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quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Eis minha visão sobre a questão indígena atual: Entrevista a Felipe Milanez


Ruralistas: os novos senhores de engenho da política

Em depoimento, Mércio Gomes afirma que os fazendeiros se dão panca de serem os novos senhores de engenho, um poder rural absolutista com pretensões políticas nacionais
por Felipe Milanez — publicado 03/10/2013 03:15, última modificação 03/10/2013 09:28
Mércio Gomes é antropólogo, discípulo de Darcy Ribeiro, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), deu aula também na Universidade Federal Fluminense e na Unicamp. Como antropólogo, Gomes desenvolveu trabalhos no Maranhão, entre os povos Guajajara e Awa-Guajá e publicou os livros Os índios e o Brasil (2012) e Antropologia Hiperdialética (2011), ambos pela Contexto. Foi presidente da Funai entre setembro de 2003 a março de 2007. Durante sua gestão ocorreu o massacre de garimpeiros na terra indígena Roosevelt, onde índios cinta-larga vivem um conflito com garimpeiros de diamante. Na ocasião, os índios mataram 29 garimpeiros, e os garimpeiros revidaram matando um indígena. Foi, também, quando o ex-presidente Lula homologou a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em 2005, e ocorreu o licenciamento das usinas hidrelétricas no rio Madeira, o Complexo Madeira, de Santo Antônio e Jirau, que impactam diretamente povos indígenas, inclusive em isolamento voluntário. As polêmicas usinas do Madeira foram as primeiras da série de usinas que o governo passou a construir na Amazônia como parte do programa de desenvolvimento PAC, que inclui também Belo Monte, no rio Xingu, entre diversas outras. Como jornalista, eu editei a revista Brasil Indígena, publicação da Funai, também durante a sua gestão.
Ao invés de responder a entrevista, Gomes preferiu escrever o depoimento abaixo, baseado nas questões propostas aos outros ex-presidentes para essa série de entrevistas. Segundo ele, "os fazendeiros se dão panca de serem os novos senhores de engenho, um poder rural absolutista e com pretensões políticas nacionais".
Mércio Gomes
É estarrecedor ver e acompanhar a campanha anti-indígena atual. Cada dia é uma agonia. Os fazendeiros e seus acólitos estão em guerra ofensiva contra os índios, como ocorreu em diversas épocas no Brasil, e não se envergonham de aplicar métodos suasórios de todas as espécies, desde aliciar índios até pressionar o governo diretamente e atentar contra a Constituição.
Parte dos motivos dessa ofensiva está no fato de que o agronegócio está dando muito lucro e portanto se expande em todas as regiões que pode; parece não ter limites – nem ecológicos, nem econômicos, nem sociais. Por isso a terra está muito valorizada e as perspectivas de crescimento são grandes e seguras a médio prazo. Diante de seu peso no PIB, os fazendeiros se dão panca de serem os novos senhores de engenho, um poder rural absolutista e com pretensões políticas nacionais. Estão de garras afiadas para uma guerra de fim dos tempos.
Outra parte dos motivos se deve à incapacidade do governo (ministérios da Justiça e Casa Civil, bem como a própria Funai) de responder a esse ímpeto anti-indígena. Às vezes dá a impressão que só vê com bons olhos o lado dos fazendeiros, mas finge que está com os índios. Em consequência, de propósito ou burramente, o governo tem incitado a gana dos fazendeiros e iludido os índios.
Primeiro, diminuiu a capacidade de ação indigenista da Funai ao extinguir os postos indígenas e assim retirar seu contingente de indigenistas do contato direto e permanente com os índios. Os fazendeiros viram isso como uma abertura à sua presença nas áreas indígenas. No mesmo ato que pretendia reestruturar a Funai, em dezembro de 2009, aboliu algumas das administrações regionais mais estratégicas, como a de Altamira (como intuito de facilitar o aceito dos índios sobre Belo Monte), a de Porto Velho, as do Paraná, Pernambuco, Mato Grosso, Maranhão, Pará e até no Amapá – e piorou a situação indígena como um todo. Hoje os índios sentem que não têm mais a Funai ao seu lado – o que seja talvez a pior herança desse governo para os índios.
