segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Comissão Guarani pede a CNPI pressão sobre Ministro da Justiça

Em reação à decisão do ministro da Justiça de suspender os efeitos de quatro portarias de demarcação de terras indígenas para os Guarani no norte de Santa Catarina, a Comissão Guarani Nhemonguetá, com o apoio da ARPINSUL, enviou carta aos membros da CNPI para pressionar o ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, para rever sua decisão. O CIMI também apresentou nota de repúdio, depois que a matéria foi discutida neste Blog e causou grande impacto no meio indigenista e indígena.

Tudo indica que a diretoria fundiária da Funai está de cabeça zonza diante desse acontecimento. Não esperava que o ministro fosse revogar sua própria portaria. Também não se sabe porque três portarias foram assinadas em setembro do ano passado e a quarta só em junho deste ano. A que se deve o atraso?

O mal estar na Funai é muito grande e tem gente querendo se descolar dessa contradição. Muitos sentem que algo está errado nos procedimentos estabelecidos nos últimos três anos, e o resultado tem sido a frustração de terras contestadas. Apesar do esforço intelectual de alguns, os argumentos antropológicos das portarias carecem de melhor fundamento e não encontram recepção nos tribunais. Os indigenistas e antropólogos mais conceituados que trabalham ou já trabalharam na diretoria fundiária sabem que isso é que está provocando as contestações dos advogados e juízes. As advertências feitas por eles e pelos administradores locais, alguns que foram responsáveis por demarcações difíceis, não têm adiantado para nada. Segue ininterrupta a irresponsabilidade do ilusionismo da atual direção da Funai.

O grande medo que vem abalando indigenistas e antropólogos, bem como os próprios índios, é que isso reflita um verdadeiro tsunami anti-indigenista do segundo governo Lula que desemboque numa situação sem saída. Não que o Lula seja anti-indígena, mas que a atuação errática e ilusionista da Funai e suas ONGs acólitas (sem dúvida protegidos pela Casa Civil) redundou no recrudescimento do espírito anti-indigenista presente no Brasil, com argumentos que agora encontram eco no próprio governo, especialmente na questão do fortalecimento do agro-negócio e nos empreendimentos de infra-estrutura da Amazônia. Lembremos que o licenciamento de Belo Monte foi dado pela atual direção da Funai antes do IBAMA tomar sua própria decisão. Além do mais, foi dado sem que houvesse a devida consulta aos índios nem a sua comunicação formal de que isto seria feito. Daí a revolta de muitas comunidades indígenas, embora, pelo que se saiba, na região de Altamira a maioria das lideranças indígenas está conformada, apenas revoltada com a extinção de sua Administração.

O que fará o próximo governo com tantas promessas incumpridas e com tantas dificuldades para remendar o que foi rasgado?

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À CNPI – COMISSÃO NACIONAL DE POLÍTICA INDIGENISTA.

            Estimados senhores

            A comissão Guarani Nhemonguetá, que representa as comunidades Guarani em Santa Catarina vem a esta Comissão Nacional denunciar o ato do Sr. Ministro de Justiça e pedir o vosso apoio.
            Na última terça-feira, 24 de agosto de 2010, o Sr. Ministro da Justiça  Luiz Paulo Barreto publicou no DOU a Portaria n 2.564 suspendendo os efeitos da Portaria nº 2.747, de 20 de agosto de 2009, publicada no DOU de 21 de agosto de 2009, Seção 1, que declarou de posse permanente do Grupo Indígena Guarani Mbyá a Terra Indígena TARUMÃ; da Portaria nº 2.813, de 21 de agosto de 2009, publicada no DOU de 24 de agosto de 2009, Seção 1, que declarou de posse permanente do Grupo Indígena Guarani Mbyá a Terra Indígena MORRO ALTO; da Portaria nº 2.907, de 01 de setembro de 2009, publicada no DOU de 02 de setembro de 2009, Seção 1, que declarou de posse permanente do Grupo Indígena Guarani Mbyá a Terra Indígena PIRAI; e da Portaria nº 953, de 04 de junho de 2010, publicada no DOU de 07 de junho de 2010, Seção 1, que declarou de posse permanente do Grupo Indígena Guarani Mbyá a Terra Indígena PINDOTY, todas localizadas no litoral norte catarinense.
            O argumento apresentado pelo Sr. Ministro para suspender as portarias, é para cumprir “à decisão liminar proferida nos autos da Ação Ordinária nº 2009.72.01.005799-5, pelo Juízo da 1ª Vara Federal de Joinville”. Ocorre que essa ação judicial é em liminar e em primeira instância, cabendo recursos.
            É notória a pressão que empresários locais exercem sobre a Funai e Ministério da Justiça, porque as terras Guarani são ocupada por empresários que as mantém para especulação imobiliária; também há diversos grandes projetos em andamento na região, que a na visão empresarial os indígenas atrapalham, como a duplicação da BR 280, Porto de Laranjeiras, contorno ferroviário, “projeto intermodal” ( conjunto de aeroporto, porto e parque industrial). Certamente o Ministro tomou essa decisão para atender, além dos interesses econômicos, interesses políticos de candidatos a governo do estado, que desejam que as obras sejam executadas o mais rapidamente.
            Por outro lado sabemos que muitas terras indígenas no Brasil sofrem embargos judiciais e se em cada caso o executivo federal tomar atitudes como esta do Sr. MJ, nenhuma TI será mais demarcada nesse país.
            Pedimos o apoio da CNPI para interceder junto ao Ministro da Justiça no sentido de rever a posição, manter as portarias e continuar atuando judicialmente na defesa de nossas terras.

            Atenciosamente

Geraldo Moreira
P/Coordenação da Comissão Nhemonguetá

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Ministro da Justiça suspende quatro portarias de demarcação de terras Guarani

Caros leitores e participantes desse Blog,

Peço-lhes a atenção para esse breve análise sobre a situação de demarcação de terras indígenas. Nossa análise é corroborada por três documentos importantes, por simbólicos, que tratam de portarias e despachos de juiz sobre a frustrada demarcação de terras indígenas dos índios Guarani de Santa Catarina.

O primeiro documento é um despacho do ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, suspendendo os efeitos de quatro portarias de demarcação assinadas (3) pelo ex-ministro Tarso Genro e (1) por ele próprio!

Ei-la:


PORTARIA No 2.564, DE 23 DE AGOSTO DE 2010

O MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA, em cumprimento à decisão liminar proferida nos autos da Ação Ordinária no 2009.72.01.005799-5, pelo Juízo da 1a Vara Federal de Joinville, resolve: 

SUSPENDER os efeitos da Portaria no 2.747, de 20 de agosto de 2009, publicada no DOU de 21 de agosto de 2009, Seção 1, que declarou de posse permanente do Grupo Indígena Guarani Mbyá a Terra Indígena TARUMÃ; da Portaria no 2.813, de 21 de agosto de 2009, publicada no DOU de 24 de agosto de 2009, Seção 1, que declarou de posse permanente do Grupo Indígena Guarani Mbyá a Terra Indígena MORRO ALTO; da Portaria no 2.907, de 01 de setembro de 2009, publicada no DOU de 02 de setembro de 2009, Seção 1, que declarou de posse permanente do Grupo Indígena Guarani Mbyá a Terra Indígena PIRAI; e da Portaria no 953, de 04 de junho de 2010, publicada no DOU de 07 de junho de 2010, Seção 1, que declarou de posse permanente do Grupo Indígena Guarani Mbyá a Terra Indígena PINDOTY.

