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terça-feira, 9 de julho de 2013

Álvaro Tukano, um dos pioneiros do movimento indígena, desabafa seu sofrimento

From: Alvaro Sampaio

Date: Tue, 9 Jul 2013 10:28:41 -0300
Subject: índio.
Estive em São Gabriel da Cachoeira, AM, rio Negro, várias vezes. Vi a situação dolorosa, muitas reclamações de pais e mães, de jovens e de viúvas. 

Depois que o Márcio Meira entrou na Funai, a única barreira segura para manter a paz nas comunidades indígenas - Os Postos de Fiscalizações, estavam abandonados. No Rio Negro estavam acontecendo a invasão de garimpeiros nos municípios de Barcelos e Santa Isabel do Rio Nego. Além disso, invasões de empresas de turismo de pesca e deixando os pobres índios numa situação delicada, sem nenhuma proteção.
O custo de vida é caro. Os produtos regionais não tiveram aumento de preços. Os pescadores e piaçabeiros continuam pagando as despesas vitalícias e não há atuação do Ministério Público Federal de Ação Trabalhista para tirar os índios e caboclos da escravidão de patrões.
Me disseram que os meus parentes entraram em depressão - sem perceptivas de futuro. Resolveram fazer a batida de perfume, óleo diesel e pouco de álcool para matar a tristeza que não morre. Os índios morrerm, calados, sem nenhum assistência.
O povo está abandonado, não têm saúde, transporte, educação e nem carinho de ninguém de pessoas que têm DAS no Governo.
Em São Gabriel da Cachoeira, não é diferente. Em 1966 a cidade tinha menos de 500 pessoas. Hoje, são mais de 35 mil, 70% de índios. Certamente, toda a história de colonização do rio Negro foi violenta. Infelizmente, até agora essa violência continua.
Em 1912 chegaram os salesianos e acabaram com nossas casas sagradas, perseguiram os nossos curandeiros e líderes, construíram os colégios em todo o rio Negro. Tive a briga séria com a igreja em novembro de 1980. Por causa de minha denúncia nas instâncias internacionais é que fecharam os internatos e monopólio de comercio de artesanato, passarinhos, couros e outros produtos.
Os missionários nunca defenderam a demarcação da Terra. Mas, nós, índios, com muita garra conseguimos as demarcações das terras.
Muitos índios que tinham medo de ser índios, hoje, ficam na porta da Funai para tirar a Certidão de ìndio, porque quer ter os benefícios do governo. Hoje, até branco quer ser índio, em São Gabriel da Cachoeira.
O poderoso colégio salesiano se transformou num grande hotel. Corre muita grana e, nada de voto de castidade e de pobreza. A moda pegou. Todo mudo quer estudar, ser doutor, ter emprego e curtir a vida. Por isso, desde 1980 até hoje, muitas famílias vieram para São Gabriel da Cachoeira a procura de Ginásio, Segundo Grau e hoje, a Faculdade e, enfim, conseguir emprego.
São Gabriel se tornou violento. Os comerciantes de cachaça e de outras bugigangas estão matando os pobres índios. No porto de Camanaus, São Gabriel da Cachoeira, chegam as enormes balsas cheias de muita pinga. Não existe nenhum controle - muito menos nos Postos de Fiscalização. Assim, a bebida entra direto nas comunidades indígenas e chegam nos lugares mais distantes. Acontecem brigas, mortes e suicídios que nem não contados por ninguém.
Enfim, os meus parentes, também, estão abandonados. Sim, ocorreram muitos suicídios, muitas facadas, espancamentos, atropelamentos e muito comércio de álcool na cidade e no interior.
Nos últimos dez anos, segundo os informes do CIMI, mais de 400 suicídios aconteceram só nos Guarani Kaiowá. Sem contar os de rio Negro, Solimões e outras regiões do Brasil.
Saúde, ainda é pior. Não adianta nem falar. O mais certo é imaginar, chorar calado.
Educação, também, não andou mesmo.
Vergonhosamente, está aí a pobre Funai, desarticulada, abandonada pelo Governo e, se diz, articuladora política indigenista....É de arrepiar.
Tivemos mais confrontos nas selvas com os garimpeiros, madeiros e outros que ignoram as leis brasileiras.
Gostaria de ter o poder, ressuscitar o Marechal Rondon, Darcy Ribeiro,  Juruna e outros líderes para fazer o Tribunal Popular.
É assim que está a nossa realidade, triste. Estamos sem médicos, sem remédios e, sem curandeiros e ervateiros.
Estamos abandonados.
Quem tem o dever de proteger índios, infelizmente, só quer ocupar os DAS, fazer o controle ideológico e, perseguir índios que defendem a paz nas comunidades. É uma pena dizer essas tristezas.
Tudo é verdade.
Álvaro Tukano.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Álvaro Tukano descortina os problemas indígenas e a Funai

Mais uma vez a grande figura de Álvaro Tukano, memorando líder indígena do povo Tukano, do Alto Rio Negro, um dos primeiros indígenas a levantar a bandeira da crítica indígena ao sistema político brasileiro, bem como sobre a participação indígena na vida brasileira, vem a público lançar suas reflexões sobre  o momento atual.

Esse texto foi escrito a propósito de um debate com um patrício Tikuna e questões relativas ao comportamento de jovens indígenas naquela região. Daí o tom de "vamos tratar de coisas importantes..."

Com a palavra... Álvaro Tukano

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Vamos esquecer da parada...A nossa rede de comunicação não é para tratar de assuntos particulares, sem nexo. Temos que analisar, sim, o quadro caótico de Saúde Indígena que enfrentamos de Leste a Oeste, Norte a Sul; o abuso de poder  da PF que invade as casas de noite para prender as lideranças indígenas tradicionais quando defendem a demarcação de terra; o tráfico de drogas nas terras indígenas ou nas sedes municipais por onde os nossos são vítimas; dos líderes que são assassinados quase que diariamente e que deixam seus filhos órfãos, sem nada para comer, crescer e estudar; pela falta de escolas nas aldeias por onde os garotos estudam sentados por debaixo das árvores ou numas pequenas salas comunitárias; a falta de merenda escolar e transporte para os alunos. 


Os líderes das organizações indígenas que se encontram nas bases, sem comunicação, merecem o nosso respeito. Os dirigentes  das organizações e demais intelectuais que têm acesso à comunicação deveriam questionar os membros do CNPI que têm muito a ver com a Hidrelétrica de Belo Monte e outras negociações que acontecem para garantir os empreendimentos de grandes empresas construtoras, fora o avanço de monocultura e  estragos que acontecem em Terras Indígenas. 


Temos de questionar a presença da Força Nacional, inconstitucional, na sede da Funai, em Brasilia, DF, desde o mês de janeiro de 2010  até hoje. Temos que acompanhar os movimentos de centenas e centenas de lideranças indígenas contrárias à reestruturação da Funai -  Decreto Nº 7.056, de 26.12.2009. 


Os dirigentes da COIAB e outros lideres do Brasil, a meu modo de ver, têm que ter o comando político próprio e não estar no reboque do CNPI que esvazia as vozes de lideres importantes que conheçi nesses últimos trinta anos ou mais. 


Como está OIT/169? Em que o movimento indígena avançou? Bolsa Familia? Cotas Indígenas nas Universidades, e etc? 


Eu e outros companheiros que dirigimos o movimento indígena nas décadas de 1970 a 1992,  ainda vivemos e merecemos o respeito. Por exemplo, me lembro do Pedro Inácio, Pedro Mendes, Paulo Mendes, Nino e outros líderes importantes do Povo Tikuna. 


Vamos manter as tradiçoes: HOMEM É HOMEM e MULHER é MULHER!  Será que vocês sabem como está a direção da Funai em Brasilia; as Administrações Regionais e  Postos Indígenas? 


Indo mais longe: Até quando vamos ver as tristes notícias de Guarani/Kaiowá, MS, e outros que continuam enfrentando garimpeiros, madeiros e pistoleiros? 


Sim, temos que ser solidários com o cacique Raoni e outros  lideres contrários  à Hidrelétrica de Belo Monte; com dirigentes das ong´s sérias que estão ao lado do Raoni; dialogar com as novas lideranças para que continuam essa luta que não tem preço. 


Temos que ser solidários com funcionários da Funai que estão sendo perseguidos pelo atual presidente da Funai, segunda a descrição. 


Vejam a argumentação feita pelo Ministério da Justiça contra os servidores da Funai:


Senhor presidente, 1 - Como é de conhecimento de Vossa Senhoria, vêm ocorrendo várias manifestações com o intituito de pressionar o Poder Executivo a rever o Decreto nº 7.056, de 26.12.2009. 2 . O movimento denominado "Acampamento Revolucionário Indígena" além de representantes dos povos indígenas, conta com a participação de membros de sindicatos e outras organizações que apóiam o protesto contra o realinhamento da estrutura da FUNAI, e vem recebendo interferência direta de servidores dessa Fundação que, no horário de trabalho se deslocam para o citado acampamento na Esplanada, incitando a desordem, a ocupação de imóveis e agredindo autoridades, como no incidente ocorrido na última semana nas dependências do Senado Federal, relatado pelo Assessor Parlamentar deste Ministério. 3. Segundo informações colhidas, os servidores que estão atuando no acampamento são os seguintes: Ailton Farias da Silva; Guilhermo Carrano, Humberto Xavante; Jeremias Pinata´awe Psibobodawatre ( Xavante, vereador por Campinápolis/MT0; Roberto Cunha (servidor), Rogério Eustáquio de Oliveira e Wagner Salles Trann. 4 . Em face do exposto, e, considerando que tais condutas são incompatíveis com os deveres do servidor prescritos na Lei nº 8.112, de 1990, solicito a V. Sa. a adoção de providências, no sentido de determinar a instauração de procedimento disciplinar, objetivando a apuração dos fatos e a aplicação das sanções cabíveis aos faltosos.  Atenciosamente. RAFAEL THOMAZ FAVETTI -  Secretário-Executivo, JM. Memorando nº 260/SE. Em 11 de maio de 2010. Esse Ofício foi encaminhado ao Senhor MÁRCIO AUGUSTO FREITAS DE MEIRA, Pres. Funai. 


Enfim, sou testemunha como os Chefes Indígenas foram tratados nessa gestão. Eles ficaram deitados no chão do porão, no mesanino, no corredor e pegaram gripe e passaram as extremas necessidades. 


Uma pessoa morreu no porão da Funai. A nova equipe da Funai fazia conta que não via os meus irmãos. Foi muito triste...


No Acampamento, mais de 200 guerreiros foram retirados a força pela PF, Força Nacional, BOPE, PM e Cavalos. Mais de 1000 militares...O MJ mandou derrubar as árvores que davam a sombra aos nossos parentes.  


Pelo resto do Brasil, os índios enfrentaram a Força Nacional e outras milicias armadas, poderosas. Eis o problema centra. Portanto, meus parentes, o ÌNDIO está maltratado mesmo! Temos  que fazer a pressão política em cima de nossos Governadores, Senadores, Deputados Federais, Deputados Estaduais e Distritais em quais VOTAMOS nas eleições passadas. 


Temos que chegar a Presidente da República para dizer todas essas atrocidades. Os dirigentes dos movimentos indígenas tem que processar a FUNAI e FUNASA, porque o negócio está. 


O que diria o Marechal Cândido Mariano Rondon se estivesse vivo a respeito da  presença das Ong´s na Funai, das manipulações e falsidades ideológicas, a presença de certos funcionários do órgão que nem gostam de índio. 


Agora mesmo para entrar é uma burocracia - só pode entrar com a autorização do Presidente da Funai, dos Diretores e funcionários que, as vezes, nem conhecem os problemas incríveis que enfrentamos nas bases. 


A Portaria da FUNAI  está vergonhosa! 


Álvaro Tukano.  

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Álvaro Tukano faz duras críticas ao atual presidente da Funai

Um dos grandes e mais respeitados líderes indígenas do Brasil, Álvaro Tukano, que, junto com Marcos Terena e Mário Juruna, estabeleceram as bases do movimento indígena no Brasil, nos idos de 1979, escreveu email para deputados do PT, do qual é membro há muitos anos, no qual tece sérias críticas à atual gestão da Funai.

Álvaro Tukano exige que o presidente Lula tome providências antes que a situação política fique mais embaraçosa para ele, sobretudo nessas eleições.

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Foram 47.651.434 votos para companheira Dilma Rousseff. 


Sou ÍNDIO TUKANO, PETISTA, eleitor de BSB, Setorial dos Movimentos Populares do PT Nacional.  Fomos traídos por Pres da FUNAI que, é, também, Pres Comissão Nacional de Política Indigenista - CNPI. Ele impôs reestruturação da Funai, sem consentimento das lideranças tradicionais. Ele nunca compareceu no Congresso Nacional quando foi convocado para dar explicações sobre os crimes que acontecem no MS e no resto país. Ele só trouxe "amigos" oportunistas, entre "ASPAS", sonhadores, amigos dos amigos para Brindar os Cargos de Confiança.... São todos de BELÉM, o que nunca foi aceito pelos petistas índios e simpatizantes.  


Esse presidente da Funai, sem dúvida, defende a presença da FORÇA NACIONAL que continua até hoje na porta da FUNAI. Eu e outros fomos barrados para entrar na Funai, só éramos contrários à reestruturação e ideológicos puros para defender os interesses reais de nossos povos.  


