quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Professora Tapeba é entrevistada

Matéría comemorativa do Dia do Professor focaliza numa professora Tapeba, da cidade de Caucaia, perto de Fortaleza, no Ceará. Vale a pena conferir pela paixão e dedicação da professora e pelos dados do povo Tapeba.

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Lucinthya Gomes
da Redação de O Povo, CE


Aos 23 anos, a professora Leidiane Tapeba quer fortalecer a tradição indígena

Ela tinha apenas 16 anos quando recebeu a missão. A índia Leidiane Tapeba ainda cursava o 1º ano do ensino médio quando começou a lecionar na comunidade Lagoa dos Tapebas II, em Caucaia. Numa sala de aula improvisada, a jovem se viu diante de uma turma de jovens e adultos. A insegurança inicial foi amenizada pela própria comunidade. Ela percebeu que ali todos eram amigos e se sentiu fortalecida. Enquanto ela aprendia a ensinar, explicava que nunca é tarde para aprender. Hoje, com 23 anos e ensino médio completo, Leidiane continua ensinando que, apenas através dos estudos, será possível transmitir a tradição indígena para as próximas gerações.

A fala é mansa, mas segura. A jovem professora concluiu o ensino médio numa escola convencional de Capuã, distrito de Caucaia, pois não havia educação indígena na própria comunidade. "Eu ia andando por 25 minutos até a escola. Nunca imaginei desistir, por causa do meu pai. Ele fugiu de casa para realizar o sonho de estudar e prometeu ao meu avô que ia continuar a tradição (indígena)", conta Leidiane, que tomou para si o mesmo sonho do pai.

O convite para dar aulas veio da professora Rita de Cássia, a Sinhá, pioneira na educação indígena na comunidade. Para ela, Sinhá é referência de amor e dedicação pelos alunos. "Poucos tinham a 8ª série. Como eu estava no ensino médio era uma dos que tinham mais estudo", recorda. O trabalho começou voluntariamente, mas, dois anos após, Leidiane passou a ser remunerada pelo Governo do Estado.

Improviso

A história da educação na comunidade e de Leidiane é marcada por dificuldades estruturais e força de vontade. "A gente passou muito tempo pedindo para o Estado capacitação em magistério indígena, até que nós mesmos elaboramos com o apoio da Funai (Fundação Nacional do Índio)", lembra. As aulas já foram realizadas sob árvores, salas improvisadas e galpões. Hoje, a escola está sendo construída com recursos do Estado. A previsão é de que as obras sejam concluídas em duas semanas.

Outra conquista é o número de crianças freqüentando a escola. "Praticamente todas elas estão em sala de aula", vibra. Simpática, Leidiane ensina todas as disciplinas da educação indígena, método adotado para fortalecer a identidade e cultura da comunidade. Entre os alunos dela, estão crianças e adultos. Hoje, há cerca de 300 na escola, que oferece além das disciplinas convencionais, aulas de plantas medicinais, lendas e histórias da comunidade, religiões e cultura indígenas. "Eu me sinto responsável pelo futuro da minha comunidade, que são os meus alunos. O estudo é o único jeito de melhorar a vida na comunidade", argumenta.

Em sala de aula, ela usa cocar, colar de sementes, entre outros adereços indígenas. O contato dos alunos com a natureza é constante. "Por que trabalhar uma aula de biodiversidade e vegetação no quadro, se a gente pode trabalhar na própria natureza?", questiona. Para ela, a sala de aula é troca de experiência e os alunos mais velhos são os "livros vivos" da comunidade, que auxiliam nas aulas de lendas e cultura.

E-mais

Para Leidiane, sonho é cursar a faculdade, que ainda não fez porque não existe nível superior indígena. Até hoje, a comunidade só conta com ensino fundamental. "Estamos elaborando um projeto para encaminhar para a UFC (Universidade Federal do Ceará). A gente não pode dar aula de ensino médio porque não temos nível superior. Mais um motivo para implantar uma faculdade indígena".

A estrutura da Escola dos Tapebas foi desenhada pela própria comunidade. O prédio contorna a Roda do Toré, que simboliza um escudo indígena. No local, são realizados os rituais sagrados, que fortalecem o espírito, a mente e deixam o corpo mais leve, explica Leidiane.

Entre as necessidades da escola, Leidiane aponta a falta de livros didáticos feitos pela própria comunidade.

SOBRE OS TAPEBAS

A palavra tapeba significa "pedra chata".

Segundo a professora Leidiane Costa, a área ocupada pelo povo tapeba em Caucaia chegava a 30 mil hectares. Hoje, a área não chega a 5 mil. "Nós temos áreas de mangue, de plantio, lagoas, rios.

Com o passar do tempo, nossas crianças não vão ter onde construir casas", lamenta.

Em Caucaia, existem ao todo 17 comunidades tapebas, dez escolas indígenas e duas creches. "Quase todas as comunidades têm escolas", afirma Leidiane.

De acordo com ela, os mais velhos contam histórias de quando tentaram freqüentar as escolas convencionais. "Muitas pessoas deixaram de estudar por causa do preconceito. Quando a Escola dos Tapebas surgiu, eles voltaram a estudar, recuperando o tempo perdido", diz.

Como a comunidade é de baixa renda, estudar numa escola convencional apresenta obstáculos. Geralmente, o alunos precisam usar calça jeans ou percorrer longos percursos a pé. "Se a chinela de um aluno quebrar, ele não vai faltar aula aqui", comenta a líder comunitária, Raimunda Cruz do Nascimento.

Os tapebas resultam da miscigenação de quatro povos: potiguaras, cariris, tremembés e jucás. "Não dá pra ter certeza da nossa língua indígena".

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