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segunda-feira, 5 de julho de 2010

Obama quer diálogo com índios americanos sobre a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas

A Declaração Uninversal dos Direitos dos Povos Indígenas foi promulgada em setembro de 2007 pela Assembleia Geral da ONU.

Dos 161 votos proferidos, 146 países votaram favoravelmente ao texto apresentado pela Comissão de Direitos Humanos, após quase 20 anos do lançamento original do rascunho, elaborado por organizações indígenas americanas e alguns antropólogos, e mais de 15 anos de discussão pública patrocinada pela própria ONU. Foi uma grande vitória e uma grande festa para os povos indígenas que estão conscientes da importância de documentos internacionais para manter sua luta e avançar no panorama político-cultural dos povos.

O Brasil votou favoravelmente, mas leu o seu voto com algumas precauções. A principal delas é que não atribuía ao Art. 3, que fala da auto-determinação dos povos indígenas, uma interpretação que levasse os povos indígenas a ter um entendimento de que essa auto-determinação lhes daria direitos de soberania territorial acima da soberania nacional. Os diplomatas brasileiros foram persuadidos por forças internas de que era necessário essa precaução, já que haveria alguma ambiguidade ou duplicidade no conceito de auto-determinação conforme discutido em fóruns internacionais.

Naquela histórica votação, 11 países se abstiveram de votar favoravelmente e 4 votaram contra: Estados Unidos, Canadá, Nova Zelândia e Austrália.

Os 11 países que se abstiveram o fizeram porque consideraram perigoso dar aval a um documento que pode levar minorias étnicas e povos indígenas em seus territórios a clamar por auto-determinação e querer status de nacionalidade. Esses países estão nomeados na matéria abaixo.

Os quatro países que votaram contra alegaram vários motivos, mas o principal era de fato a questão da auto-determinação.

Entretanto, passados dois anos e 10 meses, o que temos é que dois países a mais já mudaram seu voto e declararam-se favoráveis à Declaração! Austrália, em primeiro lugar, e em seguida Nova Zelândia. E olha que a Nova Zelândia tem 14% de sua população indígena, principalmente do povo Maori, que deveria controlar uma das duas grandes ilhas que fazem parte da nação, por tratado assinado com a Coroa inglesa em 1827! Ao se declarar favorável, Nova Zelândia demonstra ou grande segurança ou já teve acordo com as lideranças que representam o povo Maori. Na matéria abaixo, aparece a fala de um político Maori que carrega uma certa ambiguidade.

Por que esses dois países mudaram de voto? Tudo indica que foi porque mudaram de governo! Isto é, passaram de governos conservadores para governos liberais ou progressistas, e assim o medo de ter suas minorias étnicas clamando por auto-determinação e territorialidade diferenciada se esvaiu. Ou talvez votaram porque acordaram com seus povos indígenas uma série de políticas e medidas que os iriam favorecer mas os deixariam presos a compromissos que envolviam total fidelidade à nação maior.

Agora são os Estados Unidos que resolveram abrir um espaço de diálogo com os povos indígenas visando considerar a possibilidade de acatar a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas.

A atitude do governo Obama é auspiciosa e de certo modo esperada. Obama tem contato com líderes dos povos indígenas, ele mesmo ganhou um nome cerimonial do povo Crow, que habita o Illinois, seu estado de residência política. O governo americano era veementemente contra essa Declaração. Jogou pesado durante anos para que a discussão do rascunho original fosse cozinhado em banho-maria, como efetivamente o foi. Lembro-me de intermináveis discussões com a delegação americana, sempre contrária a qualquer tentativa de persuadir seus representantes. E olha que tinha até índios americanos no governo, inclusive um advogado que portava uma carteira de identidade Cherokee por ter 1/124 de sangue Cherokee!

De modo que agora as coisas parecem diferentes. Entretanto, muitos líderes indígenas estão desconfiados com essa abertura. Desconfiados com razão. Vêm que, quando um governo poderoso se abre para discutir política com eles, é sinal de que têm alguma carta na manga, alguma coisa que quer que os índios se comprometam para arrefecer aquilo que propõe conceder. Não se abre à toa. Mesmo porque nos Estados Unidos as demandas dos índios para rever tratados que o governo americano fez com eles no século XIX é muito grande e o governo teme que seus advogados entrem com ação em todos os tribunais pertinentes.

Este é o sentido da matéria abaixo. Que sirva também de exemplo ao que está acontecendo no Brasil. Muitos índios têm sido chamados a participar de políticas instituídas supostamente a seu favor, quando na verdade estão é dando aval para decisões que eles pouco sabem de onde vêm e para onde vão. A licença dada ao empreendimento da USINA BELO MONTE foi, sem dúvida, a maior dessas armadilhas. Houve promessas de que não passaria e depois passou sem ao menos discussões mais profundas. E ainda há outras armadilhas rolando por aí. A discussão sobre gestão ambiental em terras indígenas, por exemplo, pode muito bem ser outra armadilha, afinal toda a conceituação e programação foram feitas pelas ONGs que atualmente dominam a FUNAI.

Bem, é matéria para se pensar. Muita coisa está em jogo nesses próximos meses. Inclusive mudança de governo, que pode ser bom ou ruim. Cautela e firmeza nas posições são as melhores atitudes que os índios devem ter.

PS. Vejam que está sendo escavada numa rocha no estado de Dakota do Sul a imagem do índio Crazy Horse, do povo Oglala Sioux, que lutou contra o exército americano e foi um dos responsáveis pela Batalha de Little Big Horn, que dizimou as tropas do General Custer, em 1876.

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EUA: Declaração de Direitos Indígenas é Reexaminada

Quase três anos depois de rejeitar a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indigenas em Setembro de 2007, o governo dos Estados Unidos pede agora a contribuição de líderes nativo-americanos, renovando suas esperanças [en] que a eleição do Presidente Barack Obama possa ajudar a encontrar o caminho para a ratificação. A declaração pede “reparações razoavéis” pelas terras indígenas roubadas, mas não à custa da violação da integridade territorial de um estado-nação.
Apenas três outros países se opuseram inicialmente à declaração, que não tem força de lei mas estabelece uma base sólida para o respeito e avanço dos direitos coletivos dos povos indígenas. Dois destes, Nova Zelândia e Austrália, mudaram de posição desde então, deixando os Estados Unidos e o Canadá como os unicos que votaram “não”. (Onze outros – Azerbaijão, Bangladeche, Butão, Burundi, Colombia, Georgia, Quénia, Nigéria, Rússia, Samoa and Ucrânia – abstiveram-se de votar.)