Enquanto isso, infelizmente, toda a fronteira do Brasil continua VAZIA, SEM FORÇA NACIONAL para combater as ARMAS PESADas dos TRAFICANES DE DROGAS.  


Os Chefes de Postos Indígenas NAS ÁREAS, apesar de receber os salários em  dia. 


O Presidente da Funai, sem dúvida, corrompe os membros da CNPI que fizeram a roda de discussão fechada nos Hotèis de 5 Estrelas, Diárias e outras mordomias para defender os interesses pessoais do Presidente da FUNAI que, juntamente, com o Coordenador das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira - COIAB  ( anterior ) venderam os direitos coletivos das Nações Insdígenas. 


Violaram os Direitos Nacionais e Internacionais das Nações Indígenas, mandaram construir a Usima Hidrelétrica da Belo Monte para grandes empresas privadas de sempre para matar ÍNDIOS e Florestas. Os índios do  Mato Grosso não têm terra, água e vida. Os índios estão morrendo! Os índios do Xingú vão morrer em nome do DESENVOLMIMENTO PREDATÓRIO em todos os sentidos. 


Ecologistas, índios e brancos, todos defensores da vida não acreditam na FUNAI e nos políticos que apóiam o atual pres Funai. 


Por que o Pres LULA não atendeu as reivindicações das nações indígenas que defendem a vida das florestas e dos rios?   


Em São Gabriel da Cachoeira, AM, os índios presentes no Hotel de Trânsito do Exército não pediram para salvar apenas algumas línguas indígenas  - 20 - que custavam mais de 2.5 milhões de reais para  os pesquisadores ligados ao atual pres Funai. 


Hoje, os Pontos de Culturas Indígens - 75 no Brasil, não podem ser tratados com propriedades privadas do Sr. Levinho, Diretor do Nacional do Índio do Rio Janeiro, que vê os índios com objetos de pesquisa.  


Digo isso com muita diganidade, que não somos gorilas, pernilongos, os bichinhos de estimação...


Nesse governo os direitos indígenas foram roubados. Até o Dr Paulo Panakararú, hoje, dirigindo a Ouvidoria, infelizmente, não está fazendo nada para defender os indios do MS e outros que são perseguidos pela Polícia Federal. Agora, ele gosta de viajar na ONU. Ninguém sabem o que ele diz por la...


Para atual pres Funai só valem os índios que  são meramente informantes para os pesquisadores. Assim, NÃO DÁ! 


Por causa da reestruturação autoritária por parte do atual pres Funai, sim, houve o derramento de sangue entre índios na porta da Funai, em janeiro do corrente. Mais de 700 índios fizeram protesto contra a reestruração forçada da Funai.  


Essa incoerência indígenista por parte do Márcio Meira, sim, só trouxe desgaste política para o Partido dos Trabalhadores que, nas eleições passadas, 95% dos eleitores indígenas votaram no LULA.  Se atual Governo fosse capar de salvar a ecologia deveria trocar o atual pres Funai que só deu desgaste político no movimento indígena. 


A Associação Brasileira de Antropologia, sim, deveria rever  a ÉTICA PROFISSIONAL à Questão Indígena.  Quem está está no Governo LULA é Márcio que fica enganando todo tempo. 


Quem está errado é o Ministério da Justiça que mandou derrubar dois árvores que davam sombra aos índios descontentes com a reestruturação. Em plena Esplanada dos Ministérios os índios enfrentaram mais de mil soldados montados em cavalos, carros, Polícia Civil e Militar, a PF.  O Dr. Paulo Pankararú não defenderu absolutamente os parentes que deitavam no chão e que passavam todo tipo de humilhação, discriminação, fome e violência.  


Então, meus caros companheiros, a  DILMA e nós  temos que ver tudo isso. Fora Márcio Meira! 


Álvaro Tukano. 

terça-feira, 24 de novembro de 2009

ÁLVARO TUKANO fala da atualidade indígena

Álvaro Fernandes Sampaio, conhecido de todos por Álvaro Tukano, é um dos cinco maiores intelectuais indígenas da atualidade. Com Marcos Terena, Daniel Cabixi, Ailton Krenak e Mário Juruna, forma o quinteto mestre do movimento indígena brasileiro que começou em fins da década de 1970, mais precisamente em 1978, quando o governo do presidente Figueiredo anunciou o projeto de emancipação dos índios.

Esses intelectuais indígenas, muito jovens à época, fizeram acontecer no Brasil, proporcionando a jovens indígenas e jovens não indígenas muita inspiração para estar ao lado dos índios. Diversas pessoas se tornaram antropólogas ou jornalistas por essa inspiração: de estar ao lado dos índios. Acima deles estava o índio xavante Mário Juruna, por ter uma personalidade forte e determinada e não ter qualquer compromisso que não fosse o destino dos povos indígenas.

Álvaro Tukano permanece um intelectual indígena respeitável, em busca de uma solução para a situação indígena brasileira. Morando em Brasília, com um cargo de assessoramento na Funai, ele vive num estado permanente de alerta e de expectativa. Sofre por tudo que está vendo acontecer e mais ainda porque sente que o movimento indígena está indo por um caminho que ele gostaria que não fosse.

Marcos Terena e Ailton Krenak já desistiram de lutar ao lado do movimento indígena. Sabe que não é benvindo entre suas lideranças porque suas vozes ressoam diferente das vozes atuais. Mas Álvaro não desiste. Busca estar ao lado das novas lideranças, sem impor seu conhecimento e sua personalidade. Como indígena, sabe que para tudo há um tempo, e ele não pode forçar a barra pois nada adianta.

Recentemente escreveu um belíssimo texto sobre os inícios do movimento indígena. Sua saga pessoal é relatada mesclada com análises sobre os acontecimentos e com descrições dos traços das personalidades indígenas e não indígenas que encontrou pelo caminho. Seus textos são importantes para a história do movimento indígena, que tem que pôr a mão na consciência e entender, respeitar e emular os pioneiros do movimento que eles agora têm a responsabilidade de liderar.

Agora Álvaro ficou bravo e escreveu um texto poderoso sobre a atual situação por que passam os índios, sobretudo aqueles que precisam da Funai para assisti-los minimamente. Eis o texto de Álvaro, em forma de uma carta de apoio à ANSEF, a associação dos servidores da Funai, cujos membros estão pasmos com o que está acontecendo no órgão em relação a uma proposta de reestruturação:

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Brasília, 26 de outubro de 2009.




De: Álvaro Fernandes Sampaio
       Liderança do Povo Tukano – AM.
Para: Diretoria da ANSEF – Associação dos Servidores da FUNAI
Assunto: A Questão Indígena.



Prezados Senhores e Senhoras.


Sou uma das lideranças indígenas do Povo Tukano, município de São Gabriel da Cachoeira, AM, e, por isso, tenho a honra de cumprimentá-los e, dizer que, Associação dos Servidores da FUNAI – ANSEF, conhece a realidade dos Povos Indígenas do Brasil.
Na última de abril de 1981, com apoio da Associação Brasileira de Antropologia - ABA, Conselho Indigenista Missionário - CIMI, Associação Nacional de Apoio ao Índio - ANAI ( RS, RJ e BA), Operação Anchieta - OPAN, Centro Ecumênico de Documentação e Informação - CEDI e Comissão Pró-Índio ( SP e AC), estávamos reunidos em São Paulo, capital, para eleição da nova diretoria da UNI - UNIÃO DAS NAÇÕES INDÍGENAS. O cineasta Hernamo Pena que registrou todo esse processo e a nossa  posse foi prestigiada com a presença de personalidades importantes: Sindicalista LULA, hoje, Presidente da República, Sônia Braga e outros artistas e intelectuais contrários à Ditadura Militar.
Posteriormente, como Presidente da UNI convoquei a diretoria  e lideranças de bases para traçar diretrizes políticas, reuniões regionais e assembléias nacionais para unir os líderes, defender a demarcação da terra e combater a ditadura militar. De 1981 a 1988 enfrentamos tantas confusões pelo país e, graças o espírito  guerreiro das lideranças é que foi possível  garantir os Artigos 231 e 232 da Constituição Federal. A UNI fez aliança com CNS - Conselho Nacional de Seringueiros  e outros Movimentos Populares da Amazônia, para conjugar as forças políticas para combater a grilagem de terra, a devastação e monocultura na Amazônia e Projetos que eram financiados pelo Banco Mundial. 
Naquela época sempre contamos com o apoio político do saudoso, Deputado Federal Mário Juruna, PDT, RJ, que sempre falou a verdade quando Estado Brasileiro diminuía os direitos dos povos indígenas. Também, participamos das eleições partidárias para Constituinte no Partido dos Tralhadores e no Partido Democrático Trabalhista. Levamos as mensagens da UNI nos cenários nacionais e internacionais juntamente com outras organizações indígenas da América Latina, América do Norte e com os Samys para defender as Culturas e Territórios. Portanto, existem documentos que foram escritos por nós na ONU, em Genebra, Suíça e em Washington, Estados Unidos. Essa época marcou a resistência dos povos indígenas na América Latina.


                         Primeiro mandato do Governo LULA.


Quando o Presidente Lula ganhou as eleições, certamente, muitos eleitores choraram de alegria, pois esperavam ver as  mudanças profundas na estrutura de administração do Estado. Ficou claro para nós, que nesse governo sonhávamos a maior participação dos índios na FUNAI e nos outros órgãos que trabalham com a Política Indigenista. Em consenso, foi dito que, alguém não-índio assumiria o cargo para fortalecer o movimento indígena e reestruturar a FUNAI ouvindo os líderes e suas organizações de bases em todo Brasil. Durante o primeiro mandato do Presidente Lula, com o apoio da FUNAI foi possível realizar as articulações políticas entre líderes  e organizações de bases. Foram feitas as Conferências Regionais e a  Conferência Nacional dos Povos Indígenas, nos dias 12 a 19 de abril de 2006, no Parque da Cidade, em Brasília, com a participação de mais de 950 líderes de bases que aprovaram 169 Artigos.  Portanto, houve a participação de lideranças expressivas de nossos movimentos e o Documento foi entregue nas Governo Brasileiro que foi representado por General Felix, Chefe-do-Gabinete Militar da Presidência da República Federativa do Brasil e outras autoridades presentes. Esse Documento foi filmado do começo ao fim por uma equipe que foi contratada pela FUNAI. Esse documento não é para ficar escondido nas gavetas da FUNAI e, sim, que deve ser enviado as lideranças que participaram a conferência.

Segundo mandato do Governo LULA.


