terça-feira, 30 de abril de 2013

É preciso fortalecer a Funai, defende ex-presidente da instituição | Agência Brasil

Entrevista de Mércio Gomes à EBC por ocasião do Dia do Índio.


Vladimir Platonow
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro – A Fundação Nacional do Índio (Funai) precisa ser fortalecida e passar por reformulações que garantam melhor apoio ao índio brasileiro. A opinião é do antropólogo Mércio Gomes, que presidiu a instituição por três anos e sete meses no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Ele argumenta que a política indigenista atual enfraqueceu a Funai ao delegar poder a outras instituições não governamentais, gerando inclusive o fechamento de postos em regiões importantes do país.
“A principal questão hoje é o fortalecimento da Funai. Há um sentimento de que ela deve deixar de prestar assistência aos índios e de intermediar as relações deles com a sociedade nacional. As coordenações regionais, acabaram com os postos indígenas. Não tem mais posto nas aldeias. Se o índio precisar de alguma coisa, tem que ir para a cidade. Com isso, as terras indígenas ficam mais vulneráveis. Isso [foi feito] na suposição que os índios vão ganhar uma autonomia de imediato. Querem retirar a capacidade do órgão de assistir, de cuidar, de ter uma relação, de saber da saúde, de estar lá presente”, disse Mércio.
Para ele, a questão não se resume a simplesmente dar mais autonomia à Funai. “Sou da opinião de que o índio só sobreviveu no Brasil porque foi protegido pelo governo federal. A federalização da questão indígena é muito importante para a educação, para a saúde, para a assistência geral, para promover um desenvolvimento econômico interno. A Funai deveria voltar a ter as mesmas condições que tinha antes, de coordenar a saúde, a educação, a assistência jurídica e a assistência econômica”.
O antropólogo chamou a atenção para o fechamento de postos avançados, inclusive em regiões onde hoje existem conflitos motivados pela construção de grandes hidrelétricas. “Usaram a retórica de que cuidar dos índios pelo posto indígena é paternalista. Foi uma perversão o que ocorreu. Porque em nome de uma ideologia de autonomia, deixam os índios à própria sorte. A Funai está mais enfraquecida. Extinguiram a administração regional de Altamira. Ao extinguir, ficaram os índios soltos, negociando com todo mundo. Extinguiram a do Oiapoque, que é junto à fronteira com a Guiana Francesa. Acabaram com a de Pernambuco, que reunia 45 mil índios. Acabaram com a administração de Porto Velho, onde há duas hidrelétricas”.
Mércio disse que o enfraquecimento da Funai acaba deixando os índios nas mãos de fazendeiros e políticos locais. “É um misto de burrice com perversão. Não sabem o que estão fazendo, mas ao mesmo tempo tem a perversão de diminuir a força da Funai, que vem de muitos anos, de acreditar que o Estado é autoritário, mandão e opressor. Enquanto eles seriam a alegria dos índios. Eles diminuíram o Estado e agora os índios ficam assistidos pelos fazendeiros, os vereadores, os prefeitos. Estão na mão da raposa. Por isso os fazendeiros estão tão afoitos em propostas de lei que visam tirar do Poder Executivo a capacidade de demarcar terras e botar isso para o Congresso”.
A referência é à possível aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 215/2000), que inclui nas competências exclusivas do Congresso Nacional a aprovação de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, a criação de unidades de conservação ambiental e a ratificação das demarcações de terras indígenas já homologadas.
Para o antropólogo, é preciso fazer modificações que fortaleçam a presença dos índios na Funai. “O momento é de reformular a Funai. Recriar posto indígena, fazer novas contratações, inclusive absorvendo os índios como funcionários. Esses concursos são dificílimos, só quem passa são os bonitinhos da cidade, que tiveram uma boa educação. Aí não dá chance para o índio, que podia muito bem ser chefe de posto, por exemplo. Nenhum índio passou nos dois concursos que a Funai fez.”
Edição: Tereza Barbosa
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terça-feira, 2 de abril de 2013

Meu protesto indignado (de setembro de 2007 para hoje)

ESTA POSTAGEM FOI FEITA EM 12 DE SETEMBRO DE 2007. É REPUBLICADA AQUI PARA LEMBRAR O QUE ACONTECEU NAQUELE TEMPO E COMO O TEMPO MUDOU. AGORA AQUELES QUE DOMINAVAM A FUNAI ESTÃO SENTINDO O PESO DE SUA IRRESPONSABILIDADE POR ESTAREM LEVANDO O ÓRGÃO E OS INDÍGENAS À SITUAÇÃO DE DESCALABRO E PERIGO EM QUE SE ENCONTRAM NO MOMENTO
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Hoje é domingo, dia de indignações.