LUIZ PAULO BARRETO


Adicione-se a essa informação o tamanho das terras indígenas propostas e a população nelas presentes, de acordo com as respectivas portarias demarcatórias:


Terra Indígena Morro Alto: Extensão:  893 hectares População: 49 pessoas 
Terra Indígena Piraí: Extensão: 3.017 hectares População: 63 pessoas
Terra Indígena Corveta/Tarumã: 2.172 hectares População: 17 pessoas 
Terra Indígena Pindoty/Jabuticabeira: Extensão: 2.016 hectares População: 73 pessoas


A primeira pergunta que nos vem à cabeça é: Por que o ministro teria suspendido quatro portarias demarcatórias, inclusive uma dele próprio? Sua assessoria não foi capaz de verificar o que ele estava assinando? Sua Excelência, tão cuidadoso que é nas suas decisões, não leu o que estava assinando? Ou Sua Excelência está em má disposição com as decisões do ex-ministro Tarso Genro? Ou ainda, Sua Excelência tem algum problema com a demarcação de terras indígenas? Ou, por fim, há conflito de visões entre Sua Excelência e a direção atual da Funai?

Não sei qual dessas hipóteses é a mais correta, ou se, no fundo, todas têm seu traço de verdade. O fato é que o ministro Luiz Paulo achou por bem e por dever ministerial suspender essas portarias e em função disso teve discussões ásperas com a atual direção da Funai, com ameaças inclusive de demissão.

Entretanto, o ministro Luiz Paulo Barreto teve um motivo sério e intransponível, em sua visão, para suspender essas portarias. Acontece que a associação de proprietários de terras dos municípios de Araquari e São Francisco do Sul entrou em juízo contestando a validade dessas portarias por vários motivos.

O documento que segue abaixo é exatamente uma cópia, resumida em alguns pontos, do despacho do juiz federal de Joinville, SC, sobre essa questão. É longa, com argumentos diversos, e com a justificativa dada pelo juiz do porquê de sua decisão. Vale a pena ler com cuidado porque, na verdade, esses argumentos estão sendo usados de parte a parte em diversos casos de demarcação de terras pelo Brasil a fora. Assim está acontecendo com a terra dos índios Tupinambá, no sul da Bahia, com os Tumbalalá, no rio São Francisco, com os Anacé, do norte do Ceará, para citar apenas alguns.

É importante, portanto, acompanhar essa discussão, conhecer os argumentos trazidos pela AGU/Funai, os dados apresentados, os ajuntados pelo MPF, e como foram rebatidos ponto a ponto pelo juiz federal.

É importante reconhecer a barafunda em que a questão indígena brasileira mergulhou, nos últimos três anos e meio. A atual direção da Funai, com seus acólitos e ilusionistas, levou a problemática indígena a uma situação calamitosa. O órgão está esquartejado e sangrando nas regiões onde mais se necessita de assistência. Em Brasília andar pelos corredores da Funai é como um labirinto obscuro do Minotauro.

Já na questão da demarcação a atual direção da Funai e seus ilusionistas ineptos à atuação política e histórica brasileira provocaram o Judiciário brasileiro de tal forma que passou a tomar medidas tão enérgicas que estão inviabilizando a demarcação de quaisquer terras indígenas. A decisão sobre a T.I. Raposa Serra do Sol veio com uma série de ressalvas que estão sendo usadas agora pelos juízes para deferir argumentos e ações de terceiros contra quaisquer interesses indígenas. Os relatórios apresentados pelos GTs da Funai, dirigidos de cima por motivos mais ideológicos do que indigenistas, carecem de estudos sérios e se apresentam com tal ingenuidade e fraqueza antropológica que não conseguem convencer o menos traquejado e benemérito juiz federal. Por sua vez, quando contestado em alguns detalhes, a atual direção da área fundiária da Funai não consegue reconhecer seus erros e voltar atrás, procurando uma solução boa para os índios que não comprometa o órgão em sua ação, mas que também não paralise por definitivo o processo de demarcação de terras indígenas. Ao final, não demarcam nada, e os índios é que perdem.

Esse estado de desarrumação está acontecendo com a demarcação de terras dos índios Guarani, tanto no Mato Grosso do Sul quanto em Santa Catarina, quanto em São Paulo e no Paraná; está acontecendo com os Kaingang do Paraná; e também com diversas situações no Nordeste. Onde quer que a atual direção da área fundiária da Funai meta os pés criam-se situações de oposição tal que tudo fica parado a meio caminho. E o pior, a parada é permanente, provocada por contra-argumentos cada vez mais seguros não só dos advogados das partes interessados, como por parte dos juízes, e pela incapacidade de auto-crítica, reformulação e negociação da direção fundiária da Funai.

 Essa situação de descalabro e irresponsabilidade tem que ser estancada. A Funai tem que sobreviver, porque ela é importante para os índios. Não dá para jogar fora 100 anos de indigenismo rondoniano por causa de um pequeno grupo de pessoas com mentalidade neoliberal, mas também autoritária, autocrática, ilusionista e messiânica que acha que pode tudo pela força da insensatez. A atual direção da Funai tem comprometido o governo Lula, deixando-o numa situação de ser acusado até por aliados, como o CIMI, com sendo anti-indígena. O pior dos governos nos últimos anos para os indígenas, dizem as crônicas publicadas na revista do CIMI, por exemplo! Os atos que supostamente convocam a participação indígena, como as reuniões da CNPI, ou as solenidades com a presença do indefectível Akyaboro, são acintes à consciência crítica do indigenismo brasileiro e dos povos indígenas.

A demarcação de terras indígenas é a ponta do iceberg desse descalabro. Não mais do que seis terras indígenas foram regularmente demarcadas nesses últimos três anos e meio, com um total de 13 terras indígenas homologadas (todas essas, a propósito, demarcadas na minha administração, ou até antes). No primeiro governo Lula foram 31 terras indígenas demarcadas pelo ministro Márcio Thomas Bastos, 51 portarias de delimitação e 66 terras indígenas homologadas.

Para melhor compreender o teor dos argumentos de parte a parte e o cataclisma que chegou aos povos indígenas em matéria de incapacidade de ação indigenista efetiva, aproveitem e leiam os argumentos das partes e a decisão do juiz federal sobre as terras dos índios Guarani.

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AÇÃO ORDINÁRIA (PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO) Nº 2009.72.01.005799-5/SC
AUTOR
:
ASSOCIAÇÃO DOS PROPRIETÁRIOS, POSSUIDORES E INTERESSADOS EM IMOVEIS NOS MUNICIPIOS DE ARAQUARI E DA REGIÃO NOR
ADVOGADO
:
JOAO JOAQUIM MARTINELLI
RÉU
:
UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
:
FUNDACAO NACIONAL DO INDIO - FUNAI











DECISÃO (liminar/antecipação da tutela)











Vistos, etc.


Associação dos Proprietários, Possuidores e Interessados em Imóveis nos Municípios de Araquari e da Região Norte/Nordeste de Santa Catarina, Pretendidos para Assentamento Indígena - ASPI ajuíza ação ordinária contra a UNIÃO e a Fundação Nacional do Índio - FUNAI, buscando a anulação das Portarias 2.813/09, 2.907/09 e 2.747/09, exaradas pelo Ministro da Justiça, bem como de todos os demais atos administrativos praticados no intuito de criar as reservas indígenas do Piraí, Tarumã, Morro Alto e Pindoty.

