domingo, 27 de fevereiro de 2011

La Boétie e Comparato falam de servidão voluntária

Esta semana seis funcionários da Funai foram surpreendidos com notificações de que estão sendo processados pelo órgão, em forma de processo administrativo disciplinar -- PAD --, por terem ajudado os índios que ficaram mobilizados por sete meses no Acampamento Indígena Revolucionário em protesto ao Decreto 7506/09, entre fevereiro e julho de 2010.

A mobilização indígena foi um dos atos mais extraordinários do indigenismo brasileiro e assim ficará para a história, quando ela for devidamente avaliada. Totalmente espontâneo, movido pela consciência de que estavam sendo oprimidos e anulados nos seus direitos humanos e civis, mais de 600 índios acamparam em frente ao Ministério da Justiça, passando por todos os tipos de agravos e dificuldades, sendo perseguidos pelas polícias militar, civil e federal, assediados pelos mensageiros das ONGs que estão aliadas à atual direção da FUNAI -- somente ajudados por alguns sindicatos de Brasília e pela solidariedade de estudantes e ... indigenistas!

Que ajuda teria sido essa? Conversas, explicações sobre o dito decreto, ajuda de alimentação, não mais do que isso -- e esse pouco com o aval da ANSEF, a associação dos servidores da própria FUNAI!

Entre os processados está o índio Xavante Jeremias, que também é político em sua região natal, Campinápolis, sendo atualmente vereador. Ser funcionário da FUNAI tirou-lhe o direito de ser índio!

A ajuda, o apoio foi dado por essas pessoas e por algumas outras, gatos pingados que viam nesse acampamento algo diferente, mas que temiam se expor na ajuda. Os que não ajudaram em nada estão curtindo o pesadelo de suas consciências, de suas atitudes abúlicas e infiéis à sua profissão.

Por que somente esses seis funcionários estão sendo visadas pela sanha persecutória da atual direção da FUNAI, não se sabe. Ajudar pessoas não somente não é contra a lei, como também é obrigação moral do indigenismo brasileiro ajudar índios que precisem de ajuda.

Em qualquer circunstância, o indigenista brasileiro, de tradição rondoniana, deve ajudar, até à custa e ao perigo de morte, seguindo o dístico máximo do humanismo do velho SPI:

 "Morrer se preciso for, matar nunca".

No caso da ajuda aos índios acampados  e que por algumas vezes foram recebidos no Senado Federal  (uma desses vezes, na marra!) protestando contra o decreto 7506, sob o beneplácito dos senadores, nem questão de morte era!

Era questão simplesmente de solidariedade e de moral indigenista.

A dúvida que paira no ar, nesse momento de transição de governo, é: por que os funcionários da FUNAI, os indigenistas que lá trabalham, jovens e veteranos, e os aposentados que continuam nesse mister, não fizeram até agora nada a respeito dessa perseguição descabida, que fere os princípios morais da grei indigenista!

Nem uma palavrinha de solidariedade alguns indigenistas deram, abscondidos que estavam em sua trepidez voluntária!

Para melhor entender essa dúvida, vale a pena ler o artigo abaixo, escrito pelo eminente jurista Fábio Konder Comparato, refletindo sobre um famoso livro de Étienne de la Boétie, o "Discurso sobre a Servidão Voluntária".

______________________________


A SERVIDÃO VOLUNTÁRIA

Fábio Konder Comparato


As rebeliões populares que sacodem atualmente o mundo árabe têm, entre outros méritos, o de derrubar, não só vários regimes políticos ditatoriais em cadeia, mas também um mito político há muito assentado. Refiro-me à convicção, partilhada por todos os soi-disant cientistas políticos, de que um povo sem organização prévia e não enquadrado por uma liderança partidária ou pessoal efetiva, é totalmente incapaz de se opor a governos mantidos por corporações militares bem treinadas e equipadas,  com o apoio do poder econômico e financeiro do capitalismo internacional.


Pois bem, há quatro séculos e meio um pensador francês teve a ousadia de sustentar o contrário. Refiro-me a Etienne de la Boëtie, o grande amigo de Montaigne.  No Discurso da Servidão Voluntária, publicado após a sua morte em 1563, ele pronunciou um dos mais vigorosos requisitórios contra os regimes políticos e governos opressores da liberdade, de todos os tempos.


Seu raciocínio parte do sentimento de espanto e perplexidade diante de um fato que, embora difundido no mundo todo, nem por isso deixa de ofender a própria natureza e o bom-senso mais elementar. O fato de que um número infinito de homens, diante do soberano político, não apenas consintam em obedecer, mas se ponham a rastejar; não só sejam governados, mas tiranizados, não tendo para si nem bens, nem parentes, nem filhos, nem a própria vida.


Seria isso covardia? Impossível, pois a razão não pode admitir que milhões de pessoas e milhares de cidades, no mundo inteiro, se acovardem diante de um só homem, em geral medíocre e vicioso, que os trata como uma multidão de servos.


Então, “que monstruoso vício é esse, que a palavra covardia não exprime, para o qual falta a expressão adequada, que a natureza desmente e a língua se recusa a nomear?”


Esse vício nada mais é do que a falta de vontade. Os súditos não precisam combater os tiranos nem mesmo defender-se diante dele. Basta que se recusem a servi-lo, para que ele seja naturalmente vencido. Uma nação pode não fazer esforço algum para alcançar a felicidade. Para obtê-la, basta que ela própria não trabalhe contra si mesma. “São os povos que se deixam garrotear, ou melhor, que se garroteiam a si mesmos, pois bastaria apenas que eles se recusassem a servir, para que os seus grilhões fossem rompidos”.


