quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Últimos dias de 2010

Passei os últimos dias viajando pelo sul do Brasil. Do Rio a Sao Paulo, Curitiba, Ponta Grossa, Porto Alegre, Gramado, Bento Goncalves, almoçando em Antonio Prado, uma das cidades de colonos italianos mais bem preservadas, agora a linda Florianopolis. Estamos há três dias na Praia Cachoeira do Bom Jesus, com quase toda a família. Sinto falta do Chico, que ficou para concluir seu curso de engenharia civil.

Daqui, de férias e nas praias, aproveitando o calor e a beleza da ilha, o mundo parece meio esquecido e irreal, só visto nos jornais com dois dias de atraso, ou no noticiário rápido da televisão. Onde ficamos não há wifi, só pelo celular posso ler twitter ou emails. De vez em quando alguém liga para desejar Feliz Ano Novo.

 Desejo a todos os leitores, amigos e participantes deste Blog um muito Feliz e Próspero Ano Novo. Que a situação indígena melhore, que os projetos pessoais de cada um deem certo, e que o Brasil consiga dar mais um salto no seu desenvolvimento econômico, político e cultural.

De minha parte, neste ano de 2011 que vem saírá publicado meu novo livro de antropologia teórica, chamado Antropologia Hiperdialetica. É o resultado dos últimos dez anos de reflexão sobre cultura e sociedade, sobre as possibilidades do conhecimento alem da lógica científica. Sei que haverá resistências e dúvidas a algumas ideias do livro, mas sei tambem que haverá boa recepção da parte daqueles que têm mente aberta e vontade de ampliar sua visão do Homem e do mundo

A todos meus respeitos e minha saudação mais carinhosa.

PS
30/12/2010

Em breve escreverei um artigo neste Blog sobre os três indigenismos que estão se degladiando na conjuntura política atual. Qual deles prevalecerá, não sabemos, a situação está indecisa. A continuidade do indigenismo que domina a política indigenista atual será devastadora para o futuro dos povos indígenas do Brasil.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Prestem atenção nos Gaviões do Pará

Os chamados índios Gaviões que vivem na Terra Indígena Mãe Maria (62.000 ha), na região do Marabá, um dos grandes polos de desenvolvimento insustentável do Brasil, estão se preparando para enfrentar mais uma grande pressão sobre suas vidas e sua terra. Desta vez, mais uma vez, vem da Eletronorte, ou melhor, do Setor Elétrico, que planeja a construção de mais uma hidrelétrica no rio Tocantins, a ser chamada de Marabá, a qual será construída a menos de cinco km do limite da terra indígena.

Quer dizer, será construída, se os Gaviões assim o permitirem!

A UHE Marabá é uma das oito (ou 80) hidrelétricas planejadas para o rio Tocantins. Cinco delas (Serra da Mesa, Canabrava, Peixes, Lajeado e Tucuruí) já estão construídas e em operação, uma (Estreito) está em construção e duas mais estão em avançados estudos, inclusive a Marabá. Esta terá um potencial máximo de 2.160 MW e será localizada logo depois da confluência do rio Araguaia com o Tocantins, formando um lago de cerca de 1.100 km2. É muita terra a ser inundada, pelas beiradas do Tocantins, subindo e se esparramando pelas terras baixas até sua confluência com o Araguaia. Projeta-se que uma população de mais de 40.000 pessoas será afetada a ponto de ter de ser deslocada de suas habitações e assentada em outras terras.

Até agora essa hidrelétrica só não saiu do papel e passou a leilão por causa dos Gaviões, um povo indígena formado por três etnias autônomas, os Parkateje, os Kyikateje e os Akrãtikateje, que vivem na Terra Indígena Mãe Maria, e que até agora se recusou a receber quaisquer grupos de trabalho para fazerem os estudos de impacto socioambiental.

A pressão tem sido tão grande que os Gaviões, após anos de recusa sistemática, decidiram fazer um gesto de entendimento com a Eletronorte. Eles exigem que seja feito um pré-estudo, independente dos interesses do Setor Elétrico, independente dos termos de referência que a Funai fornece ao IBAMA para subsidiar suas decisões de licenciamento.

Os Gaviões querem esse estudo antes de tomar qualquer decisão. O estudo deve ser feito por um grupo autônomo, indicado por eles, com equipe independente, para que possa ter toda a liberdade de avaliar junto com os Gaviões os prós e os contras de uma permissão para que se realizem estudos formais de avaliação de impactos socioambientais. O estudo não é pré-condição para os Gaviões permitirem os estudos formais, nem para a aceitação da construção da hidrelétrica. O estudo servirá de subsídio para eles pensarem o que irão fazer sobre o assunto.

A UHE Marabá seria uma daquelas hidrelétricas que atingem populações indígenas diretamente. Tal como foi a UHE Balbina em relação aos Waimiri-Atroari, a UHE Serra da Mesa em relação aos Avá-Canoeiro, e a UHE Itaparica em relação aos Tuxá, bem como diversas hidrelétricas menores no sul do Brasil em relação aos Kaingang e Xokleng. A UHE Marabá está projetada para ter uma área de inundação de mais de 100.000 hectares, enchendo a calha do rio para montante e derramando-se pelas beiradas da Terra Indígena Mãe Maria. A Eletronorte calcula que cerca de 200 a 500 hectares da terra indígena serão inundados. Parece pouco, mas os Gaviões não acreditam nesse cálculo. Conhecem a região que está perto do rio e acreditam que seria muito mais, que a terra ribeirinha poderá absorver água subterrânea e transformar boa parte da terra indígena em um brejo.

Por essa e por outras, desde o tempo em que a Eletronorte passou duas LTs vindas da UHE Tucuruí, e principalmente por sua preocupação sobre as questões sociais e culturais, é que os Gaviões estão escabriados quanto a essa hidrelétrica.

A experiência com hidrelétricas é sofrida e trágica em especial para a etnia Akrãtikateje que foi expulsa de suas terras antes até da construção da UHE Tucuruí, logo abaixo no mesmo rio Tocantins, no início da década de 1970, numa das ações mais violentas por que passaram povos indígenas na mão do Estado brasileiro. Essa etnia sobreviveu a muito custo, com graves perdas de vida dos mais velhos,d de mulheres e crianças, e hoje vive na Terra Indígena Mãe Maria e espera a decisão final da Justiça Federal sobre a compra de uma gleba de terra, uma fazenda, ao lado desta última, como reparação mínima pelas perdas territoriais sofridas então. Eles não querem passar pela mesma situação de novo, mas parece que, se a UHE Marabá for construída, novamente essa futura terra, sua nova terra, virá a ser inundada!

Diante de tudo isso, e por muitos outras razões, os Gaviões querem uma nova atitude do Estado brasileiro. Não querem a simples comunicação, a simples oitiva formal que os demais povos indígenas vêm recebendo desde que o governo decide implantar um empreendimento que impacta terras indígenas. Querem mais!

Os Gaviões querem saber de tudo. Querem avaliar tudo. Querem ter liberdade para decidir sua vida diante das opções que existem. Isso eles vêm fazendo há uns bons 30 anos, desde que resistiram e souberam negociar os termos de compensação com a Eletronorte e a Vale do Rio Doce. Não vão abrir mão de sua autonomia!

Muito se ouvirá dos Gaviões e dessa sua iniciativa daqui por diante.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Drops indigenistas -- 18

1. O que os índios devem esperar do Governo Dilma Rousseff, e especialmente do futuro ministro José Eduardo Cardozo?

Bem, segundo nossa Enquete,  as opiniões ficaram mais ou menos divididas entre otimistas e pessimistas.

52% dos participantes marcaram opções positivas, seja de criação de uma nova política indigenista (8%), seja de uma Funai melhor (28%), seja de novo diálogo com os índios (8%), seja até da criação de um secretaria para assuntos indígenas (8%). A esperança é a última que morre -- mesmo quando não parece haver planos no novo governo de criação de uma nova secretaria!

As opções negativas somaram a outra metade (48%) dos participantes: 22% acham que tudo vai continuar como está e 13% consideram que poderá haver piora. Por fim, 13% avaliam que teremos um legado terrível dessa última gestão da FUNAI, que é o fim das demarcações de terras indígenas.

A dificuldade crescente na demarcação de terras indígenas está sendo imputada pelos índios, pelos indigenistas e por membros do governo, à atual gestão da FUNAI, que não soube realizar essa tarefa com acuidade indigenista e estratégia política. Precipitou diversas ações que redundaram em processos jurídicos, o pior deles advindo do próprio ato de confirmação da homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, através do Acórdão da Demarcação, de 19 de março de 2009, que determinou a data da promulgação da Constituição Federal como o marco temporal de definir o que é ocupação indígena.