Segundo, provocou os fazendeiros à briga renhida ao emitir desastrosamente uma série de atos demarcatórios sem a devida capacidade de levá-los a bom termo. Por exemplo, criou cinco grupos de trabalho para o Mato Grosso do Sul que diziam que iriam demarcar entre 600.000 e 1.000.000 de hectares como terras indígenas, algo impossível nas condições atuais e até no passado recente. O atual governador do Rio Grande do Sul, quando ministro da Justiça emitiu portarias declaratórias de terras em Santa Catarina e no seu estado que hoje, como governador, as renega. É evidente que os fazendeiros vêem fraqueza nesses atos e, cada vez mais se sentem poderosos para desafiar o governo. A atual ministra-chefe da Casa Civil, pré-candidata ao governo do Paraná, dita as novas regras do indigenismo brasileiro passando por cima inclusive do ministro da Justiça. A Funai segue inerme.
Terceiro, foram tantas as provocações e burrices criadas por ingênuos e não tão ingênuos diretores da Funai nos processos de demarcação, desde 2007, que o STF resolveu emitir as instruções mais anti-demarcatórias já feitas no Brasil desde o Império. As ressalvas estabelecidas por ocasião da reiteração da homologação da T.I. Raposa Serra do Sol, em 19 de março de 2009, se levadas a cabo, inviabilizam qualquer tentativa de demarcar novas terras indígenas, especialmente em estados onde a terra está super-valorizada, como são aqueles em que vivem precisamente os índios Guarani e os Kaingang, os que detêm a menor quantidade de terras proporcional às suas populações.
Quarto, o clima cultural brasileiro virou de favorável aos índios, no começo deste século, para anti-indígena, tanto na imprensa quanto na opinião pública mais difusa. Os fazendeiros estão nadando de braçadas nesse mar revolto. Quanto mais confusão e provocações, melhor para eles.
Enfim, é difícil reverter um quadro tão desastroso como esse só com fingidas boas intenções. Evidentemente que o governo não sabe o quê fazer da Funai. Ela não faz o que o governo quer, quando o governo precisa. Na verdade, está esperando que os índios peçam a sua extinção, como o pediram as ONGs alguns anos atrás. O governo sabe que não pode extinguir a Funai, pois seria abandonar os índios à legislação estadual, provocando um desastre de proporções catastróficas. Ademais, legalmente o governo precisa da Funai para diversas ações, tais como conceder licença de aproveitamento de recursos hídricos ou minerários que afetam terras indígenas; quando os índios não querem esses projetos, o governo joga pesado e aí chama a Funai para fazer o trabalho sujo. Só que encontra obstáculos na consciência dos indigenistas da Funai, daí apelar para os contratos de terceiros, em geral partidários amigos.
Para resolver as demandas sobre terras, o governo está contando com a decisão  final do STF em forma de respostas a alguns embargos declaratórios sobre as ressalvas demarcatórias. Tentou antecipar esse ato fazendo a AGU emitir o Decreto 303, mas recuou. Agora aguarda. Os tribunais federais também aguardam essa decisão para resolver dezenas de pendências de atos demarcatórios mal feitos. O  tempo trabalha em favor do governo anti-indígena e dos fazendeiros.
Por sua vez, o governo se prepara para promulgar novas políticas que favorecerão atividades do desenvolvimento econômico mais grosseiro possível, como a mineração em terras indígenas. Sua estratégia é de aliciar alguns índios e indigenistas e passar o trator por cima de quem não aceitar. Além de fazendeiros, missionários e ongueiros, teremos agora os mineradores como os novos indigenistas brasileiros.
Para aliviar um pouco a tensão que passa na situação indigenista atual, o governo e seu lado na Funai entretém os índios com reuniões e seminários sobre os temas mais banais ou mais afetos à demagogia e gastam um bom dinheiro num embuste chamado PNGATI, um verborrágico programa de "proteção" e "gestão" de terras indígenas que só favorece a contratação de consultores. Nada de relevante sairá desse programa, mas os índios são convocados a anuir com seus planos e a participar como pupilos a aprender o quê não haverá.
Enquanto isso, as tais ONGs indigenistas que levaram a Funai à sua atual situação periclitante fica tocando tambores de guerra contra fantasmas. A tal PEC 215, evidentemente uma proposta imprópria e obviamente anti-constitucional que não passará por qualquer comissão de constituição, virou um espantalho de verdade depois que as ONGs a ressuscitaram de uma medíocre gaveta parlamentar, levando o movimento indígena a se jogar contra tal embuste como se fosse contra as naus de Cabral. Com isso o movimento indígena e os jejunos antropólogos são desviados do verdadeiro problema que está acontecendo às suas vistas: o desembarque do governo federal de suas atribuições constitucionais de proteger e assistir os povos indígenas, respeitando suas culturas e demarcando suas terras.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Índios da CNPI criticam governo e pedem revogação do Decreto 303