No entanto – coisa pasmosa e inacreditável! –, é o próprio povo que, podendo escolher entre ser escravo ou ser livre, rejeita a liberdade e toma sobre si o jugo. “Se para possuir a liberdade basta desejá-la, se é suficiente para tanto unicamente o querer, encontrar-se-á uma nação no mundo que acredite ser difícil adquirir a liberdade, pela simples manifestação desse desejo?”


O que La Boëtie certamente não podia imaginar é que, durante os primeiros séculos do Brasil colonial, foi muito difundida a prática da servidão voluntária de indígenas maiores de 21 anos. Encontrando-se eles em situação de extrema necessidade, a legislação portuguesa da época permitia que se vendessem a si mesmos, celebrando um contrato de escravidão perante um notário público.


De qual quer modo, prossegue o nosso autor, a aspiração a uma vida feliz, que existe em todo coração humano, faz com que as pessoas, em geral, desejem obter todos os bens capazes de lhes propiciar esse resultado. Há um só desses bens que elas, não se sabe por quê, não chegam nem mesmo a desejar: é a liberdade. Será que isto ocorre tão-só porque ela pode ser facilmente obtida?


Afinal, de onde o governante, em todos os paises, tira a força necessária para manter os súditos em estado de permanente servidão? Deles próprios, responde La Boëtie.

“De onde provêm os incontáveis espiões que vos seguem, senão do vosso próprio meio? De que maneira dispõe ele [o tirano] de tantas mãos para vos espancar, se não as toma emprestadas a vós mesmos? E os pés que esmagam as vossas cidades, não são vossos? Tem ele, enfim, algum poder sobre vós, senão por vosso próprio intermédio?”


A conclusão é lógica: para derrubar os tiranos, os povos não precisam guerreá-los. “Tomai a decisão de não mais servir, e sereis livres”. Aí está, avant la lettre, toda a teoria da desobediência civil, que veio a ser desenvolvida muito depois que aquelas linhas foram escritas.


É de completa evidência, prossegue o autor, que somos todos igualmente livres, pela nossa própria natureza; e que o liame que sujeita uns à dominação dos outros é algo de puramente artificial. Mas então, como explicar que esse artifício seja considerado normal e a igualdade entre os homens não exista praticamente em lugar nenhum?


Para explicar esse absurdo da servidão voluntária, La Boëtie aponta algumas causas: o costume tradicional, a degradação programada da vida coletiva, a mistificação do poder, o interesse.


Foi por força do hábito, diz ele, que desde tempos imemoriais os homens contraíram o vício de viver como servos dos governantes. E esse vício foi, ao depois, apresentado como lei divina.


É também verdade que alguns governantes decidiram tornar mais amena a condição de escravo, imposta aos súditos, criando um sistema oficial de prazeres públicos; como, por exemplo, os espetáculos de “pão e circo”, organizados  pelos imperadores romanos.

Outro fator a concorrer para o mesmo efeito foi o ritual mistificador que os poderosos sempre mantiveram em torno de suas pessoas, oferecidas à devoção popular. O grotesco ditador Kadafi, com seus trejeitos de mau ator de opereta, nada mais fez do que reproduzir, mediocremente, vários tiranos do passado. “Antes de cometerem os seus crimes, mesmo os mais revoltantes”, lembrou La Boëtie, “eles os fazem preceder de belos discursos sobre o bem geral, a ordem pública e o consolo a ser dado aos infelizes”.


Por fim, a última causa geradora do regime de servidão voluntária, aquela que La Boëtie considera “o segredo e a mola mestra da dominação, o apoio e fundamento de toda tirania”, é a rede de interesses pessoais, formada entre os serviçais do regime. Em degraus descendentes, a partir do tirano, são corrompidas camadas cada vez mais extensas de agentes da dominação, mediante o atrativo da riqueza e das vantagens materiais.


No Egito de Mubarak, por exemplo, oficiais graduados das forças armadas ocupavam cargos de direção, muito bem remunerados, nas principais empresas do país, privadas ou públicas. Algo não muito diverso ocorreu entre nós durante o vintenário regime militar, com a tácita aprovação dos meios de comunicação de massa, a serviço do poder econômico capitalista.


Pois bem, se voltarmos agora os olhos para este “florão da América”, veremos um espetáculo bem diverso daquele que nos fascina, hoje, no Oriente Médio. Aqui, o povo não tem a menor consciência de ser explorado e consumido. As nossas classes dirigentes, perfeitamente instruídas na escola do capitalismo, nunca mostram suas fuças na televisão. Deixam essa tarefa para seus aliados no mundo político. Elas são anônimas, como a sociedade por ações. E o jugo que exercem é insinuante e atraente como um anúncio publicitário.


Por estas bandas o povão vive tranqüilo e feliz, na podridão e na miséria.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Índios Pataxó pedem ao Ministro José Eduardo Cardozo saída do atual presidente da FUNAI

Ontem à tarde uma representação de 40 lideranças Pataxó da região de Porto Seguro pediu ao ministro José Eduardo Cardozo a saída imediata do atual presidente da FUNAI. Os Pataxó estavam acompanhados de deputados federais do estado da Bahia, a quem haviam cobrado essa reunião, já que não estavam conseguindo agendar com o ministro através da própria FUNAI.

A reunião com as lideranças Pataxó e o ministro José Eduardo foi dura e franca. Estava presente o atual presidente da FUNAI, junto com a diretora de assuntos fundiários. Não gostaram nada do que os Pataxó falaram ao ministro sobre suas respectivas atuações.

