sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Mineração em terra indígena em questão

O Correio Braziliense traz longa matéria sobre a questão da mineração em terras indígenas, especificamente sobre o caso Cinta-Larga.

Depois que Rômulo Siqueira, um indigenista respeitável da Funai, que estava fazendo um trabalho de encontrar saídas para a exploração do garimpo na T.I. Roosevelt, foi transferido para Ilhéus, o garimpo se escancarou de novo.

Lamento muitíssimo. A coisa é muito difícil por lá. Nem quero pensar em conflitos, mas só na confusão que dá já é suficiente.

A CNPI não pode deixar de analisar esse projeto de mineração em terras indígenas. Não pode esconder os olhos para fingir que não vê o que está acontecendo e o que continuará a acontecer. Chega de amadorismos no trato da questão indígena brasileira.

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Terra dos diamantes

O governo desencadeará nos próximos dias uma nova operação na reserva indígena Roosevelt, em Rondônia, para retirar centenas de garimpeiros que estão ilegalmente na área extraindo diamantes, com a conivência dos índios cintas-largas. A Polícia Federal já localizou vários acampamentos e maquinários no meio da floresta, em locais diversos, o que confirma a presença dos invasores.

Uma reunião emergencial, entre PF, Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, Poder Judiciário, Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e Ministério da Justiça vai decidir na próxima semana qual ação será adotada de imediato. Roosevelt é uma das cinco áreas no país consideradas de alto risco para a explosão de conflitos, segundo levantamento da PF. Há três anos, 29 garimpeiros foram massacrados de uma só vez pelos índios, por causa da disputa pela extração de diamantes. Ninguém foi preso.

Para acabar de vez com os conflitos nas áreas indígenas com reservas minerais, o governo tenta apressar na Câmara dos Deputados a aprovação de um projeto de lei que estabelece regras para a extração mineral dentro de áreas indígenas. Com isso, índios e brancos seriam recompensados. "Com o projeto, nós estabelecemos critérios para a exploração, como a preservação ambiental e cultural dos índios", afirma o secretário-executivo do Ministério da Justiça, Luiz Paulo Barreto. Até que a legislação seja revista - hoje é proibido garimpar em terras indígenas - o problema tende a se agravar, com risco de conflitos armados, como indica a movimentação dos invasores na reserva indígena Roosevelt.

Desde o primeiro estudo da proposta de lei preparado pelo governo, as regras impostas para a exploração mineral em áreas indígenas são complexas, estabelecendo um longo trâmite burocrático. A disputa pelo terreno será feita por leilão, após o aval de órgãos federais ligados ao tema, como Funai e o Ministério de Minas e Energia, além de contar com a aprovação do Congresso Nacional. Se um dos órgãos vetar, o pedido será engavetado, antes mesmo de chegar aos parlamentares. O leilão seguirá regras parecidas com as adotadas para a exploração de petróleo e gás natural, onde ganha quem pagar a melhor oferta.

Os índios poderão disputar o leilão, sozinhos ou associados com empresas privadas. Mesmo que não explorem, receberão um percentual mínimo de 3% do rendimento bruto arrecadado na exploração, uma espécie de royaltie. O objetivo do governo é que os índios possam utilizar os recursos minerais e que as comunidades usufruam da riqueza extraída do subsolo. Até lá, o maior problema do governo é promover a desintrusão das terras indígenas pelos invasores, como em Rondônia. A questão é difícil, porque envolve até mesmo os índios cintas-largas.

Autorização

Segundo a Polícia Federal, os grupos de garimpeiros que entraram em Roosevelt tiveram autorização dos índios. "Eles burlaram os postos de vigilância da PF e conseguiram colocar maquinários dentro da reserva", afirma um delegado que atua na área. Segundo a PF, os próprios caciques autorizaram a extração de diamantes, como fizeram em anos anteriores. Em 2003, esse tipo de negócio gerou um desentendimento e 29 garimpeiros foram mortos cruelmente. A PF responsabilizou os chefes cintas-largas pelo crime, mas ninguém foi preso. As mortes ocorreram às vésperas da Operação Mamoré, que iria colocar 400 homens de vários órgãos do governo federal para retirar os invasores da reserva. O massacre abortou a ação federal.

Um dos problemas do governo é a extensão da reserva Roosevelt, considerada uma das maiores jazidas de diamante do mundo. São 2,6 milhões de hectares de terra, onde vivem cerca de 1,3 mil índios cintas-largas. "Não temos pessoal suficiente para vigiar tudo. A área é muito grande e fica em dois estados, Rondônia e Mato Grosso. Há apenas três postos da Polícia Federal, enquanto que há várias maneiras de entrar no local sem vistoria dos nossos agentes", afirma um delegado da Polícia Federal. A pretensão do governo é realizar uma operação semelhante à Mamoré, com apoio das Forças Armadas.