Em antecipação dos efeitos da tutela requer a suspensão dos efeitos dos referidos atos administrativos para proibir as rés de tomarem qualquer medida no sentido de remover os associados de suas respectivas posses e/ou propriedades.

Disse que em 1996 iniciou-se o processo para demarcação das terras indígenas no litoral norte de Santa Catarina, motivado pelos trabalhos de duplicação da BR 101.

O primeiro grupo de trabalho, formado para identificação e delimitação das terras ocupadas pelos índios Guarani Mbyá, concluiu que não se tratavam de áreas de ocupação tradicional, mas sim de terras elegíveis para demarcação e futura compra para alocação dos índios que viviam espalhados em diferentes localidades ao longo do litoral.

Um novo grupo de trabalho foi constituído e, desta feita, concluiu pela tradicionalidade das áreas em questão. O relatório foi publicada no Diário Oficial da União através do despacho do Presidente da FUNAI sob ns. 16, 17, 18 e 19 em 12 e 27 de maio de 2008, a partir de quando foi aberto prazo de defesa para os possíveis atingidos com a demarcação.

Os proprietários / possuidores que tomaram conhecimento do fato uniram-se através da ASPI e apresentaram defesa administrativa, que foi rejeitada.

Foram, então, editadas as Portarias 2.813/09, 2.907/09 e 2.747/09 do Ministério da Justiça, declarando a tradicionalidade ocupacional das áreas Tarumã, Morro Alto e Piraí, determinando a posse permanente das terras aos índios Guarani Mbyá. Apenas a Reserva Indígena do Pindoty ainda não foi objeto de portaria ministerial, apesar de fazer parte do processo de demarcação.

Alega a autora que as terras em questão não são de ocupação tradicional dos índios Guarani Mbyá e, além disso, o processo administrativo possui vícios que o invalidam.

Aponta os seguintes vícios no procedimento de demarcação:

a) violação ao princípio da ampla defesa e do contraditório:
Segundo a ASPI, seus associados somente foram intimados acerca das conclusões do relatório, que foram publicas no Diário Oficial da União através do despacho do Presidente da FUNAI sob ns. 16, 17, 18 e 19, em 12 e 27 de maio de 2008, quando apresentaram defesas administrativas que foram julgadas improcedentes.

Alega que seus associados não foram intimados de todos os atos do processo, não acompanharam as declarações das testemunhas, não acompanharam os estudos, os levantamentos e a elaboração dos laudos e não tiveram oportunidade de manifestação no momento adequado em franca violação ao princípio da ampla defesa e do contraditório.

Sustenta que a oportunidade de defesa inserta no art. 9º do Decreto 1775/96 não é suficiente para resguardar o direito à ampla defesa e ao contraditório, pois permite a manifestação das partes envolvidas apenas no fim dos procedimentos de demarcação, após a conclusão dos estudos, levantamentos e elaboração de laudo antropológico.

b) Laudo da FUNAI:
Segundo a ASPI, os estudos realizados pela ONG CTI - Centro de Trabalho Indígena devem ser considerados suspeitos, posto que financiada pela Rainforest Foundation - organização internacional inglesa com nítidos propósitos de usurpação das funções estatais brasileiras, especialmente a FUNAI. Afirma que as antropólogas Maria Auxiliadora Cruz de Sá Leão e Maria Inês Ladeira, que participaram dos estudos para demarcação das terras eram, respectivamente, diretora e coordenadora desta ONG, que como parte interessada na demarcação e não poderia estar envolvida nos estudos.

c) não tradicionalidade das terras demarcadas - Desvio de Finalidade e Abuso de Poder - Violação do art. 37 da CF/88.
Alega a autora que para que seja declarada a tradicionalidade da terra indígena, o art. 231 da CF/88 exige o atendimento cumulativo de quatro requisitos: serem por eles habitadas em caráter permanente; serem por eles utilizadas para suas atividades produtivas; serem imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar; serem necessárias a sua reprodução física e cultural.

Destaca que o parecer da antropóloga da FUNAI, Iane Andrade Neves concluiu pela não-tradicionalidade das terras, pois nada foi encontrado nos locais que pudesse significar terra de ocupação tradicional. Segundo a antropóloga, as terras de Santa Catarina são meramente de passagem, e que o destino dos índios é o litoral paulista, do Rio de Janeiro e Espírito Santo. No caso, os índios não são brasileiros, vieram de outras regiões (Paraguai e Argentina) não possuindo vínculo com as reservas delineadas. Eram nômades até a efetivação do assentamento levado a cabo por forças alheias à sua própria vontade, não se caracterizando a perdurabilidade da ocupação indígena.

d) abrangência e finalidade da ocupação.
Alega a autora que as terras em questão são ocupadas há mais de um século por não índios, e não representam ambientes necessárias à reprodução física e cultural, suficientes ao desenvolvimento dos usos, costumes, tradição e, sobretudo, meio para garantir a subsistência possível e autônoma dos agrupamentos indígenas, restando afastada, desta forma, a finalidade da ocupação.

e) princípio da proporcionalidade / razoabilidade.
Alega a autora que a demarcação de aproximadamente 9 mil hectares a serem distribuídos entre 333 índios fere o princípio da proporcionalidade / razoabilidade, mormente em se considerando as peculiaridades da região caracterizada por minifúndios, bem diferente das demarcações de terras indígenas na Amazonas, Pará e em outras regiões gigantescas do país.

f) marco temporal.
Sustenta que para delimitação das terras indígenas, seria necessário que à época da promulgação da Constituição, os índios, que devem ser necessariamente brasileiros, estivessem ocupando as glebas objeto das demarcações.

g) direito de propriedade / cadeia dominial.
Os títulos de propriedade dos associados remontam há décadas e comprovam que se trata de terras privadas, de ocupação tradicional de não-índios.

Posterguei a análise do pedido liminar para depois das contestações (fls. 112).

Citados, os réus apresentaram contestação.

Fundação Nacional do Índio - FUNAI sustentou, preliminarmente: a) que a autora não possui legitimidade para representar em juízo seus associados, pois que não comprovou a realização de assembléia, ata ou relação nominal autorizando a propositura da demanda; b) a ausência de prova imprescindível à propositura da ação; c) a impossibilidade de invasão do mérito administrativo.

Disse que o Decreto n. 22/91 não previa em qualquer das fases do procedimento administrativo demarcatório o contraditório e a ampla defesa. Tal dispositivo foi revogado pelo Decreto 1.775/96 que prevê a participação dos particulares e demais interessados no processo de formação da convicção administrativa. Para os procedimentos demarcatórios já em curso na data da publicação do decreto 1.775/96, o art. 9º do referido dispositivo possibilitou aos interessados contraditar administrativamente todo o procedimento no prazo de 90 (noventa) dias da publicação do Decreto.

Sustenta que a configuração sistemática do direito de posse dos índios sobre a terra não é a inventada imemorialidade, pois a posse indigenata não decorre da sua duração no tempo, nem do caráter longínquo dos tempos em que se iniciou. Resulta, sim, dos requisitos do art. 231, §1º, da Constituição Federal, isto é, da forma de relação do índio com a terra. É a maneira como se dá essa relação que dá ensejo a estudos e levantamentos, principalmente de natureza antropológica, por parte da FUNAI, visando a demarcação da terra indígena, e não ao seu reconhecimento, pois este é o contemporâneo ao fato da ocupação. O termo em "caráter permanente" do art. 231, §1º da CF, é expressão voltada ao futuro, não diz respeito ao caráter imemorial da situação presente ou passada.
Sustentou a impossibilidade de se desconsiderar o procedimento administrativo já efetuado de demarcação da terra indígena, ante a presunção de veracidade do ato administrativo e a complexidade dos aspectos envolvidos.

