segunda-feira, 2 de julho de 2007

Abóbora vem do Peru. E abobrinhas?

Começamos a semana com uma notícia, vinda da Folha Online, muito interessante sobre o processo de domesticação das plantas nas Américas. Precisamente no Peru, a domesticação da abóbora.

No correr da matéria diversas informações e análises mostram o quão antigo foi o processo de domesticação de plantas por nosso continente.

A nova técnica usada para reconhecer a qual planta pertence tal semente, ou resto de semente, é verificar seu amido, ou seu carbohidrato. Cada qual é cada qual.

Vale a pena ler.

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Estudo mostra que abóbora era cultivada no Peru há quase 10 mil anos

O tomate que faz a fama da culinária italiana é mexicano da gema. O milho, que forma a base da dieta da zona rural da África, também. O amendoim, consumido às toneladas na China, vem do cerrado de Mato Grosso.

A páprica, tão estimada por húngaros e alemães, bem como a pimenta vermelha que torna a cozinha tailandesa famosa no mundo todo, surgiram na Bolívia. Isso para não falar na batata-doce, provavelmente brasileira, sem a qual hoje não se vive na distante Nova Guiné.

A colonização européia, a partir do século 16, espalhou pelo globo uma miríade de plantas domesticadas no continente americano. Mas, ao que tudo indica, o cardápio agrícola dos índios tem sua idade contada em milênios, não em séculos. Ao longo dos últimos anos, um número cada vez maior de evidências científicas tem apontado para origens antigas da agricultura nas Américas.

A mais recente delas, publicada na última sexta-feira (29) na revista "Science", dá conta de que assentamentos agrícolas já estavam a todo vapor nos Andes peruanos há pelo menos 9.240 anos, cultivando abóbora (Cucurbita moschata). O amendoim (Arachis sp.) e o algodão (Gossypium barbadense) estavam presentes pelo menos no norte do Peru há 7.600 e há 5.500 anos, respectivamente.

Como nenhuma dessas plantas tem seu centro de origem naquele local, os arqueólogos supõem que elas tenham sido domesticadas muito antes.

Vestígios fósseis dessas plantas foram escavados em restos de casas pré-colombianas pela equipe do arqueólogo americano Tom Dillehay, da Universidade Vanderbilt.

Se Dillehay e seus colegas estiverem certos, o cultivo de plantas teria começado no Novo Mundo assim que terminou a Era do Gelo -ao mesmo tempo em que tribos do Oriente Médio começaram a cultivar trigo e cevada, naquilo que se pensava ter sido o início da agricultura no mundo.

Como tudo o mais que se refere à pré-história americana, em especial sul-americana, a narrativa tradicional construída pelos cientistas sobre a domesticação de plantas pelos índios era baseada em registros escassos -e precisa ser revista.

A agricultura, que possibilitou um aumento populacional e uma centralização política que viria a culminar nos impérios inca e asteca e em sociedades avançadas como a mochica, a maia e a olmeca, tem sido tradicionalmente associada à cerâmica. Essa tecnologia, por sua vez, não tem registros superiores a 5.000 anos nos Andes.

A data recente não chega a surpreender: afinal, até pouco tempo atrás, a arqueologia tradicional também não aceitava que a chegada do homem ao continente tivesse mais de 11.500 anos --isso na América do Norte, a porta de entrada das populações que vieram da Ásia. O próprio Dillehay foi um dos que mais contribuíram para a quebra desse paradigma, ao escavar e datar em 12 mil anos um sítio no sul do Chile.

A história gastronômica americana começou a mudar em duas ocasiões: primeiro nos anos 1980, quando pesquisas na Amazônia encontraram cerâmicas de 8.000 anos. Se havia humanos fazendo potes de barro, é porque provavelmente havia plantas sendo cultivadas na vizinhança -afinal, uma atividade tão trabalhosa quanto a cerâmica requer algum grau de sedentarismo.

O segundo momento foi em meados dos anos 1990, quando começaram a pipocar vestígios de agricultura bem anteriores à própria cerâmica. O primeiro foram sementes de abobrinha (Cucurbita pepo) descobertas pelo arqueólogo Bruce Smith numa caverna em Oaxaca, México, e datadas em 10 mil anos.

Depois disso, Dolores Piperno, do Instituto Smithsonian (EUA), encontrou pedras de moinho no Panamá com vestígios de mandioca, araruta e milho de 7.800 anos. E abóbora no Equador há 10.000 anos.

Amido amigo - O trabalho de Piperno abriu uma nova perspectiva para os arqueólogos, graças a uma técnica usada por ela para contornar a limitação do registro material nos trópicos úmidos: a análise de grãos de amido microscópicos. Cada espécie de planta tem um formato diferente de grãos de amido, como numa impressão digital. Os botânicos já se aproveitavam disso havia muito para identificar plantas, mas a arqueologia acordou tarde para a aplicação dessa análise.

Desde então, a identificação de grãos de amido já foi usada para recuar o início do cultivo da pimenta (6.100 anos atrás, no Equador) e vem sendo aplicada na identificação de amostras de milho na Amazônia central, numa parceria entre Piperno e o grupo do arqueólogo Eduardo Neves, da USP.

A pesquisadora americana diz que o estudo de Dillehay ajuda a iluminar um período ainda obscuro da pré-história, o fim da Era do Gelo. Naquela época, mudanças ambientais devem ter mudado a distribuição das plantas hoje domesticadas, colocando-as à vista dos primeiros americanos.

"O contexto das lavouras também é importante: os agricultores eram comunidades organizadas e assentadas já naquela época", conclui.

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