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terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Augúrio de vitória na Aldeia Maracanã

Rondon e o velho Chefe Bororo Cadete, no velho Museu do Índio, em 1952


A grande notícia comemorativa dessa semana é a declaração do Gov. Sérgio Cabral de que o velho e glorioso Museu do índio, localizado ao lado do Estádio Maracanã, não será mais demolido. O governador assume que aquele prédio pertence ao estado do Rio de Janeiro, havido por compra à Conab, em novembro de 2012, por R$ 60 milhões. Ninguém ainda viu o ato oficial dessa compra, mas se acata que o estado não estaria faltando com a verdade.

Na nota oficial do governo consta que o prédio será restaurado pela empresa que venceu a licitação de reformar o Maracanã e que sua destinação será decidida de comum acordo com o prefeito Eduardo Paes. Afirma outrossim que tudo isso será feito logo que os “invasores” sejam retirados do recinto do prédio.

Como assim, em comum acordo com Paes e sem o diálogo e a consulta aos índios que habitam esse prédio, que do retomaram e que o reivindicam? Chamá-los agora de “invasores”?

Aí é que a porca torce o rabo e o governador fica embananado.

No dia 16 de janeiro o governador enviou uma carta aos índios da Aldeia Maracanã -- que é o nome que os índios moradores do prédio dão muito apropriadamente à organização social que lá criaram desde 2006 – na qual reconhece a organização social dos índios no recinto deste velho Museu do Índio, reconhece-a inclusive com a expressão “comunidade indígena que reside no antigo Museu do Índio”. A carta subscrita pelo governador propõe, além da criação de um Conselho Estadual de Direitos Indígenas, a dotação à comunidade Aldeia Maracanã de um prédio, situado nas imediações da Quinta da Boa Vista, em troca da saída dos moradores indígenas do velho Museu. O prédio aludido é um antigo presídio. Bela troca, hein governador! A palavra presídio causa calafrios a todos nós, muito mais aos índios, que já sofreram o bastante em sua história de relacionamento com invasores de suas terras!

A nota oficial espanta por ignorar um fato que o governador já havia reconhecido, qual seja, de que é uma comunidade indígena que reside no antigo Museu do Índio, e não “invasores”. Onde está a assessoria do Gov. Sérgio Cabral para deixá-lo em tão maus lençóis? Será que não imaginou que sua carta eventualmente se tornaria pública, bem como a resposta que os índios a ela darão?

De todo modo, essas cartas constituem o início de um diálogo novo entre as duas partes, agora em condições mais favoráveis aos índios, já que a ameaça explícita e raivosa de destruição do antigo Museu do Índio foi eliminada.

A sociedade carioca que acompanha e apóia a ação dos índios da Aldeia Maracanã sabe que esse majestoso prédio do antigo Museu do Índio só está sendo reconhecido em seu valor histórico e portanto salvado da destruição por causa exclusiva da intervenção dos índios que vivem no Rio de Janeiro, por sua ousada entrada no prédio em 2006, por sua inimaginada retomada física, social e cultural, por sua resistência inabalável às tentativas de todas as sortes – não menos à tropa de choque enviada pelo governador em 12 de janeiro deste ano – para desalojá-los e enviá-los para os cafundós dos Judas.

Como agora o governador querer outra destinação deste prédio, senão a proposta dos índios de criação de um Centro Cultural Indígena, sob sua direção autônoma e compartilhada, proposta aliás que o próprio governador reconheceu em sua referida carta aos índios!?

Assim, comemoramos esta semana a declaração oficial do governador, subentendendo-se que sua incoerente alusão a “providências que estão sendo tomadas para a remoção de invasores” não passe de um lapso declaratório, um desvio intempestivo, um erro de copidescagem de seus assessores imprudentes.

A sorte está lançada. Algo de novo surge no horizonte das relações interétnicas no Brasil, e surge logo no Rio de Janeiro, que não tem medo de experimentar as coisas novas.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Greve da FUNAI também tem cunho político-administrativo

É com surpresa e satisfação que publico aqui o Manifesto dos grevistas da FUNAI. É um texto forte, inteligente, político. Não pretende só protestar por salários, mas por participação no destino da FUNAI e no trabalho indigenista.

Há vários anos os indigenistas e servidores da FUNAI andavam acabrunhados, sem iniciativa, incapazes de enfrentar os desmandos e mazelas que ocorriam. O decreto de reestruturação do órgão, que teve o protesto por sete meses, entre janeiro e julho de 2010, de mais de 500 índios, foi ignorado pelos servidores, a não ser por alguns dias, quando a FUNAI foi tomada. Tempo estranho aquele, pelo abandono com que os índios se sentiram.

Mas, agora, com nova liderança, os servidores do órgão levantam a cabeça, discutem seus interesses profissionais e criam uma visão mais adequada ao momento atual.

Vejam o que anda acontecendo pelo Brasil afora. Vejam o descalabro que estão as tais coordenações regionais, sem falar nas míseras coordenadorias técnicas locais. Que nome! Digno do mais inseguro burocrata da Terra. E jogaram fora o nome "posto indígena", que marcava um status federal para os índios.

Mas vamos lá pessoal, unam-se e ajudem os índios a mudar essa FUNAI!

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MANIFESTO DOS SERVIDORES E SERVIDORAS EM GREVE DA FUNAI AOS POVOS INDÍGENAS

Brasília/DF, 03 de julho de 2012

Comunicamos aos povos indígenas, suas organizações e associações que os/as servidores/as da Funai sede, em Brasília, deflagraram greve por tempo indeterminado no dia 21 de junho, após deliberação em assembleia. As Coordenações Regionais e respectivas Coordenações Técnicas Locais estão, paulatinamente, aderindo ao movimento, cujo objetivo é atingir a adesão nacional.

A greve da Funai vem se somar ao movimento de greve nacional dos servidores públicos federais, em defesa do serviço público de qualidade e da valorização das respectivas carreiras.

A questão indígena não tem sido uma prioridade para o Estado Nacional e menos ainda para o atual governo. Nesse cenário, a luta na Funai passa pela valorização da instituição e pela aplicação da política indigenista. Política esta que passa por uma reviravolta a partir do marco constitucional de 1988[1], em que, pela primeira vez, a perspectiva assimilacionista e assistencialista do Estado foi deslocada em direção ao respeito à multiplicidade étnica e às diversas formas de territorialidade dos povos indígenas.

Porém, essa luta ainda está em processo, uma vez que os direitos não estão garantidos em sua plenitude, com destaque para a defasagem na regularização fundiária dos territórios indígenas.  Ao longo da história, quase 90% do território nacional foi sendo expropriado dos povos indígenas. Dos 12% atualmente reconhecidos como territórios indígenas pelo Estado, menos de 60% estão regularizados e boa parte desse total não se encontra na posse plena das populações indígenas, gerando graves problemas de desestruturação socioambiental e cultural.
Da mesma forma, é preciso repensar o lugar que ocupam a saúde e a educação indígenas, dois direitos conquistados durante longas décadas de discussões e lutas do movimento indígena, e que ainda não foram implementadas de forma efetiva e adequadas às especificidades dos povos indígenas.

Entendemos que a Funai deva exercer um papel mais atuante no desenvolvimento de ações complementares e diferenciadas, fortalecendo as ações dos órgãos diretamente responsáveis pelas políticas de educação e saúde, bem como das outras Políticas de Estado voltadas aos povos indígenas.

Além disso, enquanto órgão indigenista, a Funai deve apoiar os povos indígenas para o exercício do controle social sobre essas Políticas para que as mesmas sejam adequadas às suas especificidades e interesses.

No contexto das questões levantadas acima, a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas – PNGATI[2] passa a ser um instrumento importante de reconhecimento da autonomia e protagonismo dos povos indígenas por meio da gestão que fazem de seus territórios. A Política foi conquista de um intenso debate e mobilização do movimento indígena, que demandou do Estado brasileiro o reconhecimento da importância dos modos de vida tradicionais e do manejo e conservação da biodiversidade nos territórios ocupados.

Entretanto, esse instrumento jurídico ainda carece de garantia orçamentária e política por parte dos órgãos responsáveis para sua aplicação. Ressalta-se que a execução dessa Política dependerá decisivamente de uma Funai que consiga trabalhar de forma eficiente junto aos indígenas em seus territórios. Para tanto, é fundamental que se tenha estrutura administrativo-financeira, pessoal qualificado e definição das normas e procedimentos internos ao órgão.

A Funai, historicamente, vem sofrendo um processo de sucateamento que reflete o desinteresse do Estado brasileiro com relação à política indigenista, fundiária e ambiental. A Funai há quase três anos passa por um processo de reestruturação que ainda não se deu na prática, acarretando a inexistência ou a existência precária de várias Coordenações Técnicas Locais, Frentes de Proteção Etnoambiental e até mesmo de Coordenações Regionais.

Os/As servidores/as são submetidos a condições degradantes de trabalho, sem condições mínimas de logística para atendimento às demandas dos povos indígenas; sem acesso a meios de comunicação com as outras unidades, inclusive com a Funai sede; com procedimentos burocráticos ultrapassados que implicam a extrema dificuldade de acesso aos recursos e execução das atividades junto aos povos indígenas. Somam-se a esses problemas o contigenciamento de recursos imposto pelo Governo Federal e o baixo efetivo de servidores, sem o suporte institucional adequado de cursos de formação para as funções exercidas.