A notícia abaixo trata de uma campanha terrível, por sua maledicência e perversidade, contra minha indicação ao cargo de relator dos direitos indígenas da ONU. O Ministério de Relações Exteriores, sabedor do trabalho que fiz em prol dos povos indígenas e do Brasil nas várias reuniões que estavam elaborando tanto a Declaração Universal (ONU), quanto a Declaração Americana (OEA) dos Direitos Indígenas, me pediu o currículo vitae e o levou como indicação para o cargo de relator de direitos indígenas ao Conselho de Direitos Humanos, em Genebra, que está no processo de mudar de relatores em várias instâncias.

Bem, o meu substituto na Funai soube do caso, chamou as Ongs que estão lhe dando apoio (para trai-lo depois, não se perde por esperar) e incitaram o Jecinaldo Barbosa, que é o principal novo mameluco brasileiro, e coordenador-geral da Coiab, a escrever um texto contra mim e contra essa indicação. Juntos na tramóia desavergonhadamente estão os cabeças do CTI, do CIMI e do ISA/Inesc, que sempre foram contra a minha presença na Funai, a qual eles consideram como algo a ser usado sempre a seu favor exploratório e nesse propósito não deixam de fazer o papel dos inimigos dos índios ao incitar todos, inclusive a opinião pública, a destrui-la. São contra mim não por algo que eu tenha feito ou deixado de fazer, mas por um princípio básico: eu não concordo com seu papel de destruidor do órgão indigenista, nem de criador de lideranças falsas e espúrias, em detrimento das lideranças reais dos povos indígenas. Essas Ongs estão criando os novos mamelucos que, um dia, irão trair seus patrícios, como já foi feito tantas vezes na história do Brasil. Eu não concordo com a ilusão messiânica que eles querem estabelecer nos índios como parte do processo de ascensão dos povos indígenas no panorama cultural e político brasileiro.

Assim, desde o começo da minha gestão na Funai, desde o próprio dia 4 de setembro de 2003, quando fui nomeado pelo presidente Lula, contra a resistência do PT, representado pelo José Dirceu, eles começaram a campanha contra mim. A eles se juntou uma certa parte do PT, inclusive incrustrada no Palácio do Planalto, como o assesor especial da presidência, César Alvarez, que tentou me derrubar da Funai de todos os jeitos, inclusive fazendo funcionários da Funai produzirem dossiês contra mim. E só não o conseguiu, esse despotazinho, porque o ministro Márcio Thomas Bastos sempre me defendeu por respeitar o meu trabalho. Basta ver as declarações desas Ongs publicadas na Internet (e algumas nos jornais) protestantando contra minha indicação e augurando uma rápida saída da Funai. Basta ver a gritaria que criaram contra mim, ainda em outubro de 2003, quando o ministro Márcio Thomas Bastos publicou a portaria de demarcação da Terra Indígena Baú, dos índios Kayapó, com 1.530.000 hectares, a partir de um acordo feito entre os índios, o Ministério Público, a Funai local e os fazendeiros, acordo este que foi trazido para mim pelo líder indígena Megaron e com assinatura de diversos Kayapó, inclusive Raoni, para ter validade imediata, e que foi festejada pelos cem índios Kayapó que moram na aldeia Baú, quando da finalização dessa demarcação, em 2005. Por que a gritaria, dizendo que eu havia diminuído essa terra, quando foi decisão dos próprios índios, que não reconheceram como tradicionalmente suas uma parte das terras anteriormente contempladas (340.000 hectares, do outro lado do rio Curuá) num relatório antropológico? Por que não respeitaram a decisão própria e soberana das lideranças Kayapó do Baú e até de Raoni? Na verdade, eles tentaram incriminar o Megaron, dizendo que havia recebido dinheiro para isso. Megaron teve que protestar contra essa ofensa em uma reunião da Funai, quando alguns funcioários lhe cobraram essa atitude, e ele se defendeu honradamente e demonstrou que era assim a vontade dos seus parentes Kayapó, que estavam em luta pela demarcação daquelas terras há muitos anos e não entendiam porque os brancos não a concluíam. Aí, os detratores recuaram de suas ofensas, esperando uma ocasião para voltarem a detratar alguém. Se não mais o Megaron, então eu, quando acharam de bom alvitre, mesmo que nenhum índio Kayapó tenha protestado ou revisto a decisão que haviam tomado. Eis o caráter despótico dessa gente perversa e oportunista.

