domingo, 12 de agosto de 2007

Crimes indígenas precisam ser esclarecidos

A Folha de São Paulo publica também uma matéria importante sobre a penalidade de índios. Cita um suposto estudo da Funai de que há mais de 500 índios presos no Mato Grosso do Sul.

Na verdade, esse estudo é do Ministério da Justiça.

Os dados da Funai, pelo menos até o ano passado, era de pouco mais de 100 índios presos no Mato Grosso Do Sul. Não é pouco, mas também não são tantos assim.

A discussão entre o ex-procurador da Funai, Luiz Fernando Villares, o advogdo do CIMI, Paulo Guimarães, e o advogado do ISA, Raul Telles, é bastante interessante, por ser complementar. O procurador da Funai cita o aumento da população indígena e sua integração à sociedade brasileira como fatores do aumento de presos indígenas. Certamente.

Só que o advogado do CIMI acha que a situação social dos índios tem que ser resolvida. Ora, é claro que este é ponto, mas, enquanto isso não acontecesse, o debate sobre o crime e formas específicas a isso têm que ser encontradas.

A matéria diz que a Funai e todos os demais querem a mudança no Estatuto do Índio. Acho que não precisa para isso, porque já contem na definição do nível do relacionamento indígena com a sociedade brasileira os modos como os crimes deverão ser julgados.

Importante é notar que os dois principais tribunais do Brasil, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, têm dado sentenças diferentes para mesmas situações. Eis o que precisa mudar!

_____________________________________________________________

Estatuto do Índio prevê regalias penais, mas não é cumprido
Só em MS há cerca de 500 índios cumprindo pena em regime fechado, diz a Funai, apesar de lei estabelecer semiliberdade

Interpretações divergentes sobre estatuto e falta de identificação do acusado como índio são algumas das causas da distorção

ANA PAULA BONI
DA REDAÇÃO

Os índios condenados pela Justiça têm direito a privilégios penais previstos no Estatuto do Índio, mas, na prática, os juízes ignoram as recomendações. O estatuto prevê que, "se possível", a pena de detenção seja cumprida "em regime especial de semiliberdade" e no local onde funciona o órgão federal de apoio a indígenas mais próximo da aldeia do condenado.

Segundo a Funai, somente em Mato Grosso do Sul -Estado com o maior índice de índios presos e com a segunda maior população indígena do país-, há cerca de 500 cumprindo pena em regime fechado. O órgão não possui dados fechados da situação carcerária da população indígena em todo o país.

O procurador-geral da Funai, Luiz Fernando Villares, aponta como uma das causas da distorção as divergentes interpretações de juízes sobre a condição indígena. Alguns magistrados, ao combinar leis com o estatuto na hora de proferir a sentença, deixam a regra favorável ao índio em segundo plano.

O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, já se contradisseram em decisões ao analisar a condenação de índios, aponta Villares. Em uma decisão do STF, entendeu-se que o índio tem direito à semiliberdade. Essa regalia foi conferida "pela simples condição de se tratar de indígena", em atenção ao "previsto" no estatuto.

Enquanto isso, numa decisão do STJ, a lei de crimes hediondos, com a previsão de regime fechado, prevaleceu. "Por força mesmo do disposto [por essa lei], não se aplica o regime de semiliberdade estatuído [pelo estatuto] ao indígena condenado por delito hediondo."

Devido a isso, explica Villares, é difícil a fiscalização por parte dos 40 procuradores da Funai espalhados no país.

O advogado do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), Paulo Machado, acrescenta que um dos fatores que levam ao alto número de índios presos em regime fechado é a falta de identificação dele como indígena no inquérito. "No momento em que há conhecimento de que ele é índio, tem que se tomar providências específicas."

Atualização do estatuto

A Funai defende que o estatuto, de 1973, seja atualizado. Villares acha que o aumento da criminalidade decorre do crescimento da população indígena e de sua integração com a sociedade branca. "E isso não foi previsto na lei." Há 16 anos tramita no Congresso um projeto que cria um novo estatuto.
Raul Telles, advogado do Instituto Socioambiental, não vê necessidade de atualização em razão só da questão penal.

O advogado do Cimi concorda. Para Machado, deve haver a identificação dos conflitos sociais que os índios enfrentam e os levam à criminalidade. "Não vai resolver só tirar o índio da cadeia. Porque ele volta e continua no centro do problema. Não esperamos que o Estado resolva a questão só da óptica judicial mas também da social."

Nenhum comentário:

 
Share