Além disso, a baixa remuneração dos servidores tem sido um importante fator de evasão e precariedade dos serviços prestados. Não há política de capacitação/qualificação, de qualidade de vida no trabalho, tampouco política salarial. Os concursos para provimento de vagas são pouco atraentes e mesmo os escassos processos seletivos realizados foram incapazes de recompor o quadro de servidores. Dos 2.585 servidores ativos da Funai, 35% poderão se aposentar até o final de 2013, e dos remanescentes, 47% estarão aposentados até 2020.

Esses dados reforçam a necessidade premente de novos concursos de provimento de cargos vinculados a melhorias estruturais e de carreira, de modo que a instituição construa uma política de valorização, garantindo a permanência de bons profissionais.

Além da falta de orçamento, pessoal e condições de trabalho, outro grande gargalo para a reestruturação do órgão está na ausência de um processo democrático e participativo dos servidores na construção do Regimento Interno e em algumas inconsistências relativas à localização das unidades descentralizadas.

Fica evidente, portanto, que o Estado não vem oferecendo condições materiais e humanas para o pleno funcionamento do órgão indigenista, impedindo o cumprimento da missão institucional da Funai e, assim, o atendimento à Constituição Federal no que concerne aos direitos garantidos aos povos indígenas.

Por isso, trazemos ao debate: a necessidade de que todas as Coordenações Técnicas Locais entrem em funcionamento para o adequado trabalho junto aos povos indígenas; de que as Coordenações Regionais sejam dotadas de estrutura física e de pessoal qualificado para a execução de suas atribuições; a desburocratização e promoção da autonomia técnico-administrativas das Coordenações Regionais; a criação de normativas que aprimorem e agilizem os procedimentos internos da Funai; a criação e aprovação do Plano de Carreira Indigenista que reconheça e valorize a real situação na lida diferenciada dos funcionários desta Fundação com as comunidades indígenas; a participação indígena e de servidores nas discussões sobre a reestruturação da Funai; a realização de concurso público para provimento total dos 3100 cargos previstos no Decreto 7056/09, incluindo a previsão de cotas para indígenas; a discussão e construção conjunta e participativa do Regimento Interno; e, que o orçamento da Funai seja compatibilizado às suas demandas, dentre outras ações estruturantes para a Fundação, como reivindicações a serem discutidas para além da greve.

Como manifestado pelo movimento indígena[3], repudiamos ais  a impunidade, a violência e a perseguição de lideranças indígenas; os grandes empreendimentos em territórios indígenas e a falta de poder de decisão dos povos indígenas sobre a construção desses empreendimentos, em contradição à Constituição Federal e à Convenção 169 da OIT; a diminuição dos territórios indígenas; o enfraquecimento da legislação indigenista e da política ambiental que interfere diretamente na disponibilidade e na qualidade dos recursos naturais essenciais para a sobrevivência física e reprodução cultural dos povos indígenas; a tentativa de, por meio da PEC 215, transferir ao Congresso Nacional a competência para a demarcação e homologação de terras indígenas. 

Repudiamos ainda a recomendação inconstitucional da presidenta Dilma Rousseff de submeter à aprovação do Ministério de Minas e Energia todos os processos de regularização fundiária de terras indígenas antes da expedição de decreto homologatório; a morosidade nos processos de regularização fundiária; o desmonte do Código Florestal; a discussão do projeto de lei que regulamenta a mineração e o aproveitamento de recursos hídricos em terras indígenas sem considerar as proposições contidas no novo Estatuto dos Povos Indígenas, que está em tramitação no Congresso há mais de uma década; a Portaria 419, que atropela os trâmites técnico-processuais próprios ao processo de licenciamento ambiental, em favor de maior celeridade na condução dos empreendimentos de infraestrutura nacionais.

Exigimos do Estado as condições adequadas para a regularização fundiária e a proteção dos territórios indígenas; a melhoria dos serviços de saúde prestados aos povos indígenas; a valorização dos processos educacionais indígenas e o diálogo intercultural simétrico que respeite as especificidades étnicas e culturais de cada povo; a participação dos povos indígenas no planejamento decenal dos setores de infraestrutura e energético, responsável pelos projetos de empreendimento que afetam diretamente seus territórios; a aprovação do novo Estatuto dos Povos Indígenas; a regulamentação do direito de consulta dos povos indígenas, conforme disposto na Convenção 169 da OIT; ação efetiva dos demais órgãos afetos a políticas indigenistas, a exemplo do Ministério da Saúde, Ministério da Educação, Ministério da Cultura, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério do Meio Ambiente, dentre outros; capacidade administrativa para a Funai coordenar, implementar, executar e acompanhar toda a política indigenista do estado brasileiro.

Convidamos os povos indígenas, por meio de suas principais esferas de representação, como APIB, COIAB, ARPINPAN, ARPINSUL, ARPINSUDESTE, APOINME, ATY GUASSU, bem como as demais organizações e iniciativas indígenas de nível local e regional a se juntarem a nós, servidores do órgão indigenista oficial, na construção conjunta desse movimento que visa à garantia efetiva dos direitos indígenas e indigenistas.


Servidoras e Servidores em Greve da Funai


[1] Durante as décadas de 1970 e 1980 há um intenso processo de discussão e politização do movimento indígena e indigenista não oficial, que culmina na participação decisiva de algumas lideranças indígenas na construção do texto constitucional vigente.

[2] Aprovada por meio de Decreto Presidencial (nº 7.747, de 05 de junho de 2012) e não por meio de um Projeto de Lei, que garantiria maior segurança e força do ponto de vista jurídico.

[3] Documento Final do IX Acampamento Terra Livre – Carta do Rio

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Documento do Acampamento Terra Livre condena mas não condena a Funai


O documento final do Acampamento Terra Livre, elaborado evidentemente pelos seus organizadores cimistas, abaixo transcrito, prima pela retórica rebarbativa e efetivamente ineficaz contra o governo Dilma, retórica que o próprio governo se encarregou de esvaziar ao receber uma pequena comitiva de índios ontem à tarde. Nessa reunião, com a presença ostensiva dos ministros ou secretários executivos de Justiça, Meio Ambiente, Saúde e das Minas e Energia, o ministro-chefe da Secretaria de Governo, Gilberto Carvalho, disse sem meias palavras que o governo vai sim construir as hidrelétricas, estradas e hidrovias que achar necessárias ao desenvolvimento do país, mas que o mesmo governo tem respeito aos índios e os recebe bem e os escuta. Retórica igualmente rebarbativa, mas, no caso, eficaz.
O governo Dilma tem uma vantagem sobre o segundo governo Lula. Não quer meias conversas, diz tudo na lata, doa a quem doer. Lula passava sabão, dizia que não ia fazer nada sem consultar, mas fazia do mesmo jeito.

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quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Pausa para Reflexão sobre o Brasil: Propostas de Mangabeira Unger


OITO OPÇÕES PARA DEFINIR O RUMO DO  BRASIL
                
        Oito séries de opções definem o modelo de desenvolvimento que convém ao Brasil. Modelo que transforma a ampliação de oportunidades econômicas e educativas no motor do crescimento. E que afirma a primazia dos interesses do trabalho e da produção sobre os interesses do rentismo.


1.Reposicionar o Brasil na divisão internacional do trabalho. Deve o país optar contra caminho, como o da Nova Zelândia ou do Chile, que combina  produção e exportação de produtos primários com tentativa de formar elite internacionalizada de serviços. O Brasil é grande demais para abandonar sua vocação industrial. Ao manter-se fiel a ela, precisa também optar contra estratégia como a que a China seguiu: apostar, por muito tempo, em trabalho barato e desqualificado. Não prosperaremos como uma China com menos gente.


2. Financiar internamente nosso desenvolvimento. Dividir ao meio a seudo-ortodoxia econômica que os governos brasileiros abraçaram em décadas recentes.  Reafirmar a parte útil -- o realismo e a responsabilidade fiscais --, mesmo à custa de renunicar, por algum tempo, a instrumentos de uma política contra-cíclica. Repudiar a parte nociva -- a tolerância de nível baixo de poupança pública e privada e a consequente dependência do capital estrangeiro para financiar nosso desenvolvimento.
Em tese, o nível de poupança é mais efeito do que causa do crescimento. A mobilização inicial dos recursos nacionais representa, entretanto, condição para a afirmar estrátegia rebelde e inovadora de desenvolvimento.
A elevação da poupança pública requer disciplina fiscal. Já para elevar a poupança privada, temos de construir mecanismos que organizem e aproveitem a poupança previdenciária.
O aumento da poupança privada e pública será, porém, indiferente ou nocivo sem canais que encaminhem a poupança de longo prazo para o investimento de longo prazo. E que evitem que seu potencial produtivo se desperdice num casino financeiro. Investimento e inovação: este é o binômio crucial.


