que tais coisas não aconteçam.

Ora, é o cúmulo do sensacionalismo barato. Deixar no ar a ideia de que índios isolados possam estar praticando canibalismo é incoerência indigenista e falta de visão sobre o que consiste o canibalismo ritualístico que já foi praticado pelos índios Tupinambá no Brasil, pelos Carib, da região caribenha e por dezenas de outros povos mundo a fora.

Já esse caso de suposto canibalismo não passa de uma bizarrice individual, fruto de rivalidades e ódios incontidos entre pessoas. O abuso irrefreável do álcool, não só da cachaça como tal, mas do puro álcool etílico, consumido pelo grupo atacante, foi evidente instrumento desse ato. O assassinato aconteceu há mais de duas semanas e foi relatado nesse Blog. Estava restrito à mídia local e só tomou a mídia nacional depois que passou na TV CNN e nos jornais americanos e europeus.

Pesquisei no Google sobre casos desse tipo e vi que são muitos. Esquisitices, bizarrices, escabrosidades e perversões individuais e coletivas ocorrem pelo mundo a fora aos montes. São sensacionalisticamente chamados de canibalismo e frequentemente as matérias jornalísticas intencionam incutir nas pessoas a ideia de que existe um sentimento atávico de selvageria representada pela vontade de dominar o outro que leva o ser humano a perpetrar tais atos. A especulação sobre esses casos corre solta, desde explicações psicanalíticas até neurológicas.

O caso presente, por estar acontecendo nesse momento, tem outra dimensão. Esse acontecimento parece ter alcançado a mídia nacional pela proposição, inconsciente ou conscientemente, de disseminar a ideia de que os índios brasileiros estão saindo fora dos limites da aceitabilidade social. Isto é inaceitável.

Sobre isso devemos cuidar. Se houve consumo de partes do corpo humano do infeliz rapaz, tal se deu não por causa da cultura kulina, nem de nenhuma cultura indígena da atualidade, mas por distúrbio mental momentâneo daqueles que participaram do suposto ato. Tal ato não é perdoável e esses rapazes têm que ser ouvidos e trazidos a julgamento. Mas não se pode deixar que a sociedade brasileira seja contaminada por alusões de selvageria e bizarrices dos povos indígenas.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Escândalo Indigenista II: índios denunciam corrupção na COIAB

A QUEM INTERESSAR POSSA

Corrupção na COIAB

A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira -- COIAB -- fundada em 1989 por organizações indígenas, na esteira do artigo 231 da Constituição de 1988, que tem batalhado incansavelmente para organizar os povos indígenas brasileiros, está na sua pior hora. Eivada de corrupção, nos últimos seis anos, a COIAB está sendo alvo de denúncias gravíssimas vindas dos próprios índios que a consideravam como sua legítima representante política.

A COIAB tem tido uma história irregular. No começo visava servir de ponto de encontro e de articulação das novas organizações indígenas que estavam se formando pela Amazônia, na ideia de que, seguindo o Art. 232 da Constituição brasileira, os povos indígenas agora tinham o direito de se organizar em associações para defender seus interesses, com capacidade de entrar em juízo como pessoa jurídica coletiva.

A representatividade funcionou durante os primeiros dez anos, com altos e baixos, devido aos problemas de administração e experiência de organização. Grandes líderes indígenas foram dirigentes da COIAB, como Pedro Garcia, atual prefeito de São Gabriel da Cachoeira, e Gilberto Makuxi, de Roraima, que já foi um dos maiores líderes indígenas, mas que terminou sendo escanteado pelos seus antigos companheiros, especialmente pelo CIMI. Nos últimos 10 anos a COIAB foi tomada pela influência direta do CIMI e de Ongs neoliberais, especialmente do ISA, que vêm nela um meio para se legitimar como instituições para-indigenistas diante dos doadores internacionais.

No governo Lula a COIAB se transformou na principal instituição de representatividade indígena nos vários conselhos criados pelo governo e nas dezenas de comissões instituídas ad hoc para legitimar alguma doação de recursos. Ela é que indicou os membros indígenas da Comissão Nacional de Política Indígena, cujos rasputins pertencem às Ongs indigenistas neoliberais.