O resultado até agora: nenhuma das portarias de reconhecimento de terras indígenas expedidas pelo ministro Tarso Genro resultou em demarcação. Estão todas paradas.

Por sua vez, algumas das ações da FUNAI para demarcar terras, como no caso dos índios Anacés, no município de São Gonçalo do Amarante, está sendo aos poucos desconsiderado pelo governo do Ceará. O governador Cid Gomes já comeu pelas beiradas as áreas que os Anacés tanto queriam. O que lhes sobrará, fica difícil ver. Onde ficarão os Anacés?

O caso dos Pataxó continua difícil e sem saída.

Por que tanta incapacidade?

2. A vinda do novo ministro, de qualquer modo, está chamando a atenção do meio indigenista, e parece que é para melhor. Tenho conversado com índios e indigenistas e muitos acham que ele não é alguém que segue linha partidária nas suas posições. Isto quer dizer, ao menos, que não haverá partidarização da FUNAI. Se ela for despartidarizada já é grande coisa. O fato de Cardozo ter desistido de se re-candidatar a deputado federal, por considerar caras as eleições e comprometedoras da consciência dos deputados, é um fator importante a contar num ministro da Justiça. Em 2008 ele fez um breve discurso na Câmara Federal em que defendeu a legitimidade da demarcação de terras indígenas por serem um ato de preservação do patrimônio público, já que as terras indígenas são da União. Mas deixou de dizer o que ele considera terras indígenas e qual sua posição a respeito das controvérsias que temos hoje em dia.

3. A grande disputa que está à vista é a nova Secretaria de Saúde Indígena, dentro do Ministério da Saúde. Não se sabe ainda quem será o novo ministro, assim a coisa está pendente. Muitos compromissos já foram feitos em relação a cargos, mas os interessados andam ansiosos. O movimento indígena ligado às ONGs acredita que vai ter a maioria dos cargos e acha que vai dar continuidade às transações com as ONGs. Outros já acham que o importante é buscar criar uma nova metodologia de trabalho, mais séria, mais cumpridora das atribuições e menos interesseira nas verbas.

De todo modo, saúde indígena é assunto de muita controvérsia e o governo Lula não trouxe grandes melhoras na sua administração, embora, no plano geral, a saúde indígena tenha melhorado.

Dependendo do novo ministro da Saúde, qualquer coisa pode acontecer. E a FUNASA, vai perder sua prerrogativa da saúde indígena? Até agora, tudo continua como dantes, e os índios continuam invadindo sedes da FUNASA Brasil a fora.

4. A inauguração em Brasília do Memorial Darcy Ribeiro, localizado na UnB, contou com a presença do presidente Lula e de três ministros, o da Educação, da Cultura e da Secretaria Geral. O presidente José Mujica e seu ministro da Cultura, do Uruguai, também prestigiaram Darcy.

O prédio é lindo demais. Parece uma oca karib, embora o arquiteto Lelé Filgueiras, grande figura brasileira, diga que se inspirou em ocas xavantes. O centro é iluminado naturalmente, assim como sua ventilação se inspira na ventilação de ocas indígenas.

Por dentro há espaço para a excelente biblioteca brasiliana de Darcy Ribeiro, tem área de estudo e computação. O anexo é o que Darcy chamou de "beijódromo", onde filmes e conferências poderão ser dadas para um auditório de 80 pessoas.

A nota dissonante é que os estudantes não paravam de berrar contra Lula e contra o reitor da UnB. Mas o que Darcy teria a ver com isso?

Também senti a ausência de professores da UnB. Que é que há, pessoal?

5. Por todo o Brasil corre um sentimento de insatisfação com a situação atual da FUNAI. Mesmo os índios que partilham do sentimento de que o órgão precisava de uma reestruturação estão insatisfeitos. Foi demais o que foi feito. Parece que as tais novas coordenações estão abandonadas antes de se firmar como substitutas das antigas administrações regionais. Alguns locais que perderam administração estão às moscas, e, ao mesmo tempo, as novas não dão conta das tarefas que lhes são atribuídas. Penso em Oiapoque, Altamira, São Luís, Curitiba, Amambai e tantas mais.

Parece que a revogação do Decreto 7056/09 será a principal bandeira do novo presidente da FUNAI.

Especialmente se vier a ser um índio ou uma índia, pois há muitos correndo lateralmente e buscando se fortalecer no panorama político.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Funai e Ministério Público lamentam não terem demarcado terras para os Guarani

Em Campo Grande começou desde o dia 22/11 um seminário para os analistas antropólogos do Ministério Público Federal. A intenção é discutir os problemas que os analistas encontram na sua tarefa de defender índios, quilombolas e outras minorias.

Na abertura esteve presente uma plêiade de autoridades que, de algum modo, têm tido interesse na questão indígena. O próprio ministro-chefe da Advogacia Geral da União, Luiz Inácio Adams, que é cotado para ser indicado para o STF, e que tem cumprido o papel de fazer as conciliações entre entes do governo, como a Funai e o Ibama, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e a subprocuradora-chefe da 6ª Câmara, Debora Duprat, além dos ministros de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, do Desenvolvimento Social, Márcia Lopes, também abrilhantaram o evento, além de deputados locais, o presidente da Funai, alguns antropólogos e missionários, formando um grupo coeso que tem trabalhado em conjunto nesse segundo mandato do presidente Lula.

O essencial dessa abertura foi a lamentação geral das autoridades e dos antropólogos que tomaram a palavra e que foram entrevistados depois pelos jornais locais. Lamentaram não terem conseguido demarcar nenhuma terra indígena nova nesses últimos três anos, especialmente para os Guarani do Mato Grosso do Sul. Lamentaram também a realidade jurídica das ressalvas estabelecidas pelo STF por ocasião da afirmação da homologação da TErra Indígena Raposa Serra do Sol. A maioria dessas ressalvas impõe sérias dificuldades para o reconhecimento de terras indígenas de onde os índios houveram sido deslocados ou expulsos. Nenhum desses lamentos veio acompanhado de uma auto-crítica, embora certamente alguns deles saibam que têm culpa em cartório por essa falha e por não terem cumprido promessas feitas aos próprios índios, inclusive alguns que estavam presentes.

Ao final, o que ficou de saldo das falas é que a única saída para recuperar terras indígenas no Mato Grosso do Sul seria comprá-las! Isto foi dito especialmente pelo ministro de Direitos Humanos, pelo deputado Kemp, do PT-MS, por um antropólogo presente e pelo atual presidente da Funai.

Para comprar terras indígenas que atualmente estejam no domínio de alguém, mas que tenham sido reconhecidas como de ocupação indígena, a Funai teria que se basear numa legislação constitucional, já que nossa Constituição não admite tal possibilidade, o que significa que o governo teria de propor uma emenda constitucional. O pior é que as autoridades parecem estar de acordo com isso, e diversas afirmaram que de fato o governo vai apresentar uma emenda constitucional para tanto!

Eis o grande perigo que desponta no próximo governo! Mudar a Constituição Federal não é brincadeira, esquenta a cabeça de muita gente e com muitos interesses. Especialmente mudar a CF que contem artigos importantes a favor dos povos indígenas, obtidos a custo de uma grande mobilização da sociedade civil brasileira há mais de 20 anos, é de uma temeridade inominável. Temos um Congresso que vem se tornando cada vez mais anti-indígena, sobretudo nesses últimos três anos em que a política indigenista foi regida com um misto de amadorismo com arrogância, como se Lula tivesse soltado um elefante numa loja de louça e achado que o estrago causado era pouco!

O movimento indigenista rondoniano e as populações indígenas brasileiras estão perturbadas com essa pretensão. Só esperamos que o próximo ministro da Justiça, que parece ser um importante político petista, advogado e professor, não se deixe levar por esse tipo de sugestão.

Mudar a CF seria arriscar perder não só os ganhos legais que substancializam a política indigenista brasileira, mas ainda, seria pôr em suspensão as terras indígenas que foram demarcadas a partir desta Constituição, e para as quais, em muitos casos, seus antigos e presumidos donos não receberam compensação pela perda e pelo seu valor de venda, e sim tão-só pelas benfeitorias e investimentos.

Imaginem se uma emenda constitucional prover que os donos presumidos das terras que lhes foram confiscadas, por serem reconhecidas como indígenas (e da União), têm o direito ao preço de mercado por elas, o que não farão os fazendeiros e políticos-fazendeiros que tiveram que abrir mão de terras que consideravam suas mas que as perderam sem receber nada em troca? Provavelmente levantarão uma imensa celeuma e recorrerão às instâncias jurídicas para desfazer demarcações de terras indígenas em curso ou realizadas no passado recente. Assim, ficarão em suspenso as terras já demarcadas.

Por sua vez, e as terras que foram declaradas indígenas pelo ministério da Justiça, mas que estão sub judice ou mesmo em processo de demarcação atualmente? Provavelmente, um dos argumentos que os advogados dos fazendeiros vão usar -- e agradecer a essas autoridades -- será essa mesma da promessa de mudança constitucional, promessa essa feita por autoridades do governo. É só dizer que vão esperar a mudança, e aí podem até abrir mão de suas propriedades, já que ganhariam com isso.

Eis o novo imbroglio em que pode ficar a questão de demarcação de terras indígenas. Não só não se demarca por questões jurídicas, por causa das decisões baseadas no Acórdão da Demarcação de Raposa Serra do Sol, mas agora por promessas de mudança constitucional!

Por uma dessas o futuro ministro da Justiça não esperava! Nem os índios Guarani tampouco!

sábado, 20 de novembro de 2010

Duas moças Inuit se preparam para cantar pela garganta

Eis outro lindíssimo e impressionante modo de cantar pela garganta. Duas moças Inuit, isto é, Eskimó, cantam em preparação para um festival de canções de garganta entre os Inuit do Canadá

Viva a música!!!!!

Eis um entre mil exemplos do porquê vale a pena existir tantas culturas no mundo. A canção de garganta dos povos da Mongólia

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Belo Monte: Técnicos do IBAMA dão parecer contrário ao início das obras

Eu já me considerava voto vencido, perdedor, inútil sofredor, prestes a me conformar com o leite derramado, querendo já uma saída digna para os povos indígenas.

Pois que, Belo Monte ia sair, de qualquer jeito, por determinação do governo, seja sob protestos dos índios, dos ribeirinhos, dos habitantes de Altamira, do CIMI e das ONGs, com quem, nesse aspecto, me coloco de acordo.

Eis que dois técnicos do IBAMA acabaram de dar um parecer contrário ao início das obras em função de um parecer do MPF, do Pará, alertando para o fato da empresa NESA, encarregada da obra, não ter preenchido as condições mínimas para ao menos abrir o canteiro de obras. Ao que parece, a NESA não tem clareza sobre o número de pessoas que serão atraídas para essa obra, nem tem cenários claros sobre as suas possíveis consequências. Para os técnicos do IBAMA foi o suficiente para emitir parecer contrário.

A Funai foi, infelizmente, o primeiro órgão a dar o aval à construção da Usina Belo Monte, quando os índios ainda não tinham conhecimento claro do tamanho da obra e de suas consequências, e à revelia dos questionamentos dos próprios técnicos da Funai, que queriam mais tempo para prover melhores esclarecimento para os índios. E se os índios dissessem não, o que aconteceria?

Agora a Funai está com a brocha na mão, com licença dada, enquanto o IBAMA lhe tirou a escada. Que fazer?

Não sei se esse parecer dos técnicos será um impedimento grave para a construção de Belo Monte. Provavelmente a direção do órgão vai passar por cima, ou mandar refazer o parecer por outros técnicos. Já os Kayapó do rio Xingu, especialmente os liderados por Raoni Txukarramãe, continuam firmes contra essa hidrelétrica. Nem tanto pela inundação que se projeta na atualidade, mas por desconfiarem que, uma vez construída Belo Monte, outras hidrelétricas serão construídas mas a montante no rio, impactando mais duramente outros povos indígenas e a si mesmos.

Os índios querem uma palavra com a presidente Dilma Rousseff sobre essa questão e sobre o futuro da Funai. Megaron Txukarramãe declarou recentemente que desconfia que a atual direção da Funai, movida por não sabe que interesses, quer se retirar da responsabilidade tutelar sobre os povos indígenas. Tutela, para os Kayapó, como para muitos outros povos, não significa a rendição desses povos ao Estado, mas a garantia jurídica sobre o senso da responsabilidade maior sobre os povos indígenas que cabe ao Estado, desde a época de Rondon, no que se refere à observação e aplicação de leis e medidas para com os direitos constitucionais indígenas.

Enfim, o governo Rousseff, que está para começar, já vem com pontos controversos a serem resolvidos.

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Ibama pode retardar obra de Belo Monte
Órgão faz dois pareceres contrários ao início da construção, em razão do não cumprimento de condicionantes

Consórcio queria iniciar obras neste ano; MPF afirma que acionará governo na Justiça se licença for concedida 

CLAUDIO ANGELO
DE BRASÍLIA 

No que depender dos técnicos do Ibama, a usina de Belo Monte não terá seu canteiro de obras iniciado neste ano, como queriam seus construtores. A equipe encarregada de analisar o pedido de licença para as chamadas instalações iniciais da hidrelétrica no Xingu deu dois pareceres contrários às obras.

Segundo os documentos obtidos pela Folha, de 5 e 20 de outubro, o consórcio Nesa (Norte Energia S.A.) não cumpriu as precondições impostas pelo Ibama para a instalação do canteiro da usina. Além disso, os empreendedores teriam subestimado o número de migrantes que seriam atraídos para a região de Altamira (PA) para a obra.
"Restam condicionantes e ações antecipatórias (...) cujo não atendimento compromete o início da implantação das instalações iniciais", diz o parecer de 20 de outubro.
"Não é recomendada a emissão de licença para as instalações iniciais."
Principal obra do PAC, Belo Monte será a terceira maior hidrelétrica do mundo. Estima-se que vá custar de R$ 19 bilhões a R$ 30 bilhões e gerar em média 4.400 MW. A usina obteve em abril licença prévia do Ibama, atestando que a obra era viável desde que os empreendedores cumprissem 40 precondições -da instalação de saneamento em Altamira até a proteção de tartarugas que desovam no rio Xingu. Em setembro, a Nesa pediu ao Ibama uma licença de instalação parcial, para o canteiro de obras.

CHUVAS
O consórcio fez isso para ganhar tempo: iniciando os canteiros neste ano, poderia começar as obras da usina após a estação de chuvas, que começa em dezembro.
O Ministério Público Federal no Pará diz que acionará o governo na Justiça caso o Ibama dê a licença de instalação para o canteiro. Seria a décima ação contra Belo Monte em dez anos.
"Licença fracionada não existe na lei brasileira", diz o procurador Felício Pontes Júnior. "O canteiro é a obra."
Na quarta passada, o MPF enviou ao presidente do Ibama, Abelardo Bayma, recomendação para que não emita licença enquanto não forem cumpridas as condicionantes da licença prévia.
Os técnicos do Ibama, no primeiro parecer, dizem que não é nem possível avaliar se a licença de instalação pode ou não ser fracionada, já que o consórcio não detalhou os potenciais impactos dessa fase do empreendimento.
Das 23 condicionantes cujo atendimento seria necessário para iniciar a instalação, uma havia sido atendida em 5 de outubro. Três estavam "em atendimento" ou "parcialmente atendidas". O consórcio enviou novos documentos para análise. No segundo parecer, mais oito condicionantes aparecem como "em atendimento" ou "parcialmente atendidas". Mas, segundo os analistas, questões fundamentais seguem sem resposta. A principal é o tamanho da população a ser atraída ao canteiro. O contingente adicional tende a causar pressão sobre a frágil infraestrutura urbana local e sobre as florestas. O consórcio estimou no pedido de licença para o canteiro que seriam atraídas 2,39 pessoas por emprego gerado no primeiro ano. O EIA-Rima da usina, porém, estima 3,86. Além disso, nenhuma ação de ampliação da infraestrutura foi iniciada.
O Ibama ainda não se manifestou oficialmente sobre a licença do canteiro de obras. Bayma afirmou, via assessoria, que só falaria após a conclusão da análise técnica. O presidente da Nesa, Carlos Nascimento, não respondeu a pedidos de entrevista.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

APIB repudia uso de terras indígenas para troca de carbono

 A APIB é a associação indígena que mais projeta o futuro para os povos indígenas. Não teme em chamar a atenção para as novidades que parecem boas mas que guardam armadilhas para os povos indígenas. Também busca incluir as preocupações indígenas nos aspectos maiores da humanidade, não se sujeitando aos interesses imediatos.

Eia Nota Pública que a APIB acaba de lançar sobre a questão da troca de carbono em relação às terras indígenas:


NOTA PÚBLICA

SOBRE A MUDANÇA CLIMÁTICA, O GOVERNO BRASILEIRO
E OS POVOS INDÍGENAS

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), considerando a contribuição milenar dos nossos povos proteção e preservação da Mãe Terra, da biodiversidade, de milhares de espécies animais e vegetais, das reservas de água doce, de plantas medicinais e no enfrentamento das mudanças climáticas, entre outros feitos, rechaça a visão reducionista que vê em nossos territórios apenas depósitos de carbono, potencialmente lucrativos, nem sempre para as nossas comunidades. As nossas terras são o nosso lar, a base de sustentação da nossa identidade e cultura e da nossa convivência com outros seres vivos e demais elementos da Natureza.

Por tanto recusamos o olhar mercantilista com que mais uma vez agentes externos, nacionais ou internacionais, se aproximam de nossos territórios e povos, incentivando-os a se envolver em potenciais negócios milionários, sem antes entender a complexidade das mudanças climáticas, além de seus efeitos ou impactos, considerando a história e o contexto da atual crise, que não é só climática, mas também econômica, energética, ambiental, social e de valores.

Daí que os governos dos países ricos, e agora aderidos pelos países ditos emergentes, dentre eles o Brasil, estão mais preocupados em recuperar o seu poderio, no controle ou repartição do mundo, ao invés de consertar o estrago que vem causando ao meio ambiente como conseqüência do modelo econômico que adotaram: poluidor, de extrativismo industrial e depredador, responsável pela atual catástrofe de inundações, secas, processos de desertificação, degelos, desaparecimento de espécies e ecossistemas, chuva ácida, poluição urbana, águas contaminadas, doenças, conflitos sociais, deslocamento populacional, empobrecimento, depredação de recursos naturais, descaracterização sociocultural e riscos de dizimação de povos, enfim, de atentados contra a vida do planeta e da humanidade.

Por isso, antes de pensar na transferência de recursos para os países pobres ou na discussão e implementação de mecanismos de compra de crédito de carbono, a preocupação dos governos deve ser assumir metas concretas necessárias para a efetiva e comprovada redução de gases de efeito estufa nos seus respectivos países.

A contribuição dos povos indígenas no enfrentamento da mudança climática e na preservação da biodiversidade e dos recursos naturais nos diversos biomas não é de agora, e isso tem que ser reconhecido e valorizado pelo Governo e o povo brasileiro. Por isso é fundamental que se conclua a demarcação das terras indígenas e se garanta a sua proteção perante as distintas formas de invasão: empreendimentos madeireiros, latifundiários, agroexportadores, garimpo e pesca ilegal, empresas de mineração e grandes empreendimentos de infra-estrutura.

O Governo brasileiro deve também respeitar rigorosamente ás normas nacionais e internacionais que asseguram o direito dos povos indígenas à consulta livre, prévia e informada, assegurada principalmente nos artigos 6º e 7º da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e  na Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas.

Nessas condições, não basta pretender mostrar ao mundo, no marco das negociações sobre a Convenção do clima, que a sociedade civil é consultada, porque até o momento  essa participação se deu de maneira informal, limitada e praticamente sem a participaçao dos povos e organizações indígenas.

Para a APIB, está mais do que claro que não cabe somente ao governo, e muito menos a setores empresariais, organizações não governamentais e até indivíduos oportunistas, definir o destino e a participação dos povos indígenas em quaisquer medidas ou ações que afete os seus interesses.

Até o momento, o Governo brasileiro possibilitou processos de consulta em questões como o Estatuto dos Povos Indígenas e a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental em Terras Indígenas (PNGATI). Por que então não envolver os povos indígenas na discussão da questão climática, dos serviços ambientais e inclusive dos mecanismos de Redução de emissões por desmatamento e degradação (REDD), mesmo para fins de esclarecimento sobre o assunto e para saber se os povos e comunidades indígenas estão ou não interessados em participar desta nova promessa de “bem-estar” e “futuro promissor”?

A APIB alerta sobre os riscos de quaisquer iniciativas que ao invés de levar melhorias podem prejudicar a integridade sociocultural, territorial e ambiental das terras e povos indígenas.

Como em outras ocasiões, a APIB reitera o seu entendimento a respeito das políticas públicas voltadas aos povos indígenas, no sentido de que a participação dos povos indígenas deve ser garantida na sua formulação, implementação e avaliação, através do diálogo institucionalizado e formal. E as políticas, programas e projetos devem se pautar pela transversalidade e a articulação interna para assegurar a sua gestão e aplicabilidade eficiente, atingindo os seus objetivos mas sobretudo os interesses e as aspirações dos seus destinatários. Essa unidade de ação necessariamente requer de uma visão e comportamento articulado dos distintos órgãos de governo envolvidos com a questão indígena.

Dessa forma a APIB espera que o Governo brasileiro assegure processo qualificado de consulta aos povos indígenas, para não omitir a sua participação e contribuição na elaboração do Plano Nacional de Mudança Climática, sem esquecer que esta questão não pode ser tratada de forma isolada, mas sim no contexto da PNGATI, cujos objetivos já tratam dos serviços ambientais oferecidos pelos povos e terras indígenas, além de muitas outras demandas e propósitos relacionados com a gestão territorial e ambiental dessas terras.

Ao governo, às organizações não governamentais e outros interesses estranhos exigimos que parem de assediar e inculcar nos nossos povos e comunidades ilusões e propósitos relacionados com o mercado de carbono que podem comprometer a sua integridade sociocultural, respeitando o nosso ritmo e a criação de condições para o entendimento desta e outras questões emergentes, em prol da preservação dos nossos territórios e suas riquezas, mas principalmente da nossa vida.

Brasília, 09 de novembro de 2010.

sábado, 6 de novembro de 2010

Participantes deste Blog acham que índios devem rejeitar empreendimentos na Amazônia

Eis o resultado da última Enquete feita por este Blog, diante da pergunta "Diante dos empreendimentos a serem implantados na Amazônia, o que os índios deveriam fazer?"

Protestar sem parar ------------------------------  44%

Negociar com as empresas e a Funai -----------   3%

Apelar para o STF ---------------------------------  12%

Aliar-se às Ongs para sua defesa  --------------   14%

Exigir participação nos empreendimentos ----   24%


A primeira opção, "Protestar sem parar" ultrapassa em 20% a opção contrária "Exigir participação nos empreendimentos". Isto significa que uma boa parte dos participantes deste Blog acredita que há chances dos índios darem um freio aos empreendimentos que estão atingindo, de algum modo, suas terras e seus modos de vida. Acreditam ou querem que os índios tomem à frente nesse processo de barrar esses empreendimentos.

A opção de negociar com as empresas e a Funai por ressarcimento foi a menos votada de todos, quase nada. Isto reflete a descrença na atual direção da Funai e na sua pouca capacidade de lidar com essa questão. Reflete também uma forte desconfiança nas empresas e na sua boa fé em fazer negociações que resultem em melhoria da situação dessas populações.

As opções "Apelar ao STF" e "Aliar-se às Ongs para sua defesa" somaram 26% dos votos, bastante expressivo. Isto quer dizer que muita gente acha que há meios de barrar os empreendimentos na Amazônia. Acreditam na Justiça brasileira e na sua capacidade de definir prioridades ou determinar contra-pontos. Talvez não tenham tomado conhecimento do número de processos que estão parados no STF, ou mesmo nas consequências da decisão do STF sobre demarcação de terras indígenas. Ou mesmo no caso Belo Monte.

Sobre as Ongs e sua capacidade de ajudar aos índios um número expressivo de participantes acredita que elas podem ser importantes, que estão ao lado dos índios em suas reivindicações. É possível que parte desses votos tenha vindo de membros das Ongs (e muitos que frequentam este Blog o são), mas também não se pode negar que as Ongs são creditadas como atuantes positivas em prol dos índios.

A opção de exigir participação nos empreendimentos teve 24% dos votos, boa votação. São os que acham que não tem jeito, que os governos brasileiros já se decidiram por empreendimentos na Amazônia, sem volta, e que melhor seria preparar os índios para terem uma participação financeira e, portanto, responsabilidade, em relação aos empreendimentos. Opção consciente, mas também temerária.

Enfim, é a busca de amadurecimento por ideias que tragam melhores opções para os índios brasileiros. Estamos entrando em novo governo que, ao que tudo indica, promete mais do mesmo, mais intensificação dos que foi iniciado, em matéria de hidrelétricas, estradas e exploração da Amazônia.

A Enquete ficou no ar por cinco semanas, coincidindo com o final das eleições. Votaram 207 pessoas, em uma só opção.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Censo 2010 contabiliza apenas 185.712.713 brasileiros

Caiu como uma surpresa essa contagem do Censo 2010. O próprio IBGE esperava mais de 191 milhões de brasileiros!

Nesse último decênio a população cresceu cerca de 9,4%, o que significa menos de 0,9% ao ano!

Algumas grandes cidades, como Belo Horizonte, Porto Alegre, Rio de Janeiro e Salvador mal cresceram. Porto Alegre cresceu somente 3.400 habitantes.

Que é que está acontecendo? Não se pode desconfiar desse Censo 2010, e poucas pessoas alegam que não foram entrevistadas. Alguma coisa aconteceu que estamos mal reproduzindo a nossa população. Esperava-se que a população brasileira começasse a declinar depois de 2030, quando atingisse cerca de 210 milhões de habitantes, porém, pelo visto, vai começar a declinar mais cedo...

E a população indígena, como ficou? Durante anos o IBGE e as Ongs alegavam que a população indígena brasileira chegava a 770.000 pessoas. Já os dados que tínhamos na Funai e na Funasa, chegavam a pouco mais de 500.000 por volta de 2007, quando sai da presidência do órgão.

Este ano o Censo 2010 acrescentou à pergunta sobre identidade étnica outra pergunta a respeito do povo ou etnia a qual pertenceria o auto-declarado. Acho que a nossa população indígena deve estar por volta de 550.000 auto-declarados indígenas que podem estabelecer um vínculo comunitário direto com um povo indígena existente, e que são atendidos de algum modo pelo estado brasileiro. Porém, um número ainda não determinado de brasileiros se auto-declaram indígenas por uma espécie de homenagem ao seu passado mas não sabem dizer de onde vieram e a qual povo pertence! No Censo de 2000 cerca de 300.000 a 400.000 assim se declararam e o IBGE nunca foi capaz de definir que índios seriam esses. Por exemplo, que haveria 60.000 indígenas em São Paulo e 30.000 na cidade do Rio de Janeiro. Acho que esses números não se repetirão.

Vamos aguardar os próximos dados do IBGE, com detalhamentos

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Participantes do Blog querem permanência do Museu do Índio na Funai

A Enquete, "O Museu do Índio deve sair da Funai?" trouxe o seguinte resultado:

Não ---------         67%

Sim ...........          22%

Não ligo ....          10%

Essa Enquete foi feita porque um memorando interno da Funai que continha a proposta da atual direção do órgão para ser seu Regimento Interno não continha nenhum dado sobre o Museu do Índio, como se o estivesse ignorando ou dando como fora desse organograma. Por sua vez, há anos que a direção do Museu do Índio vem tentando tirá-lo da Funai e levá-lo para o MinC.

Eis que, recentemente, o IBRAM, Instituto Brasileiro de Museu, do MinC, declarou que não tinha intenção de incorporar o Museu do Índio, o que nos deixou um pouco aliviado, ao menos pela palavra empenhada.

De qualquer modo, a presença do Museu do Índio, criado por Darcy Ribeiro e o Marechal Rondon, no órgão indigenista, é um grande espaço do indigenismo brasileiro, cujo ideal de atuação é de ordem intelectual e política em prol da causa indígena.

domingo, 31 de outubro de 2010

Serra vence eleição entre índios e indigenistas

Terminada a votação do 1º Turno, fizemos uma Enquete sobre quem merecia o votos dos índios e dos indigenistas. O resultado final é que Serra seria eleito presidente do Brasil com 55,6% dos votos, contra Dilma, com 33,4%, sendo que 10% votaram em Nulo e Branco.

É claro que essa Enquente não significa grandes coisas. Apenas a demonstração de uma grande insatisfação com o segundo mandanto do governo Lula, e portanto, uma certa disposição de que Dilma seguiria sua política e suas atitudes da mesma maneira.

Não dá para saber. Temos a eleição hoje. O resultado mudará ou não o destino dos povos indígenas.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Memórias Sertanistas comemora 100 anos de indigenismo no Brasil


O indigenismo rondoniano está vivo!

Realizou-se anteontem e ontem (27 e 28 de outubro), no SESC-Consolação, em São Paulo, o seminário Memórias Sertanistas, com a participação de alguns dos principais indigenistas e antropólogos brasileiros para comemorar os 100 anos de atividade e política indigenista republicana, desde a criação do Serviço de Proteção aos Índios, em 1910.

Este foi o único evento comemorativo do centenário do SPI/FUNAI. A própria FUNAI, com a atitude anti-rondoniana que domina sua atual direção, bem como as Ongs e organizações missionários – e até a Associação Brasileira de Antropologia, ABA – fizeram de conta de que não sabiam da efeméride. Lembremos que o Serviço de Proteção aos Índios teve como um dos seus principais quadros o antropólogo Darcy Ribeiro, que lá criou o Museu do Índio e foi presidente da ABA.

Ao que parece, as Ongs et alli acreditam que a política indigenista brasileira não merece ser comemorada, relembrada, rediscutida, atualizada e ampliada, conforme seu surgimento e desenvolvimento. A própria situação atual da Funai, de total descaso com os povos indígenas, é sinal desse desmerecimento. Mas, um dia, os índios terão seu acento, sua redenção na nação brasileira.

O evento começou na tarde do dia 27 com a mostra de dois importantes filmes jornalísticos sobre os primerios contatos com os índios Urueuauau, do cineasta inglês Adrian Caldwell. À noite a abertura deu-se com uma palestra de Elias Bígio, antropólogo que dirige a seção de índios isolados e de recém-contato da Funai, e com uma conversa descontraída entre os líderes indígenas Afukaká, do povo Kuikuro, do Alto Xingu, e Siridiwe Xavante, mediada por Felipe Milanez e Noel Villas-Boas, que também foram os curadores do evento.

O dia 28 foi o grande dia. Intenso, divertido, sábio. Aconteceu uma série de sessões com apresentação dos indigenistas Porfírio Carvalho, Odenir Oliveira, Afonso Alves da Silva, o Afonsinho, José Carlos Meirelles, Marcelo dos Santos e Altair Algayer. Cada sessão foi intermediada por um antropólogo ou jornalista, entre eles, Carmen Junqueira, Betty Mindlin, Mércio Gomes, Roberto Almeida, Noel Villas-Boas, Felipe Milanez, Silvo Danri.

Cada indigenista dava seu depoimento, contando sua vida de lutas e atribulações, todas heroicas pelos tempos que viveram.

Afonsinho, o gentil e intrépido sertanista de Altamira, que entre 1957 e 1966 ajudou a Francisco Meirelles a contatar diversos grupos Kayapó, sofrendo com suas mortes; em 1987 foi flechado duas vezes pelos Arara do rio Iriri, e a partir daí, com passagens no Vale do javari e entre os Waimiri-Atroari, passou a  viver os 20 anos seguintes junto a esse mesmo povo, como seu amigo e assistente indigenista. Porém, em fevereiro de 2010, foi demitido pela atual direção da Funai, porque “não tinha o perfil” do que essa direção acha relevante para o indigenismo que ela quer impor no Brasil, à revelia da experiência acumulada e da tradição renovada. Ao final do encontro, foi feito um documento exigindo que Afonsinho seja reconduzido ao seu posto junto aos Arara, para o bem do indigenismo rondoniano, dos índios que o amam, e da dignidade brasileira.

José Porfírio de Carvalho é o indigenista da audácia, da estratégia administrativa e da dignidade inquebrantável. Lutou em muitas frentes: pelos Guajajara no Maranhão, na criação da Administração da Funai no Acre (onde se dizia em 1975 que não havia índios), foi presidente da Sociedade Brasileira de Indigenistas (1979-81) e hoje dirige um dos mais belos programas indigenistas do país, com os índios Waimiri-Atroari e Parakanã. Esses programas nasceram em emulação à experiência implantada e vivida por 30 anos pelos irmãos Villas-Boas, no Parque do Xingu. Porém, Carvalho dá passos enormes adiante, estabelece metas, emula a participação dos índios para alcançar sua autonomia verdadeira em breve futuro. Eis um exemplo que se projeta na atualidade e para o futuro.

Odenir Pinto de Oliveira é um indigenista de muitas gerações. Seu avô foi companheiro de Rondon, e seu pai trabalhou com os Bakairi, onde recebeu a primeira visita de índios Xavante na região do rio Kuluene. É um indigenista que pensa sua vida duplamente, pensa como índio e como um intelectual brasileiro, e, quando chamado, age com a garra de um queixada. Praticamente nascido no meio dos Bakairi e crescido entre os Xavante, aprendeu ambas as línguas e vivenciou como poucos brasileiros a vida indígena. Fez o primeiro concurso da Funai, em 1969, lutou nos lagos do rio Autazes para que os Mura assumissem sua identidade étnica reprimida; batalhou desesperadamente e sob altíssimo risco de morte na ascensão dos Xavante em sua luta pela demarcação de suas terras; foi fundamental na ocupação que os Pataxó fizeram ao retornar à sua terra na região de Ilhéus.

José Carlos Meirelles é o doce, alegre e renitente paulista que se meteu pelos matos abandonando seus estudos de engenharia, e não arrenda pé de exercer sua vocação de indigenista. Fez o primeiro contato com um grupo Guajá, no alto rio Turiaçu, no Maranhão, pelos idos de 1973; viveu 35 anos no Acre entre os rios Envira e Iaco, alerta para os sinais de povos indígenas em estado de autonomia, sempre respeitando sua presença, dando sinais de boa vontade, mas sem procurar perturbá-los ou forçá-los ao encontro, sempre temido, do primeiro relacionamento interétnico. Meirelles hoje trabalha com os Yanomami, 19.000 deles, um mundo à parte no indigenismo brasileiro.

Marcelo dos Santos é o santista filho de comunistas e anarquistas que, como Francisco Meirelles, Noel Nutels, Darcy Ribeiro e Carlos Moreira, preferiram a vida vivida da igualdade e do amor fraternal encontrado em sociedades indígenas do que o sonho utópico de uma sociedade imaginada. Eis sua vocação político-indigenista, a qual foi vivida, desde 1983, com destemor incomparável, nas florestas devastadas e arruinadas de Rondônia. Marcelo dos Santos se diz o indigenista dos povos indígenas que sofreram os piores ataques genocidas da contemporaneidade brasileira. Os Kanoé, o “homem do buraco”, um índio que vive só e recusa aproximação com os brancos, certamente o último remanescente de um povo arrasado por fazendeiros ignóbeis de Rondônia, são gente com quem ele lidou e ajudou a sobreviver, ou ao menos a viver com dignidade.

E como representante dos novos indigenistas, Altair Algayer, o Alemão, prosseguindo no trabalho de Marcelo, se entrega à vocação máxima de indigenista, cuidando dos 5 Kanoé sobreviventes, de dois remanescentes Kawahyb, visitando com a delicadeza própria do indigenista de coração o “homem do buraco” para que ele, um dia, queira, de livre e espontânea vontade, se relacionar com o mundo que o cerca.

Sentimos a falta de outros valorosos indigenistas que trabalham com povos não contatados ou de recente contato, como Rieli Fransciscato e Antenor Amorim, para mencionar somente dois. São mais, e serão mais ainda, pois vem aí uma nova geração de indigenistas que darão continuidade à tradição rondoniana.

Aliás, falando em vocação, foi perguntado a vários indigenistas o que os teria levado a serem indigenistas. Invariavelmente as respostas vinham da vontade de estar na Natureza, o desejo de aventura e a busca por situações sociais de igualdade e alegria de viver. Todos admitiam que, uma vez picados pelo indigenismo, estavam entregues aos seus deveres, aos seus meneios, aos seus imponderáveis.

Como pano de fundo teórico e histórico desse encontro, o antropólogo Mércio Gomes proferiu a palestra “A Tradição Indigenista Brasileira”, onde frisou que o indigenismo brasileiro nasceu da própria raiz formadora do Brasil. Tem como seu patrono o jesuíta Pe. Antonio Vieira, que não somente se opôs a tudo de mal que acontecia com os povos indígenas, mas também expressou o sentimento de que o Brasil deveria buscar a igualdade de todos pela dignidade reconhecida nos povos indígenas. Eis o sentido mais profundo do indigenismo brasileiro, meta a ser alcançada, sempre num horizonte de ações a cada dia mais conscientes e mais dedicadas.

Na história da formação do indigenismo brasileiro surgem outras grande figuras, algumas esquecidas. Mencionemos José Bonifácio, o Patriarca da Independência. Comparando com os Estados Unidos, ao contrário do que estavam fazendo os americanos, àquele tempo, expulsando os índios das 13 colônias originais e dos novos territórios conquistados, José Bonifácio propôs que os índios deveriam ser respeitados e queria que se misturassem aos demais cidadãos. Certamente não é o que se quer agora, mas a concepção de que os índios fazem parte do Brasil e que devem ter seu espaço é algo de grande novidade para a época.

Na esteira de Bonifácio, surge o grande poeta maranhense, Antonio Gonçalves Dias, que, não somente louva o índio por suas virtudes reais ou imaginárias, mas também afirma que o Brasil só será uma grande nação quando os índios vierem a ser “reabilitados” da condição social em que se encontravam. Gonçalves Dias projetou um futuro grandioso para o Brasil quando os índios tiverem seu espaço digno na Nação.

Na formação da República brasileira, a Igreja do Apostolado Positivista Brasileiro teve o grande papel no indigenismo ao propor que os índios deveriam ser considerados nações autônomas, que seus territórios deveriam ser chamados de “estados autóctones americanos” e deveriam formar uma categoria à parte dos territórios dos estados, inclusive com alfândega própria. O Brasil seria uma grande nação republicana, laica, pela incorporação dos índios de um modo autônomo, preservando seu sentido de ser.

Por fim, surge, inspirado nessas ideias geniais, generosas e ultra-revolucionárias do positivismo brasileiro, o coronel, depois marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, que, ao fundar o SPI (Serviço de Proteção aos Índios), declara que os índios são nações autônomas com as quais o Brasil deveria criar laços de amizade, não de imposição. Seu espírito de auto-sacrifício e dedicação ímpar é que inspiram o indigenismo rondoniano, pelo seguimento da máxima: “Morrer se preciso for, matar nunca!”

Por essa injunção, muitos brasileiros morreram em sua vida de indigenista sem levantar armas contra os índios. Afonsinho e Meirelles são dois exemplos vivos.

O que dizer da vida e da obra dos três irmãos Villas-Boas? Muito e muito mais. Eles foram heroicos em sua dedicação aos índios do alto Xingu, e visionários ao defendê-los e protegê-los ao máximo do relacionamento com os não indígenas que estavam se aproximando de suas terras. Fizeram o Parque Nacional do Xingu a partir da ideia esplendorosa deles, juntos com Darcy Ribeiro, o próprio Marechal Rondon, cujo projeto original compunha um paralelograma territorial com cerca de 200.000 km2, que ia da margem esquerda do rio Araguaia até o rio Teles Pires, englobando terras dos Xavante, Bakairi, Juruna, Kayapo, Ikpeng, Suya, Beiço de Pau, Kaiabi, Apiacás e outros. Tal projeto, embora aprovado por Getúlio Vargas, não foi realizado em sua integridade. Ficou o Parque do Xingu, ao qual foram adicionadas as terras dos índios Suyá, Kaiapó, Juruna e Panara, que hoje constitui um território compacto de matas, cerrados e rios com mais de 140.000 km2. Cláudio e Orlando Villas-Boas, conforme já disse Darcy Ribeiro, compuseram as vidas mais incríveis de quantos brasileiros que já houve.

O Encontro dos indigenistas foi um primeiro passo para a recondução do indigenismo rondoniano ao palco político de um novo indigenismo que precisa ser criado. Mas não um indigenismo de fantoche, à base do oba-oba, do privatismo, da ilusão messiânica. O indigenismo rondoniano deve prosseguir respeitando sua tradição, a qual não é um simples poço de água parada, mas um rio caudaloso que cresce pela competência dos novos indigenistas, pela adaptação de sua filosofia aos tempos atuais, pela participação real dos índios, pelo diálogo e pelo amor. Eis a lição que foi tirada desse Encontro.

Sertanistas, antropólogos e jornalistas pedem volta de Afonsinho

Em carta dirigida ao atual presidente da Funai, responsável pelo decreto presidencial que desestruturou a Funai e demitiu dezenas de indigenistas e índios do mais alto calibre profissional, os sertanistas, antropólogos (inclusive o Autor deste Blog) e jornalistas redigiram a carta seguinte pedindo indignados a volta do sertanista Afonso Alves da Cruz ao seu posto no Posto Indígena dos índios Arara, município de Altamira.

Ei-la

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quinta-feira, 28 de outubro de 2010

SESC-Consolação promove seminário sobre indigenismo rondoniano

Começou na tarde de ontem o seminário promovido pelo SESC-Consolação sobre a memória do indigenismo brasileiro, em comemoração aos 100 anos da criação do Serviço de Proteção aos Índios e da implantação da política indigenista brasileira de cunho rondoniano.

O seminário foi aberto pelos seus curadores, Felipe Milanez e Noel Villas-Boas. Na primeira sessão falaram os índios Afukaká Kuikuro, grande líder desse povo do Alto rio Xingu, Siridiwê Xavante, um dos mais articulados líderes dos Xavante, neto de Apowen, o mais importante líder Xavante. Em seguida falou Elias Bigio, coordenador da sessão de Índios Isolados e de Recente Contato, da Funai.

Amanhã haverá sessões com a presença dos indigenistas Porfírio Carvalho, Odenir Oliveira, José Carlos Meireles, Afonsinho, Altgeyer, Rieli Franciscato, Carmen Junqueira e Mércio Gomes

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Sertanistas se reúnem em SP por memória do indigenismo



Roberto Almeida - O Estado de S.Paulo
Em comemoração ao centenário do indigenismo no Brasil, seis sertanistas com extensa atuação em terras indígenas remotas se reúnem pela primeira vez nesta quinta-feira, 28, no Teatro Anchieta do SESC Consolação, no centro de São Paulo.
Eles deixarão registradas, durante o seminário "Memórias Sertanistas", histórias de expedições no Brasil profundo para proteção de grupos indígenas e relatarão como realizam a difícil tarefa, balizada pelo ideal de autonomia dos povos de Marechal Cândido Rondon e da proteção do Parque do Xingu pelos irmãos Villas Boas.
Participam das mesas de debates, a partir das 14h, os sertanistas Afonso Alves da Silva, Porfírio de Carvalho, Odenir Pinto, José Carlos Meirelles, Altair Algayer e Marcelo dos Santos, todos com experiência na proteção de terras indígenas e povos isolados do Pará, Amazonas, Acre e Mato Grosso.
As entrevistas serão realizadas pelo jornalista Felipe Milanez, idealizador do evento, pelo ex-presidente da Funai Mércio Gomes, por jornalistas e antropólogos. O seminário é gratuito.
Todos os sertanistas, vindos do Norte e Nordeste do País, confirmaram presença. A única baixa foi a de Rieli Franciscato, que cancelou participação para chefiar uma fiscalização na Terra Indígena Uru Eu Wau Wau, em Rondônia, que está sob alerta de invasão de garimpeiros.
Abertura. Coincidentemente, o seminário foi aberto nesta terça-feira, 27, com a exibição de dois filmes do cineasta inglês Adrian Cowell sobre os primeiros contatos com o povo Uru Eu Wau Wau, durante as décadas de 1980 e 1990, na área que hoje é fiscalizada por Franciscato.
Em seguida, especialistas participariam de uma mesa de debate com o chefe da Coordenação-Geral de Índios Isolados (CGII) da Funai, Elias Bigio, e a proteção aos grupos isolados no País. O evento, para ele, ajuda a trazer a realidade do trabalho de campo dos sertanistas à cidade.
"É uma grande oportunidade de diálogo, uma vez que esses sertanistas trabalham dentro das florestas e têm pouca chance de conversar com pessoas que vivem em São Paulo", disse Bigio ao Estado. "Parte das terras (dos índios isolados) estão asseguradas e demarcadas. Temos agora o objetivo de garantir a sobrevivência deles nesse território", continuou.
Centenário. O seminário celebra a criação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), primeiro órgão federal em defesa do indígena brasileiro, criado há 100 anos. A principal incumbência do SPI era garantir a sobrevivência do índio e ao mesmo tempo implementar uma estratégia de ocupação do País.
Seu primeiro diretor foi o então Coronel Cândido Mariano da Silva Rondon, o Marechal Rondon. A filosofia positivista era a base de sua política integracionista: esperava-se que o índio, então considerado inferior, evoluísse aos poucos até poder ser integrado à sociedade.
Em 1967, durante o regime militar, o SPI foi extinto e deu lugar à Fundação Nacional do Índio (Funai), órgão que até hoje exerce a proteção aos povos indígenas no País. A política integracionista se manteve em partes até o período da redemocratização, na década de 1980, em que passou a se discutir com mais profundidade o papel do índio na sociedade brasileira.
A diversidade cultural dos índios acabou sendo reconhecida somente a partir da Constituição de 1988. Os debates sobre o trabalho dos sertanistas, durante o seminário, pretendem registrar esse processo com histórias reais e trazer luz sobre a proteção dos índios durante o século 21.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

NOTA DO IBRAM: Museu do Índio permanece na FUNAI

O IBRAM -- Instituto Brasileiro de Museus -- órgão ligado ao MinC escreveu-me para dizer que não havia "qualquer iniciativa" de integrar o Museu do Índio, da Funai, ao seu quadro.

Muito bom, tanto melhor. Regozijo-me que a postagem publicada no nosso Blog tenha levado o IBRAM a uma reunião e uma decisão sobre a questão. Diga-se de passagem que essa questão tem estado em jogo desde 2003.

Resta à Funai simplesmente esclarecer a questão no seu projeto de Regimento Interno. Por que o Museu do Índio não consta desse regimento?

Eis a nota do IBRAM:

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Nota ao Blog do Mércio



Em relação à matéria publicada no dia 22/10/2010 intitulada “Museu do Índio pode sair da Funai”, o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram)/MinC esclarece que não existe qualquer iniciativa entre o instituto e a Fundação Nacional do Índio (Funai) para que o Museu do Índio passe a integrar o Ibram, conforme divulgado em nota do blog.

O Ibram/MinC informa, ainda, que o diretor do Museu do Índio ocupa uma das 21 vagas do Conselho Consultivo do Patrimônio Museológico, como representante da Funai. O colegiado tem, entre suas competências, as de apoiar a formulação de políticas públicas para o setor museológico, assim como examinar, apreciar e opinar sobre questões relacionadas à proteção e à defesa do patrimônio cultural musealizado.

O Ibram/MinC reconhece a importância e qualidade do Museu do Índio, assim como o bom gerenciamento realizado pela Funai.


Assessoria de Comunicação/ Ibram

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

SESC-Consolação, em São Paulo, fará homenagem aos 100 anos do indigenismo rondoniano

O SESC-Consolação, da cidade de São Paulo, fará um grande seminário em comemoração ao centésimo aniversário do indigenismo rondoniano no Teatro Anchieta, entrada gratuita.

O seminário intitula-se MEMÓRIAS INDIGENISTAS e contará com a participação de grandes indigenistas da atualidade, como Porfírio Carvalho, Odenir Oliveira, José Carlos Meirelles e outros, além de antropólogos de grande envergadura na etnografia brasileira, como Carmen Junqueira e Betty Mindlin. O Autor desse Blog fará a palestra "A Tradição Indigenista Brasileira".

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sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Museu do Índio pode sair da Funai

O fato do Museu do Índio, entidade da Fundação Nacional do Índio, criada por Darcy Ribeiro e o Marechal Rondon, nos idos de 1953, não estar presente no Regimento Interno da Funai, cuja minuta circula pela internet, tem deixado muitos indigenistas e antropólogos de orelha em pé. Inclusive o autor deste Blog.

O Museu do Índio tem servido para muitos propósitos, em alguns casos para engradecimento pessoal. Porém, no cômputo geral, o Museu é o depositário da Biblioteca do Marechal Rondon, com seus livros, seus relatórios de viagem, as publicações da Comissão Rondon, e muitas coleções antropológicas e indigenistas. O mais importante aspecto do Museu do Índio tem sido seu papel na assistência ao reconhecimento de terras indígenas Brasil a fora, especialmente as terras indígenas reconhecidas no século XX e que foram subtraídas por fazendas ou cidades.

É necessário que o autor da minuta do Regimento Interno da Funai, assinada pelo antropólogo Artur Mendes, venha a público para esclarecer a questão, antes que uma surpresa nos atinja a todos.

Ontem circulou pelos labirintos do Ministério da Cultura e de hostes do PT que, de fato, o Museu do Índio iria sair da Funai e passar a fazer parte do sistema de museus daquele ministério.

Antes que essas notícias se confirmem através de um decreto presidencial que está para ser publicado, visando reformular o decreto 7056/09 que instituiu uma desastrosa reestruturação da Funai, é necessário que os indigenistas e antropólogos e os próprios índios se manifestem contrários a essa subtração de um patrimônio intelectual que pertence ao indigenismo brasileiro.

A enquete ao lado servirá de balizador, neste Blog, para a opinião dos participantes a respeito do Museu do Índio.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Odenir Pinto de Oliveira: O que o próximo governo deve fazer para os índios