3. Redefinir a política agrícola. Agropecuária, ainda a principal atividade econômica do Brasil, tem tudo para exemplificar o vínculo entre diversificação da produção e democratização das oportunidades. Para isso, precisa pautar-se por três objetivos entrelaçados. Fazer da agricultura familiar agricultura empresarial. Agregar valor aos produtos agropecuários no campo. Construir classe média rural forte como vanguarda de massa de trabalhadorea agrícolas mais pobres que avançara atrás dela.
Este projeto vingará no contexto da solução do maior problema físico de nossa agricultura: a recuperação de pastagens degradadas que hoje formam grande parte do território nacional. (No Brasil, para cada hectar sob lavoura há quatro entregues à pecuária extensiva.) Se recuperarmos parte desta área, dobraremos a área cultivada e triplicararemos nosso produto agrícola sem tocar uma única árvore.


4. Reorientar a política industrial. Se abrirmos para as pequenas e médias empresas o acesso ao crédito, à tecnologia, ao conhecimento, aos mercados globais, criaremos dínamo de crescimento includente. São elas a parte mais importante de nossa economia; é ali que se gera a maior parte do produto e é ali que está a vasta maioria dos empregos.
Organizar fora dos centros industriais travessia direta do pré-Fordismo industrial para o pós-Fordismo industrial, sem que o todo o país tenha de penar no purgatório de um paradigma de produção --  produção em grande escala de bens e sereviços padronizados, por meio de mão de obra semi-qualificados e processos produtivos rígidos e hierárquicos -- que já se vai tornando superado no mundo e que inibe nossa ascensão na escalada da produtividade. O Brasil todo não deve ter de virar a São Paulo de meados do século passado para depois tornar-se outra realidade.


5. Reorganizar as relações entre trabalho e capital. Não se inova nisto desde Vargas. A maior parte do povo brasileiro está fora do regime legal. Quase metade da população economicamente ativa continua na informalidade. Parte crescente dos empregados na economia formal encontra-se em situações precarizadas, de trabalho temporário, terceirizado ou autônomo.
Construir, ao lado do regime estabelecido de leis trabalhistas, um segundo corpo de regras, destinado a proteger, a organizar e a representar os trabalhadores inseguros das economias informal e formal.


6. Capacitar o povo brasileiro.
A primeira prioridade é reconciliar a gestão local das escolas pelos estados e municípios com padrões nacionais de investimento e de qualidade: federalizar -- na prática, não apenas na lei -- os padrões. Para reconciliar gestão local com padrões nacionais é preciso criar instrumento para consertar redes de escolas locais que caiam repetidamente abaixo do patamar mínimo aceitável de qualidade. O meio é associar os três níveis da federação em órgãos conjuntos que possam vir em socorro destas escolas, assumi-las temporariamente, confiá-las a gestores profissionais independentes e devolvê-las consertadas.
         A segunda prioridade é mudar a maneira de aprender e de ensinar no Brasil. Substituir decoreba -- o enciclopedismo informativo superficial -- por ensino analítico e capacitador, com foco no básico: análise verbal e análise numérica.
         O lugar para iniciar esta obra é o elo fraco: a escola média. E o instrumento mais promissor é educação secundária com fronteira aberta entre o ensino geral e o ensino técnico. Ensino geral que subordine memorização a análise. Ensino técnico que priorize o domínio de capacitações práticas flexíveis e genéricas em vez de priorizar a aprendizagem de ofícios rígidos.


7.Reconstruir o Estado. Não existe ainda no Brasil o Estado capaz de executar o programa que aqui se esboça. Nosso Estado continua a ser balofo e incapaz. Há três agendas de gestão pública a executar simultaneamente.
A primeira agenda, a do profissionalismo burocrático, é a obra incompleta do século 19 em matéria de administração pública. Temos ilhas de profissionalismo no Estado. Continuam a flutuar em oceano de discricionariedade política.
A segunda agenda, a da eficiência administrativa, está associada ao século 20.  Reinventar para o setor público práticas de gestão empregadas no setor privado: padrões de desempenho, garantias de transparência, mecanismos, dentro e fora do Estado, para avaliar, incentivar e cobrar resultados. Transformar o direito e o processo administrativos. Metade do que temos é camisa-de-força, baseada em desconfiança. A outra metade é o oposto: a delegação de poderes discricionários a potentados administrativos. Ambas as metades precisam ser substituídas por regras e procedimentos que permitam reconciliar fidelidade aos objetivos com flexibilidade na execução.
A terceira agenda, a ser característica do século 21, é a do experimentalismo na maneira de prover os serviços públicos, inclusive de educaçaõ e de saúde. Não precisamos escolher entre a provisão burocrática de serviços padronizados de baixa qualidade e a privatização destes serviços em favor de empresas à busca de lucro. Pode o Estado ajudar a organizar e a financiar a sociedade civil independente para que ela participe da provisão competitiva e experimental dos serviços prestados pelo Estado ao cidadão. É a melhor maneira de qualificá-los.


8. Institucionalizar a cultura republicana.
O primeiro ponto de partida é substituir federalismo de repartição rígida de competências entre os três níveis da federalismo por federalismo cooperativo que os associe em ações conjuntas e em experimentos compartilhados.
O segundo ponto de partida é adotar medidas que comecem a tirar a política da sombra corruptora do dinheiro. Financiar publicamente as campanhas eleitorais para diminuir a influência do dinheiro privado. Rever o processo orçamentário para que o orçamento deixe de ser palco pantanoso da negociação entre os interesses poderosos. Substituir a maior parte dos cargos de indicação política por carreiras de Estado.
Utopia? Tudo isso é factível com instrumentos que já temos à mão. O objetivo é dar braços, asas e olhos à vitalidade brasileira.
 
Roberto Mangabeira Unger é Professor Titular da Universidade de Harvard (EUA).

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Novo ministro-cabeça no Planalto

Tomou posse ontem na Secretaria de Assuntos Estratégicos o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, o diplomata intelectual nacionalista que serviu como secretário geral do Itamaraty anteriormente.


Guimarães é um diplomata de grande respeito nos meios intelectuais brasileiros, principalmente nas hostes que defendem a soberania nacional em questões culturais e econômicas. Não tem a bagagem filosófica do seu antecessor, Roberto Mangabeira Unger, que voltou a dar aulas em Harvard, mas tem o senso preciso da posição do Brasil no mundo moderno e tem garra para lutar por sua ascensão e respeitabilidade.


Vale a pena lembrar que o ministro Guimarães foi um ardente opositor ao rejeitado Plano Alba, proposto pelo governo Bush para formar um mercado comum dos países das Américas. Guimarães considerava que isso iria levar o Brasil a uma posição de subordinação econômica e política inaceitável. Na época, prevalecia o espírito neoliberal e o governo FHC estava inclinado a aceitar qualquer coisa vinda dos EUA.


Não sei se há tempo hábil para Guimarães deixar sua marca na visão de planejamento estratégico de que o Brasil tanto precisa. Ele deve concentrar suas energias em alguns temas já delineados por Mangabeira, tais como a Amazônia sustentável e a Defesa nacional. Deve fazer parceria com o ministro Jobim, com o ministro da Agricultura, com os governadores da Amazônia, mas com mais diálogo com o meio ambiente e com os movimentos sociais.


Boa sorte ministro Samuel Pinheiro Guimarães

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Governador do MS pede a Dilma Roussef que suspenda portarias da Funai

A ministra Dilma Roussef, tida como a factotum de Lula, está recebendo pressão política de todos os lados em relação ao reconhecimento de terras indígenas. Não se sabe exatamente o que ela pensa de tudo isso. Sabe-se apenas que ela quer negociar acordos políticos para sua campanha a presidência. A conversa durou três horas.

Recentemente foi o governador André Puccinelli, do Mato Grosso do Sul, que chegou perto dela com diversas demandas. Uma delas foi para que a Funai suspendesse as portarias de estudo para reconhecimento de terras indígenas para os índios Guarani daquele estado. Essas portarias vêm provocando as maiores celeumas já vistas na questão indígena brasileira dos últimos 30 anos.

Que disse a ministra Roussef? Não se sabe. Não deve ter dito que vai fazer o que o governador quer que ela faça. O que sabemos é que os estudos de campo estão paralisados, mas os GTs estão constituídos e seus membros parecem em atividade.

Recentemente um grupo de índios Guarani que tinha adentrado uma fazenda no município de Rio Brilhante, vindo da T.I. Panambi, foi forçado por ordem judicial a sair dessa fazenda, onde, inclusive, já vivia há um ano e meio, com casas construídas e tudo. Suas casas foram queimadas por gente dos fazendeiros para deixar claro que não querem a volta dos índios. Em outra matéria dos jornais de Mato Grosso do Sul, um dos donos da tal fazenda pede ao Ministério Público que providencie as ordens para que seja exumado e retirado o cadáver de uma criança Guarani que havia morrido e enterrado na fazenda durante o tempo em que esse grupo de Guarani esteve lá.

A situação está crítica no Mato Grosso do Sul. O ódio anti-indígena está acirradíssimo. Alguém está contente com isso?


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André pediu para ministra retirar portarias da Funai
Quarta-feira, 16 de Setembro de 2009 17:44Reportar erro | Comentários(0)
Paulo Fernandes
Fernando Dias
Governador André Puccinelli não conseguiu convencer Dilma sobre portarias da Funai
Durante a reunião com a ministra Dilma Roussef (Casa Civil) na última terça-feira, o governador André Puccinelli pediu a retirada das portarias da Funai (Fundação Nacional dos Índios) sobre os estudos antropológicos que visam a demarcação de terras indígenas em Mato Grosso do Sul.