Escultura de Crazy Horse em construção numa montanha de Black Hills no South Dakota, a alguns quilómetros de Mount Rushmore. Os Lakota dizem que lhes roubaram esta terra que consideram sagrada. © Simon Maghakyan 2010
A 4 de junho de 2010, o Departmento de Estado norte-americano anunciou [en] que sugestões públicas deveriam ser enviadas para o endereço de email declaration@state.gov até 15 de Julho. Préviamente, um post do blog oficial do Departamento de Estado [en] prometia rever o processo:
On Tuesday, April 21, U.S. Ambassador to the UN Susan Rice announced the U.S. decision to review our position regarding the UN Declaration on the Rights of Indigenous Peoples at the UN Permanent Forum on Indigenous Issues. President Obama has promised greater engagement with federally recognized tribal governments, and improved communication with Native American tribes is a prominent theme in the Administration.
A 21 de abril, a embaixadora dos Estados Unidos para as Nações Unidas, Susan Rice, anunciou a decisão norte-americana de rever sua posição relativamente à Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indigenas no Forum Permanente das Nações Unidas sobre Assuntos Indigenas. O Presidente Obama prometeu maior empenho com governos tribais federalmente reconhecidos, e melhor comunicação com tribos nativas é um tema proeminente na administração.
Foi também em abril que a Nova Zelândia se tornou no segundo país depois da Austrália, a apoiar a Declaração depois de um inicial voto no “não”. Mas nem todos pensam que a Nova Zelândia tomou a decisão certa.
Nanaia Mahuta, uma política da oposição indigena Maori cujo Partido Trabalhista votou contra o documento em 2008, argumenta que o governo está exagerando a natureza “simbólica” da Declaração. Ela escreveu em seu blog [en]:
Under the veil of secrecy the Minister of Maori Affairs signed the Government up to the UNDRIP. National Ministers were quick to downplay the move as “aspirational” and “non-binding”! The PM must have stressed that point at least three times during question time. The test for National is whether they intend to leave this document as a symbol of aspiration that has no currency in New Zealand or whether they intend to deliver any of the expected outcomes which the MParty allude to?? […] A whole heap of window dressing of empty promises and hollow gains – meanwhile Maori unemployment continues to rise…
Secretamente o Ministro de Assuntos Maori aderiu à Declaração. Os Ministros Nacionais apressaram-se a minimizar a medida como algo a “ambicionar” e “sem força de lei”! O Primeiro-Ministro deve ter enfatizado esse ponto pelo menos três vezes durante o questionamento. O teste para o National é se pretendem deixar que este documento seja um simbolo de algo a ambicionar sem valor na Nova Zelândia ou se pretendem cumprir os resultados esperados a que o Partido M aludiu?? […] Uma exibição de amontoadas promessas vazias e ganhos ocos - e entretanto o desemprego Maori continua a subir.
Se tal como a Nova Zelândia e a Austrália, os Estados Unidos ratificarem a declaração, como tudo parece indicar, o Canadá será o unico país não-signatário. No blog do Centro de Estudos Globais Indigenas, Fourth World Eye, Rudolph Ryser descreve as razões do Canadá [en] para ser contra a declaração, e conclui que a mudança virá dos próprios indigenas e não dos governos.
The symbolism of indigenous peoples sitting in the UN General Assembly Hall is powerful, but there is no substitute for the exercise of political authority. States like Canada and the United States will continue to offer platitudes and tired expressions of confidence for the future development of native peoples, but only vigorous political action by indigenous peoples will force the respect and lawful acceptance of indigenous peoples sitting at the table of decision-making they so richly deserve.
O simbolismo de dar lugar aos povos indigenas na Assembleia Geral das Nações Unidas é poderoso, mas não há substituto para o exercicio de autoridade politica. Países como os Estados Unidos e o Canadá continuam a oferecer trivialidades e expressões cansadas de confiança sobre o futuro desenvolvimento dos povos nativos, mas apenas uma vigorosa ação politica vinda destes, obrigará ao respeito e aceitação legal dos povos indigenas sentados na mesa das tomadas de decisão como tanto merecem.
No blog ativista Docudharma um autor de nome “winter rabbit” oferece argumentos vários [en] para as razões pelas quais o Presidente Obama (alternativamente conhecido pelo nome Awe Kooda Bilaxpak Kuuxshish – seu nome adotado da tribo Crow[en]) deveria ratificar a declaração. Um de vários links em seu post liga a uma noticia de 2009, onde é citado o promotor público de South Dakota dizendo que nunca leu o original Tratado de Ft. Laramie [en] de 1868, que garante o direito de propriedade de Black Hills ao povo Lakota, antes de ter sido eventualmente confiscado quando aí foi encontrado ouro [en].
Não é claro se a adesão à Declaração poderá levar o South Dakota, entre outros estados norte-americanos, a repensar os direitos dos indigenas no país. Mas o fato de que os Estados Unidos pede a contribuição dos nativo-americanos no processo de re-examinação é encorajador.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Evo Morales ameaça expulsar USAID por apoiar movimento indígena

A situação da Bolívia está tomando rumos esquisitos. Pela notícia abaixo, um grupo de índios da Amazônia boliviana resolveu fazer uma marcha de Trinidad até La Paz para pedir mais autonomia. Autonomia Plena, seja lá o que isto quer dizer.

Parece que quem está financiando essa marcha é a agência americana USAID, a mesma que financia diversas ONGs brasileiras, especialmente algumas que têm índios como clientes.

Evo agora promete expulsar a USAID caso se confirme a suspeita de financiamento.

Será?

PS. O interessante é que hoje o presidente Lula, em visita a Altamira, onde reafirmou sua satisfação com a construção da Usina Belo Monte, independentemente das críticas que ouviu de Ongs, da Igreja e dos próprios povos indígenas, ironizou a presença de ONGs estrangeiras no Brasil, especialmente o cineasta do filme AVATAR. No entanto, continua apoiando uma direção da Funai que depende do apoio de ONGs. Durma-se com uma contradição destas!

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Índios marcham por "autonomia plena" na Bolívia


LA PAZ (Reuters) - 
Índios amazônicos da Bolívia marchavam rumo a La Paz exigindo "autonomia plena", em uma manifestação que ameaça provocar novos choques entre o governo de Evo Morales e Washington em meio a rumores de que uma agência norte-americana estaria apoiando o protesto.Cerca de 500 indígenas partiram na segunda-feira da cidade de Trinidad com o propósito de caminhar quase 1.500 quilômetros, informou a imprensa local.
O protesto, que mostrava uma aparente divisão entre as organizações indígenas que antes apoiavam por unanimidade Morales, levou o presidente a renovar nesta terça-feira sua ameaça de expulsar a agência norte-americana de cooperação USAID por supostamente apoiar a marcha.
"Quero novamente advertir: se a USAID seguir financiando mediante algumas ONGs alguns irmãos dirigentes do campo e da cidade, de verdade não tremerei a mão (para) expulsar a USAID e todos estes instrumentos do imperialismo que querem prejudicar este processo de mudança", disse o presidente.
Morales, que em 2008 fez denúncias de ingerência política contra o embaixador e a agência norte-americana antidrogas, afirmou que a linha "anti-imperialista" de seu governo, instalado em 2006, segue sem mudanças.
"Seremos um pequeno país, com certeza, um país em vias de desenvolvimento, mas acima de qualquer que seja nossa situação econômica, social e política, temos dignidade", protestou Morales em discurso a sindicalistas petroleiros transmitido pela televisão estatal.
Desde a posse de Morales, em 2006, os povos indígenas majoritários das regiões andinas e os pequenos povos indígenas da planície oriental ganharam protagonismo político e conquistaram, entre outras mudanças, o direito à autonomia de seus territórios.
O ministro de Autonomias, Carlos Romero, afirmou que o governo cumpriu com todos os seus compromissos e sinalizou que o pedido de "autonomia plena" não é plausível, pois implicava modificar uma nova Constituição que apenas estava entrando em vigência.
A lei de autonomias deve ser aprovada até 22 de julho como parte de um pacote de cinco normas de aplicação da Constituição "plurinacional" e socialista vigente desde fevereiro de 2009 na Bolívia.
(Reportagem de Carlos A. Quiroga L.)

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

A diferença entre a política indigenista do Brasil e a do Peru

OU:

Como o Brasil poderá um dia ser como o Peru...