Os Pataxó vêm sofrendo horrores com a incapacidade de decisão do órgão em relação às terras que reivindicam, as ambiguidades e indecisões que lhes são impostas. Há problemas com o Instituto Chico Mendes quanto à dimensão da Terra Indígena Barra Velha, há problemas sérios de segurança provocados pela bandidagem local que se esconde na terra indígena Coroa Vermelha, ao lado da turística cidade de Porto Seguro. Há problemas de saúde agravados pela indecisão do Ministério da Saúde quanto ao substituto da FUNASA. Há problemas de administração dos parcos recursos que chegam à região, que já foi um Núcleo de Apoio, e hoje está reduzido a uma simples coordenação técnica local.

Os Pataxó sofrem sobretudo pelo abandono de suas aldeias por parte do órgão indigenista. A extinção do Núcleo de Apoio e dos postos indígenas pesa negativamente sobre os Pataxó.

Hoje a comitiva Pataxó se reúne com o vice-presidente Michel Temer. Na verdade, os Pataxó ainda confiam na justiça e na capacidade política brasileira. Querem que a FUNAI mude pela legalidade, sem alvoroço, mas estão achando difícil seguir essa linha.

Com a faca e queijo na mão, o ministro José Eduardo Cardozo.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Professores e estudantes indígenas pedem saída do atual presidente da FUNAI

Não são só os Kayapó, os Xavante, os Guajajara, os Pankararu, os Kaingang, os Pataxó, os Arara, os Karajá e tantos outros povos indígenas que querem uma mudança na Funai. Eles estão chegando a Brasília e querem encontrar seu rumo.

Uma nova força indígena, os estudantes universitários e professores em aldeias, refletindo sobre o que está acontecendo no meio indígena, também se manifestaram para que haja mudança. Neste documento dirigido às autoridades brasileiras, com todo respeito, os jovens indígenas pedem providências para mudar a FUNAI. Os estudantes indígenas comparam o que está acontecendo na FUNAI ao fascismo.

No mundo inteiro não se tolera mais o autoritarismo nem a incompetência administrativa, nem tampouco o agarrar-se ao poder pelo poder.

As mudanças estão para vir, de um modo ou de outro. Melhor que seja para que ainda se consiga mudar a FUNAI sem que se faça mais sacrifícios do que se tem feito.

A presidente Dilma Rousseff e o ministro José Eduardo Cardozo estão com a faca e o queijo na mão, com boas chances de fazer uma mudança a contento dos índios e suas principais lideranças.

O tempo passa, a história não pode esperar mais.

_________________________






terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Índios Kayapó pedem saída do atual presidente da FUNAI

Os Kayapó não estão lutando só pelo cancelamento da UHE Belo Monte. Querem sim que não acontece Belo Monte e ainda lutam por isso.

Mas também os Kayapó sabem que o quê está por trás disso tudo é um mal estar terrível na FUNAI, com a qual nunca antes na história do indigenismo sofreram uma relação tão ruim e perversa.

Os Kayapó lançam um manifesto para todas as lideranças indígenas brasileiras e convocam também as ONGs indígenas para pedir a saída do atual presidente da FUNAI.

É uma carta séria, pensada com ponderação, amadurecida sobretudo depois que os Kayapó, liderados por Raoni e Megaron, estiveram em Brasília e viram o que está acontecendo no meio indigenista.

Algo está se mexendo no reino do indigenismo -- e não é um terremoto qualquer.

__________________________________



quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Só para recordar, postagem de fev de 2011: "De lambança em lambança erguida será a Usina Belo Monte


Tem sido desproporcionalmente agressiva a reação em cadeia que o governo da presidenta Dilma Rousseff deslanchou contra as medidas cautelares da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão de aconselhamento da OEA, no sentido de intimar o governo brasileiro a suspender o licenciamento e, portanto, a construção da Usina Belo Monte, por não terem sido realizadas as devidas consultas aos povos indígenas a serem atingidos. Ela mesma, a presidenta, declarou no dia 7 de abril a uma comitiva de 450 mulheres do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) que não ia ser demagoga e dizer-lhes que Belo Monte não seria feita. Vai ser feita, sim, porque o Brasil precisa de energia elétrica e porque nossa matriz elétrica vem da força hídrica. Ponto final.

Diversos ministérios já haviam se manifestado antes da presidenta, tais como o de Relações Exteriores, Minas e Energia, Meio Ambiente, Defesa e o da Justiça. Todos em uníssono, e com linguajar feroz, contra a petulância da CIDH. A Comissão de Relações Exteriores do Senado Federal emitiu nota inequívoca de contrariedade apontando que o Brasil era soberano para fazer o que bem entendesse sobre suas decisões estratégicas de obter energia. O desabrido ministro da Defesa mandou a CIDH/OEA cuidar de si mesma. Só está faltando mesmo ouvir da ministra Maria do Rosário, dos Direitos Humanos, algo no sentido de que os direitos das populações atingidas vêm sendo preservados nos procedimentos de consulta e de programas de compensação. O ancilar PCdoB pulou à frente do PT e soltou feroz nota de apoio à construção de Belo Monte, demonstrando sua vívida indignação contra imposições do imperalismo norte-americano!

Nunca se viu tanta demonstração concertada de contrariedade a uma advertência de um órgão menor da OEA, sinal tanto de que o governo não está para brincadeiras, quanto de que acusou o pequeno golpe.