“Pedi para não negociarmos com a faca no pescoço”, justificou o governador, que não conseguiu convencer a ministra sobre este assunto. Puccinelli conversou com o Campo Grande News na tarde de hoje, na Unei Dom Bosco, onde entregou um ambulatório.

Puccinelli também discutiu com Dilma sobre o zoneamento ecológico-econômico do governo federal que proíbe o plantio de cana-de-açúcar e da instalação de usinas em toda a Bacia do Alto Paraguai.

O governador acredita que a proposta é radical, já que o governo do Estado tem um estudo que garante não ter problemas na plantação de cana-de-açúcar em alguns pontos. Puccinelli não conseguiu convencer Dilma também sobre este aspecto.

Puccinelli ficou com a ministra por três horas, incluindo almoço e reunião, mas garante que não conversou com ela sobre as sucessões presidencial e do governo do Estado. PMDB e PT são aliados em plano nacional.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Belo Monte tem audiências públicas e passa



Ontem foi realizada em Belém a última das quatro audiências públicas planejadas para analisar e discutir a futura Usina Hidrelétrica de Belo Monte e seus impactos socio-ambientais. Nos dias anteriores foram realizadas audiências em Altamira, Brasil Novo e Ururaí. A Eletronorte e a Eletrobrás foram representadas por altos técnicos, como o próprio diretor de engenharia Armando Palloci.

As audiências tiveram muita participação da população local. Em Altamira os índios estavam representados por todas as etnias, mas quem se fez dominar foram os Xikrin, do povo Kayapó. A questão é que os Xikrin acataram os planos da Hidrelétrica de Belo Monte. Segundo os depoimentos das lideranças que estavam representando os velhos, os Xikrin querem o progresso que a Usina prometeu-lhes: estradas, comunicação, projetos econômicos. Já os índios Juruna e Arara do Maia, que moram na Volta Grande do Xingu, vão pagar um preço muito caro. Foram abafados pela força dos Xikrin.

A igreja, que se fazia presente em tantas outras reuniões por sua autoridade diocesana, se furtou de uma participação mais ativa. As Ongs ambientalistas, apesar de, alguns meses atrás, terem falado com o próprio presidente Lula, que havia lhes prometido que o governo não enfiaria a Usina goela abaixo, ficaram de lado. Um novo grupo de jovens católicos, aparentemente criado recentemente, fez um protesto, mas inutilmente.

Por sua vez, o procurador federal lotado em Altamira abriu uma ação contra o Ibama para que o órgão faça mais audiências públicas em cada cidade e povoado da região. Inutilmente.

O fato é que as favas estão contadas e estão todas no bisaco. A Usina Hidrelétrica de Belo Monte passou.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Guarani se reúnem em aty guassu em Amambai

O CIMI colocou em seu site a notícia abaixo que trata do início de um aty guassu na cidade de Amambai, MS.

A assembleia foi convocada aparentemente pelos paí Guarani para tratar dos dois principais problemas que afligem a paciência dos Guarani de Mato Grosso do Sul: o administrativo e o fundiário.

O problema administrativo tem dois aspectos cruciais: um é a destruição da AER Amambai e a concentração dos serviços na única administração restante para os Guarani, a AER do Cone Sul, localizada em Dourados. Essa decisão foi feita logo no começo da atual gestão da Funai e os Guarani a engoliram com a promessa de que a nova administração iria ser poderosa e bem aquinhoada. Por algum tempo os Guarani aceitaram esse controle vindo de Dourados, quando há pelos menos 15 anos a AER de Amabai funcionava para mais da metade dos índios Guarani do Mato Grosso do Sul. Agora não somente querem a descentralização quanto a renovação da AER Amambai e a criação de mais duas outras. O outro aspecto administrativo crucial diz respeito á condução da Sra. Margarida Nicoletti na AER Cone Sul. Para muitos sua gestão é eficiente e correta e a Sra. Nicoletti é leal aos índios e aos seus propósitos. Por exemplo, ela brigou duramente com os pastores evangélicos, mas não com os pastores católicos. Para outros, ela é centralizadora, atende em especial aos grupos indígenas ligados ao CNPI e tomou como princípio desconsiderar o papel tradicional dos chamados capitães das aldeias Guarani.

Nesse quesito a posição da gestão atual da Funai é: nem uma coisa, nem outra. Os índios que engulam o que têm.

Já o problema fundiário é mais grave. Trata-se da promessa feita pela Funai, tanto em Dourados quanto em Brasília, através de um TAC firmado com o Ministério Público Federal, em novembro de 2007, segundo o qual a Funai se comprometia a demarcar cerca de 500.000 a 1.000.000 de hectares no Mato Grosso do Sul. Muitos índios Guarani acreditaram nessa promessa e agora querem seu cumprimento. Essa promessa destemperada resultou no envio de 6 grupos de trabalho para dar partida ao reconhecimento das novas terras guarani. E o coice veio exatamente de onde mais se esperava: a resistência acirradíssima dos fazendeiros locais e no envolvimento direto e emocional do governador do estado, André Puccinelli. No desenrolar desses acontecimentos, que se deram entre julho e outubro de 2008, o governador Puccinelli foi ao presidente Lula e acertou que não haveria demarcação nenhuma em Mato Grosso do Sul passando por cima dele. O atual presidente da Funai foi chamado e admoestado para atender ao reclamo do governador e agora põe-se na quietude fingindo-se de mercador.

Nesse segundo quesito a posição da gestão atual da Funai é: não dá para fazer nada agora.

O Aty guassu que está se realizando em Amambai está tendo o apoio ostensivo do CIMI, cuja ideia é de forçar a Funai e o seu presidente atual a tomar posição de cumprir sua promessa, ou desistir de sua posição.

Vamos esperar para ver o documento que sairá na sábado. Terá a marca tradicional dos autores dos últimos documentos emitidos nessas assembleias.


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Lideranças no MS ressaltam que não vão abrir mão da demarcação de suas terras

Notícia do CIMI

Os Kaiowa-Guarani de Mato Grosso do Sul começam hoje o primeiro Aty Guasu de 2009, assembléia que vai até o dia 28 de fevereiro no município de Amambaí. Um dos principais temas do encontro será o problema da crise de administração na FUNAI de Dourados. Porém muitas lideranças já adiantaram que com ou sem a atual administradora, não vão abrir mão da demarcação de suas terras.

Participam do encontro, lideranças políticas e religiosas, professores, vereadores indígenas, agentes de saúde, crianças para buscar uma definição sobre o problema que afeta a administração da FUNAI de Dourados/MS.A chefe atual, Margarida Nicoletti, está sendo questionada por um grupo de lideranças indígenas, que pedem o afastamento da mesma e a nomeação de um indígena como novo administrador da entidade. Por outro lado um grupo maior de lideranças fez uma reunião no 03 de fevereiro,ocasião em que decidiram chamar o Aty Guasu para que seja decidido nessa instância, por meio da vontade da maioria das lideranças de todas as aldeias, a continuidade ou não de Nicoletti como administradora da FUNAI de Dourados.

Reestruturação

As lideranças que querem a continuidade de Margarida colocaram condicionamentos para seguir apoiando a atual administração da FUNAI em Dourados. Em nota enviada ao presidente da FUNAI Marcio Meira, 26 lideranças das aldeias do cone sul de MS e vereadores indígenas Kaiowa-Guarani ressaltaram "além da permanência da atual administradora queremos a definição das políticas que precisam ser implementadas pela FUNAI, bem como mais funcionários para que estas políticas possam ser executadas". Entre as mudanças, pedem "a estruturação da regional da FUNAI de Amambaí e ampliação de regionais para Antonio João, Paranhos e Iguatemi e novos administradores nas regionais e que os mesmos sejam escolhidos no Aty Guasu, visto que os atuais não têm cumprido seu papel", afirmam.

Demarcação em jogo

As lideranças que apóiam Margarida dizem que a idéia de tirar Margarida da FUNAI não representa o sentimento da maioria do povo Kaiowa-Guarani e que existe "interesses políticos dos não índios que querem prejudicar a atual administração". Na reunião de lideranças no dia 3 de fevereiro em Dourados este grupo enviou uma mensagem à sociedade com a seguinte reflexão: "Tem grupo vinculado ao agronegócio que quer confundir os indígenas e criar briga entre nós, achando que derrubando Margarida nós vamos esquecer a luta pela demarcação de nossas terras. Independente de Margarida, a demarcação quem vai fazer são os Kaiowa-Guarani".

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Jarbas Vasconcellos abre o verbo contra o PT e o PMDB


Este Blog não costuma apresentar análises de eventos políticos recentes. Tampouco de encômios a políticos. Entretanto, a entrevista com o senador Jarbas Vasconcellos, de Pernambuco, publicada essa semana pela Veja, merece nossa consideração. Sua força não é exatamente política, mas cultural e ética, no sentido de que afeta nossos sentimentos de brasilidade e de esperança de dignidade.

