A Agência Brasil fez uma série de entrevistas com o jornalista goiano Washington Novaes sobre sua nova série de TV sobre os índios do Alto Xingu. Nesta parte, Novaes cita uma frase de Afukaká, um grande líder Kuikuro, que diz que não sabem mais como ser índios antigamente, e que reconhece o valor de seu programa de TV de 1984, o qual foi repetido em 2006.
Tive o prazer de dar entrevista para esse programa de Novaes, quando reflito sobre a continuação do Parque Indígena do Xingu, apesar da influência do dinheiro, da TV e das bicicletas e motores de popa.
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Entrevista 3 - “Não temos competência para voltar a ser índios”
Pedro Biondi
Repórter da Agência Brasil
Pedro Biondi/ABr
Aldeia Ipatse (Parque Indígena do Xingu) - O jornalista Washington Novaes e índios kuikuro junto à casa dos homens, na principal aldeia dessa etnia
Brasília - Na terceira parte da entrevista à Agência Brasil, o jornalista Washington Novaes comenta o pagamento, por direitos de imagem, às aldeias onde fez gravações, e diz que espera contribuir para que os brasileiros ao menos se espelhem nas qualidades das sociedades indígenas. Segundo ele, nos falta preparo para uma mudança radical nesse sentido. Leia também o primeiro e o segundo trecho da entrevista.
Agência Brasil: Como o senhor mesmo apontou, os índios mais jovens, especialmente, manifestam desejo de ter produtos da sociedade de consumo e integrar-se mais aos brancos. Como lidar com isso? É possível um processo mais equilibrado?
Washington Novaes: Não sei. Eu tenho minhas dúvidas de que simplesmente pela apropriação da tecnologia de documentação em vídeo ou em áudio isso aconteça. Há algumas outras coisas sendo feitas, como o reconhecimento dos conhecimentos tradicionais dos Yaualapiti, com apoio de uma historiadora e uma lingüista. Os antropólogos dizem que as sociedades indígenas são sempre capazes de absorver muitas coisas das outras culturas sem perder a sua natureza. Eu torço para que seja assim, mas, acompanhando há mais de 20 anos o processo no Xingu, fico com o coração apertado, me perguntando se elas vão ser capazes de resistir.
ABr: Que papel, a seu ver, o governo deve ter diante dessas questões?
Novaes: Acho, em primeiro lugar, o país ter uma estratégia que valorize essas coisas que existem no Xingu. Isso precisa ter desdobramentos na educação, na demarcação de terras, na proteção das áreas. Pelo que vejo, praticamente nada nesse sentido está sendo feito. A área que tenho visto atuar é a da saúde. A Funasa [Fundação Nacional de Saúde] tem tido uma atuação muito forte com vacinação, e isso reduziu muito a mortalidade infantil, e com outras ações que eu me pergunto se são um bom caminho ou não, como colocar poços artesianos e água em cada casa, o que muda também o modo de viver.
ABr: O senhor pagou às aldeias por direitos de imagem. Acha que essa deveria ser a prática sempre?
Novaes: Em 1984, quando consegui autorização da Funai [Fundação Nacional do Índio] para visitar todas essas áreas, uma parte da legislação a cumprir era uma portaria da Funai que estabelecia pagamento para qualquer documentação em área indígena. Só que isso nunca havia sido cumprido. Foi conversado com eles e com a Funai sobre o que seria justo. Foi depositado antes de irmos para lá, e criou um precedente principalmente para televisões do exterior. Agora houve negociação prévia, com participação da Funai, e eles estabeleceram R$ 30 mil por aldeia. Os Kuikuro me mostraram um caminhão e disseram que foi comprado com esse dinheiro. Eu sei que isso é uma contradição, um formato de entrada de dinheiro. Eu tento fazer com que o problema não seja maior fazendo que esse dinheiro vá para a associação da aldeia, e seja usado para acomunidade toda. Numa conversa com índios sobre essa questão, um deles brincou: “Você que ensinou o caminho...”
ABr: A série original, Xingu – A Terra Mágica, chegou a ter 20 pontos de audiência. O senhor acha que ajudou a mudar, ainda que seja um pouquinho, o que os brasileiros pensam sobre os índios?
Novaes: Eu quis mostrar o índio do nascimento à morte – como nasce, como é educado, adolescência, organização social e política, arte, relação homem-mulher... Cada um vai enxergar de uma forma, mas eu espero dar, com isso, alguma contribuição. Em 1986 encontrei o Darcy Ribeiro [um dos mais importantes antropólogos que o país já teve] na escada de um avião e ele me disse: “Você está contribuindo fortemente para mudar a imagem do índio brasileiro”. Agora, quando fui gravar na aldeia kuikuro, me chamaram na frente da casa dos homens [espaço simbólico de muitas aldeias] e falaram, Jakalo e Afukaká, coisas que me emocionaram muito. Jakalo disse que, antes, quando ia ao Aeroporto Santos Dumont, as pessoas batiam na boca, fazendo “U! U! U! U!” [de forma jocosa] e que hoje isso mudou. Talvez a televisão possa dar a sua grande contribuição mostrando o que essas culturas têm de fundamental. Nós não vamos voltar a ser índios, não temos competência para isso, mas essas sociedades podem apontar rumos.
quinta-feira, 26 de julho de 2007
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