Durante o segundo mandato do Governo LULA, percebemos que a Questão Indígena tornou-se muito difícil para a maioria dos líderes indígenas e suas organizações. Houve a troca do Presidente da FUNAI. Saiu o Mércio Pereira Gomes e entrou o Márcio Augusto Freitas de Meira. 
Quando o  Mércio foi o presidente da FUNAI não trouxe  gente de fora para compor sua equipe  e não fêz a vontade dos pedidos dos parlamentares e/ou de partido nenhum. Que eu saiba ele só trouxe a Dra Betinha que trabalhou no Museu do Índio – Rio de Janeiro e, infelizmente, esta ficou pouco tempo e depois voltou. 
Ele trabalhou com os Administradores da FUNAI , Brasília, DF, e com os das Regionais que conheciam os problemas dos índios brasileiros. Encaminhou para frente os problemas de demarcação que ficaram parados há tempos. Por exemplo, a TI Balaio ficou mais 22 anos entre DEID/DAF. Juntos com Mércio Pereira Gomes tivemos reunião na sede do IBAMA, em Brasília, para tratar da Terra Indígena. Depois ele visitou a nossa aldeia Balaio, município de São Gabriel da Cachoeira, AM, e conheceu a triste realidade da Estrada BR-307, as habitações precárias e a situação geral nada agradável de nossos povos por causa da briga que travamos com IBAMA e, hoje, o Instituto Chico Mendes que   não quer que os índios pesquem e cacem para se sobreviverem. O importante é que o nosso povo recebeu o Presidente da FUNAI na aldeia Balaio e resolveu o problema da Demarcação da Terra. Pelo que conheço, foi o segundo Presidente da FUNAI que conheceu o interior da “Região de Cabeça-de-Cachorro”, depois do General Ismarth que esteve por lá quando a FUNAI começou existir em l973. 
O Mércio visitava as Terras Indígenas e promovia reuniões nas aldeias os caciques  quando estas enfrentavam o problema. Por exemplo, foi isso que ele fez com os Xavantes e com outros povos de Rondônia, Maranhão, Pará, Roraima, Mato do Sul que passaram por momentos delicados diante dos invasores.
O Dr Mércio Pereira Gomes cativou a história de Marechal Cândido Mariano Rondon e da  FUNAI. Ele sempre lembrava do saudoso Deputado Federal Mário Juruna e respeitava o pensamento dos índios e dos intelectuais que sempre defenderam a Política Indigenista. O Ministro da Justiça, Thomás Bastos e Presidente Lula  e líderes dos movimentos indígenas sabem muito como foi importante a passagem do Mércio na FUNAI.
No segundo mandato do Governo LULA, quem tomou a posse foi o Dr Márcio Augusto Freitas de Meira. Naquela solenidade de posse vieram personalidades importantes do PT. Por exemplo, o Ministro Luís Dulce e outros. Até aí tudo bem, porque a maioria pensou que a FUNAI fosse melhorar muito em todos os sentidos. Nesse período o que se percebeu e, disso todo mundo sabe é que  a mudança  de Presidente e da Administração de modo geral causou o desgosto interno. 
Os funcionários antigos da FUNAI foram colocados de escanteio. Os Cargos de Confiança foram distribuídos entre os amigos vindos de fora que nunca participaram e/ou que nunca apoiaram o movimento indígena em nenhum momento. Ouvimos dizer o seguinte dos funcionários: “Que esses “amigos” trouxeram seus “amigos” para ocupar outros cargos na FUNAI”... Isso resultou num  atrito interno entre os velhos funcionários e novos. Houve remanejamento de funcionários antigos contra a vontade. Os trabalhadores mais antigos da FUNAI que conhecem a vida dos povos indígenas e que têm a experiência acumulada no campo profissional sofreram muito com a mudança até nos dias de hoje e não existe o diálogo pelo que acompanhamos.
A grande novidade que se viu nessa administração foi a instituição da Comissão Nacional de Política Indigenista – CNPI, resultado da Conferência Nacional dos Povos Indígenas. Esse canal oficial era para levar as reivindicações indígenas.  Na prática, A Conferência Nacional dos Povos Indígenas, pelo Regimento Interno, não contemplou a participação da maioria absoluta das lideranças indígenas do Brasil e, por isso, os líderes das bases começaram ficar desconfiados.
Nos últimos dois anos é comum ouvir a queixa dos líderes que dizem assim: “A equipe atual que dirige a FUNAI começou discutir a Política Indigenista como se esta fosse nova. O Órgão Indigenista Oficial do Estado Brasileiro foi tratado como se fosse a propriedade particular e, por isso, os membros das ONG´s tiveram mais peso nas decisões políticas e ocuparam os Cargos de Confiança que tratavam de assuntos estratégicos dentro da FUNAI. Todas as discussões e decisões que fizemos na Conferência Nacional dos Povos Indígenas, os 169 Artigos foram ignorados pelos membros do CNPI”. Outros dizem: “A CNPI funcionou mais para o Presidente da  e suas Secretárias que viajam pelo Brasil para terem reuniões com número reduzido de líderes”. Outras lideranças dizem: “Houve a manobra política de cunho ideológico sobre a Política Indigenista – Tudo bonitinho no papel, e prática a pobre FUNAI  vai de mal a pior.” 
No caso da Região Norte por onde temos 60% da população indígena, a COIAB – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, com sede na cidade de Manaus, passava por crise  política interna nos cenários nacional e internacional por causa de falta de transparência nas prestações de contas. E, não faltaram as reclamações: “O Estado do Amazonas que tem 67 Povos Indígenas e com mais 100 mil índios, infelizmente, foi  mal representados na Conferência Nacional dos Povos Indígenas. Os líderes das bases do Estado do Amazonas NÃO DISCUTIRAM A REESTRURAÇÃO DA FUNAI. Os dirigentes da COIAB, em Manaus, acompanharam e apoiaram as invasões de índios nas sedes da FUNAI e FUNASA”.  
Lamentavelmente, soubemos que os índios saquearam o patrimônio público – computadores, impressoras, voadeiras e motores de popa, máquinas filmadoras e outros instrumentos de trabalho. Em outras regiões do Brasil alguns escritórios da FUNAI e da FUNASA foram ocupadas pelos índios por vários motivos. A imprensa divulgou essas notícias tristes.
Os Povos Indígenas continuam enfrentando os problemas e, por isso, procuram os Postos Indígenas, as Administrações Regionais e a sede Nacional da FUNAI. Cada liderança e/ou organização indígena têm sua versão como está a situação da FUNAI em cada lugar. O Estado Brasileiro continua impondo a pobreza e a  violência generalizada; a brutalidade da Polícia Federal no sul da Bahia... Os índios derramaram o sangue nos Estados de Pernambuco, Maranhão, Roraima e outros Estados da Federação. O trabalho escravo, a perseguição e separação nas famílias para trabalhar fora de suas terras acontecem no Mato do Grosso e, segundo os Relatórios do Conselho Indigenista Missionário – CIMI,  foram assassinados 97 índios nos últimos sete anos do Governo LULA e, mais 2 recentemente.  No segundo mandato do Governo LULA, só foi homologada uma Terra Indígena.
Em outras vezes ouvimos dizer dos funcionários e índios: “A FUNAI foi entregue para pessoas oportunistas que estão à serviço das  Organizações Não-Governamentais espalhadas pelo país. Diante desse quadro é que muitos índios que eram do Partido dos Trabalhadores saíram e foram para o Partido Verde e outros.” “ Eles têm razão, porque o PAC só trouxe problemas para os Povos Indígenas.” 
Outro assunto que vale ressaltar, aqui, em Brasília: A falta de Assistência ao Índio. Esses comentários saem da porta da FUNAI: “Não adianta ir nas bases para ver a situação triste dos Povos Indígenas. Nessa gestão da FUNAI houve a preocupação com segurança dos executivos do órgão. Quem aumenta a segurança só pode ser pessoas inseguras para trabalhar na sede da FUNAI. Líderes importantes do Povo Xavante dormem no chão no sub solo, na entrada e no mesanino.”
Sim, eu mesmo sempre vejo o meu amigo Celestino Xavante deitado em cima do papelão bem na porta da Coordenação-Geral de Artesanato - CGART. O Cacique Pio Xavante, o Cacique Aniceto Xavante e outros líderes importantes não estão tratados com respeito e dignidade. Uma senhora do Povo Xavante, que mal falava português, queria falar muito com alguém da Presidência. A segurança não a deixou entrar no Gabinete. A pobre senhora chorou e chorou mesmo!.. E, não foi atendida pelo presidente e pela chefe do Gabinete. 
A garagem da FUNAI é o reduto de Xavante que vêm a Brasília em busca de soluções.. Eles dizem que não tem o papel higiênico suficiente e banheiros ficaram fedorentos, insuportáveis. Eu e outros funcionários índios vimos que muitos índios ficaram doentes de gripe. Uma Xavante teve derrame de tanto deitar no chão frio de cimento e outra quase que deu luz a uma criança que, graças à habilidade do Corpo-de-Bombeiros nasceu pelo meio do caminho a Hospital. Essas coisas aconteceram na sede da FUNAI por onde trabalham os executivos e funcionários de muitos anos e, sem falar de alimentação precária,  mal-feita. 
Outras vezes ouvimos dizer: “Que os índios discutiram com a Chefe-do-Gabinete no elevador, porque esta não gosta de índios e quer elevador somente para ela.” Eu não duvido nada, porque uma vez, eu estava no sub solo e fui em direção ao elevador para cumprimentar o meu Presidente da FUNAI e, infelizmente, fui barrado pela segurança. Isso me dói até nos de hoje. 
Todos nós sabemos o quanto de roupa velha que os Xavantes levam para suas aldeias. Levam o lixo da cidade. Menos a solução de seus problemas. Esse quadro é ridículo. Os índios Xavante que vêm a Brasília não estão sofrendo.  Até quando vamos ver esse quadro caótico?
A ANSEF fez muito bem quando mandou a carta para o Presidente questionando sobre a Reestruturação da FUNAI. Temos que saber se essa discussão ocorreu nas regionais ou não. E, se não aconteceu, sim, vamos exigir a participação de todos os representantes das Nações Indígenas do Brasil. Somente assim é podemos comemorar os 100 Anos de Política Indigenista no Brasil.
Não havendo mais assuntos, renovamos os nossos protestos de estima e consideração.




            Atenciosamente,




            Álvaro Fernandes Sampaio
Liderança do Povo Tukano – AM.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

ÁLVARO TUKANO publica suas memórias: Parte III

O NASCIMENTO DA UNIÃO DAS NAÇÕES INDÍGENAS -- UNI

Memórias de Álvaro Tukano


São Paulo, dias 26 e 27 de Abril de 1981.

O Nascimento da UNIÃO DAS NAÇÕES INDÍGENAS – UNI.

Com muito clareza, eu e outros companheiros que têm acesso a imprensa à níveis nacional e internacional temos defendido a demarcação da Terra para as Nações Indígenas. Havia muita expectativa dos índios para ter a expressão própria, pois eu e Mário Juruna tivemos que sair do Brasil para falar com os homens que defendem os Direitos Humanos dos Povos Indígenas.

Evidentemente, os intelectuais brasileiros que atuavam nas Organizações Não-Governamentais, por exemplo, Comissão Pró-Indio, CPI – SP; Comissão Pró-Indio, CPI – AC; Operação Anchieta, OPAN – AM; Centro de Trabalho Indigenista, CTI – SP; Associação de Apoio ao Índio, ANAI –POA; ANAI – RJ; ANAI – BA; CCPY – SP estavam com pensamentos amadurecidos e eram os defensores árduos da causa indígena. A ABA – Associação Brasileira de Antropologia, uma instituição científica, tem tomado a posição política afirmativa para defender os índios brasileiros nos cenários nacionais e internacionais. Outros brasileiros, também, acadêmicos que não fugiram da ditadura militar formaram suas instituições, como por exemplo, Centro Ecumênico de Documentação e Informação – CEDI- SP. A Igreja Católica criou o CIMI – Nacional. Os Evangélicos Luteranos sensibilizaram os membros das demais igrejas para respeitar e defender as questões indígenas.

Tendo essa visão política é que a Dra. Manoela Carneiro da Cunha; Dra. Lux Vidal; Dra. Aracy Lopes, Rosa Pena; Luis Pena; Alba Lucy Figueroa, Carlos Alberto Ricardo e outros, em conjunto, organizaram o Encontro dos Povos Indígenas na cidade de São Paulo. Assim, vieram muitos índios de diversos lugares do Brasil e ficamos hospedados no Pacaembú, Estádio de Futebol, entre os dias 26 e 27 de Abril de 1981, e ficamos falando de nossos assuntos relativos à demarcação das terras indígenas do Brasil.

Enquanto isso, no Palácio do Planalto, o General Golbery Couto, Chefe da Casa Civil, ficou ofendido com as palavras: Nações Indígenas. Fomos mal interpretados... Sendo o Militar de Alta Patente e, falando pelo Governo Brasileiro, usou expressões negativas e humilhantes contra os povos indígenas. Essa notícia foi parar em nossos ouvidos e houve a reação imediata dos líderes indígenas. Assim, os coronéis da FUNAI, não queriam ouvir falar de Nações Indígenas, porque para eles só existia a Nação Brasileira.

Na verdade ninguém queria formar outros ESTADOS dentro do ESTADO BRASILEIRO. O que defendemos foi a demarcação das terras indígenas, segundo à luz da CF/Lei N°6001/Barra Estatuto do Índio. Como cidadãos brasileiros defendemos as culturas e tradições dos povos indígenas que têm suas terras tradicionais. O General Golbery não poderia desfazer a Constituição Federal que defende os nossos direitos, via FUNAI, o Estado Brasileiro, tinha que demarcar os territórios das tribos distintas que vivem pelo nosso país e, entender que as Terras Indígenas são os bens da UNIÃO. Achamos que o General Golbery estava muito atrasado para dirigir e defender os interesses dos povos indígenas. Assim, combinamos com todos os líderes para formar uma Organização Indígena no Brasil.

São Paulo, dia 28 de Abril de 1981.

O Dia mais agitado dos índios.

Estamos numa manhã agitada por parte das lideranças indígenas que se encontram hospedados no estádio de Pacaembú. Por que será? Todos agitados, curiosos. Por exemplo, o Cacique Mário Juruna é o mais nervoso de todos e, tão cedo, de madrugada, extraordinariamente, convocou os líderes de sua confiança para um debate pré-liminar. Era bem cedo, ainda a maioria de lideranças estavam dormindo e desconhecem o barulho do Juruna. O Sr. Domingos Veríssimo Marco, Presidente Provisório da UNI Nacional, se espantou com barulho, acordou desconfiado. Na verdade deve ter ouvido algumas palavras proferidas pelo Mário Juruna contra ele. E foi mesmo, pois este companheiro gosta de centralizar o poder e não respeita a posição política de outros líderes jovens de sua tribo. O Sr. Domingos não desconheceu da atitude do Mário Juruna que, na certa irá dar o golpe político na direção da UNI.

Os momentos foram se passando, e sob arbitrariedade do companheiro Mário Juruna, em meio a tanta confusão de fala alta, todos os líderes que já acordaram, sentados nas cadeiras numa sala pequena, aguardavam ansiosos para ouvir a palavras da Ordem do Dia. Os índios subiam e desciam para se vestir, alguns tomavam o banho e outros partiam em direção os quartos para apressar os companheiros para acordar os lentos. Todos estão curiosos e ninguém sabe o que poderá acontecer nos minutos posteriores.

O povo Xavante é muito forte em tudo – de físico à pressão política em cima da FUNAI para que demarque a terra. Realmente, esse povo não brinca no trabalho. É povo guerreiro, destemido e que guarda na memória histórias tristes de tantas confusões de fazendeiros e grileiros que roubam a terra dos índios. Assim, o Juruna anda nervoso, apressado.. Assim, em seguida, convoca os amigos para dar o apoio ao movimento indígena, e diz que é para corrigir os erros do Governo Federal. Em resumo: O Mário Juruna quer criar a Federação Indígena e, mais uma vez, faz crítica dura os dirigentes do Estado Brasileiro, a FUNAI que não cumpre o seu papel.