Conheci o senador Vasconcellos quando ele era governador de Pernambuco e o visitei no Palácio dos Guararapes, em Recife. Conversamos sobre as questões indígenas de seu estado e no esforço que ele começava a fazer para incorporar a atuação indígena nas suas secretarias. Me parecia mais um governador inclinado a contribuir com o bem-estar dos povos indígenas, mesmo sem saber como fazê-lo. Não mais o vi.

A entrevista do senador Jarbas é devastadora ao PMDB e ao PT. Descasca as vestes formais dos senadores Sarney e Renan Calheiros e não mede palavras na sua análise sobre o papel do governo Lula em tornar o povo dependente dos programas assistencialistas e de sua entrega aos interesses eleitoreiros mais desprezíveis do PMDB e do PT.

A entrevista me fez lembrar aquela dada pelo irmão de Fernando Collor, o Pedro, que iniciou o bombardeio contra o então presidente. Mas, é certo que não terá nenhuma repercussão parecida. Os caciques do PMDB já declararam que não vão fazer nada formalmente contra Jarbas, enquanto tentam miná-lo por baixo do pano e esperam que o tempo a faça ser esquecida.

Entretanto, é uma entrevista épica, pelo vigor poético desassombrado que contem, e poderá ter uma repercussão de outra sorte. Ficará como um marco nesse horizonte vazio de esperanças. O senador Jarbas não contemporiza com a falta de ética, com os oportunismos e com o cinismo reinante no Reino do Lulismo-Peemedebismo, nem falta-lhe coragem para destacar nomes no meio da manada. Cita-os e diz porquê.

Será o suicídio político do senador Jarbas? Ou será um passo rumo a algo mais forte? Nem podemos falar sobre isso. O que vale é o desassombro de um homem que tem uma carreira política brilhante e que pretende deixar uma marca de exemplo para os brasileiros. O senador Pedro Simon era, até então, o último varão probo da República. Agora temos o Jarbas.

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Jarbas descarta deixar partido e diz que corrupção no PMDB atinge escalão superior

Gabriela Guerreiro, da Folha Online, em Brasília

Depois de fazer duras críticas ao PMDB e denunciar a existência de corrupção dentro do partido, o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) descartou nessa segunda-feira a possibilidade de deixar a legenda. Ao reiterar que grande parte dos peemedebistas está envolvida em atos de corrupção, Jarbas não quis revelar nomes com o discurso de que sua ideia é apenas fomentar o "debate" dentro da legenda.

Parte do PMDB quer mesmo é corrupção, diz senador Jarbas Vasconcelos
"Como posso citar nomes? É um número muito volumoso, eu não vim ficar como auditor do PMDB no Congresso. Eu não disse que todo o PMDB era corrupto, mas grande parte. São nos escalões superiores que a corrupção vive", disse o senador.

Apesar de denunciar a existência de corrupção dentro do PMDB, Jarbas afirmou que não vai sair da legenda --nem avalia que será expulso do partido. "Não acredito em expulsão. Pode ser que tenha um processo, mas as pessoas [corruptas] têm perfil conhecido. Eu não retiro nada do que eu disse, quem quiser [me] processar, procure o conselho de ética do partido", afirmou.

O senador classificou de "estapafúrdia e ridícula" a versão de que teria concedido entrevista à revista "Veja" com duras críticas ao partido com o objetivo de ser expulso da legenda. "É ridícula essa tese de que estou fazendo isso para ser expulso. Minha função é ser senador", afirmou.

Jarbas também rebateu as acusações de que as críticas ao PMDB são estratégia para ser lançado como vice na eventual chapa do tucano José Serra (PSDB-SP) à Presidência da República em 2010. O senador também criticou as especulações de que suas críticas têm como objetivo fazê-lo ganhar destaque na mídia para as eleições do ano que vem

"Não quero ser vice, não sou candidato a vice. Eu não vou fazer barreira da minha atuação parlamentar para conquistar voto. Mas as pessoas também não podem querer que, depois de uma entrevista daquelas, eu vote no PT", afirmou.

Renan

Jarbas disparou críticas ao líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL), e ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). O senador disse que vai manter sua prática de não participar de nenhuma reunião da bancada do PMDB presidida por Renan no Senado. "É uma posição de autodesconforto. Eu sequer vou mais à reunião do partido, sobretudo agora, comandado pelo Renan", afirmou.

Em relação a Sarney, Jarbas criticou a sua candidatura para presidir o Senado e as eleições que resultaram na sua vitória. "A eleição do Sarney foi muito estranha, ele terminou cedendo à pressão do Renan. O Senado tem problemas de imagem internos e externos. Não combato o Sarney, mas as suas práticas", disse.

Na opinião de Jarbas, a única bandeira atual do PMDB é barganhar cargos no Poder Executivo --postura que, segundo ele, é liderada pelo grupo de Sarney e Renan. "O presidente Lula e o PT não inventaram a corrupção, mas a corrupção tem sido a marca do governo dele."

O senador disse que suas críticas ao partido têm como objetivo debater questões essenciais ao PMDB. "Quem vai para um episódio desses sabe das consequências. Se eu desencadeei esse processo, cabe ao Senado, à bancada, provocar esse debate. Eu fiz a minha parte."

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Pós-eleições: O que virá agora?

O resultado das eleições para prefeitos das 5.570 cidades brasileiras demonstra que o PMDB teve um fortalecimento acima do esperado.

Tanto porque ganhou em 1.207 cidades, segundo alguns jornais, quanto porque ganhou em cidades em que o PT esperava ganhar e era importante ganhar. Por exemplo, em São Paulo, onde Gilberto Kassab ganhou de Marta Suplicy, tendo como vice-prefeito a peemedebista Alda Marcoantonio, ligada pessoalmente a Orestes Quércia, que continua cacique do PMDB em São Paulo.

No Rio de Janeiro, a eleição foi disputadíssima, mas teve uma altíssimo nível de abstenção de votos. Cerca de 927.000 eleitores deixaram de votar, a maioria da Zona Sul e da Zona Norte, onde o candidato do PV-PSDB-PPS tivera a maioria dos votos. Assim, Gabeira foi derrotado por apenas 55.000 votos, menos de 10% dos votos de abstenção. O PMDB foi vitorioso.

Foi vitorioso também em Salvador, Porto Alegre, Florianópolis e outras cidades mais pelo interior.

Eis que agora, segundo um colunista de São Paulo, os caciques do PMDB, José Sarney e Rennan Calheiros, estão tramando a saída de Tarso Genro, do Ministério da Justiça, para substitui-lo por Nelson Jobim, que hoje está no Ministério da Defesa. Para esse último ministério iria então Aldo Rabelo, do PCdoB de São Paulo.

Por que? Parece que é porque Sarney e Rennan estão chateados com um suposto uso da Política Federal por parte de Tarso Genro contra Sarney, especialmente contra seu filho Fernando Sarney, acusado em inquérito da PF de mal uso de verbas públicas nos diversos ministérios e autarquias controladas pelo PMDB de Sarney.

Dizem que o presidente Lula já teria concordado com essa mudança. Já no Palácio do Planalto, desmentem isso veementemente alegando que Lula não age por pressão.

Bem, a chapa está quente mesmo. Porém ponho em dúvida esse tipo de troca. Não acho que Jobim volta para o MJ. Seria dèja-vu demais!

De qualquer modo, mudanças serão feitas em breve no governo. Lula precisa azeitar sua máquina, que não demonstrou ser tão funcional quanto parecia à primeira vista. Precisa acomodar a gulodice do PMDB para sonhar com uma chapa PT-PMDB em 2010.

Por sua vez, a FUNAI está na mira do PMDB, especialmente dos governadores de Mato Grosso do Sul e Santa Catarina, sem falar nos estados que estão se movimentando para fazer suas próprias políticas indigenistas. É o resultado insidioso da gestão atual da FUNAI, que criou ilusões entre os índios e acirrou o antiindigenismo brasileiro.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Noel Villas-Boas alerta o governo para a questão indígena

O artigo abaixo é de co-autoria de Noel Villas-Boas, filho do grande indigenista Orlando Villas-Boas.

Noel alerta para a atitude do governo em relação aos povos indígenas, polemizando com a questão do integracionismo dos índios e as possíveis conseqüências do PAC.

Nosso Blog se sente honrado em publicar esse texto de Noel e Ricardo Tripoli.

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O PAC dos índios que a imprensa não vê

Ricardo Tripoli e Noel Villas Bôas

O governo federal conseguiu ganhar pontos junto à opinião pública ao apoiar a retirada de não-índios da reserva indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima. Com isso, está conseguindo também esconder debaixo do tapete o retrocesso de seu PAC (Programa de Ação de Crescimento) para a política indigenista.

Não tem havido na imprensa praticamente espaço algum para as críticas que têm sido feitas por diversas entidades indigenistas desde meados de 2007, quando foram anunciadas as ações do "PAC índio". O assunto só veio temporariamente à tona por meio das declarações do relator James Anaya, das Nações Unidas, que em sua visita ao Brasil, em agosto, ressaltou que esse programa governamental não leva em conta as particularidades dos povos indígenas e prevê ações de cunho paternalista em relação a eles.