Intitulando-se bancada indígena da CNPI, diversos membros dessa comissão estiveram recentemente em  Brasília convocados que foram para participar de mais uma reunião junto com os representantes do governo.

Mas recusaram-se a participar. Ao invés, lançaram o manifesto abaixo em que condenam diversas atitudes do governo Dilma e do último governo Lula, e, ao final, pedem a revogação do Decreto 303.

Enquanto isso, os índios do Mato Grosso não fazem manifesto. Simplesmente meteram a cara e a coragem e estão fechando as rodovias 174 e 364, numa decisão dura para tentar a revogação do Decreto 303. Os índios do Mato Grosso pedem também a revogação dos decretos que desestruturaram a Funai, enquanto a bancada indígena fala só no sucateamento do órgão.

Não que uma atitude seja mais importante que a outra, mas dá para ver quem tem mais decisão.

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Nós, lideranças, membros da bancada indígena da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), reunidos em Brasília, de 28 a 30 de agosto de 2012, por ocasião da 18ª. Reunião Ordinária desta comissão, considerando a decisão arbitrária do Governo da Presidente Dilma Rousseff de editar, por meio da Advocacia Geral de União (AGU), a Portaria 303, de 17 de julho de 2012, por seus efeitos nefastos aos direitos originários dos nossos povos, garantidos pela Constituição Federal e por instrumentos internacionais como a Convenção 169 da OIT, que é lei no país desde 2004 e a Declaração da ONU sobre os direitos dos Povos Indígenas, vimos de público nos manifestar.
Primeiro - Repudiamos esta medida autoritária, cujo único propósito é restringir, reverter e anular os nossos direitos, principalmente o direito sagrado à terra e ao território, em favor dos inimigos históricos dos nossos povos, que com esta portaria acreditam que ganharam segurança jurídica para permanecerem nas terras indígenas ou voltarem para aquelas já desintrusadas, estendendo ainda os seus latifúndios sobre as terras indígenas já demarcadas. Contrariamente ao que alega a AGU, a Portaria está acirrando os conflitos fundiários e aumentando a insegurança jurídica e social a que secularmente foram submetidos os nossos povos, sob práticas de preconceito e discriminação que nos consideram empecilhos ao desenvolvimento e ameaça à segurança nacional. O feito do governo está de fato sendo comemorado pelos latifundiários e donos ou representantes do agronegócio, que se sentem empoderados ao ponto de declararem publicamente guerra aos nossos povos.
Segundo – Entendemos que a Portaria 303 é o ápice de uma seqüência de golpes contra nossos povos. O Governo Federal tem optado por adotar uma série de medidas administrativas e jurídicas que afrontam gravemente a vigência dos direitos originários, coletivos e fundamentais dos nossos povos. Dentre essas medidas antiindígenas destacamos:
- Portaria 419, de 28 de outubro de 2011. Assinada pelos ministros da Justiça, do Meio Ambiente, da Saúde e da Cultura, a Portaria visa regulamentar a atuação da Fundação Nacional do Índio (Funai), da Fundação Cultural Palmares (FCP), do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e do Ministério da Saúde (MS) no que diz respeito à elaboração de pareceres em processos de licenciamento ambiental conduzidos pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O propósito é acelerar o processo de licenciamento de empreendimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) diminuindo, assim, ainda mais os já reduzidos prazos vigentes de manifestação desses órgãos quanto à viabilidade ou não de implantação dos empreendimentos (hidrelétricas, mineração, portos, hidrovias, rodovias, linhas de transmissão etc.) que afetam os povos indígenas, os quilombolas e as áreas de preservação ambiental.
Portaria 2498, de 31 de outubro de 2011, do Ministério da Justiça, que define o papel da FUNAI na “intimação dos entes federados”, para participarem do processo de identificação e delimitação de terras indígenas...
Antes desta o governo tinha publicado a Portaria Nº 951, de 19 de maio de 2011, que instituía “Grupo de Trabalho com o objetivo de elaborar minuta de portaria que discipline a forma como os entes federados poderão participar do procedimento administrativo de identificação e demarcação de terra indígena” (Art. 1).

Ambas as portarias foram publicadas pelo governo apesar dele saber que o direito do contraditório já é garantido pelo Decreto 1775/96 que trata dos procedimentos de demarcação das terras indígenas.

- Iniciativas legislativas: PEC 215/00. Em 21 de março de 2012, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou a admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/00. Esta PEC tem o propósito de transferir para o Congresso Nacional a competência de aprovar a demarcação das terras indígenas, criação de unidades de conservação e titulação de terras quilombolas, que é de responsabilidade do poder executivo, por meio da FUNAI, do Ibama e da FCP, respectivamente. A aprovação da PEC 215 - assim como da PEC 038/ 99, em trâmite no Senado - põem em risco as terras indígenas já demarcadas e inviabiliza toda e qualquer possível demarcação futura.
- A estas iniciativas somam-se a reforma do Código Florestal e o Projeto de Lei (PL) 1610/96 que trata da exploração mineral em terras indígenas, atualmente em trâmite no Congresso Nacional. Fazem parte ainda desta ofensiva a Portaria 7778 de reestruturação da FUNAI, editada mesmo sem a anterior, realizada através do Decreto 7056, ter sido efetivada. Finalmente, ficamos estarrecidos com a forma como o Decreto da PNGATI foi assinado, inclusive com a nossa presença, trazendo alterações que não foram aprovadas pelas nossas lideranças nas distintas consultas regionais realizadas durante quase dois anos.
Terceiro - O mais grave de todas estas medidas, tanto administrativas como legislativas, é a grotesca desconsideração do direito dos nossos povos à consulta e consentimento livre, prévio e informado estabelecido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O irônico é que estas medidas estão sendo tomadas no contexto do processo de diálogo e negociação entre o movimento indígena e o governo a respeito da regulamentação dos mecanismos de consulta assegurados por este tratado internacional. O próprio Governo, dessa forma, desrespeita a Constituição e as leis de proteção e promoção dos direitos indígenas, e desvirtua as iniciativas e espaços de diálogo, gerando inevitável quebra de confiança na relação, construída nos últimos anos entre o Estado e os nossos povos e organizações.
Quarto - A Portaria 303 é um instrumento jurídico-administrativo absolutamente equivocado e inconstitucional, totalmente prejudicial aos nossos povos, na medida em que estende para todas as terras indígenas as condicionantes decididas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Judicial contra a Terra Indígena Raposa Serra do Sol (Petição 3.888-Roraima/STF). O Governo editou a Portaria mesmo sabendo que a decisão do STF ainda não transitou em julgado e essas condicionantes podem sofrer modificações ou até mesmo ser anuladas em parte. Além de se antecipar às decisões do STF, o Executivo ainda se apropriou da prerrogativa de legislar, que só cabe ao Congresso Nacional.
A Portaria afirma que as terras indígenas podem ser ocupadas por unidades, postos e demais intervenções militares, malhas viárias, empreendimentos hidrelétricos e minerais de cunho estratégico, sem consulta aos povos e comunidades indígenas; determina a revisão das demarcações em curso ou já demarcadas que não estiverem de acordo com o que o STF decidiu para o caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol; ataca a autonomia dos povos indígenas sobre os seus territórios; limita e relativiza o direito dos povos indígenas sobre o usufruto exclusivo das riquezas naturais existentes nas terras indígenas; transfere para o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO) o controle de terras indígenas sobre as quais indevida e ilegalmente foram sobrepostas Unidades de Conservação; e cria problemas para a revisão de limites de terras indígenas demarcadas que não observaram integralmente o direito indígena sobre a ocupação tradicional.