Disse que o procedimento de identificação, delimitação e demarcação das terras indígenas obedeceu aos longos, porém, prudentes prazos do Decreto 1.775/96 e a demarcação é o resultado de um demorado estudo que envolve aspectos etno-históricos, sociológicos, jurídicos, cartográficos, ambientais e fundiários.

Destacou que a interpretação do termo "passado remoto" constante da Súmula 650 do STF deve ser realizada dentro do contexto dos votos que deram origem ao enunciado (fls. 123/161).

União defendeu, preliminarmente, a ausência de pressuposto processual, tendo em vista que inexiste comprovada e segura pertinência temática entre o objeto da ação e a finalidade institucional da autora.

No mérito informou que o Grupo de Trabalho constituído em 1998 concluiu pela eleição das terras como solução adequada para o caso dos Guarani Mbyá, preterindo a possibilidade de demarcação, dado que a tradicionalidade não pôde ser caracterizada nos pontos visitados pelos antropólogos.

Como havia entendimento divergente dentro do próprio grupo de trabalho, a FUNAI constituiu através da portaria 428/PRES/2003 novo grupo técnico, cujos estudos resultaram no "Relatório Circunstanciado de identificação e Delimitação das Terras Indígenas Piraí, Tarumã, Morro alto e Pindoty", que evidenciou a caracterização do uso tradicional das terras pelos índios, que não necessariamente se vincula à imemorialidade.

Alega que não há controvérsia evidenciada entre o primeiro relatório que optou pela eleição da Terra Indígena Piraí e o Relatório Circunstanciado, que constatou a tradicionalidade da ocupação Guarani.
Sustenta que o ato administrativo de elaboração do Relatório Circunstanciado do segundo grupo de trabalho importou em revogação tácita do primeiro relatório e que um relatório preliminar não tem o condão de infirmar outros posteriores.

Igualmente, não subsiste o argumento apresentado pela autora da inexistência de ocupação tradicional indígena, por constatar-se existência de indígenas na área somente a partir da década de 90, tendo em vista que a caracterização de tradicionalidade não requer necessariamente a imemorialidade da ocupação, podendo ser configurada através do uso tradicional dado à terra na subsistência física e cultural do grupo indígena.

Segundo a União, o procedimento de demarcação obedeceu os requisitos exigidos pelo Decreto 1175/96 e não houve ofensa ao direito de propriedade, visto que os integrantes da autora não poderiam ser proprietários de terras que são de propriedade da União, devido a direito originário dos indígenas.

Destaca a existência da Ação Civil Pública 2002.72.01.002869-1, que tramitou perante a 2ª Vara Federal de Joinville, e na qual foi proferida sentença determinando que a União e a FUNAI deveriam identificar e demarcar todas as terras indígenas dos índios Guarani situadas nos municípios sujeitos à jurisdição da Subseção Judiciária de Joinville. A sentença foi mantida pelo TRF4ª Região, bem como pelo STJ - não há trânsito em julgado. Desse modo a pretensão da autora colide com a obrigação imposta pela Justiça Federal à União e à FUNAI (fls. 171/186).

Ministério Público Federal requereu seu ingresso no feito na condição de fiscal da lei (fl. 311). O pedido foi deferido (fl. 312).

MPF veio aos autos, sustentando a existência de conexão entre o presente feito e as Ações Ordinárias 2009.72.01.005289-4 e 2009.72.01.005568-8, em curso na 2ª Vara Federal de Joinville.
No mérito, defendeu a regularidade do procedimento administrativo de demarcação e que a mera apresentação de laudo firmado por antropólogo contratado pela associação-autora não é hábil, por si só, para afastar a legitimidade dos indicativos de tradicionalidade da ocupação indígena das áreas afirmados pelos antropólogos integrantes do Grupo Técnico constituído pela FUNAI.

Destacou que as alegações de suspeição dos integrantes do grupo Técnico baseiam-se em meras ilações da associação-autora, não havendo fato concreto a demonstrar até aqui a existência de dolo, má-fé ou fraude na atuação de qualquer dos profissionais do grupo.

Anotou que as identificações e demarcações realizadas pela FUNAI vão ao encontro da r. sentença exarada nos autos da ACP 2002.72.01.002869-1 (2ª Vara Federal de Joinville) que condenou a União e a FUNAI à obrigação consistente em identificar e demarcar todas as terras indígenas dos índios Guarani situadas nos Municípios pertencentes à jurisdição desta Subseção Judiciária.

Alegou que não é possível concluir, neste momento, de forma segura, pela verossimilhança do direito alegado em desfavor dos indígenas à vista da tradicionalidade da ocupação apontada em procedimento administrativo próprio. Ademais, a despeito da edição das Portarias Ministeriais guerreadas, não há prova de ato concreto material a determinação alguma afetação real do exercício da posse/domínio pelos associados da autora, tampouco informação de deflagração do levantamento dos ocupantes das áreas para o processo indenizatório das benfeitorias (fls. 314/320).

A autora noticiou a edição da Portaria 953 que declarou a posse permanente do grupo indígena Mbyá sobre a terra Pindoty (fls. 376/379).

Relatados. Decido.

1. Conexão.
Não há conexão entre o presente feito e as Ações Ordinárias 2009.72.01.005289-4 e 2009.72.01.005568-8, ambas em curso na 2ª Vara Federal de Joinville (fls. 321/325), considerando que, embora também lá figurem a União e FUNAI no pólo passivo das lides, os autores são distintos.

2. Legitimidade ativa.
O art. 5º, inciso XXI, da CF/88, confere às associações de classe a legitimidade ativa para agir em juízo na defesa de seus associados, desde que expressamente autorizadas, sendo que a aplicação deste dispositivo restou disciplinada pelo §único do art. 2º-A da Lei 9494/97, incluído pela MP 2.180/35/2001, que assim dispõe:

art. 2º-A: (...)
Parágrafo único. Nas ações coletivas propostas contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas autarquias e fundações, a petição inicial deverá obrigatoriamente estar instruída com a ata da assembléia da entidade associativa que a autorizou, acompanhada da relação nominal dos seus associados e indicação dos respectivos endereços. (Parágrafo incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 24.8.2001)

Pois bem.

Segundo o art. 3º de seu estatuto, a autora, Associação dos Proprietários, Possuidores e Interessados em Imóveis nos Município de Araquari e da Região Norte/Nordeste de Santa Catarina, Pretendidos para Assentamento Indígena - ASPI, tem como finalidade (fl. 03 do anexo 1):

"A Associação tem por finalidade congregar os proprietários, possuidores e interessados em imóveis que estão em áreas de demarcação de terras indígenas localizadas nos Município de Araquari, São Francisco do Sul e Região, a fim de promover e lutar pelo interesse do bem comum destes, representando-os judicialmente ou extrajudicialmente".

A autora também juntou aos autos cópia da Ata da Assembléia Geral que autorizou o ajuizamento da ação ordinária (fl. 16 do anexo 1). Constou da referida ata:

"Por isso é muito importante que os proprietários envolvidos se associem na associação para juntos entrarmos com ação judicial. Onde o mesmo fez uso da palavra para fazer a votação para que a associação possa representar seus associados com ação judicial, sendo que todos os presentes acataram a proposta por unanimidade."

A autora também trouxe a relação dos associados (fls. 08/09) e juntou o cadastro de filiação com os endereços dos associados (fls. 19/135 do anexo 1).