As críticas do observador da ONU são compatíveis com dois pontos essenciais: 1) o índio só sobrevive em sua própria cultura; e 2) a sociedade brasileira não apresenta condições de integrá-lo. Essas são as duas premissas que nortearam a política dos irmãos Orlando, Cláudio e Leonardo Villas Bôas, que veio a se tornar a política indigenista oficial do governo.

Integracionismo não vingou

Não há notícia de grupos indígenas integrados à nossa sociedade. Todas as vezes que se tentou fazer isso, eles foram sub-integrados, ou melhor, marginalizados. A proposta dos Villas Bôas foi o contraponto dessa concepção integracionista. Os parques e reservas indígenas sempre tiveram como função servir de "refúgio" às populações indígenas pressionadas pelas frentes de penetração, que trazem a desagregação tribal e a disputa pela terra.

Apesar do longo histórico de proteção ao índio pelo marechal Rondon e com a implantação da política dos Villas Bôas - consolidada com a criação do Parque Indígena do Xingu, em 1961 -, surgiu outro modelo de política indigenista a partir de 1970. Desenvolvido com estreita vinculação às estratégias do governo do general Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), ele propunha a rápida integração do índio não só à sociedade, mas também à economia brasileira. O índio começava a ser visto como um entrave ao desenvolvimento e à segurança nacional.

Foi nesse período que a Funai (Fundação Nacional do Índio) passou a orientar suas ações em consonância com o Plano de Integração Nacional, o PIN. Com isso, as diretrizes da Funai passaram a ser duas: integrar o índio o mais rápido possível à economia de mercado e impedi-lo de se tornar um obstáculo à ocupação da Amazônia. Era o período do "milagre econômico".

A política do governo do general Ernesto Geisel (1974-1979) em relação ao índio não foi diferente. Ela visava a integrar e emancipar rapidamente o índio, promovendo, inclusive, a implantação de projetos de desenvolvimento econômico em suas terras.

Essa orientação integracionista não vingou, pelo menos oficialmente. As grandes demarcações de reservas indígenas consagraram a política dos Villas Bôas e já chegam a 12,49% do território nacional.

Atividades mineradoras

As siglas mudaram: o PIN (Plano de Integração Nacional) do governo Médici já não existe mais, no entanto surgiu o PAC, divulgado pelo atual presidente da República como "mola propulsora do milagre do crescimento brasileiro até o ano de 2010". E, com esse novo "milagre", o índio volta a ser visto como entrave ao desenvolvimento nacional.

É verdade que o governo federal, hoje, não prega a política integracionista. Ela seria desastrosa para sua imagem pública. Mas sua concepção indigenista praticamente não difere daquela dos anos 70. Publicamente, defende-se o índio. Na prática, desenvolvem-se planos nos quais a perda dos padrões culturais indígenas e a conseqüente desagregação de sua organização social atendem melhor a essa segunda versão do "milagre".

Dois aspectos que freqüentemente estão na mídia servem bem para ilustrar a orientação do governo em relação à questão indígena: mineração e hidrelétricas.

Oito meses após a instalação da Comissão Especial para analisar o projeto de lei sobre a mineração em terras indígenas, o deputado Eduardo Valverde (PT/RO), curiosamente presidente da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas, apresentou um substitutivo com base na proposta do Executivo: a proposta prevê autorização do Legislativo para atividades mineradoras em terras indígenas mesmo no caso de recomendação contrária de laudos técnicos.

História se repete

Infelizmente, o Plano de Aceleração do Crescimento prefere ignorar os tristes exemplos parecidos ocorridos nas décadas de 1970 e 1980. A usina hidrelétrica de Balbina, ao norte de Manaus (AM), por exemplo, que resultou em um desnível de água pífio em relação à enorme área inundada e mal conseguiu suprir as necessidades energéticas da região, desalojou a reserva indígena Waimiri-Atroari e impôs grandes impactos para a fauna e a flora em torno do rio Uatumã.

Esse filme se repete com o projeto da usina de Belo Monte, no rio Xingu, e com critérios sócio-ambientais decisivos que só se referem à criação de oportunidades econômicas no entorno da barragem.

Em tempos de PAC, o recado de Orlando Villas Bôas para o governo federal seria algo como aquilo que ele já dizia na década de 1970: "Não se mede a grandeza de um país unicamente pelo nível de renda per capita, nem pelo PNB. Mas, sobretudo, pela capacidade de preservar suas raízes, de conter a variedade dentro da unidade, de atender com justiça aos diferentes grupos que o constituem."

Integrar o índio é destruí-lo. Cada vez que pretendemos fazê-lo, extingue-se a tribo, a cultura, a língua, o mundo mítico, a organização social e tribal e, por conseqüência, a justificativa da manutenção de suas terras. Era isso o que pretendia a orientação integracionista de Médici e Geisel, mas que só o governo do PAC tem conseguido fazer com assustadora eficácia.

Para um governo cuja origem política remonta ao ideário socialista, vale lembrar a famosa frase de Karl Marx, em seu livro O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte, segundo a qual os fatos se repetem na História, sendo na primeira vez como tragédia e, na segunda, como farsa. Infelizmente, no que concerne à política indigenista e a outras áreas de atuação, esse paradoxo não tem chegado à opinião pública.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Bolívia em crise

A situação extremamente tensa e melindrosa da Bolívia reclama um posicionamento dos brasileiros. É uma nação vizinha, amiga, que, aliás, já perdeu parte de seu território para o Brasil, o hoje estado do Acre. Ademais, é uma nação que está fazendo um experimento inédito de democracia na América Latina, com a participação de sua maioria populacional indígena.

O presidente Lula tomou a frente e se dispõe a ajudar o companheiro Evo Morales a negociar com os rebelados governadores dos estados ou departamentos que compõem a chamada "meia lua", isto é, a parte oriental da Bolívia.

Os conflitos abertos já resultaram nas mortes de mais de 30 pessoas. O governador do departamento do Pando, que faz fronteira com o Acre, foi acusado e preso pelas mortes dessas pessoas. Estão falando que essas mortes foram um massacre covarde, um verdadeiro genocídio.

Os Estados Unidos estão ajudando a parte rebelada, sem dúvida. Os jornais norte-americanos divulgam um quadro ainda mais distorcido do que aquele que lemos em nossos jornais.

Só a negociação entre Evo Morales e os governadores rebelados poderá devolver alguma paz à Bolívia. Os departamentos rebelados reclamam de falta de autonomia, de muito centralismo do governo federal, isto é, do Altiplano, onde está a maioria da população boliviana. Reclamam da proclamação de uma Constituição que mantém o poder centralizador e pune os departamentos da Meia Lua. É uma Constituição repleta de conselhos e de participação da população. Dizem que Morales taxa demasiadamente o petróleo e o gás que vêm dos departamentos rebelados para financiar programas de assistência social e parece que também de aposentadoria.

A notícia abaixo, repercutida pela Agência Brasil, fala de uma marcha de indígenas do Altiplano até a Meia Lua, precisamente até a cidade de Santa Cruz de la Sierra, onde pretendem pressionar o governador daquele departamento, o mais rico da Bolívia, a se demitir. Querem também a neutralização do principal líder empresarial da região, Branko Marinkovic. É pedir o impossível. Ou a intenção é partir para o confronto.

Essa marcha tem um certo ar romântico e de auto-imolação. Pode dar muita confusão e resultar em mortes. Ou pode simplesmente parar no meio do caminho a pedido de Evo.

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Índios que apóiam Evo Morales marcham para Santa Cruz de la Sierra

Vladimir Platonow, Agência Brasil

Santa Cruz de la Sierra (Bolívia) - Pelo menos três mil índios ligados aos movimentos sociais que apóiam o presidente da Bolívia, Evo Morales, partiram na tarde de hoje (16) da cidade de Yapacani em direção a Santa Cruz de la Sierra, segundo fontes ouvidas pela Agência Brasil. Os indígenas vão fazer um protesto pedindo a renúncia do governador de Santa Cruz de la Sierra, Rúben Costas, e do presidente do comitê cívico do departamento (estado), Branko Marinkovic. Também exigirão a desocupação das repartições públicas invadidas pelo opositores de Morales.

Um integrante de uma organização não-governamental, que não quis se identificar, disse que não viu qualquer tipo de armamento em poder dos índios. Jornalistas bolivianos confirmaram que a caminhada reúne entre três e quatro mil pessoas.

O presidente do comitê cívico de Portashuelo (distante cerca de 60 quilômetros de Yapacani), Jorge Mendes, também confirmou que a marcha reúne entre três e quatro mil índios. De acordo com ele, os indígenas que se dirigem a Santa Cruz de la Sierra estariam armados.

Mendes informou ainda que o grupo marcha a pé pela rodovia Santa Cruz-Cochabamba, bloqueada por cerca de 400 caminhões há mais de dez dias. Os índios fechara uma ponte sobre o Rio Yapacani. No momento, a marcha se aproxima da cidade de San Carlos.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

A Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas em questão

Em artigo publicado pelo jornal Folha de São Paulo, o Relator Especial para Direitos Indígenas da ONU, James Anaya, fala sobre o aniversário de um ano da Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, votado pela Assembléia Geral da ONU.