Nesse momento todos os líderes ficam admirados e outros se perdem no espaço e no pensamento. O Juruna se aproveita do tempo para dar a nova mensagem em Português “primário” difícil e, fácil ao mesmo tempo para todos os líderes, pois ele pensa rápido e joga os objetivos claros. Ele convoca à todos líderes para uma eleição para escolha de dirigentes nacionais. “ É confusão animada para solucionar o problema do índio brasileiro”, diz. E pede para pensar direito, rápido, e aprovar a convocação da eleição imediata. Enfim, todos aprovam. O Juruna ficou animado, falou, e falou duro e não percebeu que a hora do café estava passando. Vendo o movimento de outros para tomar o café, reagiu. “E tem mais, mandem adiar o Café um pouco mais. Esse café é menos gostoso do que a nossa discussão”

Juruna falou dos dirigentes FUNAI que são indigenistas e sertanistas que são contrários a opinião dele. Enfim, fez um belo relato histórico de sua luta em defesa da causa indígena e reprovou muita coisa do órgão indigenista oficial. Assim, deu a palavra aos outros e deles ouviu atentamente sobre as reclamações em torno dos dirigentes da FUNAI. O Juruna ficou mais animado e começou a revelar de que os índios têm muita força política a ser construída pelo Brasil.

O Mário Juruna de olho nas próximas eleições.

Até o presente momento nenhum de nós estava ligado no movimento político para as próximas eleições. Mas, o Mário Juruna já tinha feito seus planos para carreira política. Aliás, estava ali como um dos grandes político petulante para cobrar do Estado Brasileiro para que a FUNAI cumpra o seu papel constitucional. Ele estava com sorriso meio bicudo do jeitão Xavante. Ontem ele visitou o Líder Sindicalista, LUIS INÁCIO LULA DA SILVA, em São Bernardo do Campo e, com certeza, falou de política. Como adora a mídia e gente famosa, também, conversou muito com a artista de cinema Sônia Braga.

Depois da fala de líderes, o Mário Juruna abriu o jogo: Disse que vai concorrer as eleições para Deputado Federal, pois achou importante chegar no Congresso Nacional, a fim de discutir com os demais parlamentares sobre a situação dos povos indígenas do Brasil.

Não deu outra coisa, todos concordaram. Em seguida a tese foi defendida pelo Chefe Xavante, o Aniceto. Este disse que o Mário Juruna quer concentrar atenção do povo brasileiro, verificar, denunciar a omissão do Estado Brasileiro que não demarca as terras indígenas. Disse mais: “ Os políticos manipulam os poderes, centralizam esses poderes para não perder o controle sob seus súditos. Nisso a questão indígena não escapa.” Continuou dizendo, que o Mário Juruna estava fazendo o comício político para se candidatar a Deputado Federal e, por isso, pediu apoio de todos os líderes presentes”. Concluiu:” O Juruna irá defender os interesses dos povos indígenas do Brasil. O Juruna deve ter mais compromisso com a luta dos povos indígenas do Brasil, ter maior compromisso com o povo brasileiro e que não deve ser manipulado pelos indigenistas mal acostumados. E, para fazer pelos índios, nunca se deve basear na religião de branco que só atrapalha os grupos indígenas. Muitos líderes se confundem nesse ponto”.

Em tom cobrança, o Aniceto esbravejou:”Que devemos ter a ética indígena, comportar como chefes tribais; que certos líderes que usam o poder em nome da religião dos brancos e que usam as palavras bonitas, não condizem com a realidade dos povos indígenas tão sofridos... É difícil cumpri as Leis dos brancos. Não é a hora de falar bonito diante de outros. Antes, é preciso trabalhar duro nas comunidades com os irmãos e só depois é que se pode obter o verdadeiro papel de líder”

Essa cobrança áspera do Aniceto era focalizada em cima do Domingos Veríssimo Marco, o tio do Marco Terena, que até então era o Presidente Provisório da UNI Nacional criada em Campo Grande, MS. A presença de lideranças jovens não agradava os dirigentes da UNI Terena que, na concepção deles, só os velhos poderiam comandar a política. Ficou claro assim, que havia uma briga de família Terena pelo poder. A falta de confiança mútua era o que predominava entre o Marco e Domingo.

Ouvindo as propostas novas para criar a Federação Indígena do Brasil, o Sr. Domingos Veríssimo Marco, adiantou a defesa em pról de sua diretoria que já estava formada desde Campo Grande. Ele disse que os jovens não podem mandar nos velhos Terena, que o Marco Terena era jovem demais e que estava sob a custódia dos velhos.

Nesse momento houve a reação de líderes de outros povos, isto é, o Sr. Domingos não os convenceu. Nessa confusão o Mário pediu a palavra e defendeu a Chapa 2 com os seguintes candidatos:

Presidente da Federação: Mariano Marco – Terena;

Vice-Presidente: Álvaro Fernandes Sampaio – Tukano.

Secretário: Lino Pereira Cordeiro – Miranha e

Assessor/Secretário: Hibes Menino de Freitas – Wassú.

Mais adesões de idéias só animou o Mário Juruna. E, fazendo um discurso contudente, o Mário Juruna impôs pela aprovação da Chapa 2. Niguém reagiu. Era uma surpresa política. Então, Mário Juruna pediu à todos para terem a calma e convidou a platéia para sair da sala e tomar o café gostoso. Um dia antes eu já percebia o que Mário aprontaria: Usar artimanha para acabar com a vaidade do Domingos Veríssimo Marco. Assim, nos momentos de tomar o café acertamos os detalhes e, em seguida fomos até a igreja dos missionários Dominicanos, no Bairro Perdizes, por onde funcionava a sede da Comissão Pró-Índio de São Paulo.

A II Sessão da UNI, em 28 de Abril de 1981.

Até ontem a FUNAI não admitia nenhuma reclamação política por parte de índios. Eu fui considerado como mentiroso quando teci a crítica em cima dos missionários salesianos que trabalham no Rio Negro. Aqui deu para perceber que a FUNAI é problemática mesmo. Assim, é preciso construir a política pública para os povos indígenas; construir a democracia, a autodeterminação. E, se a FUNAI fosse dirigida por um civil educado, certamente, os índios saberiam discutir seus problemas e agradeceriam os funcionários pelo serviço prestado.

Muita coisa de ruim aconteceu nas comunidades indígenas, e por isso, o discurso dos índios desviou a programação feita pelos organizadores do evento. Os índios nervosos taxaram alguns brancos como “manipuladores”, porque houveram de fato as interferências de pessoas de apoio para poder conduzir o encontro. Parecia uma intervenção “disciplinada”, mas não deixava de ser a pura manipulação. A única alternativa que os índios encontraram foi a saída de todos os representantes das entidades da sala de reunião. Menos a Equipe de Documentação para acompanhar os trabalhos transparentes dos índios.

A maioria dos líderes quer a unidade de pensamento do movimento indígena, ter maior participação dos índios nas discussões que tratem do Governo em relação à demarcação da Terra e bem como na elaboração de outras atividades que visem dar benefício. Assim, o Mário Juruna quer a melhor representatividade do movimento indígena no Brasil, mais presença de lideranças indígenas nos seminários regionais, nacionais e internacionais.

Não foi por ingenuidade não, uns três representantes das entidades insistiram em permanecer na igreja e, por isso, em consenso os índios pediram para que eles se retirassem. Feito isso, continuamos discutindo e muitos curiosos nos olhavam pelas brechas das janelas da igreja. Os brancos estavam nervosos, tinham medo de que houvesse o confronto entre os índios. Os brancos falavam baixinho, faziam a confusão entre eles, se desentendiam e cada uma queria ficar com seus “indiozinhos”. Uns não queriam nem saber do movimento indígena para não perder o controle, outros achavam muito bom e que era o momento exato para fundar a organização indígena no Brasil.

Depois de muita bate-boca, o Domingos Veríssimo se sentiu cansado e teve que ceder o espaço para os novos líderes indígenas do Brasil. A UNI de Campo Grande foi muito criticada, pois durante um ano essa entidade pouco fez pela causa indígena e quase não cobrou nada da FUNAI. O Domingos tentou convencer mais uma vez, e levou mais pressão dos líderes. Foi uma briga de alto nível de índio com índio, de índio com os brancos de entidades, de branco para branco e muita correria de idéias. Uma verdadeira loucura...

A Comissão Pró-Índio de São Paulo teve o apoio incondicional das lideranças indígenas, porque defende autenticidade do movimento indígena e exige a maior abertura política do Estado Brasileiro em relação à Questão Indígena. Feitas a tanta crítica em cima da FUNAI, só o movimento indígena organizado pode fazer mudar a História do Brasil. Não houve o intervalo, ficamos olhando entre nós mesmo, pensativos.

Insistiu o Domingos Veríssimo: “ O Governador de Mato Grosso do Sul tomou a iniciativa e convidou as lideranças indígenas para falar de suas questões durante a Semana de Índio, objetivando tornar a Questão Indígena como problema causado pela sociedade brasileira. A questão indígena não deveria ser discutida somente pela FUNAI, mas sim, com a participação plena da sociedade brasileira. No final de toda essa conversa nasceu a UNI – União das Nações Indígenas no dia 19 de Abril de 1980. Foi o resultado de grandes conseqüências negativas do órgão tutor, a FUNAI, que em vez de ajudar os índios estava subtraindo a proteção constitucional. Quando acabou o Serviço de Proteção ao Índio – SPI, entrou a FUNAI pelo Nº6001, O Estatuto do Índio, em 1973. A UNI nasceu para pressionar o Governo Brasileiro para que os preceitos constitucionais sejam aplicados. Desta maneira seria necessário mudar os dirigentes da FUNAI e colocar pessoas comprometidas com a questão indígena.

O Mário Juruna estava furioso e disse: “ A UNI do Domingos Terena não tem força e ninguém dos membros dessa Diretoria defendeu o povo indígena. E, disso todos sabem... Eu defendo o índio, o Marco Terena, Álvaro Tukano, Lino e outros que já brigaram com a FUNAI. Agora é a hora de criar uma Federação Indígena e deixar de lado a diretoria de Campo Grande que está fraca e que só faz o Papel de Inteligente, mas na prática, essa é uma utopia.”

Nesse momento muitos índios do Nordeste apoiaram o Mário Juruna, surgiram de novo as discussões calorosas, polarizadas.

E, continuou o Domingos:” Foram feitas as normas da UNI. Uma delas é para consultar a várias pessoas das tribos para ver se querem ser os membros da UNI, sem fins lucrativos, que representa todas nações indígenas, que visa promover as culturas, dar autodeterminação aos povos indígenas, e tudo mais. Assim, aquele momento era ideal para fazer a divulgação da UNI em todas as instâncias do Governo e nas Entidades de Apoio à Causa Indígena. A organização indígena deve denunciar a omissão do Governo; o contra-ataque é constante, que vem as represálias ou ameaças de morte contra as lideranças. Por isso, os líderes se arriscam com suas vidas, cada vez mais, os fazendeiros ou grupos econômicos se mobilizam para acabar com a raça indígena. Já estão mexendo no Estatuto do Índio, e, agora, o Serviço Nacional de Informação – SNI, através de seu Chefe da Casa Civil, o General Golbery Couto e Silva, quer derrubar a nossa organização, conforme os noticiários de 26 de novembro de 1980” Houve o controle de emoções por parte de índios.

Entendi que a UNI tinha força política de caráter moral e que era preciso conjugar as nossas forças junto as entidades de apoio à causa indígena.

O Manoel Celestino, Xucuru Cariri, disse que os índios devem ser fortes no território brasileiro; todos devem ser membros da UNI e participar diretamente nos debates e decisões políticas, buscar alianças transparentes e assim cuidar de nossa questão. Só assim vamos fazer funcionar a idéia desse encontro.”

O Marco Terena explicou como os índios estavam sendo tratados pela FUNAI, em Brasília. Disse: ”Existem muitas idéias de brancos da FUNAI que massacram as nossas idéias, as idéias de certos funcionários para dividir o nosso movimento e nossos líderes. Existe a discriminação e o aumento de miséria nas comunidades. A FUNAI gosta de ver grupos indígenas fracos, que as denúncias de índios só saem no dia 19 de Abril ou então, quando há calamidade. Agora é a hora de acabar com a divisão entre os índios”.

Vimos que a pressão da FUNAI cai em cima dos bons funcionários e que, a maioria de pessoas das ong´s um dia já passaram pelo órgão. Muitos de nossos participantes não anotavam, porque não sabiam escrever. Mas, com olhares atentos gravavam as mensagens de nossos oradores. Os índios são bons historiadores, contam tudo e, muito bem.

Na maior parte do tempo eu fiquei calado. Agora dei o apoio a UNI que deveria ser mais ágil. O Lino Cordeiro, Povo Miranha, Tefé, AM, disse que o Mário Juruna fora um dos coordenadores da mesa quando a UNI foi criada em Campo Grande. Agora, não entendia o por quê Juruna fazia intervenções desconfiadas.

Todos ficaram a favor da UNI. O Mário Juruna parecia estar calmo, pois outros índios falaram muito bem. Estando de lado, sozinho, o Juruna se sentiu traído e começou apertar os punhos das mãos. Assim saímos para o almoço.