Peru vende Amazônia e ameaça comunidades indígenas da fronteira com o Brasil Envie para um amigoImprimir

Em junho de 2009, no massacre de Bagua, no Peru, dezenas de indígenas foram mortos pela polícia e centenas ficaram feridos e detidos, fruto da repressão oficial, que impedia os protestos contra o decreto de implantação do Tratado de Livre Comércio com os EUA. O tratado visava o aumento do investimento de empresas em áreas ricas em recursos naturais. O descaso com o meio ambiente e seus habitantes e a criminalização do movimento indígena refletem a política neoliberal do Peru, que cede terras a empresas multinacionais para a exploração de petróleo, gás, minérios e madeira.
Hoje, 49 milhões de hectares de terras na Amazônia peruana (72% da região) estão entregues a empresas petroleiras – dentre elas à brasileira Petrobrás. São 65 lotes para exploração e produção de petróleo, muitos dos quais sobrepostos a terras indígenas e a unidades de conservação, segundo dados de 2008 da Plos One. A retirada ilegal de madeira e o tráfico de drogas se intensificam nas regiões fronteiriças do Peru, resultando em invasões de territórios protegidos no Acre, como aconteceu, anos atrás, na Terra Indígena Ashaninka do Rio Amônia e no Parque Nacional da Serra do Divisor.
Desde 2004, a Comissão Pró-Índio do Acre e a SOS Amazônia coordenam o Grupo de Trabalho para a Proteção Transfronteiriça da Serra do Divisor e Alto Juruá, grupo de instituições que debatem as questões da fronteira e os impactos sobre os povos da região. Em novembro de 2009, realizaram mais um encontro para discutir o tema, que reuniu organizações indígenas e do movimento social do Brasil, Peru e Bolívia.
Vítimas do ‘desenvolvimento’
Durante o evento, duas lideranças indígenas do Peru, da Comunidade Nativa Sawawo Hito 40, na fronteira com o Acre, relataram como a comunidade se aliou à empresa madeireira Forestal Venao, de Pucallpa, para tentar superar as dificuldades causadas pelo isolamento e o descaso do governo. Os irmãos Ashaninka, João e Luis Garcia Campos, contaram em entrevista que, em troca da retirada da madeira, a empresa prestaria serviços à comunidade, inclusive aqueles de responsabilidade do governo.
Mesmo certificado pela Smartwood-Rainforest Alliance com o selo FSC em 2007, a atividade madeireira, fundamentada em um plano de manejo elaborado pela empresa e aprovado pelo Instituto de Recursos Naturales (Inrena), resultou na abertura de uma estrada, em uma extensa rede de ramais, em grande devastação, na fuga das caças e na obstrução de cursos de água, deixando as famílias Ashaninka sem a sua principal fonte de sobrevivência: a floresta.
Este é um retrato do que acontece em regiões da Amazônia peruana. Assim como a Forestal Venao, outras empresas, dentre elas as estrangeiras, exploram recursos naturais do país e causam prejuízos ao patrimônio natural e cultural das comunidades e às suas formas de organização social e política. Em nome do desenvolvimento sustentável e do progresso, essas atividades são apoiadas por políticas favorecidas por vários órgãos do governo peruano. Nos debates oficiais, costuma-se analisar apenas o lado positivo desses processos para a economia. A mídia, por sua vez, continua a retratar os povos indígenas como atrasados ou como obstáculos ao desenvolvimento.
Integração Brasil-Peru
Nos últimos anos os governos do Brasil e do Peru têm construído processos de integração física e energética. Além da pavimentação da Rodovia Interoceânica, estão em fase de planejamento a construção de uma estrada e de uma ferrovia ligando o município de Cruzeiro do Sul a Pucalpa. Já a parceria energética visa promover a produção e exportação de energia hidrelétrica e a integração de empreendimentos de empresas estatais e privadas – brasileiras e peruanas – nas áreas de petróleo e gás.
Esses processos de integração têm sido discutidos há anos por organizações do movimento social e associações indígenas e extrativistas do Acre e Peru. Elas têm exigido que os dois governos cumpram as recomendações da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Essas recomendações garantem o direito das comunidades e organizações à realização de consultas, prévias, consentidas, informadas e de boa-fé, a respeito das políticas oficiais de desenvolvimento e de “integração regional” que venham a afetar seus territórios e modos de vida.
Têm também reivindicado que os governos de ambos os países implementem políticas fronteiriças comuns, voltadas à conservação do meio ambiente e da biodiversidade, à proteção de terras indígenas e unidades de conservação e à garantia de direitos dos povos indígenas, assegurando plena participação desses povos e dos demais moradores da região de fronteira na definição e execução dessas políticas.
ENTREVISTA
“O governo peruano tem contrato com empresas para a exploração de recursos naturais nas terras protegidas”, afirma liderança indígena Ashaninka do Peru
Leandro Chaves – Fale um pouco sobre a empresa Forestal Venao.
Luis Garcia e João Garcia –
 Forestal Venao é uma grande madeireira peruana. Foi ela que acabou com as madeiras da nossa aldeia. Hoje é uma empresa muito grande e só cresceu às nossas custas, porque quando a conhecemos, não tinha quase nada. Ela saiu da nossa comunidade e não nos deixou nada, nenhum recurso. Hoje ela trabalha com outras terras indígenas no Alto Juruá e está repetindo a mesma destruição que fez na nossa comunidade.
LC – O que aconteceu entre sua comunidade e a madeireira?
LG/JG –
 Nós estávamos abandonados pelo governo do Peru. Estávamos muito longe de qualquer tipo de comunicação com as instituições peruanas, inclusive as que representam os direitos das comunidades indígenas. Estávamos longe, também, das cidades e ficava difícil fazer compras. Tinha os problemas de saúde, adoecia uma pessoa e não tínhamos como sair. Sabe quanto custa um avião de Pucallpa para a nossa aldeia? 1.800 dólares para pegar um doente lá, trazer e mandar tratar na cidade. A única coisa que nos ajudaria a cobrir essa necessidade era a madeira. Esse foi o único meio que vimos para sair dessa situação. Por isso, fizemos o acordo com a empresa, em 2002. Entramos com a proposta do que a gente queria também. Faltou uma boa administração da parte deles com os mais de 4 milhões de dólares gerados dentro da nossa terra. Em 2007, começamos a perceber que isso não estava certo. Nossa madeira estava acabando e, por isso, terminamos o contrato. Agora, essa empresa não trabalha mais com a gente e nos deixou sem madeira e sem benefícios. Percebemos um pouco tarde que com a nossa madeira não poderíamos mexer. Estamos sofrendo bastante, mas tentando nos reerguer. Apanhamos, mas aprendemos.
LC – Que outros problemas vocês sofreram por causa das ações da empresa?
LG/JG –
 Sempre antes de a madeireira chegar à comunidade, ela ficava uns seis meses em Pucallpa fazendo manutenção das máquinas. Nesses meses não tínhamos muitos problemas. Mas quando as máquinas começavam a transitar pela terra, dia e noite, não encontrávamos nenhum tipo de caça. Elas corriam. Pesca nunca tivemos problemas.
LC – O que está sendo feito para reverter a situação do desmatamento na sua terra?
LG/JG –
 Começamos a fazer um plano de manejo e aprendemos a usar nossa madeira. Também estamos reflorestando. Após a saída da empresa, já plantamos mais de 85 mil árvores. Estamos sobrevivendo somente através do nosso recurso, pois continuamos abandonados pelo governo. Vamos buscar outras alternativas e maneiras de trabalhar, como o artesanato e o ecoturismo. Isso sim é uma fonte de renda que não causa problemas. Queremos também uma parceria com as comunidades do lado acreano, que possuem mais experiência, como é o caso da Apiwtxa, onde vivem muitos de nossos parentes.
LC – Vocês possuem alguma organização?
LG/JG –
 Sim, temos a UCIFP (Unión de Comunidades Indígenas Fronterizas del Perú), que abrange as comunidades Sawawo, Dorado, Santa Rosa, Nueva Shawaya e Vitória, das etnias Ashaninka, Jaminawá, Amauaca. Acontece que essa organização não funciona para a gente. Ela funciona só para as empresas. Na época da Forestal Venao, defendia mais o interesse da empresa do que o nosso. Não reclamo da organização, mas das pessoas que estão à frente dela e só vêem benefícios que não são o dos povos indígenas, que ficam no prejuízo. Quem sabe se trocasse de direção, as coisas não mudariam?
LC – Hoje vocês sofrem algum tipo de pressão por parte de outras empresas?
LG/JG –
 Sem dúvida. Nossa principal preocupação hoje é com essas companhias petroleiras que estão se aproximando da nossa comunidade. Tem uma que está com as suas bases instaladas a cerca de 80 km da nossa terra. O governo peruano tem contrato com essas empresas para explorar recursos nas terras protegidas, tudo isso sem consultar nós, que somos donos do lugar. Isso já está acontecendo, como na Forte Esperança, dos nossos parentes Ashaninka. Já não bastou a Forestal Venao e agora vêm essas petroleiras? Nossa terra vai se acabar! Sobrevivemos da mata, nossas crianças precisam dela, a nossa alimentação vem daí. Tem que haver um mínimo de respeito. A exploração já chegou à comunidade Paraíso. Eu vi muitas coisas por lá. Mexer com petróleo pode trazer consequências ruins para todo mundo. Se os canos vazarem, por exemplo, podem contaminar todos os rios, inclusive os do Acre, porque os rios correm no rumo do Brasil. Se sofremos com a retirada da madeira, pois agora é que vem o pior.
LC – A imprensa peruana tem dado alguma visibilidade à causa de vocês?
LG/JG –
 Estive um tempo em Lima e tentei informar sobre isso. Tive até a oportunidade de chegar à televisão para levar informações sobre esse problema. Os empresários, que tem dinheiro e controlam os meios de comunicação, cortaram tudo. Acabaram com a informação. Falaram: “Vocês vão acreditar nesse índio? Ele está sendo pago para fazer essa denúncia”.
LC – Qual sua opinião em relação ao mandato do atual presidente Alan Garcia?
LG/JG –
 Ele está deixando as comunidades indígenas da fronteira abandonadas e dando mais valor aos empresários, petroleiros e mineradores. Gente que já tem dinheiro o bastante. Está deixando de lado o nosso direito enquanto povos indígenas, que vivemos da floresta, e dando parte dela para pessoas que já têm como sobreviver. São empresas grandes. O governo está vendendo a Amazônia e nos tratando como animais. Tudo isso por causa de interesses econômicos. Nos sentimos vendidos, nossa opinião é essa. Gostaríamos de falar para todos o que está acontecendo para ver se gera alguma cobrança. O Peru precisa saber do sofrimento que estamos passando por culpa dele mesmo. Muita gente nem sabe que existimos, mas estamos aí. Agora, graças a Deus tivemos essa oportunidade de estar aqui com vocês, em Rio Branco, discutindo esses problemas e compartilhando ideias. Por que não agir como o governo brasileiro, que mostra preocupação com as suas florestas? É isso que queremos.
LC – E a partir daqui? O que esperar para o futuro?
LG/JG –
 Nós temos que pensar somente em ir em frente e buscar os nossos direitos. Em relação à madeira, nossa situação melhorou com a saída da empresa e o começo do reflorestamento. Agora é só ver como vamos trabalhar. Ainda queremos indenização da Forestal Venao. Aprendemos com o que aconteceu e estamos retomando. Vamos reclamar ao governo peruano, pois as coisas não estão claras e não foram cumpridas como estavam no contrato. Nossa comunidade ainda está abandonada pelas autoridades. Tem o IBC [Instituto Bien Común] lutando pelos direitos indígenas, mas no geral não há o mesmo tipo de organização que existe no Brasil. Só sei que várias pessoas querem viver às custas das comunidades indígenas e no final não nos deixam nada. É necessário mudar essas ideias para que possamos ter melhores expectativas para o futuro. Pobres nós não somos porque temos toda a natureza.
(Por Leandro Chaves, Comissão Pró-Índio do Acre CPI/AC, EcoDebate, 24/02/2010)