Anaya discorre sobre a importância dessa Declaração para que os povos indígenas obtenham o respeito devido dos países onde vivem e tenta amenizar as dúvidas sobre os supostos perigos que essa Declaração pode suscitar nas mentes de nacionalistas dos diversos países onde há povos indígenas.

Como se sabe, a Declaração vem sendo criticada por muitas pessoas no Brasil. Entre elas, militares, nacionalistas e anti-indigenistas em geral. Mas também, surpreendentemente, pelo próprio ministro Carlos Ayres Britto, que recentemente proferiu um voto excepcional em favor dos índios da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Assim, uma explicação compreensiva seria de muita importância para que essas pessoas se abalizassem melhor do conteúdo, da importância e das conseqüências dessa Declaração no contexto de outras declarações universais e para os seus países.

No seu artigo, a defesa da Declaração feita por Anaya é cursiva. Parece que não intenciona persuadir ninguém, como se não considerasse que houvesse problemas, ou que os problemas fossem simples resultados de invencionices e preconceitos. Declara inclusive que a Declaração não está tendo problemas de aceitação em outros países, o que não me parece ser uma realidade. Diz que a votação na ONU foi tranqüila, quando, na verdade, teve oposição de muitos países, capitaneada pelo bloco africano, e precisou de muita diplomacia por parte de diversos países para se contornar as dúvidas. O próprio Brasil fez voto separado e com caveats no momento da votação.

Creio que a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas é uma importante declaração para a humanidade. É um documento de redenção e de ascensão dos povos indígenas, o último segmento da humanidade que permanecia ignorado e esquecido, pois se o pensava em vias de desaparecimento da face da Terra. Acontece que muitos povos indígenas sobreviveram ao holocausto da invasão européia em seus países e agora pretendem ter o seu espaço no concerto da humanidade. Essa Declaração chama atenção para esse fato. O reconhecimento do valor dos povos indígenas, de suas culturas, tradições, terras e de seus direitos humanos, individuais e coletivos, é imprescindível para que a própria Humanidade se encontre consigo mesma. Eis o seu sentido maior.

Que perigo ela oferece para os países que a assinaram? Embora a Declaração contenha o artigo que explicita a autodeterminação, que é o conceito a partir do qual a ONU reconhece direitos de autonomia política a nações insurgentes, o que significa ipso facto o direito de povos livres determinarem sua condição política, esse conceito está circunscrito aos tempos políticos atuais em que a soberania dos países onde os povos indígenas estão inseridos prevalece sobre a intencionalidade subscrita no conceito de autodeterminação. A Declaração assim o concebe em espírito e na letra.

Muitos brasileiros de boa fé têm se preocupado com a Declaração e especialmente com as conseqüências que podem advir do conceito de autodeterminação. O Ministério das Relações Exteriores brasileiro tem sido atacado por ter assinado essa Declaração sem consulta com outras instâncias nacionais, inclusive o Ministério da Defesa e o Congresso Nacional.

Por sua vez, os anti-indigenistas tradicionais aproveitam dessa Declaração para vociferar sua atitude política contrária à permanência dos povos indígenas no panorama político brasileiro. Os fazendeiros cujas terras estão em disputa com os índios também clamam uma contrariedade sem fim. Até intelectuais do peso de Denis Rosenfield argumentam irracionalmente, como da razão não fizessem motivo de suas vidas, e como se essa Declaração pusesse o Brasil em perigo iminente de ser desmembrado em centenas de pedacinhos.

Acho, por tudo isso, que a Declaração merece ser discutida em nosso país. Não é matéria simples, mas também não pode ser condenada a esmo.

Conclamo o Congresso Nacional a fazer um seminário para isso e convide a todos para debater esse assunto. Eu mesmo fiz parte das últimas seis reuniões internacionais que discutiram esse tema. Alguns indígenas brasileiros, como Azelene Kaingang e Vilmar Guarany, também estiveram presentes nesses debates. O Itamaraty acompanhou todas as discussões e mantém minutas detalhadas de todos os pontos discutidos. Portanto, a hora é chegada. Assim teremos nossas próprias explicações sobre essa Declaração e uma melhor oportunidade para que todos formem sua melhor opinião sobre o assunto.


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Direitos dos índios não são ameaça

Folha de São Paulo, James Anaya

Os povos e indivíduos indígenas, suas culturas e modos de vida estão à altura de todos os outros em dignidade e valor
HÁ UM ano, no dia 13 de setembro de 2007, a Assembléia Geral da ONU adotou a Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas, marcando o fim de anos de estudos e trabalhos conjuntos entre governos, povos indígenas e especialistas de todo o mundo.

Ao adotar a declaração, a mais importante instituição de sociedade organizada do mundo -as Nações Unidas- proclamou o que deveria ter sido afirmado há muito tempo, mas não era amplamente aceito: que os povos e indivíduos indígenas, suas culturas e modos de vida estão à altura de todos os outros em dignidade e valor.

A declaração não estabelece novos direitos exclusivos para os povos indígenas, mas simplesmente toma princípios básicos de direitos humanos, que são aplicáveis a todos, e os detalha dentro do contexto histórico, cultural, político e social específico dos povos indígenas. Ela visa superar a marginalização e a discriminação que os povos indígenas têm enfrentado em todo o mundo como resultado dos históricos processos de colonização, conquista e desapossamento.

A declaração é também um lembrete de que a opressão contra os povos indígenas infelizmente persiste até hoje e convoca os governos e a comunidade internacional a colocar um fim nessa opressão e a adotar medidas afirmativas para implementar os direitos humanos que têm sido negados aos povos indígenas. O Brasil é um dos 143 países cujos governos votaram pela adoção da declaração na Assembléia Geral da ONU, integrando um consenso global que tem sido construído ao longo dos anos. Apenas os governos de quatro países votaram contra a declaração e 11 se abstiveram.

É importante observar que cada um dos países que votaram contra a declaração -Austrália, Canadá, Estados Unidos e Nova Zelândia- explicou seu voto à Assembléia Geral, expressando apoio aos princípios fundamentais da declaração, mas apontando apenas para algumas disposições que eram vistas como problemáticas ou para imperfeições no processo que levou à adoção da declaração.

Muitos dos Estados que se abstiveram deram explicações semelhantes.

Nenhum governo manifestou oposição aos aspectos essenciais da declaração nem a enxergou como em conflito com suas Constituições ou sistemas políticos. Pelo contrário, a visão predominante, expressa pelos governos de todo o mundo ao votar a favor da declaração, foi a de que ela fortaleceria a construção de sociedades democráticas e de unidade nacional, com base no respeito à diversidade. A declaração avança um modelo de inclusão dos povos indígenas com o tecido social maior dos Estados que respeita padrões culturais distintos, sistemas de autoridade e formas de ocupação de terras tradicionais.

Esse modelo, em geral, é visto no mundo não apenas como compatível, mas também necessário para a construção de sistemas políticos e jurídicos democráticos fortes nos países em que os povos indígenas vivem.

O direito dos povos indígenas à "autodeterminação", como previsto na declaração, simplesmente significa que eles têm direito de controlar suas vidas e comunidades e de participar em todas as decisões que os afetem, dentro da estrutura vigente de unidade nacional e de integridade territorial de cada país.

O termo "territórios", também usado na declaração, é uma referência aos espaços geográficos nos quais os povos indígenas viveram e ainda buscam seguir vivendo e não tem nada a ver com uma possível soberania alternativa que afete a soberania nacional.

A referência da declaração aos grupos indígenas como "nações" ou "povos" serve para reconhecer seu caráter e existência como comunidades que transcendem gerações, com coesão política e cultural significativa, que eles procuram manter e desenvolver. Esses termos são usados no sentido de que nações e povos indígenas são distintos, mas também fazem integralmente parte da nação maior e do povo dos países em que vivem.

No mundo, as inquietações acerca da declaração com foco nesses termos estão diminuindo e é provável que desapareçam por completo, significando que a declaração e seus fundamentos de direitos humanos são mais bem compreendidos.

A tendência atual é acolher integralmente a declaração e dedicar-se à tarefa de fazer de seus termos uma realidade, bem como de construir ordens sociais e constitucionais mais justas para todos.

JAMES ANAYA , 49, professor do Programa de Direito e Política Indígena da Universidade do Arizona (EUA), é o relator especial das Nações Unidas para Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais dos Povos Indígenas. Esteve em missão no Brasil em agosto deste ano.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

O Brasil e a Amazônia

A Amazônia está virando a grande questão nacional. Depois de anos em que se discutia se ela era ou não "o pulmão da Terra", o refrigerado do planeta, já sabemos ao menos da sua importância como reguladora ou mediadora de diversos processos climáticos que fazem parte do nosso sistema metereológico.

Até pouco tempo sabíamos que a Amazônia era importante para o mundo, e o mundo cobrava e exigia de nós um comportamento adequado às suas expectativas. O mundo vinha tentando influenciar o Brasil a se comportar como eles gostariam que nós nos comportássemos.

Agora estamos entrando na era de sabermos que a Amazônia é importante para o Brasil não só como desafio econômico e instrumento de comportamento brasileiro para inglês ver, mas como desafio à nossa inteligência e nossa capacidade cultural para criar novas formas de convivência com a Amazônia.