Ao que se percebe das admoestações da CIDH e da reação brasileira oficial, o grande questionamento sobre a Usina Belo Monte se foca quase que exclusivamente sobre os índios. A situação de impactos ambientais ficou para trás, parece que por desprezível.

A questão é: os índios foram informados devidamente, foram consultados de modo livre, têm noção adequada do que está por vir, estão de acordo com o que lhes foi apresentado?

Quem, pois, se arvora dizer se os índios foram devidamente consultados?

Nesse sentido, a bola está com a Funai, que obrigatoriamente é quem deve tirar essa história a limpo. Com efeito, a Funai mais que depressa, e evidentemente sob peso de comando urgente, soltou nota de esclarecimento justificando o ato de concessão de licenciamento de Belo Monte, cometido pelo atual presidente do órgão. Sim, os índios foram consultados livremente, diz a nota, com boa informação sobre o quê é uma usina do porte de Belo Monte, que obtiveram noção clara desse empreendimento e de suas consequências, que estão sabendo de tudo, e que vão receber quase todas as compensações que pediram. Eita!

A nota da Funai declara que foram realizadas mais de 30 reuniões com intuito de escuta, de esclarecimento, de prestação de informações (até nas línguas indígenas, através de intérpretes), como se estivesse seguindo religiosamente os ditames da Convenção 169 e da Constituição Brasileira. A Convenção 169 da OIT, que é lei no Brasil, trata especificamente da obrigação do governo de esclarecer e consultar os povos indígenas, de modo livre, informado e consensualmente aceito, sobre empreendimentos que os atinjam.

O teor da nota da Funai e grande parte de seu conteúdo é que vêm servindo de suporte às declarações dos demais órgãos e instâncias governamentais, inclusive pela Empresa Norte Energia e até por senadoras e senadores situacionistas, como Gleisi Hoffmann (PT-PR), Vanessa Graziotin (PCdoBr-AM) e o presidente do Senado. A Funai assegura que não somente os índios foram informados devidamente, como alega que tem documentação em vídeo e por escrito, assinada pelos índios, de que estavam bem informados, e que eles  compareceram a quatro audiências públicas nas cidades impactadas da região. Só não assevera que eles estavam de acordo, que suas assinaturas significavam assentimento à construção da Usina. A nota da Funai conta como favorável a seus argumentos até um seminário realizado no Memorial Darcy Ribeiro, na UnB, em fins de março deste ano, (ao qual o presidente da Funai deveria ter comparecido, e não deu as caras) como tendo sido mais uma oportunidade de consulta para os povos indígenas! Nesse seminário, ironicamente, todos os participantes, exceto um representante da Secretaria Geral do governo, se declararam contra Belo Monte e dele é que saiu uma comissão para levar seu protesto à presidenta Dilma.

Bem. A nota da Funai peca também por uma atitude absolutamente inconcebível no órgão indigenista. Ela discrimina os índios que serão diretamente atingidos pela Usina como tendo passado por um processo de “mestiçagem”, deixando no ar talvez que eles seriam melhor capazes de entender ou de suportar o que está acontecendo na região!? A última vez em que a Funai discriminou os índios pelo nível de mestiçagem foi na ditadura militar, quando um coronel aloprado quis fazer exame morfológico e genético para definir quem tinha ou não tinha sangue indígena, ou sangue negro ou branco.

O vídeo postado abaixo trata de três dessas reuniões de esclarecimento. Qualquer pessoa que o veja, mesmo que não tenha conhecimento antropológico sobre os modos de diálogo de funcionários da Funai com povos indígenas, se dará conta de que os representantes da Funai não parecem muito empenhados em esclarecer o real teor do empreendimento. Há um certo ar burocrático de enrolation nas falas desses representantes. Por fim, em duas ocasiões eles esclarecem a quem lhes pergunta que o que estão fazendo não são propriamente reuniões de oitivas, pois estas seriam feitas posteriormente e no Congresso Nacional! Ora, nada disso veio a ocorrer.

O que terá acontecido nas demais reuniões com outros povos indígenas, em outras aldeias? Será que foram mais bem feitas, mais esclarecedoras? Não se sabe, por enquanto. Pode ser que a própria Funai resolva soltar novas informações visuais. O que temos aqui é algo muito longe de ser considerado oitiva ou reunião de esclarecimento. Faltou seriedade e lealdade do órgão indigenista aos povos indígenas.

É mais do que evidente que a Usina Belo Monte está para ser feita. Não parece haver mais possibilidades de volta. Depois de uma longa e desgastante guerra de ações e contra-ações na Justiça, o governo parece ter obtido uma posição de vitória jurídica e quer dar o fato por consumado. Já mandou fazer o canteiro de obras. Não quer nem saber de argumentações que apontem para a necessidade ou ao menos para a boa norma de que uma hidrelétrica desse porte, que atinge terras indígenas diretamente, deveria ter passado por audiências públicas no próprio Congresso Nacional, com debates abertos para todos. Um simples decreto legislativo, obtido meio que na calada dos gabinetes, é o que parece dar justificativa jurídica e resposta ao Art. 231, ¶ 5, que ordena que o Congresso Nacional decida sobre empreendimentos que usam potencial hídrico que faz parte de terras indígenas.

Este desleixo de conduta jurídica e constitucional constitui, no meu entender, um descompasso com a realidade e com o ideal jurídico brasileiro, uma verdadeira lambança jurídica e política que atinge a veia ética e moral do brasileiro e que terá repercussão no futuro e que deixa imensas nódoas de erro e desarmonia nesse empreendimento.