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Doze índios AWÁ, da Colômbia, são assassinados

Mais uma vez é sobre os índios Awá, do sul da Colômbia, fronteira com o Equador, que recai a mais pesada violência. com o assassinato bárbaro de 12 pessoas, entre elas, quatro crianças. A violência vem ou da parte das FARCs ou da parte do Exército colombiano.

Desde o ano retrasado estamos lendo sobre mortes de índios Awá. Em determinado momento, pôs-se em dúvida se houvera mortes de verdade. Agora não restam sombras de dúvidas. Os cadáveres estão aí, pertencem a uma só família e portanto parece ter sido assassinato premeditado. A Colômbia está estarrecida com o acontecido. A ONU foi convocada para ver de perto a situação e pressionar por providências mais duras. Já o governo de Uribe também aproveita para culpar grupos guerrilheiros pelas mortes.

O povo Awá soma cerca de 11.000 pessoas e vive na região do Tumaco, no estado (departamento) de Nariño, na muito longe da fronteira com o Equador.

Na matéria abaixo, o líder indígena Luis Evelis Andrade, presidente de uma das maiores organizações indígenas da Colômbia, levanta sérias suspeitas sobre a atuação do Exército colombiano.

Conheci Luis Evelis em diversas reuniões internacionais sobre povos indígenas. Acho que ele está falando sério.

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Suspeitas de massacre de indígenas na Colômbia recaem sobre militares

BOGOTÁ, Colômbia — Líderes indígenas manifestaram nesta quinta-feira suspeitas relacionadas à participação de membros dos Exército no assassinato de 12 indígenas, 4 deles crianças, ocorrido na véspera, indicaram à AFP.

"Para nós, é muito suspeito que o massacre tenha sido cometido na casa e contra a família da senhora Tulia García, esposa de Gonzalo Rodríguez, indígena assassinado no dia 23 de maio por membros do Exército. Ela era testemunha da Procuradoria nesse crime", ressaltou Luis Evelis Andrade.

Andrade, presidente da Organização Nacional Indígena da Colômbia (ONIC), lembrou que, desde que se tornou testemunha da Procuradoria contra os militares, García vinha recebendo diversas ameaças de morte.

"Não podemos dizer que foram eles (militares), mas nos parece muito suspeito e nos leva a pensar que há alguma ligação entre esse massacre e a pretensão de abafar qualquer denúncia", disse Andrade em declarações à AFP.

Homens encapuzados atacaram na quarta-feira uma reserva da etnia Awá, no sul da Colômbia, na fronteira com o Equador, em uma área que já foi cenário de dezenas de crimes atribuídos a uma guerra pelas rotas do narcotráfico.

O ataque foi cometido por "homens encapuzados que vestiam roupas militares" na reserva de Gran Rosario, departamento de Nariño, disse Andrade.