Quinto A nossa surpresa é que a edição da Portaria 303, aconteceu depois de várias promessas anunciadas, inclusive no âmbito da CNPI, de atendimento às demandas dos nossos povos. Mais recentemente, inclusive, durante o ato de assinatura do Decreto da PNGATI, o ministro da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho e o ministro da justiça, José Eduardo Cardoso, se comprometeram a articular uma reunião de trabalho com a Presidenta Dilma Rousseff para tratar,  depois da Rio+20, da agenda indígena.
Sexto – Como se fosse pouco, a este atropelo dos nossos direitos soma-se a crise que afeta os nossos povos e comunidades em todas as áreas de sua vida, decorrente da precariedade das políticas públicas. Na contramão das expectativas, entre outros retrocessos ressaltamos: o atendimento diferenciado nas áreas da saúde e da educação piorou, os conflitos fundiários acirraram-se, a criminalização de lideranças e comunidades aumentou, a FUNAI está sucateada e os projetos do nosso interesse como o do Estatuto dos Povos dos Indígenas e o do Conselho Nacional de Política Indigensita (CNPI) continuam engavetados no Congresso Nacional.
Sétimo - Por todas estas e outras razões já explicitadas em manifestações das nossas organizações de base e pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e por diversas instituições, inclusive governamentais, personalidades, organizações e movimentos sociais aliados exigimos a revogação imediata e integral da Portaria 303.
O atendimento desta demanda implicará numa demonstração clara da vontade política do governo de continuar o diálogo democrático, franco e transparente, que seus representantes têm manifestado com freqüência às nossas lideranças e organizações nas distintas iniciativas e espaços de diálogo que como a CNPI discutem ou deliberam sobre as políticas de interesse dos nossos povos e comunidades.
Brasília-DF, 28 de agosto de 2012.
Bancada Indígena da CNPI

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Índios do Mato Grosso protestam contra Decreto 303 e fecham BR-174 e BR-364

Dezesseis etnias distintas do Mato Grosso, precisamente aquelas que vivem na parte sul e oeste do estado, Haliti-Pareci, Irantxe, Nambiquara, Cintas-Largas, Rikbatsa, Kayabi, Enawenê-Nawê, Umutina, Bakairi e outros se uniram para demonstrar seu protesto contra o Decreto 303 e contra o que estão chamando de "sucateamento" da Funai.

Sua demonstração é das mais duras à economia daquele estado. Precisamente fechar e barrar o acesso de duas importantes rodovias interestaduais, a BR-174 e a BR-364.

Começaram sua ação às duas horas da madrugada. Trouxeram barracas, redes, apetrechos de cozinha e comida para passar ao menos sete dias sem ter que voltar para casa ou pedir ajuda. Aliás, estão preparados para passar bem mais tempo, se a coisa apertar.

São 1.400 índios homens, jovens guerreiros, dispostos a enfrentar frio, calor, pressão, discussão, gritaria e debate com quem vier tentar desbaratar seu protesto.

Os índios protestam contra tudo que vem acontecendo na Funai e na questão indígena brasileira nos últimos cinco anos.

Protestam especificamente contra o Decreto 303 e nisto estão se somando aos protestos de todos aqueles que de alguma forma fazem parte do movimento indigenista e indígena e têm simpatia pelos índios.

Protestam contra o chamado "sucateamento" da Funai. Que sucateamento é esse? É o produto do decreto 7056/2009 que desfez aquilo que vinha funcionando minimamente na Funai: suas administrações e seus postos indígenas, para substitui-los por reles coordenações e pelas mais reles ainda coordenações técnicas locais.

Os índios sabem o que significou na sua vida a extinção de postos indígenas, só por puro preconceito contra o indigenismo rondoniano. Uma instituição de 100 anos, que deu muita força à garantia e proteção das terras indígenas, que ajudou os índios há muitos anos a encontrar seu caminho pelo mundo dos brancos, e que agora foi jogada na lata do lixo como se fosse papel velho. E vieram as CLTs localizadas nas cidades vizinhas para o melhor conforto dos funcionários do órgão, só pode ser! Só que também muito poucas foram instaladas e funcionam. Piora a proteção das terras e abriu um flanco de fraqueza dos índios diante dos ambiciosos brancos que cobiçam suas terras.

Acima de tudo, enfraquecida a Funai pelas medidas instaladas pelas ONGs que controlam o órgão indigenista, agora vem o governo através da AGU manifestar sua concordância absoluta com as ressalvas criadas à louca por um ministro de direita do STF, a qual foi seguida pelos demais ministros todos meio embasbacados com as propostas extemporâneas do tal ministro.

Os índios, sabem os que convivem com eles e deles ficam amigos, têm seu próprio tempo de reflexão e análise sobre um tema. Às vezes, pulam na frente, às vezes ficam remoendo o que está acontecendo. São estratégias diferentes, para cada caso que analisam, e da parte de cada povo indígena.

No caso dos desmantelos provocados na Funai pela última gestão (que aparentemente continua dominando o órgão pelas beiradas), houve uma alvoroço de protesto por parte dos índios do Nordeste. Eles tomaram a Funai e lá ficaram por 15 dias até serem retirados, meios que na enrolação da direção do órgão.

Os demais índios do Brasil sentiram o baque, começaram a experimentar as agruras dessa desestruturação, mas ficaram na sua. Esperavam que houvesse uma reversão desse desmantelo, ao menos uma simples volta ao que já existia de bom. Não houve, e agora que o Decreto 3030, que é evidentemente sinal do desprezo pelos índios que tomou conta do governo Dilma Rousseff, estorou a tampa da panela.