Para o bem do atual governo, há que se responder à seguinte pergunta: O que será de todas as palavras já pronunciadas pelo ex-presidente Lula de que não iria enfiar a grande Usina "goela abaixo" dos habitantes da região, índios, ribeirinhos e citadinos que serão atingidos?! Será consolo a palavra da presidenta Dilma de que haverá compensação e participação de todos nos lucros ou vantagens desse empreendimento? Como serão amenizadas as descomunais desvantagens?

O fato é que o leite está derramado, não há como recolhê-lo mais. Resta a todos o gosto amargo de que no Brasil as coisas são feitas na base do improviso forçado, da má fé, do jeitinho oportunista, do poder avassalador, passando-se o tratorzão por cima dos contrários, dos incautos e dos inocentes, que, afinal, pagarão o preço mais alto pelo progresso da Nação.

CNJ quer mexer em terras indígenas

Para quem ainda duvida que o desmonte da FUNAI está vindo de todos os lados, eis uma matéria produzida a partir de informações do Conselho Nacional de Justiça, órgão criado em 2004 para servir de corregedoria da Justiça brasileira em geral.

Eis que, do alto de seu altíssimo conhecimento sobre a matéria, o CNJ também mete sua colher no angu da demarcação de terras indígenas. Mete a colher por que? Por que entende que a Justiça está farta de contestações às ações da FUNAI sobre demarcação? Provavelmente não. Ela simplesmente quer reger a questão fundiária no Brasil, como se poder executivo fosse. Inebria-se de vontade de poder e vai intensificar a judicialização da demarcação de terras indígenas, enfatizando os aspectos legais e ignorando os aspectos históricos e antropológicos que compõem a questão, e sem os quais não se consegue nada de relevante para os povos indígenas.

E a atual direção da FUNAI, o que pretende fazer sobre isso? Provavelmente ajudar para que isso se torne uma realidade! Ora. Não foi essa direção da FUNAI que colaborou para que a maioria das procuradorias especiais da FUNAI tenham sido extintas em diversas administrações Brasil afora?

Agora, se você for índio e se sua vida ou sua terra indígena estiverem em perigo ou contestada ou invadida ou ameaçada, você terá que pedir à AGU para lhe ajudar, e a AGU irá enviar o procurador que bem entender, não aquele que já conhece a sua situação de longa data e que está imbuído de um sentido ético de defender sua posição.

Por sua vez, o Legislativo está aí, cheio de ideias malévolas para usurpar aquilo que a FUNAI vinha fazendo, bem ou mal, desde a época de Rondon: demarcação de terras, em especial, claro, pois a bancada de 170 fazendeiros não vai dar mole. Mas também, partidarização da FUNAI, como nunca houve no passado com essa virulência.

O enfraquecimento da FUNAI é evidente, está escancarado, e quem conhece bem a questão indígena brasileira está vendo a instituição se desmilinguindo. O governo federal continua inerme, impávido, observando a situação se deteriorar sem fazer nada. Ou, no máximo, convidando índios para conversar nos gabinetes e depois não fazendo nada.

Só a resistência indígena poderá salvar a FUNAI da beirada do precipício em que se encontra. Qualquer um desses poderes poderá empurrá-la abismo abaixo.

Mesmo se ela for resgatada, ainda assim precisaremos de muitas ideias novas, muita criatividade e muito espírito rondoniano e republicano para fazê-la funcionar uma vez mais.

___________________________________


CNJ lançará em Dourados ação para acompanhar disputas por terras indígenas



Marta Ferreira


O Fórum de Assuntos Fundiários do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) lança no mês de maio, em Dourados, um programa específico para tratar das questões relacionadas com terras indígenas. Um dos objetivos será identificar ações concretas que possam ser adotadas para reduzir os conflitos fundiários envolvendo as diversas etnias indígenas, segundo divulgou o CNJ.
“É uma área de muito conflito”, explicou o coordenador do Fórum, Marcelo Berthe, juiz auxiliar da Presidência do CNJ. No lançamento previsto para ocorrer em Dourados, município com alta população indígena, será realizado um seminário com a participação de líderes indígenas e representantes do Judiciário, do Ministério Público e do Executivo.
A decisão foi tomada ontem pelo Comitê Executivo do Fórum de Assuntos Fundiários. O CNJ vai fazer um levantamento das ações judiciais envolvendo terras indígenas, dos decretos de demarcação de terras na tentativa de buscar a pacificação entre as partes.
O plano de trabalho definido pelo Comitê consolida as metas definidas no II Fórum de Assuntos Fundiários, realizado no ano passado em Belém. “A ação agora tende a ser mais efetiva”, afirmou o desembargador Sérgio Fernandes Martins, do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul. A função do fórum, lembra ele, é promover a pacificação na questão fundiária e, com isso, evitar grande número de ações na Justiça.
Interpretações- Segundo os magistrados, há divergência de interpretação da legislação sobre indenização aos proprietários por terras desapropriadas. Como a Constituição estabelece que as terras ocupadas pelos índios são de propriedade da União, alguns magistrados entendem que só cabe indenização pelas benfeitorias. Outros mandam pagar a indenização pela terra nua, entendimento que prevalece, por exemplo, na Justiça do Rio Grande do Sul.
Segundo Kátia Parente, juíza corregedora do Tribunal de Justiça do Pará, outro problema é que a própria Funai (Fundação Nacional do Índio) não tem condição de cadastrar todos os índios. Além disso, os cartórios de registro civil resistem a lavrar os registros com base em documentos da Funai.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Belo Monte de Frustrações

Nesses últimos dias, desde que a atual direção da Funai declarou que não havia óbices à construção do canteiro de obras de Belo Monte, indigenistas e índios se uniram em rebelião contra o governo brasileiro.