Cerca de 11.000 Awá ocupam uma faixa que inclui várias reservas entre o sul da Colômbia e o norte do Equador, que é usada por narcotraficantes para o transporte de drogas para o Oceano Pacífico, segundo registros policiais.

Segundo a ONU, a maior parte dos 64 assassinatos de indígenas ocorridos este ano seria responsabilidade da guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).

Os Awá denunciaram que são alvo de uma campanha de extermínio por sua decisão de se manterem neutros no conflito colombiano.

O governo do presidente Alvaro Uribe havia "repudiado e condenado" o assassinato e ofereceu recompensa de até 100 milhões de pesos (cerca de 50.000 dólares) "a quem fornecer informação que leve à captura dos autores materiais e intelectuais desse massacre".

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Índios da Bolívia poderão criar autonomias indígenas

Num dos atos mais ousados e revolucionários de seu governo, o presidente da Bolívia, Evo Morales, assinou um decreto ontem, domingo, dia 2 de agosto, que abre consultas para que povos indígenas possam optar por constituir um ente federativo, no mesmo nível dos municípios e departamentos.

No dia 6 de dezembro p.f. haverá eleições presidenciais na Bolívia, onde Evo Morales é candidato a reeleição. Nessa mesma data os povos indígenas que quiserem poderão votar por se constituir em "autonomia indígena", um espécie de município em que as leis serão específicas e elaboradas pelos próprios índios, bem como o modo em que essas leis devem ser aplicadas.

Tudo isso é revolucionário e inaudito na história da América Latina desde que os europeus invadiram, tomaram esse território e fizeram os países da atualidade.

É para torcer para que essa experiência política dê certo e abre novas opções para outros povos indígenas.

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Bolívia autoriza referendos sobre autonomias indígena


O presidente da Bolívia, Evo Morales, autorizou neste domingo, por meio de decreto, a realização de referendos para que os municípios definam se querem se transformar em autonomias indígenas.

"Com responsabilidade, de maneira legal e constitucional, com base na Constituição Política do Estado, estamos começando a garantir a autonomia indígena", disse Morales em uma cerimônia realizada em Camiri, no Estado de Santa Cruz, reduto da oposição ao governo de Morales e às autonomias indígenas.

As consultas serão realizadas em 6 de dezembro, simultaneamente às eleições gerais no país. Na data, Morales concorerrá a um novo mandato na Presidência, e os eleitores elegerão também um novo Congresso.

A autonomia indígena nos municípios rurais da Bolívia está prevista na nova Constituição, aprovada em janeiro deste ano,

A Bolívia tem 36 povos indígenas e 327 municípios autônomos regidos pelas leis do Estado. Caso algum desses territórios decida se transformar em autonomia indígena, as etnias passarão a ser regidas por seus usos e costumes, escritos em um estatuto autonômico.

Esses estatutos deverão ser subordinados à Constituição e à futura lei de Autonomias.

Festa popular

Segundo a correspondente da BBC em La Paz, Mery Vaca, durante o ato de apresentação do decreto oito municípios entregaram ao presidente projetos para converter-se em autonomias indígenas.

Durante a cerimônia, Morales disse ainda que a nova Constituição reconhece autonomias departamentais, regionais, municipais e indígenas, e que todas serão garantidas.

No entanto, segundo a correspondente da BBC, a aplicação plena das autonomias depende ainda da aprovação de uma lei que será discutida por parlamentares que formarão o Poder Legislativo a partir das eleições de dezembro, com o nome de Assembleia Legislativa Plurinacional.

A apresentação do decreto das autonomias ocorreu em meio a uma festa popular, com a participação de indígenas e representantes de movimentos sociais de várias regiões do país.

De acordo com a correspondente da BBC, em seu discurso Morales, ele próprio um indígena, disse que, uma vez conquistado o poder político, agora os povos devem tomar o poder econômico e deixar de depender de empresários, passando a gerar seus próprios recursos.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Governo peruano volta atrás e tenta novo diálogo com os índios

Passadas duas semanas desde que a Polícia Militar do Peru avançou, por ordem presidencial, sobre uma concentração de mais de 1.000 indígenas Awajun, que estavam embarrerando uma estrada federal numa província onde inicia a parte norte da Amazônia peruana, em protesto por não serem ouvidos a respeito de projetos de desenvolvimento em suas terras, o rescaldo de mortes não resultou em evidências a mais do que aquelas anunciadas poucos dias depois. Isto é, morreram 34 pessoas, sendo 24 policiais, 8 indígenas e 2 jornalistas. Tenho tentado saber como morrem 24 policiais num ataque desse tipo, cheio de armamentos, contra indígenas portanto arcos e flechas e porretes, mas os relatos são variados. Os índios dizem que foram mortos por fogo cruzado dos próprios policiais; os policiais e o governo peruano dizem que foram assassinados pelos índios depois de presos em emboscada. O relator da ONU para direitos indígenas, James Anaya, esteve no local e declarou que não houve massacre, nem genocídio, confirmando de certo modo as alegações do governo peruano.

Na semana passada, o presidente Alan Garcia, pressionado pela opinião pública nacional e internacional, decidiu cancelar dois de seus atos discricionários (poder que lhe fora concedido pelo próprio Congresso peruano) em que abria e loteava a Amazônia peruana para a exploração de petróleo e gás, sem levar em consideração a quem pertencia ou estavam destinadas essas terras. Isto é, os povos indígenas. Pediu ao Congresso peruano que revogasse esses decretos, o que foi feito sexta-feira p.p. E convidou os índios ao diálogo.

Uma tentativa de diálogo havia sido entabulada durante algumas semanas anteriores ao ataque policial, já que os índios tinham se levantado em protesto e fechado essa estrada desde abril p.p. Entretanto, o primeiro-ministro do Peru não se deu bem nesse diálogo. Era um diálogo de senhor para servo, próprio da elite peruana. Os índios endureceram e apostaram na radicalização. Deu certo. Isto é, excetuando as mortes, o resultado é que o governo vergou à demanda indígena, que agora quer instituir um diálogo verdadeiro, em diálogo entre partes respeitantes.

Os índios, ou pelo menos aqueles ligados à Aidesep, que é uma das três principais associações indígenas amazônidas do Peru, dizem que não são contra o desenvolvimento da Amazônia. Apenas querem ser ouvidos e participar. Ser ouvidos não como ato displicente, feito com ouvidos de mercador, mas ouvido em diálogo, onde suas opiniões se tornem contraditório a serem incorporadas. Querem também participar dos benefícios das riquezas que das suas terras, ou mesmo de terras vizinhas, da região sejam extraídas. Querem uma racionalidade nova na economia amazônida. Querem participar com garantia de receber dividendos e alferir ganhos.

Tudo isso é novidade no Peru, acostumado a tratar os índios do altiplano como se camponeses fossem. Talvez estes sejam sociologicamente camponeses, como interpretava José Carlos Mariátegui, o grande marxista peruano da década de 1920, mas os índios da Amazônia não o são. Têm consciência de suas diferenças culturais fundamentais em relação aos indígenas descendentes do Império Inca, e do caráter colonialista com que são tratados.

É interessante notar que, ontem mesmo, o governo da província de Cuzco, que foi a capital do Império Inca, declarou ter cancelado um investimento japonês de mais de 300 milhões de dólares para a construção de uma hidrelétrica na região de Canchis porque os índios da região protestaram que não a queriam em suas terras. Se a moda pega...

Um novo diálogo não vai ser fácil para o governo peruano incorporar. Não há tradição indigenista naquele país. Mas, temos que desejar boa sorte a todos. Talvez de onde não tenha tradição saia alguma coisa de novo. Difícil, porém não impossível.

