quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Desigualdade reinante: ricos consomem dez vezes mais que pobres

Essa matéria é muito importante e precisa ser lida, comentada e discutida entre pessoas.

Vale por representar a desigualdade social em nosso país. Vale também por retratar, ainda assim, uma melhora sobre essa situação há trinta anos.

Queria saber como era o índice de desigualdade antes da ditadura militar?

E antes de Getúlio Vargas?

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Ricos gastam dez vezes mais que os pobres

Despesas dos 10% no topo da pirâmide chegam a R$ 1.814 mensais, contra R$ 179 dos 40% na base

Letícia Lins e Cássia Almeida

RIO e RECIFE. Em qualquer recorte que se faça, a desigualdade de renda no Brasil assusta.
Os novos dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), divulgados ontem pelo IBGE, mostram de várias formas essa distância de renda. Nas contas das despesas, a fatia dos 10% das famílias brasileiras mais abastadas chega a gastar dez vezes mais por mês do que os 40% mais pobres.

Enquanto em 2003, data da pesquisa, cada pessoa das famílias mais ricas gastava R$ 1.814,61, a despesa nas casas onde a renda é menor se limitava a R$ 179,44. Na calculadora, a diferença: os ricos gastam dez vezes mais que os pobres.

Em outro cruzamento, a distância aparece com força. O trabalhador doméstico tem uma despesa média familiar de R$ 832,18, quantia 80,6% inferior aos gastos do empregador, o que tem a maior despesa familiar: R$ 4.290,75.

'Procuro trabalhar perto de casa para não pegar ônibus' Essa realidade mostrada pelas estatísticas aparece no diaadia de Angélica Karina de Lima, que estudou até a 5asérie e está há oito meses no seu primeiro emprego. Ela trabalha como doméstica, com carteira assinada, em uma residência de classe média do bairro de Apipucos, em Recife, ganhando salário mínimo. Solteira, tem dois filhos e afirma que quase todo o salário vai para a mesa da família: - Gasto tudo com comida.

Não sobra quase nada, nem mesmo para transporte. Como é tudo muito caro, procuro sempre trabalhar perto de casa, para não precisar ir de ônibus. Coletivo mesmo só nos fins de semana, quando a tarifa custa a metade.

Angélica gasta R$ 8 com a educação dos filhos: um estuda em escola comunitária, cuja mensalidade é simbólica, e o outro é criado pela madrinha, para reduzir as despesas domésticas. Ela não tem marido, e a mãe, que nasceu na Paraíba, é analfabeta.

Na outra ponta da pirâmide, está Francisco das Chagas Melo da Silva, pernambucano de Abreu e Lima. Ele é dono de duas lojas de peças para carros.

Com quatro filhos, tem um perfil de despesa bem diferente. Só para a educação de dois filhos (os outros já estão formados) destina 30% de sua renda.

Enquanto a doméstica Angélica dedica praticamente tudo o que ganha para a alimentação, Silva gasta entre 20% e 25% com alimentos e 15% com transporte. Ele reclama, porém, que vive para pagar impostos: só na próxima sexta-feira terá de quitar mais de R$ 5 mil em tributos. Pelos dados da pesquisa do IBGE, o empregador gasta 17 vezes mais com impostos do que o trabalhador doméstico.

- No Brasil, tem muita desigualdade de renda. Os mais pobres pagam muito imposto, e o dinheiro do país só vai para meia dúzia de pessoas, inclusive os políticos, a julgar pelo que a gente vê nos jornais - afirma Silva.

As diferenças maiores estão nas despesas citadas por Angélica e Silva. A POF mostra que os empregadores gastam 10,8 vezes mais com transporte do que os empregados domésticos. Para a professora da UFF Hildete Pereira de Melo, esses números reforçam que a questão mais importante na realidade brasileira é a desigualdade: - Temos uma das piores distribuições de renda do mundo. Essa diferença, que aparece muito fortemente no transporte, indica também as viagens de lazer. Fizemos pesquisa na Baixada e descobrimos que muita gente não conhecia a Zona Sul do Rio.

'O dinheiro mal cobre as despesas da casa' A disparidade também é profunda entre os trabalhadores agrícolas e não-agrícolas: o primeiro gasta a metade do segundo.

Trabalhador rural desde os 7 anos, quando foi cortar cana acompanhando os pais, o pernambucano Armando Pedro da Silva roça mato, corta cana, cava sulcos no solo e semeia. O trabalho lhe rende menos que um salário mínimo por mês: cerca de R$ 300. Ele afirma que, quando recebe o dinheiro, separa logo R$ 50 para os remédios da família - principalmente dele e da mulher - e 90% do que sobra vai para a alimentação, sendo o fubá o principal ingrediente do cardápio.

- Trabalho por diária, ganho muito pouco. O dinheiro mal cobre as despesas da casa.

Acho que vivo só prá trabalhar e trabalho só prá comer. Não dá prá economizar nada não - diz Silva, que mora com seus seis filhos num casebre próprio no município de Igarassu, a 30 quilômetros de Recife.