Outro problema é o apoio que o garimpo ilegal recebe das autoridades e políticos locais, principalmente das cidades de Cacoal e Pimenta Bueno, que praticamente vivem em função dos diamantes de Roosevelt.

29 garimpeiros foram assassinados em 2004 pelos índios cintas-largas dentro da reserva Roosevelt. Eles estavam extraindo diamantes da área

Potencial é de US$ 500 milhões por ano

Olímpio Cruz Neto

Da equipe do Correio

O massacre dos 29 garimpeiros, em 7 de abril de 2004, pelos índios cintas-largas é resultado direto da ganância do homem. É fácil entender o porquê. A reserva indígena Roosevelt tem um potencial econômico extraordinário. Encravada sobre uma rara espécie de rocha vulcânica, única no Brasil, a área permitiria a instalação de uma mina industrial de diamante de gema com capacidade para produzir um milhão de quilates de pedras preciosas por ano. A receita estimada por tal exploração equivaleria a US$ 500 milhões anuais, de acordo com o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), órgão ligado ao Ministério das Minas e Energia.

Os diamantes retirados da reserva são de altíssima qualidade e valem muito. Por isso os garimpeiros que ainda permanecem na região tentam o sonho da riqueza. O mesmo sonho que levou os 200 invasores a procurarem pelos diamantes, há mais de três anos, na Gruta do Sossego. Foram surpreendidos pelo ataque dos cintas-largas - chamados assim pelo uso de uma cinta feita de casca grossa de árvore - que desferiram golpes mortais com suas bordunas,tacapes, lanças e ainda usaram de espingardas e rifles contra o grupo de garimpeiros. Nenhum dos índios que participaram do massacre foi preso, apesar de a Polícia Federal ter aberto um inquérito para investigar o caso. Segundo estimativas da PF, cerca de US$ 20 milhões em diamantes saíram de de Roosevelt nos últimos anos. A área é considerada uma das dez maiores minas de diamante do mundo. Daí porque atrai tantos traficantes internacionais de pedras.

Além dos problemas ambientais causados pela permanência dos invasores, inclusive com o assoreamento do Rio Roosevelt, outro tipo de degradação é evidente: a dos costumes dos índios. Eles cresceram o olho com a possibilidade de também enriquecerem.

A PF levantou que até 2002, o acesso à reserva custava até R$ 50 mil para cada garimpeiro. Os invasores eram obrigados a deixar pelo menos 20% dos diamantes extraídos com os índios. O preço da ganância foi alto. Agora, o governo espera regularizar a situação com o projeto a ser encaminhado ao Congresso.

Histórico de conflitos

A reserva indígena Roosevelt é ocupada pelos índios cintas-largas há tempos imemoriais. Pelo menos desde o início do século 20 o próprio governo brasileiro tem conhecimento da presença dos índios na área. Em 1914, o ex-presidente americano Theodore Roosevelt (1901-1909) visitou a região em companhia do Marechal Rondon. No ano seguinte, ocorreu o primeiro encontro de índios com a turma de exploração do Rio Ananaz, da Comissão Rondon, nas terras do atual Parque do Aripuanã. Em 1919, o então Serviço de Proteção ao Índio (SPI) instalou um posto na região para prestar assistência aos índios.

Localizada no sudoeste da Amazônia, compreendendo parte dos estados de Rondônia e Mato Grosso, o território tradicional dos cintas-largas é dividido em quatro áreas: Roosevelt, Serra Morena, Parque Aripuanã e Aripuanã. Todas foram homologadas, somando um total de 2,7 milhões de hectares. Atualmente, vivem na região cerca de 1,3 mil índios. No final dos anos 60, a população somava mais de 5 mil cintas-largas.

A história de confrontos entre os índios e não-índios remonta a década de 1920. Em 1928, seringueiros massacraram uma aldeia cinta-larga, mas nenhum dos invasores foi preso. Mais de 20 anos depois, outros conflitos foram registrados, com empresas seringalistas e de mineração mantendo forte presença na região em busca da exploração dos recursos naturais. Em 1951, os índios atacaram um grupo de seringalistas, matando a todos.

Na década seguinte, em várias ocasiões, os índios foram vítimas de contra-ataques, inclusive com lançamento de dinamites de aviões em sobrevôos contratados por empresas seringueiras, causando repercussão internacional. Os primeiros contatos oficiais só viriam a ocorrer em 1965 e, no ano seguinte, a área foi reconhecida como território dos índios.

Mesmo assim, a presença do homem branco permaneceu pelas décadas seguintes, se intensificando a partir de 1976, quando foi descoberto ouro em um dos córregos do Rio Branco. Vinte e três anos depois, outra fonte de cobiça surgiu na área: os diamantes. Nos últimos sete anos, o governo federal promove a desintrusão de garimpeiros na região. Em vão. Eles saem, mas voltam. (OCN)

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