Assim, a parte autora é parte legítima para representar seus associados e figurar no pólo ativo de demanda.

3. As alegações de ausência de prova imprescindível à propositura da ação e impossibilidade de invasão do mérito administrativo, dizem com o próprio mérito da lide, onde serão examinados no momento processual oportuno.

4. Passo agora ao exame do pedido de antecipação dos efeitos da tutela.
A autora apontou a existência de diversos vícios no procedimento de demarcação e, em antecipação dos efeitos da tutela requereu a suspensão dos efeitos dos atos administrativos que resultaram na declaração as Terras Indígenas do Piraí, Tarumã, Morro Alto e Pindoty, como de posse do grupo indígena Guarani Mbyá, para proibir as rés de tomar qualquer medida no sentido de remover os associados de suas respectivas posse/propriedade.

Pois bem.

Dentre as questões de mérito postas nos autos, parece-me suficiente para análise do pedido liminar, limitar a discussão acerca da "tradicionalidade da posse indígena" das áreas em questão.
As demais questões postas nos autos serão analisadas quando da prolação da sentença.

4.1. A Constituição Federal reconhece aos índios os direitos originários sobre as terras tradicionalmente por eles ocupadas.

É o que dispõe o § 1º do art. 231 da Carta Constitucional:

Art. 231 - São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

§ 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

§ 2º - As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

A questão envolvendo a demarcação das terras indígenas está, por certo, dentre as que mais afligem os poderes públicos do país. Não são poucas as notícias diariamente veiculadas pelos meios de comunicação dando conta de conflitos existentes entre índios e colonos nos mais diversos recantos do Brasil. As mortes de garimpeiros no Norte do País não deixam dúvidas sobre esse contencioso entre os índios e os brancos. Por certo a questão não é de fácil deslinde fático.

Em julgado do STJ (DJU 17.05.04), o Ministro José Delgado, Relator da MC 6.480/BA, considerou que "é fato que se reconhece a garantia constitucional ao direito indígena sobre as terras "tradicionalmente" por eles ocupadas (art. 231, CF/88). Contudo também é certa a garantia constitucional ao direito de propriedade (art. 5º, inciso XXII) e aos instrumentos assecuratórios desse direito".

Mister citar o balizamento interpretativo sobre o significado da ocupação "tradicional" das terras pelos índios, assentado na Súmula 650 do Supremo Tribunal Federal: "Os incisos I e XI do art. 20 da CF não alcançam terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto".

O artigo 20, ao arrolar os bens da União, nos incisos I e XI da CF, menciona que são bens da União, respectivamente, "os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos" e "as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios".

Com a súmula, agora, deve-se entender que, os terrenos de aldeamentos extintos não pertencem atualmente à União, e embora possam ter sido ocupadas, em tempos idos, pelos índios tais terras, não mais o são, e que se o aldeamento foi extinto, não mais se trata de terra tradicionalmente ocupada pelos índios.

Veja-se da ementa de precedente que serviu de supedâneo para a edição do verbete sumular:

"BENS DA UNIÃO - TERRAS - ALDEAMENTOS INDÍGENAS - ARTIGO 20, INCISOS I E XI, DA CARTA DA REPÚBLICA - ALCANCE.

As regras definidoras do domínio dos incisos I e XI do artigo 20 da Constituição Federal de 1988 não albergam terras que, em passado remoto, foram ocupadas por indígenas" (RE 219983, rel. Min. Marco Aurélio, j. em 09.12.98, DJU 17.09.99).

E de elucidativos trechos desse julgado daquela Corte Suprema, votando o Ministro Relator, colho a evolução constitucional da discriminação das terras da União, e depois, no mesmo corpo de voto, a análise sobre o que se deve entender por terras tradicionalmente ocupadas por índios:
(...)

O constituinte de 1988 mostrou-se preocupado com a situação dos indígenas. Nota-se a inserção, na Carta, de um capítulo sob o título "Dos Índios". Aí, previu-se:

Art. 231 São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e as direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

Ao mesmo tempo, fez-se inserir no artigo 20 da Carta, definidor dos bens da União, não só a regra linear remissiva aos que, à época, lhe pertenciam e os que viessem a lhe ser atribuídos, como também "as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios" (incisos I e XI, que a União tem como vulnerados). A esta altura, cabe indagar: nas previsões das Cartas pretéritas e na da atual, no que alude a ". . terras que tradicionalmente ocupam . .", é dado concluir estarem albergadas situações de há muito ultrapassadas, ou seja, as terras que foram, em tempos idos, ocupadas por indígenas?

A resposta é, desenganadamente, negativa [grifei], considerado não só o princípio da razoabilidade, pressupondo-se o que normalmente ocorre, como também a própria letra dos preceitos constitucionais envolvidos. Os das Cartas anteriores, que versaram sobre a situação das terras dos silvícolas, diziam da ocupação, ou seja, de um estado atual em que revelada a própria posse das terras pelos indígenas. O legislador de 1988 foi pedagógico. Após mencionar, na cabeça do artigo 231, a ocupação, utilizando-se da expressão "... as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens", veio, no § 1° desse mesmo artigo, a definir o que se entende como terras tradicionalmente ocupadas. Atente-se para a definição, no que, ante a necessidade de preservar-se a segurança jurídica, mais uma vez homenageou a realidade: § 10. São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para as suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
Ainda. Em recente julgado no caso da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (PET 3388), o STF assentou: (...)

11. O CONTEÚDO POSITIVO DO ATO DE DEMARCAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS. 

11.1. O marco temporal de ocupação. A Constituição Federal trabalhou com data certa -- a data da promulgação dela própria (5 de outubro de 1988) -- como insubstituível referencial para o dado da ocupação de um determinado espaço geográfico por essa ou aquela etnia aborígene; ou seja, para o reconhecimento, aos índios, dos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. 

11.2. O marco da tradicionalidade da ocupação. É preciso que esse estar coletivamente situado em certo espaço fundiário também ostente o caráter da perdurabilidade, no sentido anímico e psíquico de continuidade etnográfica. Atradicionalidade da posse nativa, no entanto, não se perde onde, ao tempo da promulgação da Lei Maior de 1988, a reocupação apenas não ocorreu por efeito de renitente esbulho por parte de não-índios. Caso das "fazendas" situadas na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, cuja ocupação não arrefeceu nos índios sua capacidade de resistência e de afirmação da sua peculiar presença em todo o complexo geográfico da "Raposa Serra do Sol". 

11.3. O marco da concreta abrangência fundiária e da finalidade prática da ocupação tradicional. Áreas indígenas são demarcadas para servir concretamente de habitação permanente dos índios de uma determinada etnia, de par com as terras utilizadas para suas atividades produtivas, mais as "imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar" e ainda aquelas que se revelarem "necessárias à reprodução física e cultural" de cada qual das comunidades étnico-indígenas, "segundo seus usos, costumes e tradições" (usos, costumes e tradições deles, indígenas, e não usos, costumes e tradições dos não-índios). Terra indígena, no imaginário coletivo aborígine, não é um simples objeto de direito, mas ganha a dimensão de verdadeiro ente ou ser que resume em si toda ancestralidade, toda coetaneidade e toda posteridade de uma etnia. Donde a proibição constitucional de se remover os índios das terras por eles tradicionalmente ocupadas, assim como o reconhecimento do direito a uma posse permanente e usufruto exclusivo, de parelha com a regra de que todas essas terras "são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis" (§ 4º do art. 231 da Constituição Federal). O que termina por fazer desse tipo tradicional de posse um heterodoxo instituto de Direito Constitucional, e não uma ortodoxa figura de Direito Civil. Donde a clara intelecção de que OS ARTIGOS 231 E 232 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL CONSTITUEM UM COMPLETO ESTATUTO JURÍDICO DA CAUSA INDÍGENA. 

