segunda-feira, 4 de junho de 2007

CIMI, FUNAI e Igreja Católica: Por que os índios foram esquecidos?

Matéria um pouco atrasada saiu hoje na Revista CartaCapital. Trata da recusa dos auxiliares do Papa em não fazê-lo receber delegação de índios, como tinha acontecido em duas vezes em que aqui esteve o Papa João Paulo II.

Não se sabe se o Papa atual não recebeu os índios porque não quer saber deles ou porque não quer saber do CIMI, que tem conflitos até com a própria Igreja. Ao final, os índios é que ficaram esquecidos, conclui a matéria.

A reportagem aproveita a deixa para falar da relação do CIMI com a FUNAI e cita todos os dados de mortes de índios que o CIMI atribui ao problema da terra. Seu principal ideólogo, Paulo Suess, adverte que a catequese não está na pauta, e sim a questão da terra. A reportagem não demonstra conhecer a história do CIMI para saber porque é que nos últimos anos ele tem sido tão acusatório.

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Os esquecidos

por Leandro Fortes

Missionários ligados à causa indígena e à Teologia da Libertação são excluídos das audiências com Bento XVI

Vida ameaçada Pela primeira vez, uma visita do papa ao Brasil não contou com uma delegação indígena no comitê de recepção ou na agenda de encontros preparada em conjunto pelo Vaticano e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). A exclusão dos índios do comitê de recepção de Bento XVI teve como alegação formal as dificuldades de agenda do líder da Igreja Católica.

Tratou-se, na verdade, de uma estratégia dos organizadores para evitar levar ao papa as crises de varejo do catolicismo brasileiro, sobretudo as ligadas à Teologia da Libertação. A questão indígena é tratada, no âmbito da CNBB, pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), entidade de atuação bastante crítica, tanto em relação à Igreja quanto ao governo federal.

O máximo de participação indígena conseguido pelo Cimi foi a inserção de 50 jovens descendentes de índios, moradores da periferia de São Paulo, na multidão de quase 40 mil fiéis que lotou o estádio do Pacaembu, na quinta-feira 10, durante o encontro de Bento XVI com a juventude católica. Do grupo de índios, dois foram selecionados para participar das leituras das preces. A dupla pertence aos povos potiguara e pankararu.

Entre os religiosos presentes à conferência estará o presidente do Cimi, Erwin Krautler, 67 anos, bispo do Xingu. Nascido na Áustria, mas naturalizado brasileiro, ele vive na Amazônia há 41 anos, onde incomoda grileiros e fazendeiros envolvidos em invasão de terras. Sob constante ameaça de morte, é obrigado a conviver com uma escolta permanente de dois policiais militares. Ligado à Teologia da Libertação, sabe que Bento XVI não compartilha das mesmas idéias dele, mas espera sensibilizar o papa com as informações levantadas pelo Conselho. "O papa é um bom ouvinte", costuma dizer.

Os missionários querem fazer chegar ao papa o quadro geral da política indigenista brasileira e denunciar violações de direitos humanos promovidas contra os povos indígenas no País. Mostrar, por exemplo, que, desde a madrugada de 20 de abril de 1997, quando Galdino Pataxó Hã-Hã-Hãe foi queimado vivo por jovens de classe média de Brasília, até março de 2007, mais de 270 indígenas foram assassinados no Brasil, segundo levantamento do Cimi. A falta de terras ou as disputas pela posse e pelos recursos naturais nelas existentes são responsáveis por grande parte das mortes.

Assessor teológico do Cimi, Paulo Suess lamenta a falta de esforço do papa Bento XVI para receber lideranças indígenas ao visitar o Brasil. Segundo ele, é uma deferência histórica importante e simbólica, da qual o pontífice não deveria ter aberto mão por causa de dificuldades de agenda, segundo justificativa da organização da visita, sob responsabilidade da CNBB. "É como ir à África e não receber as lideranças negras", compara. "Por isso, a questão indígena, para o papa, vai ficar genericamente colocada", diz.