Os índios do Mato Grosso estão fazendo o movimento mais bem organizado e mais estratégico que já vi em muitos protestos de índios há muitos anos. Eles têm, por assim dizer, "bala na agulha" para gastar. Querem uma palavra da presidente Dilma no sentido de revogação do 303 e na reformulação da Funai.

Se a presidente Dilma, através do seus ministros, por exemplo (já que a direção da Funai não tem mais autonomia para nada, nem para negociar com os próprios índios), der uma sinal de que esse decreto vai ser jogado na lata do lixo, e não os postos indígenas; que o tal decreto 7778 de re-reestruturação for cancelado ou refeito adequadamente, os índios saem de sua posição de desafio e voltam às suas aldeias.

Se não, o bicho vai pegar. Não digo violência, não. Digo que, pior, só vai aumentar ainda mais o fosso de desconfiança dos índios para com o governo federal e as autoridades em geral (algo que coincidentemente também está acontecendo no serviço público e na sociedade brasileira em geral). Esse fosso de desconfiança poderá provocar uma atitude de desrespeito às autoridades brasileiras constituídas e muito coisa esquisita poderá vir a acontecer no futuro próximo.

O desgaste da Funai provocado pela última gestão é terrível. Pode piorar se algo não for feito. Se essa greve serviu para alguma coisa, deve ser para unir os indigenistas com os índios e reformular os termos do compromisso indigenista rondoniano para que algo de bom possa acontecer.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Novo decreto de reestruturação sai pior

Foi publicado hoje no DOU o Decreto 7.778 que dá nova versão à reestruturação da FUNAI. Nova versão? Que nada! Apenas piora o já velho e malfadado Decreto 7056 de 2009, que tanto protestou causou da parte dos índios durante todo o primeiro semestre de 2010.

O Decreto 7.778 traz três novidades: 1. Extingue a Coordenação-Geral de Educação. 2. Cria a Coordenação-Geral de Licenciamento Ambiental. E 3. A Funai ganha 7 DAS 102(1).4; 3 DAS 101.3; 1 DAS 101.2 e 3 DAS 101.1.

No resto, nenhuma mudança. Mantém as mesmas coordenação regionais, as horríveis CTLs e pronto. Apesar das críticas ferrenhas, não ressuscita as velhas administrações de Altamira, Oiapoque, São Luís, Recife, Curitiba, Porto Velho, para falar nas mais importantes que foram extinguidas. Nem se dá conta de que parte das objeções indígenas à UHE Belo Monte se deve aos desmandos administrativos resultantes da extinção da AER Altamira.

Estou espantado com o nível de desprezo e concomitante agressividade da presidência (incluindo Casa Civil e MJ) para com a questão indígena. Todo o ano de 2010, caracterizado por protestos e desorganização da FUNAI não foi suficiente para que houvesse uma revisão correta dessa reestruturação. Não foi suficiente a chegada de cento e tantos novos indigenistas, cheios de garra para aplicar as leis do país, querendo participar de uma nova visão indigenista e sendo completamente ignorados pela direção da política indigenista. Não é suficiente o fato de haver uma nova presidente da FUNAI, que certamente não está sendo consultada para nada com esse decreto e o anterior da AGU.

O que está havendo é o desmanche da FUNAI, no que diz respeito à sua ação indigenista. A FUNAI vai passar a ser um mero referendador da visão política da Casa Civil, AGU e MJ. Vai deixar com o MEC toda a visão de educação indígena, abandonando sua experiência de mais de 40 anos nesse mister. Vai ser coadjuvante do Ibama no que toca a política de licenciamento ambiental, tão atabalhoada como prejudicial aos índios.

Como na Casa Civil pontifica um ex-seminarista, ligado diretamente ao CIMI, que tem como seu principal conselheiro um ex-advogado do CIMI; como no MJ prevalece um advogado jejuno em questão indígena, aconselhado por representantes do ISA e do CTI, de base paulista e de visão neoliberal e anti-rondoniana do indigenismo, não se pode esperar ações anti-indigenistas diferentes das que estamos presenciando desde 2007.

Os funcionários da FUNAI em quase todo o Brasil estão de greve geral e plantão permanente na discussão de suas condições e trabalho e em relação ao seu compromisso de serem indigenistas. É uma pena que não estivessem assim em 2010, quando havia uma oportunidade máxima de aliança com os índios em rebelião contra o Decreto 7056. Águas passadas, espero que lição aprendida.

Agora, com esses dois últimos decretos, caiu a ficha dos funcionários da FUNAI de que não podem dormir no ponto. Ou agem para mudar esses decretos ou se entregam à condição de funcionários abúlicos, desalmados, burocratizados e aniquilados pela mó de uma política anti-rondoniana.

Será uma grande vergonha para o Brasil, que está sendo perpetrada pela atual política indigenista e por um governo surpreendentemente anti-humanista, o abandono do respeito aos povos indígenas que tinha virado parte da nossa visão brasileira de mundo e uma das nossas mais felizes contribuições à nova civilização mundial, que um dia irá desabrochar.

Não falo mais de inconstitucionalidades. São tão evidentes. E ilegalidades, grandes por demais. Deixo para os advogados das ONGs se espernearem com isso. A AGU, a advogacia da União, trabalha contra os interesses indígenas. Só isso já é um escândalo. Falo da dignidade brasileira, do respeito que construímos ao longo de 100 anos pelos povos indígenas -- que está sendo vilipendiado e destroçado por essa administração política.

Nada disso era necessário para desenvolver a Amazônia. Tudo isso é um desmando de ordem descomunal. Poderia ser bem diferente. Pode ainda ser diferente. Mas não do jeito que está.


segunda-feira, 6 de junho de 2011

Raoni não chorou

Veja no site do MércioGomes, merciogomes.com, matéria sobre o protesto de Raoni contra a licença dada pelo Ibama para a construção da Usina Belo Monte.

