sábado, 30 de junho de 2007

Carta revela como morreu índio Karajá

Essa matéria do jornal O Popular, de Goiânia, explica o que aconteceu que resultou na morte do índio Karajá Ijehederi, aos 27 anos, vítima de um espancamento acontecido em São Paulo, quando visitava amigos Guarani, na Terra Indígena Parelheiros.

A matéria é muito compreensiva e vale a pena ler. Dá tristeza ver o que aconteceu, esse tipo de tragédia fruto da discriminação que os brancos ainda têm em relação a índios. Até mesmo em São Paulo.

____________________________________________________

Carta revela como foi agressão a índio

Ijehederi Karajá morreu na quinta-feira no Hugo. Ele foi agredido por dois homens em aldeia de São Paulo, quando tentou defender um índio guarani

Marília Assunção, Rosana Melo e Carla Oliveira

O índio Ijehederi Karajá, de 27 anos, que morreu na quinta-feira no Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo), foi agredido por dois homens homens dentro da aldeia indígena Tenonde Porã, dos índios Guarani M'Bya, em Parelheiros (SP). A informação é da pedagoga Waxiaki Karajá, 24, prima da vítima. Ela acompanhou o primo nos seus últimos momentos e ouviu dele a história, que foi revelada ontem em uma carta de próprio punho, endereçada à Fundação Nacional do Índio (Funai), à Polícia Federal (PF) e ao Ministério Público, à qual O POPULAR teve acesso.

O administrador Regional da Funai em Goiás, Edson Beiriz, esperava ontem que a Polícia Federal (PF) de São Paulo começasse a investigar logo dois suspeitos de serem os autores - os homens estavam batendo em um índio guarani quando Ijehederi chegou e tentou impedir, passando a ser o alvo dos agressores. "Já temos os nomes prováveis desses homens, mas vamos resguardar os detalhes para não prejudicar a investigação", afirmou Edson, que afirma desconhecer, por enquanto, os motivos das agressões aos dois índios.

Hoje, no início do dia, o corpo de Ijehederi Karajá segue para a aldeia Santa Isabel do Morro, em São Félix do Araguaia (MT), em um avião fretado pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Um ritual fúnebre da cultura carajá será realizado antes do enterro. A autópsia do Instituto Médico-Legal (IML) que confirmou que a causa da morte foi traumatismo crânio-encefálico. O procedimento foi autorizado pela prima.

Na carta que pede providências às autoridades, assinada por vários índios carajás e xavantes, Waxiaki Karajá, relata que ouviu do primo que após a agressão ele se recolheu em casa por uma semana. Como sentia muitas dores, acabou pedindo a um amigo para ajudá-lo a vir para Goiânia, o que fez sozinho.

Sozinho

Ontem, além de entregar a carta aos endereçados, Waxiaki foi ouvida pelo delegado Kleyton de Oliveira Alencar, da Delegacia de Investigações de Homicídios. Diretora na escola da Aldeia Santa Isabel do Morro, na Ilha do Bananal, de onde também era a vítima, Waxiaki disse que estava em Goiânia acompanhando a mãe em um tratamento médico no dia 21 quando o primo chegou de ônibus, sozinho, de São Paulo e contou como foi agredido.

Ijehederi cursava faculdade de Educação Física na Universidade Santo Amaro (Unisa), havia três anos na capital paulista. Ele tinha ido a Parelheiros visitar um amigo Guarani. Segundo ela, Ijehederi desceu do ônibus no local e viu um índio da aldeia alcoolizado sendo espancado por dois homens brancos.

Ela contou que o primo disse ter tentado socorrer o guarani, mas acabou atacado também pelos dois homens até que um outro índio da aldeia chegou e conseguiu socorrê-los. Ela não soube dizer os nomes dos guaranis. "Com essa informação fica mais fácil chegar ao outro índio atacado e tentar identificar os agressores", explicou o delegado.

Quando chegou a Goiânia, Ijehederi Karajá foi para a Casa de Saúde do Índio (Casai), no Jardim Bela Vista, e encaminhado ao Centro de Referência em Oftalmologia (Cerof), do Hospital das Clínicas (HC), da Universidade Federal de Goiás (UFG), onde foi feita uma avaliação e marcado retorno para o dia 25. Durante a noite, de volta à Casai, ele teve convulsões e foi internado no Hugo, submetido a exames e transferido para o Hospital São Domingos, de onde, segundo o diretor-geral, Álvaro Soares de Melo, saiu sem convulsões, consciente e caminhando sozinho na manhã do dia 27. Ele passou o dia todo na Casai, mas teve novas convulsões e voltou a ser internado no Hugo, onde morreu por volta das 10 horas de quinta-feira.

O delegado Kleyton de Oliveira Alencar disse que a Polícia Civil de São Paulo já foi comunicada do depoimento de Waxiaki Karajá e já está fazendo buscas para saber se tem alguma ocorrência registrada da agressão sofrida pelos dois índios, além de tentar localizar a outra vítima do espancamento.

Já o administrador da Funai pontuou que o caso precisa ser repassado à PF por força da jurisdição da União sobre questões indígenas. "Também temos de acionar o Ministério Público Federal e a Procuradoria Geral da Funai", acrescentou Edson Beiriz.

Líder carajá lamenta violência nas cidades

O coordenador-geral da Organização Carajá, que reúne 14 aldeias da Ilha do Bananal em Goiás e no Mato Grosso, Samuel Karajá, afirmou ao POPULAR ontem que, nesses três anos em que Ijehederi estudava Educação Física em São Paulo, ele nunca tinha reclamado de discriminação. "O que queremos é que encontrem os culpados e que eles paguem por isso", declarou o coordenador. Samuel Karajá disse que a família de Ijehederi estava muito abalada, sem condição de falar com a imprensa. O coordenador comentou que a violência, como a praticada contra Ijehederi Karajá, está virando rotina em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, citando o caso recente da empregada doméstica carioca, agredida por jovens enquanto esperava no ponto de ônibus.

Guarani M'Bya

Os índios Guarani M'Bya habitam há séculos a região do bairro de Parelheiros em São Paulo, escolhida pelos antepassados para descansar durante as trilhas feitas nas visitas a parentes no interior do território ou quando retornavam às aldeias no litoral. A área foi declarada de ocupação indígena em abril de 1987. Segundo a Associação Guarani da Aldeia Tenonde Porã, entre 550 e 600 índios habitam a área de 25,88 hectares contínuos. Conforme o site da associação, na aldeia existe um posto de saúde da Funasa, um centro cultural, uma escola estadual e outra da prefeitura.

Nenhum comentário:

 
Share