Suess posicionou-se contra a participação de jovens descendentes de índios no encontro com o papa, no Estádio do Pacaembu. Sobretudo, a inclusão dos dois representantes no grupo de leitura de preces. "Fazer preces pré-formuladas não faz sentido, passa uma impressão colonialista", avalia o teólogo. Para ele, o mais importante é marcar posição sobre os conflitos de terra e o lugar do catolicismo no conflito. "A luta pela terra faz parte da evangelização", explica. "No momento, a catequese não é tão importante."

Em 2006, somente no Mato Grosso do Sul, a média de morte foi de mais de um indígena por semana, com um total de 50 durante o ano. Lá, no ano passado, ocorreram 21 assassinatos, 20 suicídios e 9 atropelamentos, todos noticiados pelos jornais do estado. Os conflitos na região são provocados, basicamente, pela falta de terra. A realidade tanto tem provocado uma guerra generalizada contra invasores como tem aumentado as tensões internas nas comunidades, causadas pelo confinamento em espaços exíguos, principal razão dos suicídios.

De acordo com o Cimi, hoje, no Brasil, há pelo menos 272 territórios reivindicados por povos indígenas que nem sequer são considerados como demandas para demarcação pela Fundação Nacional do Índio (Funai). O Conselho alega que a Funai não cumpre a função de receber e encaminhar as demandas fundiárias indígenas. Essa, aliás, é a única função do órgão, uma vez que, a partir da década de 1990, o atendimento à saúde e à educação passou à competência dos ministérios responsáveis pelas áreas. Nos últimos quatro anos, diminuiu a criação de grupos de trabalho de identificação de novas terras indígenas, apesar de existir um grande número de áreas a ser regularizadas.

A Funai diz que os dados do CIMI não são corretos. Segundo a assessoria de imprensa da fundação, há 111 áreas em estudo e 392 registradas pela autarquia.

A comunidade indígena e os movimentos indigenistas esperavam coincidir a visita do papa com o julgamento, no Supremo Tribunal Federal, do mandado de segurança responsável pela impugnação da demarcação da terra Raposa Serra do Sol, em Roraima. Em 4 de maio, o ministro Carlos Ayres Brito, relator do caso, concedeu uma liminar a arrozeiros ainda instalados na região, de 1,7 milhão de hectares. Mas, em seguida, encaminhou o processo para votação em plenário. A decisão do ministro, válida até julgamento do mérito, vai contra notificação da Funai, que havia determinado a desocupação da área até 30 de abril. A inclusão da ação na pauta do STF depende, agora, da presidente do Tribunal, a ministra Ellen Gracie Northfleet.

Também está sob responsabilidade de Ellen Gracie a retomada do processo de homologação da Jacaré de São Domingos, localizada na Paraíba. Iniciado em 5 de outubro de 2005, o julgamento foi interrompido, há 18 meses, por conta de um pedido de vistas do ministro Gilmar Mendes. Somente em 30 de abril deste ano, Mendes devolveu à presidência do STF o mandado de segurança responsável pela impugnação da Jacaré de São Domingos, tradicionalmente ocupada por comunidades potiguaras. A devolução dos autos do processo foi o primeiro passo para a continuidade do julgamento, reivindicado pelas lideranças indígenas e por movimentos de luta pelos direitos humanos.

O precedente aberto pelo resultado do julgamento do mandado de segurança da Jacaré de São Domingos servirá de jurisprudência para os processos referentes à Raposa Serra do Sol e também à terra Ñande Ru Marangatu, do povo guarani-kaiowá, no Mato Grosso do Sul. Nos três processos, está em discussão a competência do presidente da República de poder ou não homologar a demarcação de terras indígenas com procedimento administrativo ainda submetido à apreciação judicial em ação ordinária. Um documento específico sobre o tema foi entregue, durante as manifestações do chamado Abril Indígena, há menos de um mês, à presidência do STF.

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