segunda-feira, 24 de setembro de 2007

O que é o mameluco

Vários amigos e participantes do nosso Blog ¨Índios, Antropologia, Cultura¨ me pediram para esclarecer o que é o mameluco, especialmente o que é o novo mameluco. Eis aqui minhas primeiras reflexões sobre esse assunto.

Em primeiro lugar, o que não é o mameluco. O mameluco não é uma mistura da raça branca com a raça indígena, como dizem os livros de história. Isto não é o importante, embora seja a definição óbvia que se dá ao termo na atualidade.

Agora, o que vem a ser o mameluco. A palavra deriva do árabe ¨mamluk¨, que eram os filhos dos inimigos derrotados que os árabes levavam para serem criados em suas escolas para depois serem enviados de volta aos seus povos para servirem de administradores dos seus povos em nome dos árabes.

Quando os jesuítas viram, por volta de 1550, no Planalto de Piratininga, atual cidade de São Paulo, os portugueses controlando uma grande quantidade de índios Tupinambá, até pouco tempo antes completamente independentes, através de indivíduos Tupinambá ou de mestiços, filhos de Tupinambá com portugueses, chamaram-nos de ¨mamelucos¨. Eram os mamelucos de João Ramalho, um português que havia casado com índias Tupinambá e que facilitou a entrada dos portugueses e especialmente dos jesuítas na região. Ao chamarem essas pessoas de mamelucos, os jesuías não estavam se importando de eles serem mestiços raciais, mas com o fato de eles serem índios que haviam se passado para o lado dos portugueses com a missão de comandar seu povo em prol dos portugueses.

Foi através dos mamelucos que os paulistas perseguiram os índios Guarani reunidos nas missões jesuítas do Guaíra e do Itatins e os trouxeram como escravos para trabalhar em suas fazendas e em seus campos de trigo. Foram os mamelucos que ajudaram os paulistas a entrar pela Amazônia, pelo Nordeste e pelo Sul à procura de índios para a escravidão. Escravidão esta que era proibida pela Coroa Portuguesa, mas que os paulistas praticavam mesmo assim, tal qual os madeireiros hoje em dia, isto é, à revelia da lei.

Em todas as fazendas paulistas, mas também em outras partes do Brasil, os mamelucos eram usados para comandar os índios aprisionados na labuta. Ou eram treinados como comandantes de tropas indígenas organizadas para atacar outros povos indígenas que lhes eram inimigos. Domingos Jorge Velho, que era filho de português, mas que tinha se quase que totalmente à vida de grupos mamelucos, ao ser contratado para atacar o Quilombo de Palmares foi chamado pela autoridade portuguesa em Recife de "mameluco".

Mameluco, portanto, significa aquele que se passou para outro lado, por interesse pessoal, e que não tem nenhum escrúpulo em utilizar-se até de seus patrícios para seu benefício próprio.

Naqueles idos coloniais, passar-se para o outro lado era essencial para a sobrevivência da colônia luso-brasileira, já que os brancos eram tão poucos e precisavam não somente de mão de obra barata, mas de gente leal a eles, já que o perigo de inimigos externos e internos era muito grande e premente.

Assim, os luso-brasileiros faziam o possível para atrair os potenciais mamelucos, dentre os povos indígenas aprisionados, ou que viviam perto das cidades, ou que faziam parte do sistema missioneiro. Ofereciam glebas de terras, vantagens pessoais, privilégios relativos aos outros e o sentimento de que eles eram ou podiam ser iguais aos portugueses, não seus súditos dominados. E sobretudo o emprego de intermediários entre o dominador branco e os povos indígenas, sempre no intuito de quebrar a fibra da cultura e da sociedade indígenas para que eles se submetessem ao poder colonial, ao discurso dominante, às práticas sociais que os colocavam na marginalidade da sociedade.

Os luso-brasileiros davam corda para que os mamelucos aparecessem entre os demais indígenas como se fossem poderosos e amigos dos poderosos. Eis o atrativo de outrora.

O resultado: o domínio dos índios que viviam sob a égide da colonização, sua ¨inserção social¨ no mundo colonial, sua passagem de índio a caboclo, depois a agregado da fazenda, a pescador pobre das vilas de pescadores do litoral brasileiro, a pobre ao redor das vilas e dos engenhos.

O movimento indigenista brasileiro, desde Rondon, se rebelou contra essa situação, e sempre teve muito cuidado em não estimular o surgimento de mamelucos do seu próprio povo. Os antropólogos que começaram a trabalhar no SPI, como Darcy Ribeiro, Eduardo Galvão, os indigenistas, como Orlando e Cláudio Villas-Boas, Noel Nutels e Chico Meirelles, também fizeram o possível para se relacionar com os povos indígenas sem criar hierarquias e ilusões de poder em alguns. O movimento indigenista brasileiro moderno, nas pessoas de indigenistas falecidos como Xará, Zé Bel, Apoena, e atuais, como Porfírio Carvalho, Odenir Oliveira, Slowacki de Assis, José Carlos Meirelles, Antenor Vaz, Marcelo dos Santos, Dinarte Medeiros, Cláudio Romero, Guilherme Carrano, Izanoel Sodré, Rômulo Siqueira, