A ascensão dos povos indígenas
MÉRCIO PEREIRA GOMES, jornal O Globo
A Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, recém-aprovada com os votos de 143 países, contra quatro negativos (EUA, Canadá, Austrália e Nova Zelândia) e onze abstenções, é um novo marco na história dos povos indígenas. É o reconhecimento de sua ascensão política e cultural no mundo contemporâneo.
Há trinta anos líderes indígenas no mundo vinham debatendo o projeto dessa Declaração. Não esmoreceram diante da indiferença de muitas nações e da animosidade de algumas. O apoio das Nações Unidas lhes foi fundamental, bem como de algumas nações, inclusive o Brasil, que teve um papel relevante na formulação. A Declaração não é um documento vinculante das Nações Unidas. Isto quer dizer que os países não são obrigados a adotá-la. Porém, a votação foi tão estrondosa que poucos países terão o cinismo de rejeitá-la ou ignorá-la.
Alguns dos principais pontos de disputa que tardaram a aprovação dos países a essa Declaração são:
Autodeterminação. Os líderes indígenas teimaram e não aceitaram outro texto senão o que está na Carta da ONU e que fala do direito de "determinar seu estatuto político".
Muitos países temiam que isso provocasse um levante de autodeclarações de independência política. Os índios ganharam. Mas os Estados inseriram artigos que preservam a inviolabilidade de seus territórios.
Tradicionalidade territorial. Não ficou estabelecido o que é tradicionalidade de domínio territorial. Os Estados vão ter dificuldades para devolver terras recém-esbulhadas ou de outro modo perdidas pelos povos indígenas. No Brasil isso está se tornando cada vez mais difícil. A Nova Zelândia, que nasceu de um tratado com os Maori pelo qual repartiam as duas grandes ilhas que compõem a nação, não assinou.
Respeito aos tratados. O artigo foi mantido, e Estados Unidos e Canadá não assinaram a Declaração.
Livre trânsito entre fronteiras. Os Estados aceitaram que os índios que vivem em Estados limítrofes podem se visitar como se fossem de uma terra única. Os Estados não sabiam como se posicionar e terminaram se fiando na boa-fé da Declaração.
Obrigações dos indivíduos indígenas para com seus povos. Os povos querem que seus usos, costumes e leis sejam respeitados internamente e que os indivíduos se sujeitem a determinações do poder indígena.
Recursos naturais. Os povos indígenas têm direito aos seus territórios e aos seus recursos naturais. Isto está bem garantido na legislação brasileira, mas muitos países mal começaram a demarcar terras indígenas. Muitos terão dificuldades em garantir a exclusividade.
Por tudo que consta na Declaração Universal dos Direitos dos Povos indígenas, o mundo agora vai sentir-se diferente. Os povos indígenas somam cerca de 370 milhões de pessoas e estão em 70 países de todos os continentes. Eles desafiam o status quo em diversos países e, se não, eles ao menos são testemunhos vivos de histórias muito escabrosas da formação de muitos países.
No Brasil os povos indígenas somam 500 mil indivíduos distribuídos em 226 povos e falantes de 170 línguas distintas. A maior diversidade étnica e cultural de todos os países, embora demograficamente menor. A China tem 57 povos distintos e 110 milhões de indivíduos indígenas. A Índia, a Indonésia, as Filipinas, a Rússia, o México, o Equador, a Austrália e, proporcionalmente, a Nova Zelândia e diversos países africanos, são os exemplos mais destacados da presença de povos indígenas no mundo atual.
A elaboração dessa Declaração levou quase uma geração de indígenas e amigos dos índios mundo afora.
Meu orgulho maior como presidente da Funai foi ter participado das últimas sete reuniões que determinaram a sua aprovação.
Ao Brasil cabe refletir sobre essa Declaração. Muito do que nela contém já está previsto em nossa Constituição e no Estatuto do índio. As novas recomendações deverão ser analisadas e adaptadas à nossa legislação. Agora cabe efetivamente uma mudança no Estatuto do índio. Não devemos temer o futuro. A ascensão dos povos indígenas vai redimir a nossa História e elevar o Brasil à condição de país de valor e respeito a si mesmo, à sua população e à Humanidade.
sexta-feira, 21 de setembro de 2007
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