Mas, o que quer dizer essa rebelião? É verdadeira, ou é só retórica?

Para a Associação Brasileira de Antropologia, rebelar-se contra Belo Monte significa fazer alguns discursos veementes contra o capitalismo internacional, culpado pela decisão de fazer hidrelétricas caras na Amazônia, e escrever um documento em que condena o Ibama por ter dado a licença, além de pedir ao governo que reveja o processo de audiências públicas e oitivas em relação aos índios. Nada se diz sobre o fato de que a licença só foi dada pelo Ibama porque antes foi concedida pela atual direção da Funai, à revelia de parecer contrário de seus técnicos.

Para a OAB, a rebelião significa condenar o processo de licenciamento por vícios legais, por passar por cima dos critérios mínimos de legalização de uma obra desse porte.

Para o Ministério Público, significa exigir que o governo refaça os estudos de impacto ambiental, considerando que eles foram tão mal feitos que nem merecem ser chamados pelo devido nome.

Para o público ambientalista, a rebelião significa protestar pela internet contra hidrelétricas na Amazônia, pelo menos contra uma tão grande assim; significa também conclamar o povo brasileiro a aprender a economizar energia.

Para uma parte da comunidade científica, dividida como sempre em assuntos dessa importância, significa demonstrar que há outras alternativas para o fornecimento de energia elétrica, tais como a eólica e a solar; ou, simplesmente, melhorar a eficiência das atuais hidrelétricas e das linhas de transmissão.

Para os ribeirinhos do rio Xingu, da Volta Grande, e dos igarapés que desembocam naquela altura do rio, a rebelião é uma dor de perda iminente, de sufoco, de grito no peito. Para onde irão? Como sustentarão suas famílias?

E para os índios? O que significa se rebelar contra Belo Monte?

Significa sofrer por um rio que parará de descer o seu curso natural. É o protesto da dor de sentir o perigo da destruição de suas vidas, de suas culturas, tal como as conhecem e tal como sonham que continuem a existir.

Belo Monte é o sinal dos tempos que estão a vir. É o pânico da destruição de suas florestas, de seus rios, de sua vida tradicional e imemorial -- que estão vendo correr nos últimos anos a uma velocidade nunca antes imaginada.

Raoni, o grande e respeitado, o venerando cacique Kayapó, tem se lembrado ultimamente que Orlando Villas-Boas, o grande sertanista que o ajudou a conhecer o mundo dos brancos, costumava dizer que os índios tinham que se preparar para o que viria pela frente. Agora, diz Raoni, ele está sentindo o valor dessas palavras e está percebendo o poder dos acontecimentos.

Para os índios, Belo Monte surge como a possibilidade de perda da viabilidade de suas culturas, tal como as vinham vivendo até recentemente. Alguém oferece uma alternativa viável, algum plano miraculoso que os tranquilize? Certamente que não.

Eis o desespero dos índios, mesmo daqueles que estão a milhares de quilômetros de distância.

_________________________________


Não demorou mais do que algumas horas após a reunião dos índios com o secretário executivo da Secretaria Geral da República, na qual ele prometera aos índios que levaria sua reivindicação para parar Belo Monte, e a presidente Dilma Rousseff se reuniu com o ministro de Minas e Energia e os presidentes do sistema Eletrobrás para decidir os próximos passos para a conclusão de Belo Monte.

Belo Monte está se tornando uma realidade, enfiada goela abaixo dos índios, dos ribeirinhos, dos ambientalistas e de todos aqueles que são contrários a esse tipo de construção, a essa forma de relacionamento com a sociedade brasileira, à perfídia da palavra sem valor.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Sertanista Odenir Pinto de Oliveira escreve carta indignada ao atual presidente da Funai

Odenir Pinto de Oliveira é um dos maiores indigenistas do Brasil. Filho e neto de sertanistas, desde o tempo do Marechal Rondon, Odenir foi criado pelos pais junto aos índios Bakairi, e depois os Xavante, desde sua infância. Fala as duas línguas indígenas e participa das duas culturas.

Além do mais, teve experiência de campo com os Mura, os Panará, ajudou os Pataxó a retomar suas terras em Caramuru-Paraguaçu, auxiliou os Guarani do Mato Grosso do Sul a retomar terras, demarcá-las e homologá-las, criou o Programa de Casas de Cultura entre 2003 e 2007, estabelecendo diversas Casas de Cultura, e continua firme em defesa dos povos indígenas.

A carta que ora segue foi escrita hoje e passada para seus amigos indigenistas e jornalistas. É uma das mais emocionantes pela veemência do estilo, e das mais duras, pelas denúncias, que já vi de um indigenista brasileiro nos últimos tempos.

Odenir compara o atual presidente da Funai, Márcio Meira, com o coronel Nobre da Veiga, que foi presidente da Funai há 28 anos. E o pior de todos, pelas arbitrariedades cometidas, por ir contra o indigenismo rondoniano, pelas falcatruas, por demitir indigenistas, por atentar contra os direitos indígenas e por reestruturar o órgão para facilitar a vida dos inimigos dos índios, por abrir as terras indígenas às mineradoras.

Levou anos para a Funai se recuperar de Nobre da Veiga. De certa forma, eis o que está acontecendo no presente.

Seu testemunho é de respeito! Se o Governo Dilma não o escutar, então não tem mais jeito com a questão indígena.