Sertanista: A fase é difícil para os povos indígenas

Ali Karakas/Divulgação
Terra Indígena Pimentel Barbosa, do povo Xavante, em frente a fazenda do Grupo Magg, no Mato Grosso. Sertanistas contribuiram para garantir os ...
Terra Indígena Pimentel Barbosa, do povo Xavante, em frente a fazenda do Grupo Magg, no Mato Grosso. Sertanistas contribuiram para garantir os territórios indígenas
Felipe Milanez
de Manaus (AM)
Odenir Pinto é sertanista e indigenista. Profissão no Brasil de quem defende os índios, representando o estado brasileiro. Em 2010 completam cem anos da criação de órgão oficial, republicano, que representa a defesa dos índios. Hoje, desde 1967, a Funai. Antes, criado por Rondon em 1910, o Serviço de Proteção aos Índios (SPI).
Seu avô era sertanista, seu pai era sertanista, e ele nasceu na aldeia Bakairi, no Mato Grosso, na época do contato com um subgrupo do povo Xavante que permanecia evitando a aproximação com a sociedade nacional.
Viveu com os Xavante e os Bakairi. Fala as duas línguas desses povos com fluência.
Durante a sua carreira, foi exonerado da Funai, por perseguição política, e chegou a ficar exilado dentro de um território xavante. Foi anistiado em 1993.
No dia 28 de outubro, ele vai contar, no SESC Consolação, suas experiências no sertão, no ano em que o Brasil celebra o centenário da criação do indigenismo, pelo Marechal Candido Rondon.
Confira a entrevista.
Terra Magazine - Como definir o trabalho do sertanista? 
Odenir Pinto -
 A atividade de sertanista vem de muito tempo. Há registros deles desde começinho do ano de 1600, dentro dos Estados de São Paulo, Minas, Paraná e Bahia, principalmente. Evidente que eram pessoas irrequietas, querendo expandir as fronteiras de exploração, em busca de riquezas minerais, e ficaram conhecidas e reconhecidas oficialmente como sertanistas. 
Mas somente no começo de 1950, com o Serviço de Proteção aos Índios (SPI) em pleno funcionamento, o trabalho do sertanista passa a fazer parte de uma atividade de um órgão de proteção aos índios. Estes, bem mais idealistas e humanistas do que irrequietos - e não vou citar nomes para não cometer injustiça -, dão um sentido nobre a essa atividade porque para exercê-la é preciso apego à causa, renúncia a qualquer tipo de conforto, ser obstinado para não desistir diante do inesperado e dispor de meios, recurso, para sustentar as expedições até o momento do contato pacífico. 
Convenhamos que não era fácil, por isso precisava ter uma última coisa: articulação para convencer todo mundo de que o trabalho de proteção aos povos indígenas era uma coisa que o Brasil precisava fazer. Na maioria das vezes as expedições eram bancadas com recursos oficiais, e é por isso que o SPI e a Funai (que surgiu em 1967) puderam desenvolver essa atividade com um mínimo de planejamento, sendo executadas sem grandes riscos para o sertanista e sua equipe serem massacrados pelos índios. Mesmo assim, houve alguns casos, como o de Pimentel Barbosa e Gilberto Figueiredo, só para citar os mais conhecidos, que foram assassinados em atividade. Mas também as Igrejas, no passado e no presente, quiseram fazer contatos com povos isolados. Alguns deram certos e outros nem tanto. Atualmente as Ongs também estão entrando nessa atividade - inclusive com recursos financeiros oficiais e do exterior. 
Não vejo o trabalho do sertanista contemporâneo muito diferente do daquele que trabalha com povos indígenas já contatados, que vivem em aldeias. E também acho que ser sertanista agora é mais fácil. Daqueles do passado tenho grande admiração, até mesmo porque eles sabiam que depois do contato pacífico, esse povo sucumbiria. Mas eles tinham de obedecer a ordens - e acho que eles sofriam muito com isso.
Como começou sua vida sertanista? 
- Fiz o primeiro concurso público, nacional, para seleção de candidatos a técnico indigenista, em fevereiro de 1969. Após o concurso fiz o primeiro curso de indigenismo, que ficou conhecido como o "curso piloto de indigenismo". Foram seis meses de teoria e seis meses de prática. Sendo que no teórico, na Enap (Escola Nacional do Servidor Público), em Brasília, por seis meses, e mais outros seis meses vivendo em alguma aldeia para elaborar um "projeto" para aquela comunidade onde o novo indigenista estava estagiando. 
Depois de análises, por uma comissão, do desempenho da parte teórica em Brasília e na aldeia, o estagiário, ainda, era enviado para o mato, para um curso de "sobrevivência na selva", ministrado por sertanistas e que durava, em geral, trinta dias. 
Fiz o meu no Xingu, orientado por Orlando Villas Boas, entre outros. No período teórico em Brasília recebi, também entre outros, aulas de Chico Meireles. 
Em 1984, 1985, não me lembro bem, fui promovido a sertanista. Não por mérito, mas porque na carreira de técnico indigenista não havia mais como ser promovido, atendendo a legislação de CLT, se não fosse como sertanista. E foi assim que passei a exercer esse cargo, essa função, de sertanista. 
Meu avô, Otaviano Calmon, que entrou no "serviço de índio", como eles designavam o trabalho indigenista, terminou por fazer parte da Comissão Rondon, que entrou por Mato Grosso em direção a Rondônia e criou a primeira Inspetoria do SPI, no Centro Oeste, sediada em Cuiabá-MT. 
Meu pai, Pedro Vanni de Oliveira, e minha mãe, Joana Pinto de Oliveira, também fizeram parte disso e foram viver entre os Bakairi, na margem direita do rio Paranatinga, no médio norte do Mato Grosso. Também foi ali que meus pais tiveram o primeiro contato pacífico com um grupo Xavante, aqueles que escaparam dos massacres promovidos por expedições armadas, financiadas pelo governo de Mato Grosso e por empresários que desejavam ocupar essa região entre o nordeste de Mato Grosso e o sul do Pará.
Com quais povos trabalhou?
Nasci no Posto Indígena Bakairi, entre o povo homônimo. Após o concurso e o curso indigenista fui designado para trabalhar com os Mura Apirahã, no baixo Amazonas. Depois de quase três anos, voltei para Mato Grosso, porque o governo precisava de alguém que falasse a língua Xavante, uma vez que esse povo havia rompido relação pacífica com o governo. (Acho que com quase todo mundo, sem exagero, porque eles resolveram demarcar suas terras). 
Depois voltei a trabalhar com os Bakairi, não aqueles onde nasci, mas com os que vivem até hoje na região do Rio Novo, na terra indígena Santana. 
Em seguida fui trabalhar na frente de atração Peixoto de Azevedo, norte de MT, entre aqueles que o governo e a imprensa chamavam de "índios gigantes", os Krenacarore, hoje Panará. Com a transferência destes para o Parque do Xingu, fui trabalhar entre os Xavante, no Leste de MT. Muitos anos depois, como Superintendente e/ou Administrador da Funai, com inúmeros povos da Amazônia e do Centro Oeste brasileiro.
O que você aprendeu no convívio com os índios, que mais tenha marcado sua vida?
Ora, ora, uma boa parte do que sei e do que sou aprendi com eles (Parece uma resposta politicamente correta, mas é assim).
Como você vê a relação do Brasil com os índios?
Este país é um pouco indígena, mas cada vez mais as pessoas que vivem por aqui querem ter algum compromisso com a proteção desses povos. Ainda não sabem como fazer isso. Há uma pesquisa recente, promovida pelo Instituto Socioambental (ISA), que mostra que cerca de 80% dos brasileiros querem a demarcação das terras indígenas. Para mim isso é surpreendente! Uma bela notícia! Aqui entre nós, dá para esquecer o passado e apostar no presente, no futuro.
Qual foi o período mais difícil para os índios, durante os anos que você trabalhou com eles?
Houve um período muito difícil para os índios e para todos que estavam com eles. Foi no intervalo - que durou anos - entre a extinção do SPI e a criação da Funai. Lembro-me que nesse período, estudando na cidade, e quando podia visitava a aldeia onde meus pais trabalhavam, eu os encontrava em desespero, sem saber a quem recorrer, e os índios estavam morrendo sem qualquer assistência e inteiramente entregues à míngua. Acho que os militares, que de quando em quando aterrissavam seus aviões na pista da aldeia, para distribuir caixas de estiletes, facas, punhais, etc, não queriam socorrer os doentes porque sabiam o que estavam fazendo. 
A ditadura militar correu de volta para onde nunca deveria ter saído; muitos indígenas sobreviveram a esse período; se organizaram e ajudaram a escrever uma Constituição que deu sequência às leis que transformaram o Brasil, desta vez incluindo eles também. 
Muitos anos depois da ditadura militar, estamos assistindo agora outra fase muito difícil para os povos indígenas. Estamos vendo uma política deliberada para extinguir o único órgão indigenista que tem conversado com eles nos últimos tempos; que tem tentado demarcar seus territórios; que tem tentado proteger seus meio-ambientes e suas culturas. 
Certamente, este período vai ser o mais difícil para eles superá-lo. Não há mais o sujeito fardado que deixou momentaneamente a caserna para se aventurar numa coisa que não tinha legitimidade e nem conhecia, mas há agora o sujeito que disputa com eles o emprego, inclusive no órgão indigenista, porque precisa fazer caixa do seu partido político com seus 10% de salário. E esse partido político é legitimamente eleito pelo povo brasileiro.
Em duas semanas haverá eleições para presidente da República, e o tema indígena não tem sido abordado. Como o futuro pode ser melhor para os índios?
Será o dia em que um partido político que ganhar a eleição para presidente da República tiver no seu programa de governo uma agenda para a questão indígena, algo de planejamento estratégico para proteção das terras e promoção das culturas dos povos indígenas. Só isso.
Felipe Milanez é jornalista e advogado, mestre em ciência política pela Universidade de Toulouse, França. Foi editor da revista Brasil Indígena, da Funai, e da revista National Geographic Brasil, trabalhos nos quais se especializou em admirar e respeitar o Brasil profundo e multiétnico.
 
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