No Brasil, está chegando a hora em que o diálogo com os índios terá que rejuvenescer de um modo diferente do que vem acontecendo ultimamente. Nem um diálogo paternalista, seja pelo lado do governo, seja pelo lado das Ongs, nem um diálogo inter-classe. O Brasil tem uma tradição indigenista que não é para ser descartada. Seu resultado é o reconhecimento dos povos indígenas como parte essencial da Nação. É tradição premente, real, objetiva e subjetiva, mas, dentro da história, é para ser superada, transcendida, reincorporada com o aprendizado do presente, com a presença manifesta dos povos indígenas em busca de um espaço digno na nação.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Quantas mortes no Peru?


É impressionante a desatenção da imprensa brasileira sobre o conflito que estorou no Peru entre tropas militares e os índios amazônidas que estão embarrerando as estradas e dutos petrolíferos. Os índios protestam contra uma série de decretos-leis emitidos pelo presidente Alan Garcia que abre a Amazônia para empresas petrolíferas. Os índios não foram consultados e sentem que esses decretos podem facilitar a tomada da Amazônia por essas empresas. Também sentem que estão perdendo a condição de preservar suas terras e garantir sua segurança.

Até agora morreram pelos menos 23 militares e um número desconhecido de indígenas, entre 9 e mais de 30. Talvez 60 mortes tenham ocorrido nos confrontos. E nada disso na imprensa. Mundo afora também é pouquíssima a repercussão. Por que será?

É surpreendente o número de militares mortos. Parece que uma parte deles havia sido detida pelos indígenas no início dos confrontos e, ao tentar resgatá-los, terminaram sendo mortos. Os índios alegam que não tinham armas de fogo e que os militares morreram pelo fogo cruzado de seus próprios companheiros. Difícil acreditar nisso.

No Peru, a tensão abre novas preocupações. Flutua sobre a nação o espectro do Sendero Luminoso. A oposição mais ferrenha culpa o morticínio ao governo Garcia. Os indígenas vinham armando protestos desde abril, quando fracassaram as negociações entre suas organizações representativas e o primeiro-ministro. O governo Garcia, aparentemente, não está nem aí para o quê os índios pensam. Quer porque quer explorar a Amazônia, cujas riquezas minerais e madeireiras considera patrimônio de todo o Peru. Não só dos índios. É o principal discurso governamental.

Desde abril os índios passaram a fechar estradas, passagens de barcos pelos rios e a tomar sedes de empresas de petróleo. O governo resolveu reagir e aí deu-se o conflito nesta sexta-feira p.p.

A organização indígena pareceu a princípio bem estruturada. Eram mais de 1.000 índios guerreiros em vários pontos na região norte do Peru, descendo para a Amazônia, nas províncias de Bagua e Utcubamba. Suas lideranças estão em Lima. O líder da Aidesep, uma das três principais organizações indígenas peruanas, Alberto Pizango, está foragido, com mandato de prisão por incitamento à violência.

Não há perspectiva de fim dos conflitos. Pode haver alguma parada, recuo estratégico, mas os indígenas amazônidas voltarão a reagir.

O grande problema do Peru é que não tem instituições de intermediação com os povos indígenas da Amazônia. Os índios dos Andes, vivendo em comunidades e vilarejos já conectados e integrados ao regime "colonialista" peruano, agem por meio de partidos políticos. Ou se rebelam em partes, como no caso do Sendero Luminoso. Já os amazônidas só recentemente é que iniciaram suas atividades políticos de envergadura maior. Assim, não têm eles mesmos como abrir negociações sérias com o governo.

A Amazônia Peruana está ao deus-dará.

sábado, 6 de junho de 2009

Confronto na Amazônia Peruana: pelo menos 33 mortos


Um grave conflito de proporções ainda desconhecidas se deu ontem na região amazônica do Peru. Segundo informações da Reuters e outros jornais, pelo menos 24 índios e 9 policiais teriam morrido por ferimento de balas. Outros 50 estariam em hospitais regionais.

O confronto vinha se desenhando há alguns semanas. Os índios amazõnidas, em uníssono, vinham protestando contra alguns decretos do presidente Alan Garcia que abriam a exploração de petróleo com amplas vantagens para as empresas.

Os índios, liderados pela organização Aidesep, tinham já fechado algumas estradas e invadido alguns canteiros de obras e instalações petrolíferas.

A negociação, levada pelo primeiro-ministro, andava morna, sem resultados.

O presidente Garcia resolveu abrir as estradas e enviou tropas para isso. Na manhã de ontem um destacamento policial foi atacado de surpresa por um grupo de 1.000 índios, resultando na morte de 5 policiais e 4 indígenas. Em seguida vieram reforços e as escaramuças penderam favoravelmente para o lado dos policiais.

Mais notícias virão nos próximos dias. O que sobra é um impasse muito grave. Os índios não abrem mão de sua participação no desenvolvimento econômico de suas regiões. São contra as empresas petrolíferas e não admitem a imposição. Já o governo do Peru está acostumado à repressão de índios sem tréguas.

A BBC de Londres colocou esse pequeno video no seu site.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Líder indígena peruano explica invasão de poços de petróleo na Amazônia peruana


O Peru decretou "estado de emergência" em quatro estados da Amazônia Peruana: Cuzco, Loreto, Ucayali e Amazonia. Está havendo uma grande disputa nessas regiões entre as companhias petrolíferas e os povos indígenas que habitam as terras em cujo subsolo há abundante fontes de petróleo. A disputa é, com licença do trocadilho, crua e dura.

O governo Alan Garcia até que buscou negociar com os índios, mas de um modo tão ineficiente, com tanta incapacidade de conversação, que só causou mais revolta entre as lideranças indígenas. O governo peruano não abre mão do poder sobre a exploração do petróleo outorgada a quem quer que ele queira. Já disse isso diversas vezes. Hoje são pelo menos três locais de poços de petróleo explorados por empresas estrangeiras que foram tomados por índios, além da interdição de diversas pontes e estradas, motivos pelos quais o governo decretou emergência. A principal alegação do governo é que uma minoria de índios não pode prejudicar o Estado peruana e a maioria de sua população que dependem dos royalties e impostos do petróleo. É desculpa muito grosseira.

Na entrevista abaixo, o principal líder da associação Aidesep, Alberto Pizango, esclarece a questão do ponto de vista dos povos indígenas. Argumenta que há exploração sem respeito ao meio ambiente e aos direitos dos povos indígenas. Até que não é contra o ato em si de explorar petróleo, mas quer participação e reconhecimento.

É certo que esta celeuma vai continuar e é bem possível que as disputas se tornem mais ásperas, com prisões e mortes, se o governo peruano não encontrar uma fórmula de negociação adequada.

O mapa ao lado mostra a divisão geográfica do Peru em três grandes regiões, que correm de norte a sul, e explicita as áreas da Amazõnia Peruana que estão "loteadas" para empresas de petróleo. Não esclarece exatamente onde há terras indígenas, uma concepção bem diferente do que temos no Brasil.

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Indígenas se rebelam contra empresas petrolíferas na Amazônia peruana
Índios tomaram três poços na região e querem revisão de concessões.
Leia entrevista com líder de nativos amazônicos peruanos.