Por outro lado, falam e alardeiam por todos os sites que têm relacionamento com eles, na vã esperança de que vire uma verdade, e não um mero fato espetaculoso e indecente, uma entrevista que dei para a Reuters em janeiro de 2006 na qual, com muito orgulho falava que o Brasil tinha demarcado muitas terras para os índios e estava à frente de todos os países nesse assunto. O conteúdo da entrevista, dado a um entrevistador russo, que se mordia de raiva por eu criticar a posição da Rússia em relação aos povos indígenas de seu território, foi transformada por deturpação linguística típica de jornalistas cretinos num sensacionalismo barato no sentido de que eu dissera que os índios teriam muita terra (em prosseguimento o jornalista Ivanildo Leite transformou a frase em ¨terra demais¨) e que o STF devia dar um basta nisso. A cretinice desse alardeio foi feita tanto pelas Ongs, notadamente o CIMI (ou, mais propriamente, seu vice-presidente Saulo Lustosa) por jornalistas ligados ao indigenista Sidney Possuelo, que sabia que estava para ser demitido porque os indigenistas que trabalhavam com ele não o toleravam mais e tinham vindo a mim pedir a sua demissão. Pois bem, para sair por cima, Sidney deu uma entrevista em Brasilia para o jornalista Leonêncio Nossa me chamando de ¨tutor infiel¨ pela alegação da entrevista de dizer que os índios tinham muita terra (nem tinha saído ainda a frase ¨terra demais¨).

Toda essa fancaria se transformou no mote que essa gente perversa esperava para me detratar e talvez me tirar da Funai. Não conseguiram o segundo ponto, pois a minha saída se deu por vontade própria, junto com o ministro Márcio Thomas Bastos, após 3 anos e meio na Funai, tendo batido todos os recordes de permanência e passado o cargo com todas as honras, único civil a fazer isto desde o tempo do SPI. Mas a detratação deve continuar sem parar, de que é exemplo o texto escrito pela Coiab/CIMI/CTI/ISA.

Talvez, em consequência disso tudo, o meu nome seja retirado da lista de indicações para votação, que está no Conselho de Direitos Humanos, em Genebra. Será uma pequena desonra para o Brasil fazer isto perante as outras nações, como se estivesse acovardado diante de calúnias tão baixas e tão irreais. Nesse caso essa gente perversa e criadora da ilusão messiânica nos povos indígenas comemorará com afã.

No meu caso, vou prosseguir a divulgar minhas idéias, meu conhecimento e minha dedicação aos povos indígenas como herdeiro que sou, com orgulho, da tradição brasileira de Rondon, os irmãos Villas-Boas, Darcy Ribeiro, Carlos Moreira, Noel Nutels, Eduardo Galvão e tantos outros. Não tardará o dia em que toda essa farsa nacional de ilusionismo messiânico e formação dos novos mamelucos se desmoralizará. E os povos indígenas, em sua integridade e busca por soluções próprias e dentro da nação brasileira é que ganharão.

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Brasil deve mudar indicação para vaga na ONU

Polêmica pode tirar ex-presidente da Funai da disputa por cargo que trata de direitos dos indígenas

Jamil Chade, do Estadão

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GENEBRA - Uma candidatura do Brasil para ocupar um posto na ONU está causando polêmica dentro e fora do País. O cargo em questão é o de relator especial das Nações Unidas para os direitos dos Povos Indígenas, posto que estará vago a partir do próximo mês.
Inicialmente, o Brasil indicou o ex-presidente da Funai, Mércio Pereiro Gomes, como um dos candidatos. Mas diante das queixas de ativistas, o governo está sendo obrigado a repensar a indicação do brasileiro e não exclui a possibilidade de retirar seu nome da lista já apresentada à ONU.

Para completar, a disputa pela vaga poderá envolver uma batalha contra o governo de Evo Morales, que quer um boliviano indígena ocupando o prestigioso cargo.

Mércio Gomes, antropólogo, causou uma polêmica há dois anos ao afirmar que os grupos indígenas no Brasil já teriam terras demais. O ex-presidente da Funai alegou ter sido mal interpretado. Mas não convenceu os ativistas, que pressionaram para que ele fosse derrubado.

Agora, o governo sugeriu seu nome para o cargo na ONU que se ocupa de monitorar a situação dos indígenas no mundo, visitar países e denunciar violações. Hoje, a função é ocupada por Rodolfo Stavenhagen, do México.

Na ONU, alguns funcionários da entidade circularam mensagens em uma campanha contra sua indicação. No Brasil, entidades enviaram uma carta ao governo pedindo que a candidatura seja imediatamente retirada. "Manifestamos nosso repúdio à nomeação feita pelo governo", afirmam as entidades.

"A candidatura de Mércio Gomes constitui um afronta aos povos indígenas do Brasil, já que sempre atuou contra os nossos interesses", atacam os grupos, entre eles a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira.
 
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