A COIAB tem sido generosamente recepcionada pelo Ministério Público, em Brasília e, por extensão, em outras partes do Brasil, como a legítima representante dos índios da Amazônia e, por extensão, dos demais povos indígenas brasileiros. O próprio Ministério Público, de um modo inusitado, e creio que impróprio para um poder da União, se fez parte de uma organização para-indigenista, o Forum de Defesa dos Direitos Indígenas, criada em Brasília, em 2004, com o intuito imediato de centralizar as ações contra a Funai, e secundariamente, de controlar as indicações de representantes indígenas nas comissões e aparalhemento político do estado. Fazem parte desse Forum as diversas Ongs indigenistas neoliberais, como ISA, CTI, o Senec, o próprio CIMI, da Igreja Católica, e as associações indígenas regionais.

A COIAB tem se arvorado representar os povos indígenas perante a Comunidade Europeia e órgãos doadores de recursos, como o Conselho Mundial de Igrejas, a própria Comunidade Europeia e tantas instituições doadoras dos governos da Noruega, Dinamarca, Holanda, e Estados Unidos, inclusive a USAID. O governo alemão, através do seu banco GTZ e de outras instituições, como a KFW, tem sido um dos esteios de financiamento da COIAB. Essas instituições consideram que os índios são representados pela COIAB, APOINME e outras, mesmo que à revelia das organizações localizadas de cada povo indígena.

A COIAB tem méritos e tem defeitos. O principal defeito da COIAB é que se tornou o porta-voz exclusivamente dos índios que vivem nas cidades e mantém pouquíssimo contato direito com seus povos nas aldeias. De um modo geral, mas com grandes exceções, os índios urbanos não são representantes dos povos a que pertencem. Alguns vivem em uma atitude de alienação perante os povos indígenas, que, morando em suas terras, nas condições étnicas e culturais mais ou menos tradicionais, sabem onde lhes doem os calos, onde lhes falta apoio, e sabem que não é pelo discurso agressivo, próprio das Ongs e das instituições internacionais, que vão encontrar seu caminho no panorama político-cultural brasileiro. Isto não quer dizer que os índios que moram nas cidades são necessariamente alienados. Ao contrário, muitos sabem que suas personalidades e seus destinos foram forjados nas condições étnicas de seus povos e por isso mantêm um alto nível de lealdade aos seus povos. Esses índios urbanos procuram desesperadamente encontrar um meio termo entre as condições da vida étnica e as condições da vida urbana brasileira. Muitos sabem escutar os velhos, as mulheres e os jovens que vivem nas aldeias e que querem continuar a viver nas aldeias, e procuram ajudá-los de todas as formas possíveis. Eles é que devem liderar o movimento indígena brasileiro.

Na direção atual da COIAB quase todos os representantes indígenas compartilham a visão quimérica e ilusionista que as Ongs neoliberais têm incutido no movimento indígena brasileiro. O seu discurso é de denúncia estigmatizante contra a Nação brasileira, como se ela fosse incuravelmente anti-indígena, e contra o descaso do Estado brasileiro, como se nunca houvesse existido uma política favorável aos povos indígenas. Muitos vivem de clichês sociológicos e políticos, sem nenhum relação com a vida que vivem.

Nos últimos seis anos a COIAB tem sido dirigida por um índio Sateré-Mawé, chamado Jecinaldo Cabral Barbosa, que é, segundo a denúncia apresentada pelos próprios índios, o principal protagonista das falcatruas desse órgão, bem como de suas ações políticas desastrosas.

A denúncia apresentada logo abaixo, que circula em forma de email, visa aparentemente a mudança na direção da COIAB, mas também algo mais profundo. Visa animar um movimento de reorientação dessa instituição, de busca de liberdade diante da influência que tem recebido das Ongs neoliberais, das atitudes desastrosas que têm tomado conta das ações políticas da instituição. É evidente o descontentamento dos índios com as atitudes e os rumos da COIAB.

Será que esse novo movimento será vitorioso na próxima eleição? Será que essa dissensão que está se forjando terá forças para dar uma chacoalhada na COIAB e transformá-la?