Raoni diz que não chorou, mas que Dilma vai chorar.


sexta-feira, 25 de março de 2011

Carta aberta de Dom Erwin Krautler contra Belo Monte

Em carta simples e direta, o bispo de Altamira, Dom Erwin Krautler, presidente do CIMI (que apoia a atual direção da Funai) promete continuar a luta contra a construção da Usina Belo Monte. Tece seus argumentos e demonstra com palavras incisivas a desfaçatez do governo Lula ao recebê-lo por duas vezes, e agora, do novo governo Dilma, por receber uma comitiva de índios e ribeirinhos -- e nada fazer para atender aos reclamos da população e parar Belo Monte.

Recentemente Dom Erwin pediu audiência com a presidente Dilma, na esperança de persuadi-la a mudar de opinião (!), porém ela indicou o ministro Gilberto Carvalho para recebê-lo. O bispo declinou, já que esse ministro nem respondeu à carta que o movimento anti-Belo Monte lhe escreveu sobre o assunto.

Dom Erwin, ao final da carta, diz que não abre mão de lutar pelo fim de Belo Monte. Muita coragem e determinação em suas palavras. Porém, há de se convir, ele está presenciando, nesse momento, em Altamira, a chegada dos imensos, gigantescos caminhões, tratores, pilhas e pilhas de explosivos, para abrir o canteiro de obras da usina. O dinheiro está rolando descaradamente pela cidade na captação do apoio e simpatia da população, inclusive indígena, para aceitar ou ao menos acatar a monstruosa usina.

Que poderá fazer a mais, o nosso bispo, do que já fez em matéria de protestos, de encaminhamentos às autoridades brasileiras e aos amigos internacionais, às ONGs e às Igrejas europeias?

Até Raoni, infelizmente, aceitou hoje um convite para conversar com a atual direção da Funai, essa mesma que assinou a licença antes mesmo do Ibama e que já se declarou a favor de Belo Monte!

Que protestos a mais poderá haver? Schwarzenegger, Cameron? O filme Avatar como representação da resistência ao capitalismo do mal? Ah, não!

Me pergunto tudo isso porque estou vendo a realidade se movendo em direção à construção dessa usina, tal como a ditadura militar abriu a Transamazônica, à revelia dos paraenses e da esquerda brasileira. Tal como estão construindo os canais de transposição da água do rio São Francisco, à revelia do bispo de Cabrobó.

A ironia é que ultimamente têm sido governos de esquerda que estão abrindo desbragadamente a Amazônia ao capitalismo brasileiro e mundial. Um capitalismo que nem ao menos consulta os interesses dos moradores da Amazônia, e um governo que se mostra infiel às suas leis, como a Convenção 169 e o Estatuto do Índio.

Alô, alô, presidente Dilma Roussef!

Darcy Ribeiro, nosso amigo comum, a quem a Sra. tanto cita com admiração e respeito, não gostaria de ver que o desenvolvimento da Amazônia fosse feito à custa do sofrimento e da destruição dos povos indígenas!

Honre essa amizade! Abra um diálogo com a população para explicar o que pretende com tudo isso!

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BELO MONTE: O DIÁLOGO QUE NÃO HOUVE
Carta aberta à Opinião Pública Nacional e Internacional