11.4. O marco do conceito fundiariamente extensivo do chamado "princípio da proporcionalidade". A Constituição de 1988 faz dos usos, costumes e tradições indígenas o engate lógico para a compreensão, entre outras, das semânticas da posse, da permanência, da habitação, da produção econômica e da reprodução física e cultural das etnias nativas. O próprio conceito do chamado "princípio da proporcionalidade", quando aplicado ao tema da demarcação das terras indígenas, ganha um conteúdo peculiarmente extensivo. 

12. DIREITOS "ORIGINÁRIOS". Os direitos dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam foram constitucionalmente "reconhecidos", e não simplesmente outorgados, com o que o ato de demarcação se orna de natureza declaratória, e não propriamente constitutiva. Ato declaratório de uma situação jurídica ativa preexistente. Essa a razão de a Carta Magna havê-los chamado de "originários", a traduzir um direito mais antigo do que qualquer outro, de maneira a preponderar sobre pretensos direitos adquiridos, mesmo os materializados em escrituras públicas ou títulos de legitimação de posse em favor de não-índios. Atos, estes, que a própria Constituição declarou como "nulos e extintos" (§ 6º do art. 231 da CF). 

Como se vê, a questão relativa à ocupação/tradicionalidade da terra indígena apesar de difícil mensuração, é de vital importância no processo de demarcação das terras tidas por tradicionalmente ocupadas (art. 231 da CF).

4.2 No caso posto nos autos, a controvérsia acerca da tradicionalidade das terras declaradas como de posse permanente do Grupo Indígena Guarani Mbyá deflui dos relatórios dos grupos de trabalhos formados para a verificação e delimitação da área.

O relatório do primeiro grupo técnico de trabalho concluiu que as áreas em questão não se caracterizavam como de tradicional ocupação pelos Guarani Mbyá, optando pela eleição da área para formação das reservas indígenas.

Já, o segundo grupo de trabalho concluiu pela demarcação das terras indígenas em questão nos termos do art. 231 da CF, por restarem caracterizadas como tradicionalmente ocupadas pelos Guarani Mbyá.

Importante, para a análise do pedido de antecipação da tutela, a transcrição de parte dos citados relatórios.

Colho do Despacho do Presidente da FUNAI publicado no DOU 223 de 19.11.2002, que aprovou as conclusões do primeiro grupo de trabalho, consubstanciado no "Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena", realizado com base no Resumo do Relatório de Eleição da Reserva Indígena, de autoria dos antropólogos Iane Andrade Neves e Eliane da Silva Souza Pequeno (fls. 154/157 do anexo 1):

"II.2. Histórico da Presença Guarani na Reserva Indígena Morro Alto.

No Estado de Santa Catarina existem grupos familiares Guarani Mbyá situados do litoral ao extremo oeste. Entretanto neste trabalho, só foram realizadas visitas e levantamentos dos Guarani que se encontravam nos municípios incidentes na faixa de influência da BR-101, como Navegantes, Barra Velha, Araquari, São Francisco do Sul, Joinville, Guaramirim, Itajaí, Guabiruba e Barra do Sul.
Quanto à ocupação na Reserva Indígena Morro Alto, é preciso esclarecer ela ocorreu da seguinte maneira: quando da ida do grupo técnico a campo, em 1999, a maioria da sua população habitava o ponto denominado nos estudos como Tapera, próximo ao lixão de São Francisco do Sul. A Tapera foi ocupada pela Comunidade Guarani liderada por Benito Oliveira desde janeiro de 1998 e recebeu o nome de Araçaty. O proprietário da área, Dolantino Barreto, consentiu aos Guarani a ocupação do espaço por eles solicitado. (...)

Conclusão.
A trajetória de Benito Oliveira de Pindoty é parte da história da população Guarani da reserva indígena Morro Alto e informativo dos deslocamentos promovidos pela mesmo. Benito Oliveira nasceu em Missiones/Argentina e migrou para o Estado do Rio Grande do Sul há mais de vinte anos, no percurso para leste. Em outubro de 1991, encontravam-se em Planície Alta (Brusque), Município de Guabiruba. Em julho de 1996, já se encontravam em Cananéia, Estado de São Paulo. Não obstante, retornariam para Santa Catarina em outubro do mesmo ano. Ainda na mesma época, ocupam Corveta I (denominada atualmente Tarumã), ponto Figueira e o ponto Tapera. Em 1997 ocupam o ponto Reta e TI Mbiguaçu e, em 1998, o ponto Tapera. Novamente em 1998 parte da comunidade da Tapera ocupa a área eleita, Reserva Indígena Pindoty. (...)

VI. CONCLUSÃO
(...)
A elaboração do Relatório de Eleição da Reserva Indígena Morro Alto se espelhou, outrossim, no §1º do art. 231 da Constituição Federal de 1988, ainda que não se trate de ocupação tradicional, mas por se tratar, da mesma maneira, da garantia de subsistência física e cultural do grupo, bem como da preservação dos usos, costumes e tradições dos índios Guarani Mbyá.

Certamente que o líder religioso e orientador do grupo indígena sonhar com a terra, com a mata, fica cada vez mais difícil, mais restrito, uma vez que a região não tem muitas matas como antes. O espaço se apresenta muito modificado, restringindo os Guarani a determinadas localidades. Os próprios Guarani estão entendo isso e, junto com técnicos membros do GT, procuram definir uma área. A ocupação da Reserva Indígena Morro Alto ocorreu após os estudos do grupo técnico na área, não havendo registro histórico de ocupação anterior aos estudos de campo de 1999. É preciso entender que, para o Guarani, a terra deve ser sonhada, devendo haver uma aprovação de Nhanderu. Entretanto, os Guarani entendem hoje que existe uma 'lei de branco' e como a região é densamente povoada, não é possível ocupar qualquer espaço.

Assim, a eleição de uma reserva passa por um processo de escolha. Não é qualquer terra que pode ser eleita, pois há parâmetros dos índios e parâmetros técnicos para legitimar esse determinado espaço. Aqui, não se aplica o conceito de terra tradicional ocupada por índios, não sendo possível sua identificação como tal.

Segundo o relatório do primeiro grupo de trabalho, a ocupação da área em questão ocorreu na década de 90, através de famílias indígenas advindas de várias regiões do pais e do exterior, não se caracterizando como área de ocupação tradicional, posto não haver registro histórico de ocupação.

Consta do relatório que a definição da área foi feita pelos índios em conjunto com os técnicos do grupo de trabalho, sendo caso de eleição de área para ocupação indígena, por não se caracterizar a tradicionalidade da ocupação.

Neste ponto destaco que a eleição de área indígena encontra previsão no art. 26 da Lei 6.001/73 e consiste na aquisição (compra, doação, desapropriação) de terras para a formação de reserva indígena.

Transcrevo o citado dispositivo legal:

Art. 26. A União poderá estabelecer, em qualquer parte do território nacional, áreas destinadas à posse e ocupação pelos índios, onde possam viver e obter meios de subsistência, com direito ao usufruto e utilização das riquezas naturais e dos bens nelas existentes, respeitadas as restrições legais.
Parágrafo único. As áreas reservadas na forma deste artigo não se confundem com as de posse imemorial das tribos indígenas, podendo organizar-se sob uma das seguintes modalidades:
a) reserva indígena;
b) parque indígena;
c) colônia agrícola indígena.

