quinta-feira, 28 de junho de 2007

Sai filme sobre os Guató

Matéria da Folha Ilustrada fala sobre filme semi-comercial feito sobre os Guató, um povo do rio Paraguai que era dado como extinto até a década de 1970.

Lembro-me de que, como professor da Unicamp, conversei muito com a lingüista Aidar Cavalcanti, que estava estudando a língua dos Guató, e que ajudou muito a reuni-los em uma aldeia, numa ilha que antepassados deles haviam controlado.

Como presidente da FUNAI recebi por duas vezes lideranças dos Guató, especialmente um casal de idosos que viviam na ilha e buscavam condições para atrair mais jovens para viver com eles e fazer sua cultura renascer.

A sago do Guatá é dramática e sua volta por cima merece ser vista por todos.

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Pizzini encontra a tribo "extinta"

"500 Almas" mescla documentário e ficção para contar a história dos guatós, índios dados como mortos
Paulo José e Matheus Nachtergaele são alguns dos atores que participam do longa, que levou mais de dez anos para ser concluído

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Quando ainda era um adolescente, em Dourados (MS), Joel Pizzini ficou impressionado com os rumores que circulavam na região sobre o ressurgimento dos guatós, nação indígena que era dada como extinta até por antropólogos da envergadura de Darcy Ribeiro.

A redescoberta dessa cultura esquecida se deu lentamente, pelo trabalho de antropólogos, lingüistas e missionários. Pouco a pouco, com o encontro de alguns poucos índios que ainda falavam a língua da tribo, foram se reunindo os cacos dispersos e a nação guató se recompôs.

"Aquilo me soou como algo mítico: um povo renascido das cinzas", diz Pizzini, que hoje, aos 46 anos, lança finalmente seu longa-metragem sobre a saga guató, o documentário poético (na falta de definição melhor) "500 Almas", que estréia amanhã. Foi um longo percurso para chegar até aqui.

"Há 30 anos, o acesso aos lugares onde viviam os remanescentes guatós era difícil", lembra o cineasta. Só depois de cursar jornalismo no Paraná e retornar ao Mato Grosso do Sul, Pizzini, trabalhando então na Secretaria da Cultura do Estado, criou as condições para um contato com os índios.

O longa-metragem sobre o tema começou a surgir no início dos anos 90. Em 94, o projeto ganhou um prêmio de apoio da Fundação Rockefeller, dos EUA. Pizzini pôde se dedicar então à pesquisa e viajar à Europa, onde encontrou material guató no Museu de Antropologia de Berlim. Articulou também uma co-produção alemã para o documentário.

As filmagens começaram em 98, mas foram interrompidas devido à dificuldade de conseguir (e custear) um helicóptero equipado para filmar as imagens aéreas -captadas pelo legendário Dib Lutfi e essenciais ao filme, como qualquer espectador perceberá.

Às partes filmadas nos locais habitados pelos guató (as margens do rio Paraguai e seus afluentes, bem como as periferias de cidades como Corumbá e Cáceres) e em Berlim, somaram-se duas seqüências encenadas com atores e rodadas no Rio de Janeiro.

Numa delas, filmada no Palácio Tiradentes, Paulo José representa vários personagens (juiz, missionário, fazendeiro, militar) numa reconstituição do processo que investigou o assassinato de um líder guató em 1982, quando a tribo conquistava junto à União a posse da ilha Insua, no rio Paraguai.

A outra cena ficcional, rodada no teatro Glória, é um fragmento da peça "A Controvérsia de Valladolid", de Jean-Claude Carrière, em que um representante papal (Paulo José) interroga o frei espanhol Bartolomé de las Casas (Matheus Nachtergaele) sobre os indígenas da América.

"O [crítico] Ismail Xavier diz que esses trechos encenados são o momento brechtiano do filme", brinca Pizzini. O difícil, segundo o diretor, foi "enxugar" ao máximo essas cenas e integrá-las à delicada tapeçaria do documentário.

Co-autores

O material de arquivo inserido no longa inclui desde gravuras de Hercule Florence até cenas dos filmes "Terra dos Índios", de Zelito Vianna, e "Os Nibelungos", de Fritz Lang.
Para construir uma obra à altura de sua obsessão pelo tema, Pizzini contou com a colaboração, para não dizer co-autoria, de três profissionais de primeiríssimo time: o diretor de fotografia Mário Carneiro, a montadora Idê Lacreta e o compositor Lívio Tragtemberg.

"O Mário foi essencial porque ele é ao mesmo tempo um artista, com sólida formação em pintura, e um profundo humanista, o que impediu que o filme caísse na estilização estéril", diz o diretor. Idê Lacreta, por sua vez, deu ritmo e coesão ao mosaico de fragmentos que constitui o filme, num processo análogo ao da reconstituição da própria nação guató.

Em grande medida, a unidade e a fluência de um material tão heterogêneo (depoimentos, paisagens, objetos, cenas do cotidiano, imagens de arquivo, encenação com atores) é conseguida graças à música "fluvial" de Lívio Tragtemberg. Sua suíte dialoga com Haendel, Villa-Lobos e a música indígena e cabocla do Pantanal.

Uma das opções ousadas do diretor foi abrir mão do discurso narrativo/explicativo. As informações são dadas de modo fragmentado e, muitas vezes, indireto. É desse modo lacunar que ficamos sabendo, por exemplo, que a tribo guató escolheu um cacique -cargo que não faz parte da sua tradição- para realizar a interlocução com a Funai e com as outras nações indígenas. Mais que isso: descobrimos que o atual cacique se tornou evangélico.

"Seria irresponsável eu criticar uma escolha feita pelos próprios índios", diz Pizzini. "Quis deixar expostas as contradições e paradoxos de uma cultura em transformação."

O mesmo respeito radical aos guatós levou a uma decisão ainda mais controversa: a de dar igual tratamento à fala dos índios e à dos estudiosos brancos. A exemplo das conversas no idioma guató, também não têm legendas as falas do diretor do Museu de Antropologia de Berlim e as do antropólogo Claude Lévi-Strauss, talvez o mais importante intelectual vivo.

"Eu não quis estabelecer uma relação de autoridade, em que os índios são meros objetos do discurso dos brancos. Quis fazer o filme dos guatós", diz Pizzini, que nas matinês da infância, assistindo aos faroestes de John Ford, torcia sempre para os índios.

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