Venho mais uma vez manifestar-me publicamente em relação ao projeto do Governo Federal de construir a Usina Hidrelétrica Belo Monte cujas consequências irreversíveis atingirão especialmente os municípios paraenses de Altamira, Anapu, Brasil Novo, Porto de Moz, Senador José Porfírio, Vitória do Xingu e os povos indígenas da região.
         Como Bispo do Xingu e presidente do Cimi, solicitei uma audiência com a Presidente Dilma Rousseff para apresentar-lhe, à viva voz, nossas preocupações, questionamentos e todos os motivos que corroboram nossa posição contra Belo Monte. Lamento profundamente não ter sido recebido.
Diferentemente do que foi solicitado, o Governo me propôs um encontro com o Ministro de Estado da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho. No entanto, o Senhor Ministro declarou na última quarta-feira, 16 de março, em Brasília, diante de mais de uma centena de lideranças sociais e eclesiais, participantes de um Simpósio Sobre Mudanças Climáticas que “há no governo uma convicção firmada e fundada que tem que haver Belo Monte, que é possível, que é viável... Então, eu não vou dizer prá Dilma não fazer Belo Monte, porque eu acho que Belo Monte vai ter que ser construída”.
Esse posicionamento evidencia mais uma vez que ao Governo só interessa comunicar-nos as decisões tomadas, negando-nos qualquer diálogo aberto e substancial. Assim, uma reunião com o Ministro de Estado Gilberto Carvalho não faz nenhum sentido, razão pela qual resolvi declinar do convite.
Nestes últimos anos não medimos esforços para estabelecer um canal de diálogo com o Governo brasileiro acerca deste projeto. Infelizmente, constatamos que esse almejado diálogo foi inviabilizado já desde o início. As duas audiências realizadas com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 19 de março e 22 de julho de 2009, não passaram de formalidades. Na segunda audiência, o ex-presidente nos prometeu que os representantes do setor energético, com brevidade, apresentariam uma resposta aos bem fundamentados questionamentos técnicos feitos à obra pelo Dr. Célio Bermann, professor do curso de pós-graduação em energia do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo. Essa resposta nunca foi dada, como também nunca foram levados em conta os argumentos técnicos contidos na Nota Pública do Painel de Especialistas, composto por 40 cientistas, pesquisadores e professores universitários.
Observamos, pelo contrário, na sequência a essas audiências, que técnicos do Ibama reclamaram estar sob pressão política para concluir com maior rapidez os seus pareceres e emitir a Licença Prévia para a construção da usina. Tais pressões políticas são de conhecimento público e motivaram, inclusive, a demissão de diversos diretores e presidentes do órgão ambiental oficial. Em seguida, foi concedida uma "Licença Específica", não prevista na legislação ambiental brasileira, para a instalação do canteiro de obras.
No dia 8 de fevereiro de 2011, povos indígenas, ribeirinhos, pequenos agricultores e representantes de diversas organizações da sociedade realizaram uma manifestação pública em frente ao Palácio do Planalto. Na ocasião, foi entregue um abaixo-assinado contrário à obra, contendo mais de 600 mil assinaturas. Embora houvessem solicitado uma audiência com bastante antecedência, não foram recebidos pela Presidente. Conseguiram apenas entregar ao ministro substituto da Secretaria Geral da Presidência, Rogério Sottili, uma carta em que apontaram uma série de argumentos para justificar o posicionamento contrário à obra. O ministro prometeu mais uma vez o diálogo e considerou a carta"um relato que prezo, talvez um dos mais importantes da minha relação política no Governo (...) vou levar este relato, esta carta, este manifesto de vocês, os reclamos de vocês...". Até o momento, nenhuma resposta!
As quatro audiências - realizadas em Altamira, Brasil Novo, Vitória do Xingu e Belém - não passaram de mero formalismo para chancelar decisões já tomadas pelo Governo e cumprir um protocolo. A maioria da população ameaçada não conseguiu se fazer presente. Pessoas contrárias à obra que conseguiram chegar aos locais das audiências não tiveram oportunidade real de participação e manifestação, devido ao descabido aparato bélico montado pela Polícia.
Até o presente momento, os índios não foram ouvidos. As "oitivas" indígenas não aconteceram. Algumas reuniões foram realizadas com o objetivo de informar os índios sobre a Usina. Os indígenas que fizeram constar em ata sua posição contrária à UHE Belo Monte foram tranquilizados por funcionários da Funai que as "oitivas" seriam realizadas posteriormente. Para surpresa de todos nós, as atas das reuniões informativas foram publicadas pelo Governo de maneira fraudulenta em um documento intitulado "Oitivas Indígenas". Esse fato foi denunciado pelos indígenas que participaram das reuniões. Com base nestas denúncias, peticionamos à Procuradoria Geral da República investigação e tomada de providências cabíveis.
A tese defendida pelo Sr. Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), de que as aldeias indígenas não serão afetadas pela UHE Belo Monte, por não serem inundadas, é mera tentativa de confundir a opinião pública. Ocorrerá justamente o contrário: os habitantes, tanto nas aldeias como na margem do rio, ficarão praticamente sem água, em decorrência da redução do volume hídrico. Ora, esses povos vivem da pesca e da agricultura familiar e utilizam o rio para se locomover. Como chegarão a Altamira para fazer compras ou levar doentes, quando um paredão de 1.620 metros de comprimento e de 93 metros de altura for erguido diante deles?
Julgo fundamental esclarecer que não há nenhum estudo sobre o impacto que sofrerão os municípios à jusante, Senador José Porfírio e Porto de Moz, como também sobre a qualidade da água do reservatório a ser formado. Qual será o futuro de Altamira, com uma população atual de 105 mil habitantes, ao ser transformada numa península margeada por um lago podre e morto? Os atingidos pela barragem de Tucuruí tiveram que abandonar a região por causa de inúmeras pragas de mosquitos e doenças endêmicas. Mas os tecnocratas e políticos que vivem na capital federal, simplesmente menosprezam a possibilidade de que o mesmo venha a acontecer em Altamira.
Alertamos a sociedade nacional e internacional que Belo Monte está sendo alicerçada na ilegalidade e na negação de diálogo com as populações atingidas, correndo o risco de ser construída sob o império da força armada, a exemplo do que vem ocorrendo com a Transposição das águas do rio São Francisco, no nordeste do país. 
O Governo Federal, no caso da construção da UHE Belo Monte, será diretamente responsável pela desgraça que desabará sobre a região do Xingu e sobre toda a Amazônia. 
Por fim, declaramos que nenhuma “condicionante será capaz de justificar a UHE Belo Monte. Jamais aceitaremos esse projeto de morte. Continuaremos a apoiar a luta dos povos do Xingu contra a construção desse “monumento à insanidade”.

Brasília, 25 de março de 2011


Dom Erwin Kräutler
Bispo do Xingu e Presidente do
Cimi – Conselho Indigenista Missionário

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Belo Monte: Técnicos do IBAMA dão parecer contrário ao início das obras

Eu já me considerava voto vencido, perdedor, inútil sofredor, prestes a me conformar com o leite derramado, querendo já uma saída digna para os povos indígenas.

Pois que, Belo Monte ia sair, de qualquer jeito, por determinação do governo, seja sob protestos dos índios, dos ribeirinhos, dos habitantes de Altamira, do CIMI e das ONGs, com quem, nesse aspecto, me coloco de acordo.

Eis que dois técnicos do IBAMA acabaram de dar um parecer contrário ao início das obras em função de um parecer do MPF, do Pará, alertando para o fato da empresa NESA, encarregada da obra, não ter preenchido as condições mínimas para ao menos abrir o canteiro de obras. Ao que parece, a NESA não tem clareza sobre o número de pessoas que serão atraídas para essa obra, nem tem cenários claros sobre as suas possíveis consequências. Para os técnicos do IBAMA foi o suficiente para emitir parecer contrário.