Até uns 20 anos atrás pensava-se que a grande defensora da Amazônia contra os invasores que nela queriam se instalar era a própria Amazônia. Explico: os geógrafos e agrônomos diziam que a fertilidade do solo amazônico era muito fraca, apenas restrita à camada superior orgânica produzida pelo húmus das folhas caídas das árvores. Uma vez derrubada, no segundo ou terceiro plantio, após as chuvaradas que carregam esse camada sem sustentação, o solo se endurecia e sua fertilidade se reduzia a 20% do original. Assim, quem quisesse explorar a Amazônia tinha que ficar sempre à procura de novas matas. A produtividade era mínima e o retorno do capital investido ficava muito difícil. Sem obtenção de taxa de reinvestimento, sem produtividade, só os mais pobres e humildes aguentariam viver em condições econômico-sociais muito baixas.

Acontece que, recentemente, por métodos científico-tecnológicos, o capitalismo brasileiro conseguiu descobrir uma fórmula agronômica, se não auto-sustentável, pelo menos com mais retorno de capital. Assim, a Amazônia se está fazendo economicamente viável.

Aí é que o bicho pega. Os fazendeiros se alvoroçaram todo para ampliar suas fazendas, para obter mais terras para investir. As estradas foram se abrindo em lugares dantes intrafegáveis. A produção se organizou com a formação de cidades e infraestrutura razoável. Com muito risco e muita ousadia já se chegou a partes da Amazônia que não se imagina que fosse possível sem imensos investimentos públicos.

Já disse o ministro Mangabeira Unger que um dos pontos principais da questão amazônica é organizar a tenência da terra. Quem possui o quê e quanto se deve possuir? Outro ponto principal seria o zoneamento econômico-ecológico da Amazônia. Os fazendeiros estão animados com a fala do ministro porque acham que ele é seu aliado, especialmente em relação à briga com os ambientalistas, no caso, as Ongs e o Ministério do Meio Ambiente. Acham que a organização jurídica da terra vai lhes dar direitos de adquirir mais terras e assim virarem não somente milionários, mas legítimos membros da nova classe de senhores rurais, tal como no tempo dos senhores de engenho. Classe que eles pensam ser a nova classe dirigente do país.

A matéria abaixo, da jornalista Marta Salomon, da Folha de São Paulo, trata da questão do zoneamento econômico-ecológico da Amazônia. O Brasil precisa ter clareza sobre que terras podem ser utilizadas sustentavelmente para a agricultura e pecuária e que terras devem ser preservadas, que terras poderão ser usadas para manejo florestal, e que terras poderão ser exploradas para utilização de recursos florestais, como cipós, frutas, palmeiras, plantas medicinais, reflorestamento de planas exóticas, etc.

O importante é que o discurso sobre a Amazônia mudou desde a chegada do ministro Mangabeira Unger. Não é mais o discurso auto-punitivo dos ambientalistas que ecoavam preocupações européias, mas um discurso brasileiro de buscar alternativas possíveis para o Brasil e para os brasileiros que vivem na Amazônia, sejam os tradicionais habitantes indígenas, os caboclos formados no processo histórico de miscigenação cultural, sejam os imigrantes recentes, mais violentos e devastadores.

A chegada do ambientalista carioca Carlos Minc ao MMA está propiciando novas atitudes no governo brasileiro e na mentalidade ecológica. O ministro Minc quer ser pragmático sem abrir mão de seus princípios. Ele sabe que o governo não vai recuar em buscar utilizar do potencial dos rios amazônicos para fazer hidrelétricas. Ele sabe que estradas serão construídas, que indústrias serão instaladas. Assim, deixa de procrastinar decisões do Ibama para buscar compensações fortes proporcionais aos investimentos. Sabe que o deficit de pessoal para cuidar das áreas de reservas ambientais é imenso e só com capital humano e financeiro poderá fazer essas reservas funcionarem e não ficarem expostas a invasores. Negociar para o meio ambiente é o seu lema. Talvez venha a ser mais bem sucedido do que Marina Silva, que teve o mérito de estabelecer os princípios de uma ética ambientalista no governo.

O Brasil, já disse o maestro Antonio Carlos Jobim, não é para principiantes. Tudo aqui é complicado, seja por incompetência dos poderes existentes, seja por desleixo da própria população. Ao mesmo tempo, essa população é capaz de feitos hercúleos. A própria destruição de parte da Amazônia é isso. Sem reconhecer os defeitos dos brasileiros não podemos encontrar saídas para nossos atos de destruição. Ao reconhecê-los temos que trabalhar para encontrar alternativas que remediem os defeitos e criem qualidades novas para o desenvolvimento das pessoas e da nação.

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Zoneamento fecha fronteira agrícola na Amazônia Legal

MARTA SALOMON, Folha de S.Paulo, em Brasília

O mapa do zoneamento econômico-ecológico da Amazônia Legal, em elaboração no governo, reconhece que a quarta parte da região (26%) é ocupada por intensa atividade econômica e não terá mais de recompor 80% da floresta, como prevê o limite legal de desmatamento.

Essa área mede 1,3 milhão de quilômetros quadrados e equivale a mais de cinco vezes o tamanho do Estado de São Paulo.

Mas o mapa, ao qual a Folha teve acesso, indica mais: que o corte raso chegou ao limite e grandes extensões de terras terão de reordenar a produção, de forma a conter pressões por mais desmatamento. Não há estimativa segura, no entanto, do tamanho da floresta que terá de ser recuperada, o chamado "passivo ambiental".

"Independentemente de qualquer outra variável, chegamos ao limite da conversão da vegetação: a fronteira [agrícola] está esgotada", resume Roberto Vizentin, diretor de Zoneamento Territorial do Ministério do Meio Ambiente.

Coordenado pela pasta, o zoneamento envolve os governos dos nove Estados da Amazônia, além de 12 outros ministérios. O trabalho deve ser concluído em um ano e só poderá ser revisto dez anos depois.

Na semana passada, já foram encaminhados ao presidente Lula os resultados dos estudos de outro zoneamento, que tratará das áreas disponíveis ao cultivo de cana-de-açúcar para a produção de álcool. A expectativa é um freio na expansão da cana na Amazônia. Hoje, a região já responde por 6% da produção nacional de álcool.

Conflitos

O zoneamento econômico-ecológico expõe o atual estágio do conflito entre a ocupação e a preservação da Amazônia Legal. De acordo com projeções da CNA (Confederação Nacional da Agricultura), o agronegócio ficaria limitado a uma área entre 4% e 10% da Amazônia.

"Considerando que existam aproximadamente 70 milhões de hectares (700 mil quilômetros quadrados) incorporados à atividade agropecuária, a situação ficaria deficitária no bioma Amazônia", calcula Rodrigo Justus, assessor da CNA.

"Tem muito espaço ainda para a produção", rebate o ministro Carlos Minc (Meio Ambiente), que defende a recuperação de áreas degradadas pela pecuária e o aumento dos índices de produtividade da região.

Minc também contesta a avaliação de que as áreas protegidas seriam espaços fechados à produção: "Teremos mais madeira certificada, mais ecoturismo, mais produção de borracha, castanha e guaraná; é falsa a idéia de que nada se faz nas unidades de conservação".

Segundo os dados do Meio Ambiente, as áreas protegidas (unidades de conservação, terras indígenas e de uso militar) ocupam 40% da Amazônia Legal e deverão crescer mais: cerca de 9%. Nessas áreas, é teoricamente proibido desmatar.

A extensão das áreas protegidas é motivo de divergência até dentro do governo, assim como os atuais limites de desmatamento. O ministro Mangabeira Unger (Assuntos Estratégicos), coordenador do Plano Amazônia Sustentável, vê exagero em um cálculo da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, vinculada ao Ministério da Agricultura) segundo o qual menos de 13% das terras da Amazônia Legal ou menos de 7% da floresta estariam legalmente disponíveis para o agronegócio.

"Mesmo descontando o exagero deles, o Brasil não estaria apenas no topo do ranking das exigências e das proibições. Haveria um ranking, depois um grande intervalo, e o Brasil estaria no espaço sideral", criticou o ministro, que defende o debate sobre o limite de desmatamento na Amazônia e a extensão das áreas protegidas. Se o zoneamento não enfrentar essas questões, sustenta, pode se transformar em "ficção cartográfica", disse.

Por ora, somente dois Estados da Amazônia Legal --Rondônia e Acre-- têm aprovados seus zoneamentos. Em Rondônia, o território classificado como Zona 1, onde a atividade econômica mais intensa autoriza reduzir de 80% para 50% a área de floresta a ser recomposta, supera a metade da área do Estado (50,68%).

Como o desmatamento alcançou 62% da Zona 1 em Rondônia, os proprietários de terra dessa área se comprometeram a recuperar o equivalente a 12%, sob risco de perderem acesso ao crédito. "Não existe mais condição de desflorestar nada aqui", afirma o secretário de Meio Ambiente do Estado, Cleto Brito.

Nas projeções do governo, o tamanho proporcional da Zona 1 em Rondônia será recorde na região, à frente do Maranhão (42%), Tocantins e Mato Grosso (39%), Estados que têm parte de seu território no cerrado.
 
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