Esse almoço não foi tão gostoso como café da manhã. O Mário Juruna estava muito bravo, muito sentido e veio tomar o assento a meu lado, e disse: “Quero ficar sentado aqui a seu lado para falar a verdade. Álvaro, você não conhece os Terena. O Lino Cordeiro não conhece os Terena e nem o Hibes Menino. Essa gente só sabe mandar em cima dos Guarani, Kaiowá e outros índios que não são guerreiros para brigar contra os fazendeiros e coronéis da FUNAI. Essa gente só usa nós, só quer emprego na FUNAI, eles gostam de poder, são politiqueiros, falam bonito e negociam com os fazendeiros e FUNAI por debaixo do pano e, depois mandam matar os verdadeiros líderes... Álvaro, eu me senti traído por você.... Meu amigo, você está dando ouvido ao Domingos Veríssimo. Ele está manipulando vocês, Lino Cordeiro, Hibes e Marco Terena. Vocês não tem que se afastar de mim”. Assim foi apanhar a comida. Chegou disposto a tudo, comia, observava... Comia muito e olhava nervoso em cima do Domingos. Muitos estavam desconfiados e não mais falaram com Juruna. Aí o Chefe Juruna ficou mais desconfiado. A respiração dele estava descompassada, e começou a exigir de mim a prudência, a coragem e pensar no futuro dos índios.

E, quando terminou de comer me disse: “ Ôh! Álvaro, você já ouviu o meu conselho. Você não pode fugir de mim e nem ter medo dos Terena que não querem a Federação. Vou tomar o poder dos velhos Terena e vou dar o apoio para vocês, jovens. Certo?!..

Respondi-lhe que, sim. Eu estava comendo devagar e pedi-lhe para continuar a conversa e nisso ele me atendeu. Eu disse que não estava traindo ninguém. E, sim, que queria ver a posição da maioria e, por isso, fiquei calado. E falar, se necessário, na hora exata. Agora, se é para tomar o poder do Domingos que não gosta do Marco que é jovem, então, o jeito seria provocar uma eleição urgente, apesar de contrariar o Estatuto da UNI.

- Mário: É mesmo! Então, Álvaro, vamos fazer isso? Então, Álvaro, acho que fechamos o acordo. Agora, vou falar com os Xavantes e outros para fazer essa eleição.

- Álvaro: Vamos! Pode ficar frio e confiar na vitória.

Voltamos na igreja dos Dominicanos. Parecia que estávamos mais ou menos aliviados. Fiz mais intervenções e sempre acalmando os mais nervosos. Foi assim que preparamos a eleição forçada. Falamos de embasamento político, mais habilidade para discutir na FUNAI e dar a vez aos caciques das aldeias. Lançamos muitos nomes para serem votados. Colocamos a URNA, melhoramos o diálogo entre os índios para fazer o campo político e partimos para votação. Foi quando, então, abrimos as portas para todos os representantes das entidades entrar para acompanhar a votação. A imprensa gostou e, logo começou a votação para escolher a nova diretoria da UNI.

Sem dúvida, esse foi o momento mais importante em que construímos, democraticamente, o movimento indígena no Brasil. Todos votaram num país por onde ninguém votava ainda para o Presidente da República. Nasceu a “ Flor da Esperança dos Povos Indígenas”, resultado de uma ação integrada de nossos povos ali representados. Os oprimidos, índios e camponeses, os trabalhadores urbanos querem as mudanças de nossos governantes. Os índios querem a expressão própria para defender os seus territórios. Por isso, assim foi o resultado dessa eleição:

Presidente: Mariano Justino Marco – Terena, 58 votos; Vice-Presidente: Álvaro Fernandes Sampaio, Tukano, 8 votos e, Secretário: Lino Pereira Cordeiro, 5 votos. Em seguida o Sr. Domingos Veríssimo Marco, deu a posse a nova diretoria e parabenizou, e pediu uma salva de palmas. Em seguida, o Marco Terena tomou o microfone para dar a mensagem aos índios brasileiros e imprensa. Em seguida foi a vez do Mário Juruna que ficou muito animado com o resultado das eleições e, disse: “ A FUNAI não é PAI NOSSO e, por isso, nasce a UNI”

Depois vieram muitos líderes para nos cumprimentar. Todos estavam contentes, aliviados. E foi assim que saímos para jantar, pois à noite, teríamos uma grande manifestação com todos os líderes dos movimentos populares, Ong´s e seria uma Festa dos Índios Brasileiros.

Às 19:00 horas já estávamos de volta. Os índios estavam pintados, todos alegres. Falou o Marco e que comoveu a platéia que bateu as palmas. Todos nos parabenizaram, os índios dançaram, cantaram e tiraram as fotos.

Depois foi a vez de falar do Dom Tomás Balduíno, Bispo de Goiás Velho e, disse: “ Os amigos dos índios se sentem alegres por terem colhido o fruto do esforço de seu trabalho junto aos demais membros das entidades”. Avaliou a situação política do país, falou da necessidade de resolver os problemas dos povos indígenas, pedir a demarcação das terras.

O Dom Tomás Balduíno foi muito elogiado pelos índios e por todos ali presentes. Falou pelo CIMI/CNBB, órgão voltado para orientar os missionários e leigos para defender os nossos direitos. Outro orador foi o Mário Juruna e criticou duramente o Presidente da República, e disse que deveria chamar atenção do Presidente da FUNAI. Reprovou os grandes projetos econômicos, as empresas multinacionais e chamou seus funcionários de “ladrões”, amigos do Governo Ditador que mata de fome o povo brasileiro. Disse que o General Golbery é criminoso, não repassa a verdade dos fatos ao Presidente da República. Terminamos nosso encontro e nos cumprimentamos numa boa.

O Marco Terena veio embora para Brasília e Domingos para Campo Grande. E, nós ficamos pelo meio do caminho, em São Paulo, pois depois teríamos outro encontro em Aquidauana, MS.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

ÁLVARO TUKANO publica suas memórias: Parte II

Nesta segunda parte de seu texto, Álvaro Tukano fala de sua volta do IV Tribunal Bertrand Russel, do seu papel na formulação do movimento indígena brasileiro e, especialmente, de seu povo, dos mitos de formação e da legitimidade política de seu clã.

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Manaus, dia 15 de janeiro de 1981.

Depois que fizemos a denúncia no cenário internacional, o Cel João Carlos Nobre da Veiga, Presidente da FUNAI, realizou a visita de desagravo aos missionários salesianos da Prelazia do Rio Negro – PRN e defendeu o Brigadeiro Protásio Lopes Oliveira. Enquanto, o Natal e Ano Novo foram tristes para o meu lado.

O Presidente da FUNAI não viu a realidade dos índios do Rio Negro, só foi para aparecer mais nos jornais, fazer a festa com os missionários e não estava interessado em demarcar as terras indígenas de nossa região.

Por outro lado, por minha causa, os familiares mais próximos de mim foram muito criticados de maneira pesada pelos missionários de Pari Cachoeira. A situação de minha família tornou-se difícil para comprar a roupa, sabão e outros produtos industrializados que se encontravam nas lojas dos padres. Em Manaus fiquei sem acesso a FAB e transporte fluvial que era dos missionários que levava a carga. O jeito foi sofrer calado, passar a fome e sentir a tonteira quando a barriga roncasse.

A cidade de Manaus está cheia de índios do Rio Negro. De tanto sofrer a discriminação, por mais que índio seja feio e/ou com características fortes, todo mundo quer ser “branco”. Alguns índios que trabalham no Distrito Industrial da Zona Franca têm medo de serem identificados como índios e, por isso, não falam as línguas próprias. Esses trabalhadores indígenas se sentem orgulhosos, realizados em se comparando com àqueles que são desempregados que vivem nas favelas. Outros parentes tornaram-se os práticos nas embarcações de comerciantes que fazem linha pelo Rio Negro; outros são os marinheiros de barcos; outros se tornaram os carregadores de carga dos barcos que chegam do interior em vários pontos do Porto de Manaus. Conheci muitos que descarregam os navios e que levam uma vida agitada, perigosa. Outros faziam viagens pelo Rio Amazonas, conheciam as principais cidades da região. Por exemplo, Itacoatiara, Parintins, Óbidos, Santarém e Belém. Os demais ficaram trabalhando nas lojas da Zona Franca e/ou fazendo algum biscate nos bairros para poder sustentar os filhos. Outras famílias se encontravam nas fazendas próximas de Manaus para tomar a conta de gado e granja. Foi assim que o meu povo ficou destribalizado; índio discrimina outro índio, vimos índios super-alfabetizados e analfabetos, todos escondendo a identidade tribal para não serem discriminados. Portanto, em Manaus nasceram muitos índios puros e mestiços; a cidade é habitada pela maioria absoluta de mestiços. E, pela influência da Zona Franca, ninguém diz que tem o sangue índio. A não ser alguns Guias de Turismo só para os gringos verem pegando jacarés e piranhas.

Na cidade de Manaus existem vários Colégios de Missionários Católicos e Evangélicos. Neles estudam alguns seminaristas índios. E, por serem novos têm medo dos missionários para não perderem o estudo e não falam que são índios e vivem como cidadãos comuns. Como os estudantes indígenas não assumem a identidade não dá para tratar da Questão Indígena como pauta importante de nossa luta. Ninguém questiona a FUNAI de Manaus pela omissão à demarcação das terras do Estado do Amazonas. Esses seminaristas estão se preparando para serem padres e freiras; e estão se preocupando com as coisas do mundo branco para defender os padres. Essa gente ainda não entendeu que temos os valores imensuráveis no que se diz respeito aos conhecimentos tradicionais de curandeirismo, de plantas medicinais, de lindas histórias, educação oral em base de socialismo por onde não precisa de moeda para oprimir os pobres.

Eu entendo que seminaristas devem estudar bem, ter uma boa formação para não desprezar o povo e defender a demarcação da terra por onde temos o nosso futuro. Hoje, está mais claro de que os missionários não estão interessados com a demarcação de nossas terras, porque eles querem tomar o nosso poder, e ensinam a religião de branco para os nossos filhos que, certamente, não vão falar de nossos assuntos ancestrais. Certos missionários são pobres de idéias para defender os índios.


Manaus, dia 19 de janeiro de 1981.

Aceitei o Convite do Conselho Índio Sudamérica – CISA, com sede em Lima, Peru, para participar da reunião que trataria sobre a ideologia indígena Tawanta Suyo. E só para fazer o teste perguntei ao Renato Athias o que achava d'aquilo. E ele simplesmente chamou o CISA de “doido” porque os dirigentes não gostavam de antropólogos e missionários que falassem pelos índios. Assim, como estava sem dinheiro, não fui.

Logo em seguida, chegou outro Convite da Austrália, via CIMI. Mais uma vez o Renato Athias boicotou a minha viagem, pois ele ficou com medo de mim por não cumprir a promessa feita para que eu trabalhasse no Jornal Porantim. Ficou com medo do CISA que criticou o CIMI Nacional no Boletim Informativo, por onde dizia que: O RENATO ATHIAS e OUTROS do CIMI NACIONAL não poderiam participar das reuniões do CISA, porque não eram os líderes e nem índios...

Conclusão: O Renato Athias sempre vai querer falar pelos índios. Por isso, ele sempre esconde o jogo e nunca fala a verdade. Esse tipo de antropólogo é muito perigoso e nunca irá dar oportunidades para que os índios falem por si mesmo. Cadê, então, A Autodeterminação dos Povos Indígenas que o CIMI Nacional prega? Esse tipo de antropólogo mentiroso não pode trabalhar no CIMI Nacional.


Manaus, dia 25 de fevereiro de 1981.

Acabou a minha paz na cidade de Manaus. Ontem, os índios que não querem ser índios e que estavam a favor dos missionários me agrediram fisicamente. Nesses dias tenho percebido o comportamento estranho de certos índios que me discriminam só porque critiquei os missionários. Torna-me perigoso andar nas ruas. Aliás, não dá para continuar morando por aqui com tanta perseguição política.

Sem trabalho, sem aula e só vendo outros comer bem... Assim não dava mais para viver em Manaus. O jeito era sair e conhecer outros índios que tivessem os problemas fundiários. Passando o tempo, no dia 6 de março de 1981, fui visitar alguns companheiros do CIMI e fiquei sabendo da I Assembléia Indígena do Nordeste, em Garanhuns, PE. E, no dia seguinte, pela manhã, recebi a visita do Renato Athias na casa de minha tia Ana. Sem dizer muita coisa, este me trouxe a passagem aérea e pouco de dinheiro de ajuda de custo, porque eu faria a viagem durante um mês para organizar o movimento indígena. Assim, às 04:00 horas de madrugada, sai de Manaus com destino a Belém. A moeda era mal cotada e, gastei Cr$100 – Cem Cruzeiros tomando o café no aeroporto de Belém.

Em seguida a Professora Maria Helena Barata, aluna da UnB/Antropologia, foi me buscar. Assim, pude descansar e alimentar na casa dela e, à noite, peguei ônibus para São Luis, MA. Entre os dias 09 a 11 de março passei em São Luis; visitei os meus amigos e companheiros. Foi uma verdadeira festa, muita curiosidade por parte dos colegas e muitos me pediram para que eu esquecesse o que passara comigo, pois gostariam de me encontrar na sala de aula para que eu pudesse garantir o futuro. Foi uma tentação violenta... Pensei muito. Realmente, quase que fiquei novamente entre os amigos. Mas, as velhas histórias de colonialismo tiveram mais peso. Eu tinha o compromisso com o movimento indígena e deixei os conselhos de amigos para prosseguir a luta em favor dos povos indígenas.

No dia 12 de março de 1981, prossegui de ônibus durante 25 horas e cortamos o Sertão de Pernambuco. Em Recife eu me perdi, não conhecia ninguém e fui párar numa pousada.