A Funai foi, infelizmente, o primeiro órgão a dar o aval à construção da Usina Belo Monte, quando os índios ainda não tinham conhecimento claro do tamanho da obra e de suas consequências, e à revelia dos questionamentos dos próprios técnicos da Funai, que queriam mais tempo para prover melhores esclarecimento para os índios. E se os índios dissessem não, o que aconteceria?

Agora a Funai está com a brocha na mão, com licença dada, enquanto o IBAMA lhe tirou a escada. Que fazer?

Não sei se esse parecer dos técnicos será um impedimento grave para a construção de Belo Monte. Provavelmente a direção do órgão vai passar por cima, ou mandar refazer o parecer por outros técnicos. Já os Kayapó do rio Xingu, especialmente os liderados por Raoni Txukarramãe, continuam firmes contra essa hidrelétrica. Nem tanto pela inundação que se projeta na atualidade, mas por desconfiarem que, uma vez construída Belo Monte, outras hidrelétricas serão construídas mas a montante no rio, impactando mais duramente outros povos indígenas e a si mesmos.

Os índios querem uma palavra com a presidente Dilma Rousseff sobre essa questão e sobre o futuro da Funai. Megaron Txukarramãe declarou recentemente que desconfia que a atual direção da Funai, movida por não sabe que interesses, quer se retirar da responsabilidade tutelar sobre os povos indígenas. Tutela, para os Kayapó, como para muitos outros povos, não significa a rendição desses povos ao Estado, mas a garantia jurídica sobre o senso da responsabilidade maior sobre os povos indígenas que cabe ao Estado, desde a época de Rondon, no que se refere à observação e aplicação de leis e medidas para com os direitos constitucionais indígenas.

Enfim, o governo Rousseff, que está para começar, já vem com pontos controversos a serem resolvidos.

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Ibama pode retardar obra de Belo Monte
Órgão faz dois pareceres contrários ao início da construção, em razão do não cumprimento de condicionantes

Consórcio queria iniciar obras neste ano; MPF afirma que acionará governo na Justiça se licença for concedida 

CLAUDIO ANGELO
DE BRASÍLIA 

No que depender dos técnicos do Ibama, a usina de Belo Monte não terá seu canteiro de obras iniciado neste ano, como queriam seus construtores. A equipe encarregada de analisar o pedido de licença para as chamadas instalações iniciais da hidrelétrica no Xingu deu dois pareceres contrários às obras.

Segundo os documentos obtidos pela Folha, de 5 e 20 de outubro, o consórcio Nesa (Norte Energia S.A.) não cumpriu as precondições impostas pelo Ibama para a instalação do canteiro da usina. Além disso, os empreendedores teriam subestimado o número de migrantes que seriam atraídos para a região de Altamira (PA) para a obra.
"Restam condicionantes e ações antecipatórias (...) cujo não atendimento compromete o início da implantação das instalações iniciais", diz o parecer de 20 de outubro.
"Não é recomendada a emissão de licença para as instalações iniciais."
Principal obra do PAC, Belo Monte será a terceira maior hidrelétrica do mundo. Estima-se que vá custar de R$ 19 bilhões a R$ 30 bilhões e gerar em média 4.400 MW. A usina obteve em abril licença prévia do Ibama, atestando que a obra era viável desde que os empreendedores cumprissem 40 precondições -da instalação de saneamento em Altamira até a proteção de tartarugas que desovam no rio Xingu. Em setembro, a Nesa pediu ao Ibama uma licença de instalação parcial, para o canteiro de obras.

CHUVAS
O consórcio fez isso para ganhar tempo: iniciando os canteiros neste ano, poderia começar as obras da usina após a estação de chuvas, que começa em dezembro.
O Ministério Público Federal no Pará diz que acionará o governo na Justiça caso o Ibama dê a licença de instalação para o canteiro. Seria a décima ação contra Belo Monte em dez anos.
"Licença fracionada não existe na lei brasileira", diz o procurador Felício Pontes Júnior. "O canteiro é a obra."
Na quarta passada, o MPF enviou ao presidente do Ibama, Abelardo Bayma, recomendação para que não emita licença enquanto não forem cumpridas as condicionantes da licença prévia.
Os técnicos do Ibama, no primeiro parecer, dizem que não é nem possível avaliar se a licença de instalação pode ou não ser fracionada, já que o consórcio não detalhou os potenciais impactos dessa fase do empreendimento.
Das 23 condicionantes cujo atendimento seria necessário para iniciar a instalação, uma havia sido atendida em 5 de outubro. Três estavam "em atendimento" ou "parcialmente atendidas". O consórcio enviou novos documentos para análise. No segundo parecer, mais oito condicionantes aparecem como "em atendimento" ou "parcialmente atendidas". Mas, segundo os analistas, questões fundamentais seguem sem resposta. A principal é o tamanho da população a ser atraída ao canteiro. O contingente adicional tende a causar pressão sobre a frágil infraestrutura urbana local e sobre as florestas. O consórcio estimou no pedido de licença para o canteiro que seriam atraídas 2,39 pessoas por emprego gerado no primeiro ano. O EIA-Rima da usina, porém, estima 3,86. Além disso, nenhuma ação de ampliação da infraestrutura foi iniciada.
O Ibama ainda não se manifestou oficialmente sobre a licença do canteiro de obras. Bayma afirmou, via assessoria, que só falaria após a conclusão da análise técnica. O presidente da Nesa, Carlos Nascimento, não respondeu a pedidos de entrevista.
 
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