Vejam essa interessante matéria publicada no Estadão sobre o fato de que o Brasil é um país eminentemente mestiço.
A discussão maior é em relação a uma parte grande do movimento negro, que, junto com uma política de governo, se esforça para realçar diferenças e demarcar posições em relação a quem é branco e quem é negro.
É uma grande e importante discussão, com posições bem argumentadas dos dois lados.
Vale a pena ressaltar que o sangue indígena está em cerca de 28% de todos os brasileiros (na média, é claro). Portanto, ser índio no Brasil não é uma questão de sangue nem de auto-reconhecimento. Continua a prevalecer a definição clássica de que ser índio é pertencer a um povo indígena, ter uma história que remonta a uma período anterior à chegada dos portugueses, e ser reconhecido como tal por outros.
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Relaxe. Somos todos mestiços
E isso só traz vantagens, afirma o cientista que é o maior estudioso das diásporas humanas
Pedro Doria
O antropólogo Darcy Ribeiro não viveu para saber, mas a premiada ginasta Daiane dos Santos parece personagem saída de seus livros: mestiça, uma brasileira ideal daquelas definidas antes de Darcy por Gilberto Freyre, por Sérgio Buarque de Holanda, é caso de estudo. Nos números coletados de seu DNA pelo professor mineiro Sérgio Danilo Pena a pedido da BBC Brasil, deu que Daiane é 40,8% européia, 39,7% africana, 19,6% ameríndia.
A antropologia brasileira estudou por muitos anos esta mistura de povos até chegar à famosa conclusão de Darcy - "ser mestiço é que é bom" - mas é só de pouco tempo para cá que as ciências biológicas vêm dizer em detalhes exatamente como ela se dá. O estudo da origem genética dos povos começou nos anos 50, na Europa, realizado por um jovem médico italiano criado nos anos do fascismo.
Luigi Luca Cavalli-Sforza, entrevistado pelo Aliás, não apenas inventou uma disciplina científica. Aos 85 anos, ele é um dos mais importantes e prolíficos cientistas vivos. Um estudioso nos moldes renascentistas, no sentido de que busca informação aproximando áreas de conhecimento que não costumam se encontrar. Por exemplo: antropologia, genética e matemática. Com amplo domínio das três disciplinas, após um estudo coletando amostras genéticas de povos em todo o mundo, Cavalli-Sforza pôde traçar a história daquilo que batizou "a grande diáspora humana".
Nascemos, o Homo sapiens, na África Oriental. Por mais de metade da existência humana, permanecemos lá - e aí nos aventuramos para longe. Do Oriente Médio fomos para a Rússia; de lá, uma parte foi para a Ásia e outro grupo, mais tarde, para a Europa. Da Ásia, outro rumo seguiu para a América. Assim, em algumas dezenas de milhares de anos, fomos lentamente ganhando novos traços. Olhos puxados aqui, pele esbranquiçada ali, pernas mais longas, torsos mais fortes. O próprio europeu já é mestiço- dois terços asiático, um terço africano.
As técnicas do professor Cavalli-Sforza, aplicadas no Brasil, revelam aquilo que ainda nos causa surpresa: mestiço não tem cara. Se parecemos brancos ou negros ou mulatos, índios ou não, esta aparência não diz o que somos. "O Brasil teve a boa sorte de não ver o racismo", diz o velho cientista genovês. "Esta é uma herança dos portugueses", completa, ecoando Darcy. Sim, ser mestiço é bom. A mistura melhora o povo - dá aquilo que os geneticistas chamam de "vigor híbrido".
1. Ser mestiço é que é bom, como dizia Darcy Ribeiro?
Talvez seja surpreendente para algumas pessoas que a aparência física, como cor da pele, não sejam bons indícios da herança genética. Os brasileiros estão certamente entre os povos mais misturados do planeta, embora não sejam os únicos. A diferença é que nenhum dos outros grupos mestiços forma um povo tão vasto. O Brasil teve a boa sorte de não ver o racismo prosperando, como costuma acontecer noutros cantos. Isto provavelmente vem de uma herança portuguesa, povo que já demonstrava predisposição pela mistura racial desde os tempos de suas primeiras colônias, na África. O estudo de nossas origens genéticas apenas confirma o que já estava claro para bons observadores: a mistura entre povos e a produção daquilo que nós geneticistas chamamos de híbridos não traz qualquer desvantagem do ponto de vista genético. Até melhora, traz uma vantagem naquilo que chamamos de "vigor híbrido".
3. A idéia de etnia ainda serve para explicar algo a nosso respeito?
A utilidade do conceito de "etnia" depende de sua definição. Para mim, diferenças étnicas são as diferenças entre os povos, tanto genéticas quanto culturais. As distinções culturais são compostas pelo que aprendemos na sociedade em que somos criados. É natural que tenhamos dificuldades na hora de entender se um comportamento particular é determinado genética ou culturalmente. Por exemplo: o comportamento criminoso é determinado pelos nossos genes ou pela nossa cultura? Está claro que em grande parte o que determina é a cultura. Mas é difícil excluir de todo a tendência inata em alguns casos raros. É aí que o conceito de "etnia" nos ajuda. Ele nos permite deixar para lá a questão de se algo é cultural ou genético, principalmente nos casos em que a ciência não tem ainda a capacidade de definir.
4. Que outras pistas a genética pode oferecer a respeito de nossa história humana?
Em geral, os lingüistas têm uma profunda dificuldade de alcançar um consenso em uma das questões mais importantes de sua disciplina, que é a de se a linguagem surgiu uma única vez, ou se teve múltiplas origens. Isto acontece porque a maioria destes especialistas não têm interesse em estudar línguas de forma comparada. Como geneticista, estou convencido de que houve uma única origem para todas as línguas faladas atualmente. Todos os humanos vivos descendem daquele grupo relativamente pequeno que viveu na África Oriental há 100 mil anos. Esta tribo cresceu numericamente e se expandiu pelo resto do mundo, da África para o Oriente Médio, então para a Ásia e Europa. Por definição, tribos falam a mesma língua, e a linguagem, por conta de seu gigantesco potencial de comunicação, há de ter sido uma força importante sem a qual a grande migração que levou o homem a todos os cantos do planeta não teria sido possível. Todos temos a mesma capacidade intelectual de adquirir esta técnica de comunicação que é a língua. Ela, junto com nossa capacidade de inventar novas máquinas, são as características que nos diferenciam dos outros animais. Embora, sempre é bom lembrar, esta é uma questão de graus. Animais também se comunicam e inventam ferramentas. A diferença na habilidade é que é tremenda.
domingo, 3 de junho de 2007
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