_________________________________


Senhor Márcio Meira 
Presidente da FUNAI 
C/c Ministro da Justiça 

Márcio Meira, 

Parece que foi ontem, mas foi em novembro de 1979 que o coronel João Carlos Nobre da Veiga assumiu a presidência da FUNAI. 

Nobre da Veiga entrou dizendo que o Órgão era “um mar de lama” e, junto com o seu principal assessor, coronel Ivan Zanoni, deu início a uma série de mudanças que permitisse uma “nova FUNAI”. Muitas delas com forte conotação político/ideológica, respaldadas nas teorias de estratégia militar tão bem defendida pelo seu principal assessor, inclusive com livro publicado. 

Dentro da FUNAI, Nobre da Veiga tomou as seguintes providências – pelo menos as que ficaram mais conhecidas: 

a) Demite, já de começo, 39 indigenistas por serem “subversivos” e porque precisava mudar o paradigma do “indigenismo oficial”; 

b) Reestrutura administrativamente o Órgão com esse objetivo e para “fortalecer as unidades regionais”; 

c) Incrementa o projeto de emancipação compulsória dos indígenas, criando os famosos “critérios de indianidade” e declara que todos os índios perderiam a tutela e “estariam emancipados em três gerações”; 

d) Edita várias Portarias permitindo empreendimentos dentro das terras indígenas e facilita a exploração mineral em terras indígenas; 


e) Com ajuda do Conselho Indigenista e do Ministro do Interior Mário Andreazza, proíbe Mario Juruna de participar do Tribunal Russel, na Holanda. 

Pois bem, Márcio Meira, parece que foi ontem. Vinte e oito anos depois de Nobre da Veiga, você assume a presidência da FUNAI e, como seu antecessor de vinte e oito anos atrás, você veio para implementar um “novo indigenismo oficial”, desta vez com muita ideologia neoliberal e com muita política partidária – mas tão parecida com a de Nobre da Veiga e Zanoni – que fico imaginando que o tempo não passou. 

Nobre da Veiga queria um “novo indigenismo” porque, segundo ele, aquele que havia era “ultrapassado e responsável pelo atraso da FUNAI”.

Parece que há algo muito familiar e atual nesse discurso, não? Mas não vou enumerar essas semelhanças. Porém, é inevitável dizer que tanto quanto Nobre da Veiga, você também quer reestruturar o Órgão com medidas que atentam contra direitos indígenas consagrados pela Constituição e pela Organização Internacional do Trabalho - OIT; você implementa uma política de extinção da tutela, sem amplo debate com os povos indígenas, como se a tutela fosse algum direito que o governo “deu” no passado e agora pode “tirar” ao seu bel prazer; você usa a Polícia Militar, a Guarda Nacional e o Polícia Federal para, sob argumento de proteger bens públicos, impedir que as populações indígenas se manifestem contra sua administração e a presença dos “novos zanonis” dentro do Órgão. 

Na ditadura militar, Nobre da Veiga dizia que, ao contrário da vontade dos povos indígenas, ele deveria continuar sendo presidente da FUNAI porque essa era uma “missão” que ele havia recebido dos seus superiores. Até o dia em que ele, no ímpeto de transformar o Órgão, comprou um novo prédio no Setor de Indústria de Brasília, para instalação dessa “nova FUNAI”, e no mesmo dia um belo apartamento, (não confundir com belo monte), localizado na Avenida Vieira Souto, no Rio de Janeiro, foi passado em seu nome. O Tribunal de Contas da União, acionado, tomou as devidas providências. Mas Nobre da Veiga não ficou conhecido porque queria morar na Vieira Souto: ele ficou conhecido por atentar contra os direitos dos povos indígenas. 

Ontem li na revista Época que você, mais uma vez, contrariando parecer técnico do setor responsável da FUNAI, encaminhou ao IBAMA o Ofício nº 013/2011/GAB-FUNAI, de 20 de janeiro de 2011,........A FUNAI não tem óbice para emissão da Licença de Instalação – LI das obras iniciais (sic) do canteiro de obras da UHE de Belo Monte, considerando a garantia de cumprimento das condicionantes.(sic). Em seguida, no mesmo Ofício, você pede que o IBAMA.....atue junto com a FUNAI no acompanhamento......., que não vou continuar transcrevendo, dado o ridículo dessa coisa. 

Muitas vezes a gente pensa que já viu de tudo e do seu contrário também. 

Mas nunca é verdade, porque as justificativas para os absurdos que alguns cometem quando estão na presidência da FUNAI, mudam de tempos em tempos. É muito provável que você dirá que está fazendo isso porque recebe orientação do seu partido político, do seu superior, da presidente da República, etc, etc, mas lhe digo uma coisa: desde o dia em que você, em novembro de 2009, concedeu a primeira, (Licença Prévia) ao IBAMA, para a mesma UHE de Belo Monte, de forma misteriosa porque também contrariava parecer técnico do órgão, nunca mais você poderá dizer que está na presidência da FUNAI porque quer o bem dos povos indígenas. No máximo, você poderá dizer que está aí porque tem uma “missão”. 

E o dia em que você conceder a última, Licença de Operação, para UHE de Belo Monte, mais uma vez o Estado brasileiro, através do seu organismo oficial de indigenismo, estará, numa trajetória iniciada por Nobre da Veiga e Zanoni há vinte e oito anos atrás, impedindo que os povos indígenas protagonizem seu destino e participem do destino do Brasil. 