No dia 15 de março de 1981, segui para Garanhuns e me encontrei com Sr. Fábio dos Santos, Representante do CIMI Nordeste. Até aqui acabou o dinheiro que o Renato me deu. Eu não estava preocupado, porque ele disse que “alguém” me daria o dinheiro para o meu retorno. Fiquei aliviado, pois conheci os líderes Pankararú e outros. Fiquei livre de Manaus e conversamos muito sobre a situação do índio brasileiro. O Fábio queria que eu fizesse de acordo com a vontade dele. Mas, eu neguei. Não gostei, resmunguei num tom merecido e ele me achou ruim. Consegui fazer articulação e percebi que o meu caminho estava se abrindo aos poucos.

Eu estava com pouco recurso próprio que saquei em São Luis. Assim, após a reunião voltei para Recife e fiquei na Casa dos Estudantes. Em seguida fui para Olinda e, mais uma vez, fiquei na Casa dos Estudantes. Aproveitei para visitar o meu amigo Dr. Jarbas Vasconcelos – MDB, e este me colocou em contato com a imprensa para que eu falasse de assuntos indígenas no Diário de Pernambuco. Foi importante falar com a imprensa.

Recebi a Comunicação da Comissão Pró-Indio de São Paulo, dizendo que a reunião fora adiada para 29 de Abril de 1981. Assim, eu fiquei confuso. O jeito foi pegar o ônibus para Brasília e ver como estava o centro de Poderes.

No dia 01º de Abril de 1981, às 13:00 horas, cheguei na Rodo-Ferroviária de Brasília. O destino era complicado, eu não conhecia ninguém. Eu não conhecia o pessoal do CIMI, Brasília e, certamente, a eles não interessava os gastos que fiz. E, por sorte, eu tinha o número do telefone da jornalista Memélia Moreira, Folha de São Paulo. Assim ela me recebeu na casa dela e logo viu a minha dificuldade financeira. Com muito respeito, sim, ela me hospedou e me alimentou. Assim, conversamos bastante. Foi bom.

No dia 03 de abril de 1981, a minha amiga Memélia Moreira, me apresentou o jovem Marco Terena. Conversamos. O nosso pensamento era convergente e tecemos amizade. E, foi assim que encontramos a força política, de passo a passo demos a tonalidade em nossos discursos.


Dr. Peter Silverwood Copper, amigo dos Makú de Nova Fundação, Pari Cachoeira, Rio Tiquié, Município de São Gabriel da Cachoeira, AM.

Também, pude conhecer a UnB – Universidade Nacional de Brasília. No Departamento de Antropologia encontrei o Relatório do Dr. Peter Silverwood Copper, antropólogo muito bom que escreveu sobre as ações dos missionários do Rio Negro.


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A legitimidade política tradicional do povo IMIKHORI MASA/WIRÃ

O Rio Tiquié tem afluente que se chama: Cucura (Pi´kãña). Nesse igarapé mora o povo Desana do Clã DHIPOTIRO PÕ´RÃ. Foi nesse igarapé que nasceu o vovô materno José, DIÁKURUÚ, em nome de cerimônia. O vovô fora um grande pajé, grande curandeiro e respeitado pela sociedade. Ele era de linhagem do povo Imikhori Masa ou Wirã, conhecidos como Desana.

Ainda pequeno, toda vez quando o meu pai Akiîto realizava a visita o sogro Diákuruú, jamais imaginei que um dia eu colocaria estas lembranças de infância nesse texto. Muitos líderes de organizações devem saber como funcional o tratamento político entre os nossos povos. Outros que não puderam aprender com seus pais e avôs não conhecem e se perdem quando tratamos de assuntos tradicionais. E quem souber da importância de comunicação como povos distintos e, irmãos ao mesmo tempo, devemos encorajar aos nossos irmãos para que aprendam a história própria. Somente auto-estima é que pode fortalecer a nossa luta, que podemos melhorar a aprendizagem e resgatar os valores morais éticos e políticos em toda região.

O meu avô Diákuruú sempre tratou o nosso povo nos moldes tradicionais, e vice-versa. A minha mãe é uma Desana do Clã Dhiporó. Ela é Wirãõ (Desana), nome de cerimônia: DIAÂ KARÁPOÓ (Mãe-de-patos das lagoas). Nós sabemos que a Língua Wirã Yé (Desana) é uma daquelas que começou a ser falada a partir do auge da Cerimônia de Kahapiî no local Dia Wiî, hoje, por onde existe o povoado conhecido por Uriri, Rio Uaupés. Foi nesse local que aconteceu Y`emekahaâ Dihikawaseheé – Surgimento de novas línguas, o que na verdade foi a derivação a partir da Língua Yé´pa Masa ( Tukana). Somente na região, hoje, existem 23 Línguas Distintas das Nações Indígenas, povos originários que merecem o Território Demarcado pela FUNAI.

O YEBA (YE´PA) U´AHORI BOREKA era Wirã Dhipoa – o Chefe do Povo Desana. Esse clã é do BO`TEÁ PÕ´RÃ. Dizia o vovô que, antigamente os sábios do povo Desana tinha contato direto com o criador do Universo. Como grandes cientistas eles negociaram com Criador do Universo para conseguir WHIHÕ – objeto sagrado para ser YAIWA (pajés).

Quando os IMIKOHORI MASA se reuniram para fazer os Ritos Sagrados, infelizmente, eles não tiveram o controle psiquíco para usar a inteligência para o bem da Humanidade. Eles consumiram muito WIHIÕ para que suas mentes se abrissem e que seus espíritos se tornassem altruístas. Eles eram sábios; e começaram pensar para realizar coisas boas e más. Quando eles cheiraram WHIHÔ seus corpos necessitavam de novas energias, melhor alimentação, melhor dieta, e etc.

Em vez de realizar as curas nos pacientes estes foram dominados pela tentação e se encarnaram nas onças e começaram atacara os povos indefesos, como por exemplo, Eruria, Wiiroa e outros. As onças comeram todos os homens desses povos, porque os IMIKOHORI MASA estavam cheirando YAIWA WHIHÔ (paricá das onças).

Diziam os meus avôs que no Rio Tiquié não havia segurança para pescar e caçar no tempo em que os Desana cheiravam Paricá para serem pajés. Eram os ritos de iniciação sérios, apareciam na mata muitas onças para atacar os seres humanos. Nessa brincadeira de pega-pega, infelizmente, as onças que tinha o espírito de guerreiros acabaram comendo os próprios irmãos. Comeram todos os verdadeiros Bo´tea Po´rã, isto é, não existe mais na face o clã-chefe do povo Desana. Quando morreram os sábios, também, acabou essa ciência e/ou a pratica de encarnar num espírito numa onça para atacar os homens na face da terra.

O II irmão Bo´teá Po´rãi disse:

- Como onça vou rugir forte e causar o medo. Serei DIRII ( rugidor estridente).

Assim, esse clã participou da cerimônia para virar onça. O primogênito desse clã, hoje, vive no Bairro Tirirical, São Gabriel da Cachoeira, AM. Este se chama: Manoel Penha. O filho desse chefe Desana – Ernesto Penha, nascido em Pari Cachoeira, foi o colega de classe em 1967, no Colégio Dom Pedro Massa, São Gabriel da Cachoeira. Não se sentindo bem com tantas normas do colégio, infelizmente, desistiu de estudar e foi embora na Colômbia e nunca mais voltou.

O III irmão Desana disse: “ Serei Yé Boré ( Yé = Onça, Boré = Branca). Nós, os conhecemos como Yai Bhutirã (Clã de Onça-Branca). Antigamente, os homens desse clã teciam as máscaras mágicas de cores brancas e pretas. Esses vestiram as máscaras mágicas e atacaram os homens na face da terra. Quando eu era pequeno pude conhecer o primogênito desse clã – o Jacinto dos Santos, aldeia Santo Antônio, Pari Cachoeira, Rio Tiquié.

O irmão do meu pai – Henrique Lôbo Sampaio, casou-se com a Catarina dos Santos, filha desse chefe. Se não tivesse recebido tanta influência externa de religiosos, hoje, o filho primogênito desse clã – Veridiano dos Santos que mora em São Gabriel da Cachoeira, não deixaria de valorizar os nossos assuntos cerimoniais. Mas, infelizmente, ele preferiu dar ouvido aos missionários.

E, por outro lado, vemos com muito orgulho os descendentes da II Família desse Clã, Firmiano Lana, Aldeia São João. Portanto, o Sr. Luis Lana é grande escritor e chefe tradicional e seus irmãos constituem uma força política importante do povo Desana.


A minha linhagem por parte de mãe

Escrever sobre os ensinamentos de nossos pais é bom para formação de novas famílias. A informação sobre a educação tribal não pode deixar o papel que nossas mães cumprem cotidianamente, isto é, desde a concepção até a morte elas nos amam. Pude observar isso na minha mãe. Outras, também, fazem o mesmo Em nossas histórias religiosas sempre de mãe protetora. É assim mesmo. Todas as mães são protetoras de seus filhos e filhas. Sem dúvida, elas conhecem bem o nosso jeito.

O IV irmão Desana disse: “Eu farei uma máscara mágica para ser uma Onça de Cabeça-Chata.” Participaram das cerimônias como outros irmãos maiores. Esse clã é dos DHUPU (A Cabeça) TIRÓ (Chata) Põ´rã (Clã). Termina aqui a relação de Famílias de Chefes importantes do povo Desana.

O meu avô materno era o chefe dessa linhagem. Chamava-se: DIÁKURUÚ Era o filho do BORAÂ-TURUÚ (Borá = Esteio, TURUÚ = toco fixo de casa), mais conhecido como Yoanico que morreu na aldeia KARA WERI BU´Á, hoje com mata recuperada e conhecida CASTANHA NU´KURÕ WIAKE, WHEKI YÁ PI`TÓ WIAKE (Capoeiras de Castanhais).

Então, o vovô nasceu no Igarapé Cucura, aldeia KARA-WERI BU´Á e morreu na minha ex-aldeia, São Francisco, rio Tiquié, em meados de 1970. O meu bisavô materno era sedentário. Era KUMU e BAIÁ. O filho dele, o meu avô era BAIÁ, KUMU e YAI.

Este gerou as seguintes filhas:

1-) U´ahó = Espírito das águas, e, Anita em nome cristão;

2-) Miriõ = Espírito era de flautas sagradas e dos pássaros e, Mariquinhya em nome cristão;

3-) Yishirú (Mariquita), A Zeladora do mundo;

4-) Whisú (Emília), Espírito das águas e de peixes;

5-) *Dia-kara Pó (Dia = rio, lago, Kara = khata, pato, Pó = mãe), mãe de encantos dos pássaros – patos e outros. Essa é a minha mãe.

6-) Yu´gi Pó (Ana) e,

7-) Umusi Pó (Umu = Japú, Maria).

Infelizmente, o meu avô só teve um filho que veio a falecer ainda pequeno 1921 no Igarapé Cucura e foi enterrado na Aldeia YISIARI ÑOA, próximo aldeia Maracajá, no rio Tiquié. Segundo a nossa tradição, acabou a raça da linhagem do meu avô materno.

O V Clã: KI SI´BI. Era da família de Matias, nascido do igarapé Cucura e morreu na aldeia São Felipe, no mesmo igarapé e foi enterrado em Pari Cachoeira em 1959. O filho primogênito dele – o Avelino, morreu na aldeia São Francisco no começo de 1960; o segundo filho, Mario Fernandes, foi o comeu colega de classe no colégio interno, em Pari Cachoeira, 1963 e, hoje, vive no Município de Novo Ayrão, próximo de Manaus. Não sei se tem filhos..

O VI Clã: SIBÉ, Liberato, nascido na aldeia KARA-WERI BU´Á, Cucura. Morreu em Pari Cachoeira, em 1956. Hoje, o filho desse clã é o Luis Cabral, vive em Pari Cachoeira sem mulher e não tem filhos. Vai acabar a geração.

O VII Clã: SIRIPÒ, morreu sem ter filhos;

O VIII Clã: UMUSI, morreu ser ter filhos;

O IX Clã: BORÁ TURU, morreu sem ter filhos.

Outro Clã importante é da Família do finado tio BESÉ, TÕ´ÃROMI U´A-HORI, irmãos menores do DHIPU-TIRÓ. Eles vivem no Igarapé MHUSIKAIA, afluente do rio Papuri.

Outro Clã: PHUPIA-PHÉ PÕ´RÃ, o mais conhecido pelo apelido foi BHIPI KEKA ( CANDI = CÂNDIDO ). Esse não teve filhos, a não ser filhas. Uma delas é a tia Maria Helena. Fazem parte desse clã a Família do finado tio Laureano, filho do finado SIRIPÓ (apelido), que foi grande pajé que me curou de reumatismo na aldeia Colina, rio Tiquié no final de 1950.

Outro Clã: BIRIÁ PO`RÃ, da família do FERNANDO, que moram no igarapé MUSIKAIA.

Outro Clã: WHAPI-PIA, trata-se da linhagem do meu sogro, Vitorino Prado, pai da Assunta Marinho Prado, hoje, avô do SEERIBHI, meu filho. Outro Clã: YU´U WIRÃ e,

Encerrando com Clã TO´Á PIAI.

Mas, com a chegada dos missionários todas essas sabedorias e costumes sociais autênticos de povos distintos foram reprovados. Assim, os parentes de minha de mãe, hoje, encontram-se em Santa Isabel e Manaus. O mesmo acontecem por parte de nossa linhagem, pois temos parentes que encontram-se em Santa Isabel, Barcelos e Manaus.