Essa postagem nesse Blog foi feita para que todas as representações indígenas reflitam sobre suas posições políticas e lutem por sua autonomia político-cultural. Livrar-se da tutela das Ongs neoliberais é o primeiro passo. Criar um novo discurso de autonomia é outro. Iniciar novas práticas de ação, com a presença de lideranças das aldeias será um terceiro passo importantíssimo. As denúncias a seguir foram feitas por representantes indígenas que decidiram partir para a luta, após muita reflexão e esgotados em sua paciência.


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> Para Presidente do CONDEF e demais

> Denúncia


> Aproxima-se a eleição da COIAB conforme o estatuto, mas
> vai aciontecer reunião da CONDEF para adiar a eleição da
> COIAB. Está na hora de mudar, e ver a atuação do
> jecinaldo sateré-mawé neste período de 6 anos. Coisa boa
> está difícil de encontra, pois a COIAB está assim:
> politicamente está queimada e enfraquecido ninguém
> acredita mais na coiab, que diga os financiadores. todas as
> contas bancárias da coiab estão bloqueadas pela justiça;
> o prédio da coiab e equipamentos da coiab estão penhoradas
> pela justiça; duas vezes já recebeu ação de despejo pela
> justiça; está com uma dívida 600 mil reais; o
> departamento de educação acabou; departamento de
> etnodesenvolvimento está para acabar, funcionava quando
> estava ainda joão neves, e está acabando porque tiraram
> joão e jorge morreu, único que dava cobertura;
> departamento de mulheres ninguém fala mais, pois todas as
> mulheres eleitas viraram funcionarias, ninguém sabe mais
> por que, departamento de juventude não funciona,
> departamento de comunicação não funciona; um projeto foi
> aprovado para compra de um micro-ônibus, em vez disso
> gecinaldo vendeu o gol branco e comprou outro gol de segunda
> mão, resto da grana ninguém sabe onde foi parar; a reforma
> da COIAB, bancada pelo SDS, custou 230 mil, que dava para
> comprar outro prédio de três andares, mas a grana foi
> torrada para fazer aquela reformazinha e pinturinha e
> prestado conta com notas frias e superfaturadas; policia
> federal investiga o sumiço de carro toyota, motores de
> rabeta e notas frias do antigo convenio da saúde, existe
> quatros processos na justiça federal: 200532000020023-3,
> 20053200008259-2, 20063200002850-9, 20083200008431-2. e
> processos resultados de invasões na justiça federal:
>
> Proces: 2007.32.00.007689-4
> Objeto: Atentado contra a segurança de serviãos de
> utilidade pública (art. 265) – Crimes Contra a
> Incolumidade Pública – Penal.
> Autor: Ministério Público federal
> Órgão: COIAB
> Réu: Jecinaldo Barbosa Cabral
>
> Proces: 2007.32.00.004990-7
> Objeto: Dano (art. 163) – Crimes contra o Patrimônio -
> Penal
> Autor: Ministério Público federal
> Órgão: COIAB
> Réu: Jecinaldo Barbosa Cabral
> Isso é resultado de invasões de prédios públicos.

> A COIAB é reduto de articulação para invasões dos
> prédios públicos de Manaus, já invadiram uma vez na
> FUNAI, 4 vezes na FUNASA, uma vez na FEPI. kokamas da
> cidade, mundurukus da cidade e alguns muras e alguns saterés
> da cidade são usados para ser testa de ferro, com promessa
> de emprego com serviços gerais de faxineiros, porteiros,
> vigias eles invadem. Os manipuladores desses são: José
> Mario Mura-responde processo na controladoria geral do
> estado por desviou de 40 mil reais na FEPI, como diretor,
> Aldenor Tikuna-responde por processo de invasão de prédios
> públicos e estupro de uma funcionária dentro da FEPI,
> Israel Munduruku-responde processo na Policia Federal por
> falsidade ideologica, Eliézio Marubo-é outro testa de
> ferro, usam eles para pedir cargos nos órgãos públicos.
> Jecinaldo foi preso pela Policia Federal na sede da COIAB
> quando planejava invasão da Funai com estes indios. A CONDEF
> nunca fez nada, não toma medidas, assim não dá para
> continuar. Ainda esta semana os índios que foram participar
> do Fórum Social Mundial, em Belém, ficaram abandonados em Manaus, sem transporte e
> sem alimentação e cadê o dinheiro recebido do governo e das Ongs para irem ao Fórum?
>
> Daniel
 
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