Brasília, 02 de fevereiro de 2011 

Odenir Pinto de Oliveira 
Sertanista aposentado 

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Atual presidente da Funai concede licença contrariando parecer técnico

A jornalista Mariana Sanches, da Revista Época, obteve o relatório da técnica da Funai, Maria Janete Carvalho, do dia 14 de janeiro p.p., no qual dá como parecer ao presidente da Funai que não dê seu aval ao licenciamento de instalação da UHE Belo Monte, em virtude do não cumprimento dos condicionantes básicos apresentados pela Funai por ocasião da Licença Prévia, em novembro de 2009, os quais amenizariam os impactos iniciais da construção da referida usina.

De nada adiantou. O atual presidente da Funai deu aval para a licença em ofício do dia 20 de janeiro. Mais uma vez passa por cima das análises dos técnicos da Funai.

Como eu disse na entrevista que a jornalista me fez, isto constitui uma das piores lambanças administrativas já feitas no indigenismo brasileiro. No indigenismo não, em todo o ambientalismo brasileiro. Sinto também pelo que está ocorrendo no Ibama.

E aí, Sr. Ministro, e aí, Sra. Presidente, como responder a isso?

Como corrigir esses erros tão graves na administração pública?

Não dá para viver de tratoragens no Brasil! Haverá de ter melhores modos de se realizar ações sem passar por cima do mínimo de dignidade do trabalho.

Afinal de contas, os índios Juruna, Xipaya, Kuruaya, Arara do Maia, Arara, Kararaô, Xikrin do Bacajá, Assurini, Araweté e Parakanã não são bagres! São seres humanos e culturas para os quais o Brasil, o Estado brasileiro, tem inteira responsabilidade por sua sobrevivência física e étnica e por seu bem-estar social.

Seres humanos não são bagres!

____________________________


Presidente da Funai contraria parecer técnico do órgão e apoia licença de Belo Monte

No último dia 20 de janeiro, o antropólogo Márcio Meira, presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) enviou um documento ao atual presidente do Ibama, Américo Ribeiro Tunes. Meira afirma no texto que “a FUNAI não tem óbice para a Licença de Instalação – LI das obras iniciais dos canteiros de obras da UHE Belo Monte”. Era o O.k. de que precisava Tunes, do Ibama, para conceder, na semana passada, a licença de instalação parcial à Usina Hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira, Pará.
O comunicado de Meira, no entanto, contraria o relatório técnico produzido por funcionários da Funai no dia 14 de janeiro de 2011, apenas seis dias antes do envio do documento do presidente da Funai ao presidente do Ibama. No documento intitulado “Subsídio para manifestação da Funai acerca das Instalações da UHE Belo Monte”, a que ÉPOCA teve acesso, Maria Janete de Carvalho, chefe da Coordenação Geral de Gestão Ambiental (CGGAM), e Julia Paiva Leão, coordenadora da COLIC (Coordenação de Licitação e Contratos), afirmam que nem a empresa Norte Energia S.A. nem o poder público cumpriram satisfatoriamente as 26 exigências estabelecidas pelo Ibama e pela Funai como garantia da manutenção das terras e de melhorias de vida das nove etnias indígenas que serão impactadas pelo empreendimento. Ambas assinam a recomendação de que a Funai não dê parecer favorável ao licenciamento.   
Por meio da assessoria da Funai, Meira disse que não se pronunciaria sobre o assunto. Segundo pessoas ligadas a ele, além de pressão do próprio governo federal, para quem Belo Monte é prioridade, Meira teria outra motivação para contrariar o parecer técnico do órgão que preside e assinar o documento liberando a licença para Belo Monte. Diante de diversos conflitos indígenas pendentes pelo país, o antropólogo paraense pode ter tentado fazer uma troca. Entregaria a licença de Belo Monte e, em compensação, concluiria a contento os processos da reserva Apyterewa, em São Félix do Xingu (PA), onde há sangrenta disputa por terra entre índios e fazendeiros.
A contradição entre o parecer favorável à instalação da obra dado pela Funai e o relatório contrário à licença é mais um episódio na controvérsia de mais de 20 anos entre índios e hidrelétrica no Rio Xingu. Em 1989, quando o projeto de Belo Monte ainda se chamava Kararaô, a índia caiapó Tuíra encostou um facão no rosto do então presidente da Eletronorte, José Muniz, em protesto contra a construção da hidrelétrica (na foto ao lado, de Protasio Nene/ AE). Em maio de 2008, na gestão do presidente Lula, que incluiu Belo Monte entre as obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), a confusão com bordunas e facões foi reeditada. Índios foram acusados de agredir o engenheiro da Eletrobrás Paulo Fernando Rezende  depois de uma reunião sobre a usina.
A tensão na região só fez aumentar de lá para cá. Ongs ambientais nacionais e internacionais e a Igreja Católica sugerem que os índios finquem pé contra Belo Monte. A empresa Norte Energia e o governo federal tentam atrair a simpatia dos indígenas para o projeto. Autoridades e indigenistas locais dizem, inclusive, que a Norte Energia tem fornecido comida e dinheiro para lideranças indígenas da região. Até a publicação deste post, a Norte Energia não confirmou nem desmentiu esta informação.
No meio do imbróglio está a Funai, cuja atribuição é defender junto à União o interesse dos índios. No entanto, o órgão perdeu força com uma reestruturação implementada por um decreto de Lula que extinguiu, em dezembro passado, a administração da Funai em Altamira. “Enfraquecida e sem fazer valer seus pareceres técnicos, a Funai não tem sido capaz de lidar com a complexidade do assunto”, diz Mércio Gomes, ex-presidente da Funai. “Virou uma lambança.”
Clique na imagem para ver o relatório completo do parecer técnico da Funai contrária à Licença de Instalação de Belo Monte
 
Share