Dennis Barbosa, do Globo Amazônia, em São Paulo


Indígenas peruanos estão mobilizados contra a forma como é feita a exploração petrolífera na porção amazônica de seus país. A Amazônia peruana foi praticamente toda loteada e leiloada a empresas nacionais e estrangeiras de exploração (veja mapa abaixo). Os índios reclamam dos impactos ambientais e sociais, e de não terem sido consultados sobre a extração de petróleo em terras que consideram suas.

No momento, eles mantêm três poços ocupados e prometem radicalizar sua oposição ao governo de Alan García, como relata em entrevista ao Globo Amazônia o presidente da entidade que encabeça nacionalmente o movimento, a Associação Interétnica de Desenvolvimento da Selva Peruana (Aidesep), Alberto Pizango. Leia abaixo entrevista do líder indígena:

Globo Amazônia: Na última semana, vocês bloquearam o Rio Napo no departamento (estado) de Loreto para impedir a passagem de barcos petroleiros, mas a Marinha rompeu o bloqueio com uma embarcação de guerra. O que aconteceu?

Alberto Pizango: Isso foi na terça-feira (5). As 5h30 da manhã, a Marinha de Guerra irrompeu o Rio Napo, que haviam fechado os irmãos secoyas e quechuas. Felizmente não houve danos humanos, apenas materiais. Fizeram afundar botes e barcos a motor, porque tinham que passar duas barcaças da [companhia francesa de petróleo] Perenco.

Globo Amazônia: Foi a reação mais violenta do governo até agora?

Alberto Pizango: Essa é uma clara provocação do governo aos povos que estão reclamando seu direito à vida, à liberdade e à soberania dos territórios do Peru.

Globo Amazônia: Em que exatamente a atividade petroleira afeta os indígenas da Amazônia peruana?

Alberto Pizango: Toda a Amazônia está quadriculada. Por isso todos os povos indígenas estão mobilizados e não vão permitir mais que o governo siga entregando os territórios dos legítimos peruanos.

Globo Amazônia: Pode exemplificar que tipos de problemas as petroleiras causam?

Alberto Pizango: Poluição de rios. São mais de 36 anos de exploração de hidrocarbonetos no Rio Corrientes sem que a [empresa de capital argentino] Pluspetrol tenha indenizado ou remediado. Ali segue-se poluindo e nossos irmãos achuares estão contaminados com chumbo e cádmio em seu sangue. Estão condenados a morrer.

Na província de Urubamba também houve, com a mesma Pluspetrol, sete rupturas de tubos e derramamentos sem que até agora nada tenha sido feito. Lá está poluído e os irmãos matsiguengas estão condenados a morrer. O Estado peruano está matando os povos indígenas. Há uma clara violação de direitos humanos, um claro genocídio em pleno século 21.

Globo Amazônia: E se o governo ou as empresas pagassem aos indígenas pela exploração dos recursos naturais? Neste caso, vocês aceitariam a presença dessas companhias?

Alberto Pizango: Talvez. Não se trata de que paguem ou não, mas de direitos. Trata-se de que não houve consulta a esses povos e de que o Estado peruano não tem uma lei que garanta que estas empresas, quando trabalhem na Amazônia, quando causem impacto ambiental e social, reparem ou indenizem. Simplesmente matam os povos, os seres humanos que estão ali.

Estamos dizendo ao governo que sentemos e reavaliemos isso, para que essas empresas entrem em igualdade de condições e que, se houver algum derramamento ou impacto, se possa pagar ou indenizar. A questão fundamental é o não cumprimento da convenção 169 [da ONU ] sobre o direito dos povos indígenas e dos cidadãos. (O convênio foi adotado em 1989 para garantir os direitos territoriais, sociais, culturais e econômicos dos povos indígenas e tribais.)

Globo Amazônia: Onde vocês estão concentrados para protestar contra a exploração petroleira?

Alberto Pizango: Estamos em toda a Amazônia, em 11 departamentos.

Globo Amazônia: E até agora não houve diálogo com o governo?

Alberto Pizango: Até agora não. Tentamos dialogar. Há acordos com o Legislativo e o Executivo, que se comprometeram a solucionar [a questão], mas não foi resolvido. Por isso, os povos indígenas radicalizaram e tomaram estações de bombeamento e anunciaram que também vão bloquear a estrada que liga o [departamento de] Amazonas com a costa.

Globo Amazônia: Quantas estações foram tomadas até agora?

Alberto Pizango: No momento há três ocupadas: duas no departamento de Loreto e uma no departamento de Amazonas.

Globo Amazônia: E se não houver diálogo há o risco de que se chegue a um confronto futuramente?

Alberto Pizango: A violência quem vai cometer é o governo. Nossos povos são pacíficos, apesar das contínuas agressões de que são alvo por parte dos governos republicanos. Mas as provocações do governo não vão ficar sem resposta, já que não consentimos a presença das empresas. Portanto, consideramos o governo de Alan García responsável pelas consequências que tenham suas provocações. Convocamos os organismos de defesa dos direitos humanos e as forças patrióticas e democráticas deste país a se unirem nesta luta pela derrogatória dos decretos legislativos e das leis entreguistas e anticonstitutcionais que este governo perpetrou.

O Globo Amazônia entrou em contato com o Ministério de Energia e Minas do Peru para ouvir o governo a respeito da exploração de petróleo na região em questão, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Peru promete criar novas terras indígenas na Amazônia

Finalmente o governo peruano está se movimentando em relação à situação dos povos indígenas amazônidas. Segundo matéria da Reuters, o Peru cogita criar cinco novas reservas para povos indígenas da Amazônia peruana.

Essa é uma notícia muito alvissareira, já que, do lado do Brasil, povos indígenas de procedência peruana esão sendo empurrados por madeireiros a penetrar em território brasileiro, já demarcados para outros povos indígenas, para encontrar um refúgio. O sertanista José Carlos Meirelles anda preocupado com isso, pois, inclusive, pode resultar em conflitos entre grupos diferentes e rivais.

Há anos o governo brasileiro vem tentando obter do Peru algum compromisso em encontrar algum nível de proteção para seus povos indígenas da Amazônia. Desta vez, as organizações indígenas peruanas fizeram uma pressão política muito forte, inclusive invadindo canteiro de obras de empresas petroleiras que trabalham na Amazônia peruana, para que o governo peruano reconhecesse a necessidade de demarcar e garantir terras indígenas.

Por outro lado, como já vimos em postagem anterior, alguns povos indígenas do Peru negociam diretamente com madeireiros a venda de suas riquezas naturais, e com isso terminam abrindo passagem para a entrada de madeireiros em outras terras indígenas, especialmente dos povos que vivem isolados.

No próxima sábado estarei viajando para o Peru para participar de uma reunião de coordenadores latino-americanos do Projeto Genográfico, em Cuzco, e lá seguramente obterei mais dados para entender melhor a situação indígena naquele país.

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Peru cogita criar novas reservas indígenas na Amazônia

Reuters/Brasil Online, por Dana Ford

O governo peruano, que tem estimulado empresas de energia a desenvolverem projetos na Amazônia, cogita criar cinco novas reservas para proteger tribos indígenas que vivem em isolamento voluntário.

Entidades do setor têm pressionado o governo a promover um equilíbrio entre os direitos ambientais e indígenas e as reivindicações dos investidores energéticos, vinculadas à necessidade do Peru de ampliar sua produção energética.

O governo assinou neste mês 13 concessões para a exploração de gás e petróleo, e pelo menos outros 12 lotes devem ir a leilão em julho.