Por evidente, como ressaltado no parágrafo único acima transcrito, que a área eleita para a formação de reserva indígena não pode ser caracterizada como de tradicional ocupação, pois que, neste caso estaria a União adquirindo um bem que originariamente já lhe pertence (art. 231 da CF).

Prossigo.

As Portarias 428/PRES de 15.05.2003 e 634/PRES de 30.06.2003 do Presidente da FUNAI designaram novo Grupo Técnico de Trabalho para identificação das Terras Indígenas Piraí, Tarumã, Morro Alto e Pindoty (fls. 512/513 do anexo3). O GT apresentou o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Pindoty, do qual colho os seguintes excertos:

"(...) O Grupo Técnico designado pelas Portarias nº 641/PRES/98 e nº 699/PRES/98 encontrou em campo uma situação diversa da expressa em Portaria, e os estudos resultaram na proposta de eleição de três Terras Indígenas: Piraí, Pindoty e Tarumã (a única que constava em Portaria - Corveta I e II). As outras áreas especificadas na Portaria foram consideradas como 'pontos de estadia provisória'. Além dessas terras indígenas, a Terra indígena Morro Alto também teve proposta de eleição através das portarias 990/PRES e nº 1139/PRES.

(...) A eleição de uma terra indígena é baseada na Lei 6.001 de 1973, em seu artigo nº 26, que dispõe:(...).

Na prática, significa a compra da terra por parte da União para o alojamento dos índios. A terra comprada não pode nem deve ser considerada como tradicional com base do Artigo 231 da Constituição Federal, pois nesse caso, não existe compra e sim identificação da área. No caso dos Mbyá do litoral norte de Santa Catarina, foi essa a solução encontrada pelos estudos realizados em 1998.

Entretanto, durante a análise dos relatórios, em duas das quatro terras apontadas, a eleição foi questionada por, no próprio relatório, serem apresentados dados que poderiam comprovar o uso tradicional (uma vez que a tradicionalidade do uso não remete à temporalidade) das áreas que os Mbyá ocupavam. Neste caso encontravam-se as Terras Indígenas Piraí e Tarumã. Foram solicitados então, novos estudos para verificar a tradicionalidade do uso da terra por parte dos Guarani.

As duas outras terras, Pindoty e Morro Alto, tiveram a proposta de compra acatada, seus relatórios aprovados e devidamente publicados. Entretanto, devido a movimento dos próprios índios, que através de cartas solicitavam o cancelamento da eleição das Terras Indígenas Pindoty e Morro Alto, o Presidente da FUNAI cancelou a eleição primeiramente da Terra Indígena Morro Alto e mais tarde, da Terra Indígena Pindoty.

A maior questão levantada pelos relatórios entregues foi quanto à 'tradicionalidade' das terras 'eleitas'.

(...) Existem evidências sobre o território histórico dos Guarani, sendo considerado tanto o sul quanto o litoral do sudeste do Brasil, como parte do grande território dos Guarani, que em alguma hora, já foi ocupada por eles, de acordo com seus preceitos e cultura.

Ficou determinado então, que seriam realizados novos estudos no Litoral norte de Santa Catarina para a identificação das Terras Indígenas Piraí, tarumã e Morro Alto inicialmente. Com a anulação da eleição da Reserva indígena Pindoty, e através da Portaria nº 672/PRES, de 14 de julho de 2003, foi incluída para estudos, a Terra indígena Pindoty. (fls. 519/520 do anexo3)

(...) Ao longo do presente relatório, procuramos mostrar, através de relatos, documentos históricos e administrativos que a região estudada, é habitada em caráter permanente há pelo menos vinte anos pelos Guarani Mbyá, onde manejam de forma tradicional à sua cultura o ambiente onde vivem (fl. 633 do anexo 03).

Como se percebe da leitura dos excertos transcritos, o novo grupo de trabalho concluiu que as áreas em questão são de ocupação tradicional, não se prestando, desta forma, a formação de reserva pela eleição de área, mas por demarcação na forma do art. 231 da CF.

Pois bem.

Ao contrário do afirmado pela União em sua contestação, entendo que há, sim, controvérsia entre o primeiro relatório que optou pela eleiçãoda área para formação da reserva indígena e o Relatório Circunstanciado do segundo grupo técnico, que constatou a tradicionalidade da ocupação.

Entendo, neste juízo de análise preliminar, que as controvérsias existentes entre os grupos técnicos de trabalho responsáveis pela elaboração dos laudos antropológicos de ocupação das áreas é razão suficiente para determinar a suspensão dos efeitos das portarias que declararam de posse permanente do Grupo Indígena Guarani Mbyá as Terras Indígenas do Piraí, Tarumã, Morro Alto e Pindoty.

Ademais, a própria fundamentação do segundo relatório ao considerar a ocupação tradicional de área ocupada há mais ou menos 20 anos por famílias indígenas vindas de várias regiões do país e do exterior, me parece, no mínimo passível de discussão, principalmente se considerarmos que a área já se encontrava na propriedade particular dos associados da autora há várias décadas.

5. Menciono que em contraposição ao interesse dos silvícolas, estão os associados da ASPI que estão sendo diretamente atingidos pela demarcação da área, com iminente perda de sua propriedade (garantida constitucionalmente no inciso XXII do art. 5º da CRFB). Os associados trazem aos autos cópia dos registros imobiliários, vários deles comprovando que a propriedade sobre as terras em questão remonta há décadas (fls. 167/508 dos anexos 2 e 3), sendo que a grande maioria adquiriu a propriedade antes da Constituição de 1988.

Há, também, nos anexos, ainda, várias fotos demonstrando a atividade econômica desenvolvida pelos associados na área, comprovando a efetiva exploração e ocupação das áreas litigiosas (fls. 162/173 do anexo 10, fls. 182/183 do anexo11, fls. 178/190 do anexo 12).

Cotejando os interesses dos associados e o dos índios, defendidos nesses autos pela FUNAI e União, e tendo como objetivo a harmonização constitucional de princípios previstos na Lex Magna, nesse momento entendo que deva prevalecer o direito de propriedade dos autores em face do direito de ocupação dos índios, porquanto há fundadas dúvidas no que concerne à tradicionalidade da ocupação.

Isto porque, no presente caso, os indícios (suficientes nessa quadra de cognição superficial - não exauriente) são todos no sentido de que os indígenas ocupam a área há apenas aproximadamente vinte anos (década de 90), havendo sérias dúvidas acerca da tradicionalidade desta ocupação.

Seria prematuro impingir a saída dos associados da autora das terras por estes ocupadas há várias décadas, enquanto pende a discussão acerca da legalidade/validade/correção das Portarias Ministerial que declararam a posse permanente do grupo indígena Guarani Mbyá sobre as áreas em questão.

6. Portanto, havendo razoável dúvida acerca do alcance das referidas terras pelo termo "tradicionalmente ocupadas" do art. 231 da CF/88, outra não pode ser a decisão deste Juízo, senão a de resguardar aos atuais possuidores/proprietários (associados da autora) a posse das terras até o julgamento final da lide.

Outrossim, repiso que no cotejo dos interesses imediatamente envolvidos, entendo que os riscos impingidos aos autores são de maior monta, caso se cumpra a desapropriação, do que a postergação de eventual posse por parte da comunidade indígena sobre a área.