Cesta de compras muda de acordo com a idade
Chefe de família mais jovem gasta mais com transporte, roupa e eletrodomésticos, diz IBGE

Cássia Almeida e Fabiana Ribeiro

O perfil de consumo do brasileiro muda de acordo com a idade - fator que interfere na relação do chefe da família com o mercado de trabalho. As famílias chefiadas pelos mais jovens (10 a 19 anos) têm um rendimento médio de R$ 1.089,20 e gastam mais com transporte, roupas, eletrodomésticos, recreação e cultura.

Já os mais velhos destinam uma parcela maior de recursos para remédios, aluguel e manutenção do lazer. Segundo a pesquisa do IBGE, os grupos familiares dos mais jovens têm despesas médias mensais 45,5% menores do que a média nacional (R$ 1.794,32). E os menores gastos familiares - nas áreas urbana e rural - ocorreram entre as famílias com chefe de família mais jovem.

Segundo Marcelo Neri, da FGV, a população da terceira idade soma atualmente cerca de 15 milhões de brasileiros, o triplo da registrada em 1970.

Na última década, o número de pessoas com mais de 60 anos de idade cresceu a um ritmo três vezes maior do que a população total (47%, contra 15,7%). E famílias cujo chefe tem mais de 60 anos representam 20% do total das famílias brasileiras. Delas, 80% têm rendimentos abaixo de R$ 2.000.

- Interessante também é a percepção da renda entre as famílias com idosos. Para eles, o dinheiro chega até o fim do mês, o que nem sempre acontece em outros grupos etários - disse Neri.

Atenção com saúde influencia consumo dos idosos De acordo com o especialista, os gastos com alimentação dos mais velhos também são influenciados por sua preocupação com a saúde.

- Na cesta de consumo, há, por exemplo, produtos diet e light - disse Neri, para quem os custos com transportes são atenuados nessa faixa etária.

- Nessas famílias, há a vantagem da gratuidade, reduzindo custos.


Na lista feminina, cuidados pessoais
Nos domicílios chefiados por mulheres, consumo com higiene é maior

Cássia Almeida e Fabiana Ribeiro

Separada há quase nove anos, a advogada Mônica Kimelblat toma conta da casa e da filha de 9 anos. Sozinha, arca com custos de alimentação, educação, condomínio, plano de saúde, impostos etc. Famílias chefiadas por mulheres, como a de Mônica, gastam menos com alimentação e mais com a casa, além de terem despesa bem inferior àquelas que têm homens à frente da casa. Segundo o IBGE, 57% das famílias chefiadas por mulheres ganham até mil reais; nas dos homens, esse percentual é de 49%.

Na casa de Mônica, um dos gastos é com higiene e cuidados pessoais - um grupo de despesas em que famílias chefiadas por mulheres tendem a gastar mais do que aquelas chefiadas por homens. E ela explica o porquê: - Preciso de produtos de beleza de qualidade. Preciso me cuidar mais do que as casadas.

Mulheres separadas têm namorados - brincou Mônica, que também investe em compras para manter a casa. - Mulheres que trabalham fora fazem as compras seguindo a lista que a empregada doméstica faz. E também não há como controlar os gastos delas.

O fato de a mulher chefe de família gastar menos com alimentação e mais com higiene, cuidados pessoais, vestuário, saúde e educação não surpreendeu a especialista em questão de gênero e professora da UFF Hildete Pereira de Melo: - Beleza é uma variável econômica importante no mercado de trabalho para a mulher. E todos os estudos mostram que a mulher se cuida mais. O movimento feminista levantou a bandeira do câncer de mama, mas a mortalidade pelo câncer de próstata é maior. Os homens escondem as doenças.

Maria Sousa Viana, de 34 anos, é chefe de sua família.

Com dois filhos para cuidar, ela trabalha como doméstica e ainda lava e passa roupas para fora. Somando todas as fontes de renda, ela ganha R$ 1.200.

Maria gasta cerca de R$ 50 mensais com cosméticos e produtos de higiene pessoal, R$ 100 com lazer e entretenimento nos fins de semana e está atenta à saúde: investiu R$ 410 em um tratamento odontológico.

- Gosto de conforto. Quando acaba uma dívida, já começo outra. Tenho ar-condicionado, duas TVs, bebedouro elétrico, secretária eletrônica e agora quero um aparelho de som mais moderno - disse ela.

Diferença nos rendimentos entre os sexos se mantém A POF mostrou que as diferenças nos rendimentos entre famílias chefiadas por homens e mulheres se sustentam. Segundo o IBGE, núcleos familiares com homens à frente têm uma renda média 20,7% maior do que aqueles com mulheres como responsáveis. Os ganhos médios mensais são, respectivamente, de R$ 1.899 e R$ 1.573.

- Pesquisas recentes já apontam que esse distanciamento tende a diminuir - disse Márcia Quintsir, gerente da POF, em referência aos avanços das mulheres no trabalho.

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