O meu avô DIAKURU teve mais assistência do meu pai e do finado tio Antônio Sampaio por estes serem genros que moravam bem próximo dele. Ele sofreu muita pressão política de missionários católicos quando eles inventaram A AÇÂO CATÓLICA. Esse movimento era coordenado pelos padres Catequistas das Missões que, estes por sua vez, tinham seus ajudantes índios em todas aldeias, também, denominados “catequistas”.

Quando eu era pequeno assisti sem entender o que se passava na mente dos meus avôs. À época os índios que eram catequistas tocavam o sino (enxada sem cabo) cedo e outras às 17:00 horas para rezar. Quem não rezasse era advertido e que não poderia seus produtos na missão para comprar sabão, sal e outros gêneros industrializados.

Infelizmente, não sabendo falar Português, o pobre vovô DIÁKURUÚ enfrentou os processos de colonização cristã católica. Ele ficou bravo com os missionários e catequistas índios. Ele não tinha filho e, portanto, o vovô DIÁKURU teve que jogar o Estojo de Objetos Sagrados (WHIHÔ) num poço fundo do Rio Tiquié, próximo o porto de nossa aldeia São Francisco. Todos os instrumentos sagrados foram jogados, sim, e que não foram entregues aos padres para serem expostos nos museus.

Essa foi a maior derrota cultural que o meu vovô sofreu e, isso lhe fez muito mal e, acabou com as forças espirituais para curar as doenças, acabou a história sagrada e cedeu espaço aos padres que trouxeram costumes educacionais diferentes em nome de Cristo e Integração à Comunhão Nacional.

Eu sei e vi quando o vovô sempre viveu no meio da floresta do igarapé Cucura. Ele Caçava, pescava, fazia grandes festas junto com os parentes e recebia muitas visitas dos Tukano de São Francisco, Maracajá, Santa Luzia, Pari Cachoeira, Santo Antônio e outros.

Ele foi o grande chefe tribal, muito inteligente e carinhoso. Mas, era ruim, no bom sentido, quando queria ver as coisas estarem em ordem. Como já disse, ele não teve filhos. Nasceram somente filhas que receberam o batismo quando já eram grandes e foram registradas como tantos índios com nomes de europeus: Anita, Mariquinha, Mariquita, Emília, Guilhermina (minha mãe), Ana e Maria. O vovô era bom administrador de roças. Tinha muita mandioca, cará, pupunha, pimenta, e etc.

Quem são os TÕ`ÃRÕ PÕ´RÂ?

Como vimos os parentes do vovô morreram sem ter filhos. Acabaram as gerações importantes. Desse jeito outros povos daquela região ganharam o espaço. Foi o que aconteceu e, eu, pude testemunhar a tudo isso quando pequeno estando entre aldeias São Francisco e São Felipe, no Igarapé Cucura.

O vovô YUSÉ (José), BHOHÓ (apelido, que significa fruta/Pupunha amarela) sempre tinha bons amigos: Os Makú, nome pejorativo. Peorã, nome não-pejorativo que quer dizer ajudantes, em Tukano.

Antigamente, a palavra Maku nunca existiu entre os nossos povos. Mas, um dia os brancos/missionários deram ao povo simples o nome: MAKÚ. Sem dúvida, foi uma ação pejorativa, quando na verdade se tratava de um povo nômade que sempre vive nas florestas e povoaram os pequenos igarapés.

Porém, é bom frisar que esses povos fazem parte da Grande História da Conquista juntamente como os demais que se encontram na bacia do Alto Rio Negro. Culturalmente, esse povo sempre foi conhecido como TÕ´ÃRÕ PÕ´RÃ ou NI´KI PÕ´RÃ (Filhos do mesmo Pai). Os mesmos se auto-denominam como TUKANO e DESANA, porque o casamento exogâmigo é primordial para nossas gerações.

Esse povo-irmão não pode registrar os fatos negativos e positivos da colonização cristã. É por esse motivo que coloco os Nomes Sagrados, abaixo;

1 - ) – Masculino: WA´Ú Õ´Ã, era Baiá e Kumú, (Wa´ú, macaco zogue-zogue, Õ´ã, osso), primogênito, equivale Doéthiro no caso Tukano.

Feminino: WHAPI DAIÁ, esta é Miriã Põ´rã Masõ, tem o espírito de Flautas Sagradas e dos sons dos pássaros do mundo. Ela nasceu por ele mesma com a ajuda da Força Divina. O espírito é do tipo Yé´pário em Tukano.

2- ) Masculino: SA´PORÓ ( Espuma). O espírito representa a espuma de sabedoria de KHAPI, KHAPI SA´PORÓ, HORI SA`PORÓ (espuma que dá visões de sabedoria). Este era BAIÁ e KUMÚ.

Feminino: MHEHE, espírito das Flautas Sagradas e dos pássaros.

(3-) Masculino: YEHUPÁ, tem espírito de peixe-cachorro, lembra a transformação da vida que começou nas águas.

Feminino: SIMIÕ ORI. Símio = vacú, árvore frutífera; representa o espírito das Flautas Sagradas, pássaros e das frutas silvestres. É a dona da natureza, da terra fértil que alimenta a humanidade.

4- ) Masculino: Â DHUHISHÉ ou WI´PI-MI. Representa o pouso lindo da águia e de outros pássaros cognatos de Flautas Sagradas. Em Tukano seria WESEMI.

Feminino: YUKI-DHIKÂ. YUKI = árvore, dhika = pedço. Nesse caso ela representa o pedaço da Flauta Sagrada e dos espíritos dos pássaros.

Outros nomes sagrados:

5º WIKÎ ou  DI´POSHERI, (Unhas de Gavião Real), quando tomo a bebida sagrada KAHAPIÎ não cai no chão e não faz nenhuma besteira. Ele seguro o espirito e fica sentado num banco sagrado, cantando e ensinando os jovens. Não sabemos o nome feminino.

6º - PUÛ, este representa o HOMEM PENSADOR de cerimônias sentado num banco sagrado por muito tempo. Não conhecemos o nome feminino.

7º - DOÉ KUÑA, é BAIÁ, representa o espírito dos peixes. Não temos o nome feminino.

8º - THOHÔ, representa a beleza da plumagem/ penugem dos pássaros e de seus espíritos. Não temos o nome feminino.

9º PIRÕ DAIA ou ME´ESI, representa o espírito sagrado de cobra-pequena. Não temos o nome feminino.

Outros três não sabemos e nem feminino, totalizando em 12 nomes. Quem tem esses sagrados são os que habitam nos seguintes afluentes do rio Tiquié: Pi´kã-Ña; Pahasá; Wahapeya; Buhuhaya; Mere-Õ´ãshá, Bo´tea-puriña e Mioña.

A palavra PEORÃ significa: Servidores, solidários, os bons camaradas. Eles por sua vez nos chamam de PE-KHI, PE-MAKHI, PE-WIHËNI.

O HOMEM DA FLORESTA, com a chegada de homens civilizados teve o seu nome deturpado: MAKU. Os próprios índios da região do rio Negro gostam de usar essa palavra quando rebaixam alguém, repetem a linguagem de pessoas de fora que se sentem superiores os povos nativos. O Tõ´ãrõ Maki (Filho de Tõ´ãrõ e/ou Filho do mesmo Pai) e seus descendentes são os companheiros de antigas viagens que nossos antepassados fizeram para conquistar o que é hoje o Rio Negro. É o povo originário do Wãmi Dia (outro lado mundo). É o povo que veio numa canoa mística, a da cobra-grande, o braco de transformação da humanidade juntamente com Tukano, Desana e outras tribos do Rio Negro. A formação sócio-cultural é semelhante a nossa, divididos em clãs maiores a menores, tribos diferentes para que aconteçam os casamentos exogâmico, pois é essa Lei é Antiga que deve ser respeitada e praticada por todos nós. Assim, os Tõ´ãrõ Põ´rã pensam como nós e fazem casamentos exogâmicos no meio da floresta.

Quando eu era pequeno não tive o prazer de ter os colegas Tukano de infância na aldeia. Eu ficava dividido entre os pais e avôs. Por esta razão eu passava o tempo com vovô materno José (BHOHÓ - Pupunha Amarela). Eu conheci o Eremudo (Raimundo); Yoaki (Joaquim); Caraneiro (Carneiro); Yoaki di Bará ( Joaquim di Bará) e Dino (Lino) que eram grandes Baiá (Músicos) e bailarinos que educavam seus filhos em suas Malocas.

Eu falava Tukano (Daseá Yé), Desana (Wirã Yé) e Peorã Yé (hoje, Makú). O povo Peorã vivia nas cabeceiras do Igarapé Cucura e nos seus afluentes, sempre vinha ajudar a fazer roça do vovô. Estes arrancavam a mandioca para por de molho e depois fazer a farinha para o consumo próprio. Outros paneiros de farinha o vovô levava na missão para trocar com óleo diesel, sabão, fósforo, anzóis e outros coisas. Os Peorã levavam uma vida natural, porque não passavam a fome como dizem certos comentaristas católicos que nunca repartiram seus bens com esse povo.

Depois de realizar as tarefas dos dias os homens colhiam as folhas de coca e enrolavam com as folhas de embaúba ou colocava numa cesta própria comprimindo as folhas. Na volta comiam a pimenta com beijú, depois torravam as folhas numa panela de barro apropriada, quando estava bem no ponto ideal retivam do fogo e derramavam numa cesta de warumã. Depois de esfriado pilavam num pilão de pau-brasil; recolhiam o pó verde numa cuia. Em seguida esse pó era enchido num saco vegetal de tururi, colocavam uma haste no saco e amarravam com o barbante na vara. Amarravam a boca do saco vegetal na ponta de haste, depois é que que pegavam Patuú paphi – mais parecido como pilão de 1.2 m, mexiam bem o haste com saco de coca para sair o pó verde. Depois, com muito jeito, recolhiam numa cuia própria e misturavam com cinza da folha de embaúba ou de pupunha, sal vegetal, para temperar a coca.

Feito isso era só servir aos homens ali presentes e ouvir as histórias antigas, as cerimônias, os contos e planejamento de trabalhos coletivos a serem feitos. Esse rito tribal era a mais importante, isto é, quem não tinha coca era visto como pessoa desligada de costumes bons para aprender as cerimônias e conhecer os assuntos das aldeias.

O povo Maku consumia bem a folha de coca e, por isso, o vovô plantava bastante para pessoas amigas consumirem e coordenar vida doméstica. Então, eu ficava brincando com meus colegas, tomava o banho no rio, pescava, caçava os passarinhos e lagartos para fazer assado e matar a fome. Os velhos faziam caçarias sérias, andavam com estojos de curari e zarabatana, arcos e usavam as flechas envenenadas para matar os porcos do mato, veado e anta. Foi uma época de muita aprendizagem e de inocência e nunca pensei que um dia eu teria a saudade desse povo tão forte e belo.

O vovô José sempre se lembrava da grande Maloca dos Peorã, localizada no Eõrõ Sihiti (Espelho Redondo), um dos locais antigos do povo dele que fica no Igarapé Cucura. Quando cansaram de estar nesse lugar eles fundaram outra aldeia no Igarapé Hitãña (Igarapé de Pedra), afluente de Cucura. Depois fundaram outra aldeia: WHEKIYA (Anta Igarapé). Com muito orgulho, estes se consideram os Tukano.

Outro grupo era Desana. O grande chefe HII, nome de Cerimônia do Yoaki (Joaquim) Jehehupá que foi grande Baiá (Cantor); IMIDIO (Emilio), que era grande cantor; Kuin, o grande mestre de cerimônias e de cânticos sagrados. Estes educaram seus filhos no bom estilo antigo, nos ritos de iniciação e viveu no local que se chama Ña pamõ (Urtiga); Wa´ú pamõ (Macaco Zogue-Zogue), localizados no Igarapé Whapeya, próximo a Aldeia de São José, Rio Tiquié.

Esses povos organizados como Tukano e Desana, eram conhecidos como Nikhiri masã – Povos da Floresta. Quando faziam as grandes celebrações com os índios que moravam às margens do Rio Tiquié, estes ofereciam em grande quantidade de frutas silvestres do tipo cunuri, açaí, ucuqui, bacaba e de outras. Faziam a Festa de Dabucuri constante entre si de acordo com a época de frutas.

E, por gostarem de bebidas e músicas, muitas vezes as escalas de seus produtos eram insignificantes. O importante mesmo eram as festas.

Moravam nas grandes Malocas, tocavam as Flautas Sagradas com estilo próprio de toques de melodias. Tocavam o Cariço, Japurutú e outros instrumentos de sopro lindos do tipo caracol, osso de veado e de onça.

Os sábios benziam as florestas para acalmar os espíritos das árvores para viver em paz. Faziam caxiri de beijú que era misturado com caldo de cana, tomava ayuasca e eram os donos das coleções de tabaco. Como se vê esses tinham o espírito religioso forte, foi o povo independente e dava para ouvir o barulho do toque das Flautas Sagradas até na aldeia do vovô José.

Com a chegada dos Missionários Salesianos em suas aldeias, também, estes foram desarmados que nem os nossos passados. Os enfeites e todos os instrumentos sagrados foram desvalorizados pelos missionários, acabaram com a cultura dos Homens da Floresta.

