sexta-feira, 13 de julho de 2007

CNPI se reúne para discutir Estatuto do Índio

A Comissão Nacional de Política Indigenista, criada pelo presidente Lula e pelo minstro Márcio Thomas Bastos no ano passado e instalada esse ano em junho, está reunida extraordinariamente para discutir vários assuntos, inclusive o projeto de lei de mineração em terras indígenas.

A matéria abaixo, produzida pela revista eletrônia Repórter Brasil, fala que o CIMI, a Coiab, o ISA e outras Ongs querem discutir todas as questões no bojo de uma discussão sobre o Estatuto do Índio. Já falei que acho uma temeridade se abrir uma discussão sobre o Estatuto na ilusão de que os deputados e senadores irão melhorá-lo. Mas essas Ongs insistem e vão terminar entornando o caldo da questão indígena brasileira. Se sair um novo Estatuto, após discussões no Congresso, daqui a uns dois, três anos, as grandes conquistas de reconhecimento de tradicionalidade de terras indígenas vão para o brejo. Só não vê quem não quer, ou quem está tão envolvido nesse discurso que acha que tem que teimar até o fim. Acho que só os próprios índios, vindos das aldeias, unidos em conferência, sem o domínio dessas Ongs, é que rechaçarão essas tentativas temerárias.

A discussão sobre mineração em terras indígenas vai se dar proximamente no Congresso Nacional, tenha ou não essa Comissão apresentado suas propostas de modificação. É claro que muitas coisas podem ser mudadas, inclusive o percentual de receita indígena, decisão sobre deixar ou não se fazer mineração, etc. É nisto que essa Comissão devia se concentrar e não abrir o flanco para o Congresso votar um Estatuto dos Povos Indígenas com perdas substanciais do atual.

Dá para ver na matéria o quanto o discurso é dominado pela Coiab e pelo ISA. E os representantes dos demais ministérios, não têm voz? E a Funai, não se manifesta?

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Comissão privilegia Estatuto e enfraquece projeto de mineração

A discussão integral do Estatuto dos Povos Indígenas - e não apenas o projeto isolado sobre mineração - consiste na prova de fogo da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), que se reúne pela segunda vez em Brasília

Por Maurício Hashizume

Líderes indígenas não estão dispostos a abrir mão da discussão mais ampla do Estatuto do Índio, pendente desde a Constituição de 1988, em nome da regulamentação isolada da mineração em Terras Indígenas (TIs). A decisão pela retomada do debate inconcluso do Estatuto deve ser confirmada na segunda reunião da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), instância ligada ao Ministério da Justiça que reúne membros do governo e da sociedade civil, incluindo representantes de organizações indígenas e entidades indigenistas. Desde segunda-feira (9), índios que participam da Comissão estão reunidos em Brasília para definir posições que serão apresentadas na reunião extraordinária desta quinta-feira (12).

Para Jecinaldo Cabral, do povo Sateré-Mawé e membro da direção da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), o Estatuto é fundamental para "nortear toda política indigenista". "Discussões isoladas enfraquecem o movimento indígena e favorecem os interesses do poder econômico", argumenta Jecinaldo. Na primeira reunião do CNPI realizada no início de junho, o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Márcio Meira, apresentou um anteprojeto sobre mineração em TIs elaborado pelo governo federal, que ainda não foi apresentado ao Congresso Nacional. A minuta foi prontamente submetida à Subcomissão Legislativa, uma das mais importantes entre os nove agrupamentos internos da CNPI, que dedica espaço especial para o Estatuto dos Povos Indígenas.

A fixação de uma porcentagem mínima de apenas 3% do faturamento bruto obtido com a atividade mineradora para as populações indígenas foi um dos pontos do anteprojeto que mais sofreu críticas. "As terras são da União, mas na prática somos nós que zelamos pela Amazônia. Não achamos justa essa imposição de uma cota tão pequena. A Funai pode intermediar as negociações, mas a decisão precisa ser dos povos", coloca o coordenador da Coiab. Na I Conferência Nacional dos Povos Indígenas, realizada em 2006, a necessidade de regulamentar a mineração chegou a ser colocada na mesa pela Funai, mas não foi recebida com muito entusiasmo pelos participantes. As TIs somam um total de 110 milhões de hectares (13% do território nacional) e correspondem a cerca de 25% da área denominada como Amazônia Legal.

Dentro dessa concepção sustentada pelos representantes indígenas da CNPI, a mineração se insere apenas como mais um item do capítulo sobre gestão dos recursos naturais e sustentabilidade. "Não queremos ficar apenas com buracos na terra e epidemias de malária. Esses erros já foram cometidos no passado. O Estatuto pode estabelecer uma nova referência e ajudar a reparar erros históricos de violação dos direitos indígenas", adiciona Jecinaldo. A liderança conta com o apoio da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas e pede a instalação de uma comissão especial na Câmara dos Deputados para discutir todo o Estatuto (aglutinado no PL nº 2.057/91), e não apenas propostas que se resumem à mineração, como defendem as empresas do setor, que apresentaram as suas reivindicações em reunião recente com o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP). "Não vamos aceitar uma discussão fragmentada. E trabalharemos pelo envolvimento do conjunto dos povos e da sociedade como um todo", antecipa Jecinaldo.

O próprio setor empresarial concorda que a ausência de uma regulamentação sobre a autonomia dos povos é um fator complicador para o pleito de exploração dos recursos existentes em TIs. Para o diretor de Assuntos Ambientais do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Rinaldo Mancin, o Estatuto contém uma gama de temas complexos e exige uma negociação de fôlego, haja vista que a matéria não foi aprovada nos quase 20 anos que se passaram desde a Assembléia Constituinte. O diretor do Instituto - que representa 160 grandes empresas da área de mineração como a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), o Grupo Votorantim e a Anglo American, gigante britânica da mineração - não menospreza o mérito da discussão mais ampla, até porque tem interesse na definição de modelos de cooperação entre a iniciativa privada, o Estado e os povos indígenas: seja na forma de fundos, como propõe o anteprojeto do governo, seja na formação de joint ventures (parcerias entre empresas), como ocorre em outros países como o Canadá. No entanto, o instituto prefere a definição legal específica da mineração para viabilizar a atração de investidores e aproveitar o quadro favorável de valorização de minérios no mercado internacional.

Em defesa do projeto em separado de mineração em TIs, o Ibram destaca que a atividade mineradora tem impacto social e ambiental localizado. Alega ainda que as empresas do setor movimentam 10,5% do Produto Interno Bruto (PIB) e apresentam políticas consistentes de gestão ambiental e responsabilidade social. "São transnacionais no mundo globalizado. Qualquer deslize terá reflexo nas ações dessas empresas na Bolsa de Valores", salienta o diretor do Ibram, sem esquecer de citar o potencial de exploração dos recursos minerais, já que o mapeamento geológico realizado compreende apenas 18% do território nacional. "A mineração não é pecuária nem soja", compara Rinaldo. Na avaliação dele, a presença em regiões isoladas de líderes da mineração mundial comprometidos com o desenvolvimento sustentável poderá até ajudar a preservar territórios sob pressão econômica e conter o avanço da fronteira agrícola. "A inteligência ambiental migrou do setor público para o privado nos últimos 20 anos. Há empresas com mais de 200 funcionários só para cuidar dessa área. Ninguém fará nada sem consentimento dos povos indígenas", promete.

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