Os associados possuem há décadas toda a sua estrutura social, familiar e econômica assentada sobre as bases da propriedade destas terras. Por certo os prejuízos advindos do esbulho pretendido pela União dificilmente poderiam ser ressarcidos em sua plenitude, quer no aspecto material, quer no aspecto psicológico.

Neste sentido é a orientação do STJ:

"PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELA. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. AUSÊNCIA DO "FUMUS BONI JURIS.

1. Questão probatórias não podem ser enfrentadas no patamar do recurso especial por óbice regimental insculpido no enunciado n. 07 da Súmula desta Corte. In casu, requer a União providência que só pode ser convenientemente tomada à vista de elementos fáticos colhidos na dilação probatória.

2. Se por um lado a Constituição Federal confere proteção às terras "tradicionalmente" ocupadas pelos índios (art. 231), por outro, também confere proteção ao direito de propriedade (art. 5º, inc. XXII). A eventual colisão de direitos com sede constitucional há de ser resolvida com lastro na prova produzida nos autos sobre as respectivas titulações.

3. Na espécie, vista a controvérsia sob a perspectiva sumaríssima da tutela de urgência, ressai com mais nitidez a produção, até este momento, de prova no sentido da posse com utilização econômica, desautorizando provimento cautelar fundado na simples alegação de posse imemorial. (STJ, MC 6480, Rel. Ministro José Delgado, Pub. DJ de 17/05/2004).

Como bem disse o Ministro José Delgado, há que se cotejar a garantia constitucional ao direito sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e o direito à propriedade dos colonos, dando-se prevalência, segundo o que acima defendi, nesse caso, à posse/propriedade atual dos agricultores em detrimento de posse antiga e já descontínua dos silvícolas.

7. Observo que esta decisão não colide com o provimento judicial exarado nos autos da Ação Civil Pública 2002.72.01.002869-1 da 2ª Vara Federal de Joinville.

Naquele feito foi prolatada sentença, condenando as rés União e FUNAI aos seguintes provimentos (fls. 357/366):

a) Condenar as rés, solidariamente, dentro de suas respectivas atribuições, em obrigação de fazer, consistente em identificar e demarcar todas as terras indígenas dos índios Guarani situadas nos municípios pertencentes à jurisdição desta Subseção Judiciária, nos termos do Decreto n° 1.775/96, e no prazo ora estabelecido de 24 (vinte e quatro) meses, a contar do trânsito em julgado desta decisão (considerando a decisão proferida pelo TRF-4ª Região no Agravo de Instrumento n° 2002.04.01.048848-8/SC). Deverão as rés, no curso do procedimento de identificação e demarcação apresentar relatórios semestrais a este Juízo. Em caso de descumprimento desta decisão, fixo a multa diária em R$ 2.000,00 (dois mil reais), a ser revertida para as comunidades indígenas dos índios Guarani desta região.

b) Condenar as rés, solidariamente, dentro de suas respectivas atribuições, na eventualidade da FUNAI concluir pela inexistência de tradicionalidade das terras ou alguma(s) delas atualmente ocupadas pelas comunidades de índios Guarani nesta região, em obrigação de fazer, consistente em criar reserva(s) indígena(s), na forma dos artigos 26 e 27 da Lei n° 6.001/73, no prazo igualmente estabelecido de 24 (vinte e quatro) meses, a contar do trânsito em julgado desta decisão (considerando a decisão proferida pelo TRF-4ª Região no Agravo de Instrumento n° 2002.04.01.048848-8/SC), a fim de regularizar as terras atualmente habitadas pelos indígenas Guarani nos municípios pertencentes à jurisdição desta Subseção Judiciária, dando-lhes assim condições de sobrevivência e manutenção de sua cultura, conforme princípios e normas constitucionais e legais de proteção aos índios. Deverão as rés, se for o caso, no curso do procedimento apresentar relatórios semestrais a este Juízo. Em caso de descumprimento desta decisão, fixo a multa diária em R$ 2.000,00 (dois mil reais), a ser revertida para as comunidades indígenas dos índios Guarani desta região.

Assim, deveriam as rés UNIÃO e FUNAI identificar e demarcar todas as terras indígenas dos índios Guarani situadas nos municípios pertencentes à jurisdição desta Subseção Judiciária (item a) e, concluindo, eventualmente, pela inexistência da tradicionalidade, criar as reservas indígenas na forma dos arts. 26 e 27 da Lei 6.001/73 (eleição) (item b).

O que na realidade a ACP assegurou foi um prazo para a conclusão dos trabalhos de demarcação que deveriam, por lógico, seguir todo trâmite legal, inclusive em relação à análise fática dos elementos determinantes na caracterização de eventual tradicionalidade da ocupação.

Disso não resulta, por evidente, que os proprietários e demais interessados nas referidas áreas não possam questionar o procedimento administrativo de demarcação das terras.

Assim, a suspensão dos efeitos das Portarias Ministeriais em nada colide com o provimento da ACP 2002.72.01.002869-1.

9. Por fim, observo que a autora juntou aos autos a Portaria 953 de 04.06.2010, do Ministro da Justiça que declarou de posse permanente do Grupo Indígena Guarani Mbyá a Terra indígena Pindoty (fls. 376/378).

Entendo que o provimento de antecipação da tutela possa e deva alcançar também a referida portaria, tendo em vista que, embora editada posteriormente à propositura da demanda (04.12.2009), toda fundamentação da inicial envolveu também o procedimento administrativo de demarcação da área da chamada Terra Indígena Pindoty.

DISPOSITIVO:

Ante o exposto, estando presentes os pressupostos necessários para a antecipação dos efeitos da tutela, DEFIRO o pedido de antecipação de tutela para suspender os efeitos jurídicos e fáticos das Portarias ns. Portarias 2.747, de 21.08.2009; 2.813, de 24.08.2009; 2.907/09, de 02.09.2009 e 953 de 04.06.2010, que declararam de posse permanente do Grupo Indígena Guarani Mbyá as Terras Indígenas Tarumã, Morro Alto, Piraí e Pindoty, respectivamente, devendo os réus se absterem (obrigação de não fazer) de tomar qualquer medida no sentido de remover os associados da autora de suas respectivas posses e/ou propriedades até o final da lide, entregando a posse/propriedade de tais glebas ao grupo indígena especificado neste decisum.

INTIMEM-SE as partes e o MPF na condição de fiscal da lei.

Após, abra-se vista a autora para réplica.
Joinville, 09 de julho de 2010.

_____________________

AÇÃO ORDINÁRIA (PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO) Nº 2009.72.01.005799-5/SC











AUTOR
:
ASSOCIAÇÃO DOS PROPRIETÁRIOS, POSSUIDORES E INTERESSADOS EM IMOVEIS NOS MUNICIPIOS DE ARAQUARI E DA REGIÃO NOR
ADVOGADO
:
JOAO JOAQUIM MARTINELLI
RÉU
:
UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
:
FUNDACAO NACIONAL DO INDIO - FUNAI











Despacho/Decisão











1. Ciente da interposição dos agravos de instrumento pela União (fls. 392/405) e pelo Ministério Público (fls. 406/415. Mantenho a decisão agravada (fls. 380/388) pelos seus próprios fundamentos. A interposição dos agravos não obsta o prosseguimento do feito. Intimem-se.

2. Intime-se a parte autora para, querendo, apresentar réplica, no prazo de 10 (dez) dias.

Joinville, 18 de agosto de 2010.





















 
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