Na década de 1970, o Dom Miguel Alagna, através do Padre Afonso Casanova, espanhol, fundou o Núcleo da Missão Salesiana Nova Fundação, no Cucura Igarapé. Esse padre trouxe um casal de voluntários da Espanha, Paulo, médico. Esse prestou grande serviço aos Peorã da NOVA FUNDAÇÃO que cuidou da saúde e logo aprendeu a língua daquele local. A Nova Fundação tornou-se um novo Centro de Decisão Política dos Povos da Floresta. Vieram morar naquele local os Peorã do Igarapé Muhusikaia, Yeshei, Mioña, Mere Õ´ãshá e Phasá.

O Dr. Paulo comprou muitas folhas de zinco para construir mais de 200 casas; os Peorã realizaram muito trabalho e houve a concentração de gente. Marcou assim o novo capítulo de perda de tradições e, ao mesmo tempo, foi mais para sustentar a ideologia dos missionários salesianos que se sentiam orgulhosos para fazer mais campanhas, a fim de angariar os fundos em nome dos Peorã.

Como os Peorã estavam acostumados de fazer os serviços pesados, em conjunto, coordenaram os trabalhos acelerados, derrubaram toda a capoeira de Tarãkuri Bu´á que, na década de 1940, ali fora aldeia do vovô José. Esse local era conhecido com outro nome: Mo´kã Bu ´á (cego de pênis); os Peorã destocaram para construir as casas, tiraram os postes e caibros. Cada família recebeu o zinco para cobrir o telhado, tiraram os postes para fazer as paredes, embarrearam todas as casas. Foi feita a Nova Fundação.

- O resto da derrubada serviu para introduzir o gado. Fizeram mais as roças comunitárias e particulares. Mas, não sobrou o tempo para caçar e pescar; os filhos começaram passar a fome e houve muita reclamação por parte das mulheres que ficavam com pena das crianças.

- Os jovens começaram se dedicar mais nos jogos de futebol e voleibol; não sobrou o tempo para aprender os conhecimentos tradicionais e não obedeceram mais os velhos.

- Os velhos ficaram sem nenhuma defesa política, porque segundo o Dom Miguel Alagna e Padre Afonso Casanova, os Maku seriam batizados, e iriam receber a Primeira Comunhão, realizar o Casamento na Igreja Católica e receber todos os Sacramentos para poder melhorar a qualidade de vida e tornarem-se verdadeiros brasileiros. Tudo isso aconteceu em curto espaço de tempo, entre 1970 a 1978, os salesianos acabaram com a cultura milenar do Povo Maku. Será que valeu o programa de progresso nacionalista para o povo Maku?

- Houve grande mobilização nas comunidades indígenas do Rio Tiquié: Cucura; São Francisco; Santa Luzia; São José; Floresta; Boca da Estrada; Barreira; Cunuri; Pirarara, Maracajá; Santo Antônio; São Luis; Bela Vista, Pari Cachoeira e outras comunidades para fazer o Grande Congresso da Floresta.

- Os Maku da Nova Fundação fizeram a limpeza geral no Igarapé Cucura, cortaram todos os paus caídos pelo rio para facilitar a navegação do bispo que chegaria de voadeira juntamente com outros missionários. Os Makú fizeram o serviço bruto. A beleza mesmo ficou só para Afonso que não deve Ter cortado nenhum pau.

Outra façanha feita pelo Padre Afonso aconteceu na Vila Fátima, Rio Tiquié. Ali aconteceu grande concentração de Makú, foi um Novo Núcleo da Missão Salesiana. Nessa mesma época ele trouxe os Makú de Igarapé Samaúma, mais conhecidos por nós pelo nome NIMA DIARÂ; os de Rio Ira; os de Phasá; Mere Õ´ãshá, Whapeya e Bhikiya.

O povo trabalhou que só para alegrar o Dom Miguel Alagna e Padre Afonso Casas Novas, espanhol. Certo dia, segundo os Makú, um pajé fez pajelança enquanto ele celebrava a missa. Deu o derrame cerebral nele e foi levado às pressas para Pari Cachoeira. Depois dessa cena, todos os Makú tiveram que abandonar a Missão de Vila Fátima, porque esse povo acredita nas pajelanças perigosas. Hoje, essa missão não existe mais.

Ouvi dizer que assim fez com os Maku que vivem nas cabeceiras dos afluentes que ficam acima de Pari Cacheira. Esse padre era bom, tocava o violão e cantava bem. Pelo que sei, esse foi grande missionário mesmo para dar apoio aos Maku de Cucura Iagarapé/Nova Fundação; Cabari Igarapé, Buhaia, Taracuá, Rio Castanho e Traíra. Nunca vimos ele discutindo com as lideranças indígenas por causa de política de Estado e da Igreja e nem ouvimos dizer que ele brigou com índios Maku. Sim, foi o belo exemplo de salesiano pacífico e nunca ouvimos dizer de ele namorar com as índias Maku, e sim, que sempre tentou fazer o bem. Ele falava a Língua Geral e Maku. Foi um dos estudiosos que admiro e, certamente, dará muita falta quando morrer.

Outro missionário que mais conheceu os Maku que moram na bacia do Rio Tiquié e Pirá-Paraná foi o Padre Eduardo Lagório, italiano, bom músico, pacífico. Tocava o harmônio, sanfona e cantava bem para alunos ouvirem. Ele falava bem a Língua Tukana, e foi um missionário que mais andou nos povoados distantes e não gostava de ficar na missão. Era o padre que gostava de coisas naturais, era o pesquisador e, por isso, publicou um livro denominado 100 Histórias do Povo Tukano.

Como já disse em outras vezes, outro Padre que defendeu os povos indígenas foi o Ezequiel Lopes, baiano, Capelão Militar. Esse padre combateu as presença de estrangeiros brutos no meio das comunidades indígenas, foi nacionalista brasileiro com muito orgulho. Certa vez, quando o Padre João Marchesi, italiano, combatia os nossos costumes, assim disse o Padre Ezequiel: “Deus deu ao Povo Indígena uma sabedoria para curar as doenças. E por que vocês querem acabar com os curandeiros? Depois que vocês acabarem com a cultura os velhos irão morrer de tristeza, os filhos serão vulneráveis para muitas coisas ruins do mundo dos brancos, pois não terão mais a educação tradicional.”

Passado todos esses tempos, de repente surgiu o Dr. Peter Silverwood Copper no meio do povo Maku. Na Aldeias do Baixo Tiquié ouvimos falar dos Maku a respeito do Peter que estava na Nova Fundação. O Peter era um dos aventureiros que gostava de provar as delícias da selva, conhecer o povo e seus costumes. Era um branco de estatura alta, curioso e disposto para lutar se algum bicho o atacasse. Ele andava nas roças para catar as folhas de coca, essa tarefa é de gente sábia, de grandes pensadores e de que pessoas que têm muito cuidado com a dieta para não comer a carne vermelha que faz mal aos homens pajés. Como os Maku não usavam a roupa, este também preferiu ficar sem roupa. Apenas amarrou um barbante na cintura e com uma tira de pano de algodão protegeu o pipi e o saco para não ficar balançando.

Geralmente, os Makú têm pés pequenos e abertos. Eles são caçadores, gostam de criar os cachorros e, por isso, eles têm muito bichos-de-pé. Foi nesse mundo que o inglês Peter veio se meter. Ele ficou muito engraçado, alto e branco no meio dos pequenos curiosos e cheios de piadas.

Sim, os Maku têm os pés mais abertos, alguns têm muito bicho de pé e andam como se fossem apoiando nas pontas dos pés. O Peter imitou o andar dos Maku, aprendeu os caminhos de roça, teve a habilidade para atravessar os igarapés e/ou as curvas do caminho em cima de paus, cortar a folha de sororoca e secar no fogo para fazer o cigarro sagrado. Aprendeu a torrar o epadú e fazer o tempero com folhas de embaúba e de pupunha queimadas. A rede de algodão foi trocado pela a de “Macaco”, traçado com fios de fibra da folha de buriti.

Foi nessa confusão que ele aprendeu a Língua dos Maku, ouvi as conversas fiadas e coisas secretas que só servem para os homens. Aprendeu a observar as pegadas de animais, os caminhos da anta. Observou como os Maku imitam bem az vozes dos passarinhos, o preparo de curare. O Peter virou o homem mais observado pelos Maku de Nova Fundação.

Certo dia um Maku veio visitar o meu pai na aldeia São Francisco. Ele veio mais atrás de epadú, pimenta, sal, fósforo, anzol e de novas mensagens dos povos que vivem às margens do Rio Tiquié. Depois que comeu a pimenta e tomou o mingau, disse: “Tem um branco em nosso meio. Ele é alto, cabelo louro e já está falando a nossa língua. Ele fuma e consome o epadú igualzinho como nossos velhos. Observa muito...Dorme à beira do fogo. Ele usa o cajado dos velhos e, anda igualzinho, e guarda o cigarro e coca num estojo próprio. Ás vêzes ele coça o bicho de pé, reclama em nossa língua igualzinho. Ele não usa o calção, e só anda de cueio. No porto ele toma o banho com os homens pelado e conversa com os amigos. É muito engraçado. Ele come a maniuara e outros insetos, gosta de andar no mato e participa das atividades tribais, principalmente, para preparar o cigarro e coca.”

Os Tukano da Aldeia São Francisco não acreditaram, mas ficaram rindo do Maku que contou a notícia com tom de seriedade. Bem, certo dia o meu pai Casimiro conversou com os lideres das comunidades vizinhas para fazer o trabalho de mutirão para fazer a limpeza do campo. As lideranças Maku da Nova Fundação receberam o Convite do papai numa boa, pois eles estava com poucas roças e queriam tomar o caxiri e ficar numa boa.

O pessoal de Maracajá e de Santa Luzia chegou cedo. Pouco depois veio a turma da Nova Fundação fazendo uma grande fila de homens, mulheres e crianças. Eles vieram mais atrás de peixes, beijus e farinha. O Peter era o último da fila, estava com o cajado nas mãos e andava com jeito de velho que parecia estar cheio de bico de pé. De fato ele tinha o estojo de tabaco e de epadú. Era um branco muito perdido no meio dos baixinhos.

Os Tukano entraram na gargalhada quando viram o teatro do Peter. Já não era mais o boato. Era verdade, o homem branco de cueio no meio dos Maku. Todos foram cumprimentar e dar boas-vindas aos Maku. As mulheres fizeram o mesmo e depois serviram a comida aos Maku. Eles comeram mujeca de peixe, muita pimenta com beijú e logo veio a rodada de caxiri forte para animar os visitantes. Era o momento muito alegre.

Foi nessa confusão de alegria que entrou o meu tio Henrique, e disse:

- Henrique: Quem é esse “guariba branco” no meio de vocês? Perguntou em língua Maku para que o Peter não entendesse.

- Maku: Não! Não!.. ele escuta tudo e não fale assim não, disse o velho.

- Henrique: Poxa! Ele é alto demais, está estranho demais, continuou.

- Maku: Pois não! Ele é Pajé branco, disse o velhinho todo sorridente.

- Henrique: Você tem cigarro e epadú? Perguntou ao Peter em língua Maku.

- Peter: Hutun ni!. Hutun ni! (Tenho o cigarro! Tenho o cigarro!)

Foi assim que acendeu o cigarro e fumou, e depois deu para o tio Henrique. Abriu a lata de epadú e encheu a buchecha e ficou sentado no canto de casa apreciando o movimento de nosso encontro. O Peter conquistou amizade de todos, e continuou no fumo e na coca. Enquanto isso a bebida corria direto, ouvia-se muitas risadas de homens e de mulheres.

Em seguida todos partiram para roçar o campo, organizar a comunidade. O meu pai pediu um favor ao Peter: que consertasse o aparelho de som que estava estragado. Minutos depois os índios ouviram o som tocar. Era o Peter. Todos voltaram para ver o trabalho do Peter e tomar mais outra rodada de caxiri e amolar os terçados. O Peter estava feliz, tomando caxiri, fumando e consumindo a coca.

Depois que terminou o ajuri todos tomaram o banho para comer mais e tomar o caxiri. Fizeram grande festa, todos tocaram as flautas, dançaram e, por volta da 16:00 horas, todos se despediram para voltar nas aldeias. Sem dúvida, foi um dia muito proveitoso.

Antigamente, quando não tinha os padres, os Tõ´ãrõ Põ´rã (Maku) tinha o Chefe-Geral igual a nós. Realizavam grandes festas, convidavam os nossos antepassados para os trabalhos de ajuri e não havia a divisão nas sociedades. Na década de 1960, eles faziam caxiri forte e tocavam as Flautas Sangradas. Tenho a certeza que o Dr. Peter aprendeu bastante com esse povo puro, inocente. Sempre que tiver alternativas de amizades, nós, índios, vamos procurar aliados concretos para resolver os nossos problemas.

A minha visita a UnB, sem dúvida, me chamou atenção. Mais uma vez, vi o Dr. Peter e fui parar na casa dele, comer e beber. Conheci o Leonardo Figoli, argentino, aluno da UnB, que queria conhecer os assuntos do Rio Negro.

Aproveitei o tempo para escrever o texto de 30 páginas sobre o meu povo e depois reproduzir em 100 cópias. Tudo isso aconteceu, hoje, no dia 7 de abril de 1981. Foi o começo de luta de nosso movimento indígena no Brasil. Não havia apoio oficial por parte da FUNAI para nada. Passei por momentos mais difíceis de minha vida por defender a causa indígena, porque o Estado Brasileiro, por enquanto, não aceita a palavra Autodeterminação dos Povos Indígenas do Brasil.

 
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