"O primeiro passo é ver se há tribos vivendo dentro das áreas propostas. Se houver, devemos reconhecê-las e protegê-las", disse Mayta Capac, presidente da Indepa (Instituto Nacional de Desenvolvimento de Povos Andinos, Amazônicos e Afro-Peruano).

Três das cinco reservas propostas ficam no nordeste do Peru. Uma outra fica na fronteira com o Equador, e a quinta está no centro do Peru.

No passado, o governo irritou entidades de direitos humanos por colocar em dúvida a existência das tribos isoladas. Mas a posição oficial agora é de que elas existem e que o governo tem a responsabilidade de protegê-las.

Estima-se que aproximadamente metade das cem tribos ditas não-contatadas no mundo vivam no Brasil ou no Peru. "Se o contato for feito, as tribos podem ser dizimadas, seja pelo conflito violento ou por doenças contra as quais não têm imunidade", disse o pesquisador David Hill, da entidade britânica Survival International.

Em geral, forasteiros - como cientistas, garimpeiros ou madeireiros - não podem entrar nas reservas onde há povos voluntariamente isolados, mas o governo pode abrir exceções se entender que o trabalho a ser realizado é do interesse público.

Na prática, isso significa que empresas de gás e petróleo podem operar nas reservas. É o caso do projeto Camisea, enorme campo de gás natural no sul do Peru, operado pela argentina Pluspetrol. Um lote concedido à Petrobras está na mesma situação.

Também já houve concessões para a exploração de recursos em áreas que ficam parcialmente dentro das reservas propostas. Nesse caso, as empresas precisam apresentar um plano para a proteção da integridade das comunidades indígenas, inclusive no que diz respeito à prevenção de doenças, segundo Capac.

Ela estima que até 3.500 pessoas vivam voluntariamente isoladas dentro das áreas propostas para as reservas. "O Peru tem 29 milhões de habitantes e uma taxa de pobreza de cerca de 35 por cento. Não podemos abrir mão do direito de extrair recursos onde eles sejam encontrados", afirmou ele.

"Acredito que priorizemos as necessidades da maioria, que também precisa de proteção."

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Índios peruanos vendem madeira, segundo matéria de vídeo do FANTÁSTICO

Para aqueles que não viram essa matéria do FANTÁSTICO sobre a venda irregular de madeira no Peru, com o conhecimento e a participação de índios peruanos, eis a matéria, em vídeo. Ao final, chama a atenção para nova matéria que sairá hoje no Jornal Nacional sobre a BR-163.

domingo, 5 de abril de 2009

José Carlos Meirelles fala de sua vida de sertanista e dos índios que vêm do Peru


O sertanista José Carlos Meirelles deu essa entrevista para a revista National Geographic falando um pouco de sua experiência como sertanistas e de suas preocupações com a questão dos índios autônomos na fronteira do Acre com a Bolíva.


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Pela liberdade dos índios

National Geographic

A discreta cicatriz entre a barba e a bochecha esquerda concentra um pouco da história do sertanista José Carlos Meirelles dos Reis Júnior. Ele ganhou a marca nas águas do rio Envira, no oeste do Acre, em julho de 2004. Índios isolados lançaram flechas contra Meirelles enquanto ele pescava. Uma delas penetrou em sua face e saiu no pescoço. Meirelles correu. Mas o único tiro que deu com a arma que levava na mão foi para o ar - um grito de socorro para seus funcionários. No posto da Funai, ele pediu resgate ao Exército. Seis meses depois, recuperado, estava de volta à ativa. Não é dos índios, contudo, que vem a ameaça que mais o faz temer. Conflitos ainda piores se anunciam. Com a intensa atividade madeireira no Peru e a chegada de garimpeiros atrás de ouro, algumas etnias estão em fuga no território brasileiro protegido por Meirelles. Dos quatro povos isolados que se estima existirem na região, três foram fotografados em uma expedição aérea de fiscalização realizada há um ano. As imagens rodaram o mundo. Mas pouco se falou sobre as ameaças reais à sobrevivência desses indígenas. Com o aumento da pressão humana em torno das reservas, diz Meirelles, "infelizmente, o destino dos índios isolados não está nas mãos deles".

Quanto tempo ainda os índios isolados vão ter para escolher o momento de iniciar um contato com nossa sociedade?

Depende da pressão que eles sofrem em cada local. No caso da região do rio Envira, onde atuo, espero que ainda haja um bom tempo antes que aconteça esse contato inicial. A pressão sobre eles agora não é mais brasileira, ela vem do Peru, o que gera um problema novo para nós resolvermos. Creio que nestes últimos anos os índios descobriram, no caso particular dos entornos do rio Envira, que nós, da Frente de Proteção Etnoambiental Envira, da Funai, somos vizinhos diferentes daqueles que eles tiveram no passado e que os caçavam. Não nos temem como temiam seringueiros, madeireiros e garimpeiros. Já não mascaram tanto os vestígios quando andam perto de nossas bases, o que não significa, creio, que haja uma intenção de contato. Temos de ficar atentos a pressões externas e aos sinais que esses povos nos dão para que o futuro contato, se ocorrer um dia, seja o menos traumático possível para eles.

Um ano atrás, foram divulgadas fotografias feitas em uma expedição aérea coordenada pelo senhor. Quais são as conclusões desse trabalho?

O principal é que a terra deles foi demarcada sem nenhum problema, como era o nosso objetivo ao realizar o voo de reconhecimento. As fotos são do grupo que vive na cabeceira do rio Humaitá e nos igarapés da margem esquerda do rio Envira, em território brasileiro. Entretanto, outras fotos do mesmo sobrevoo nas quais aparecem duas malocas dos isolados do igarapé Xinane, oriundos do Peru, foram encaminhadas à Funai para pesquisa. Essas malocas não existiam em 2004, quando sobrevoamos a mesma região. A importância da divulgação é que as imagens podem ajudar a proteger esses povos. A opinião pública tem de entender que tais índios existem, e que temos o dever de garantir o direito deles de permanecer isolados.

Uma vez o senhor foi flechado e por pouco não morreu. Como é a aproximação desses indígenas do posto da Funai?

Eu já vi um bocado de índios da etnia masko piro, que andam pelas cabeceiras do Envira no verão. Uma vez a gente se encontrou sem querer pelas praias e eles correram atrás de nós. Outra vez eles apareceram lá mesmo no posto. Foi em 2004. Mais de 100 homens desse grupo invadiram a casa, mexeram em tudo e foram embora. Mas não levaram nada. Além deles, um outro grupo, o que aparece nas fotos divulgadas apontando flechas para o avião, uma vez invadiu a base e colocou fogo nos telhados. Havia dois trabalhadores no local, e eles tiveram de fugir, à noite, de barco. A ordem, quando acontece uma coisa dessas, é que todos no posto partam imediatamente. A gente tem um barco com motor, com combustível, sempre preparado para uma fuga de emergência.

Logo no início da carreira o senhor fez os primeiros contatos com o povo awa-guajá.

Essa história de que é o sertanista que faz o contato com o índio tem de ser revista. Na verdade, é sempre o índio quem faz o contato. É ele que vai até o branco. Chega uma hora em que o território está tão pressionado que eles não têm mais para onde correr. Foi o que aconteceu com o povo awa-guajá, que estava espremido pelos urubu-caapor e guajajara e pelos arrozeiros que não paravam de chegar ao Maranhão. Os awa-guajá do rio Turiassú fizeram contato com um caçador chamado Antônio Raposo, em 1972, e em 1973 conosco, da Funai, nas cabeceiras do Turiassú. Eles estavam acuados.
 
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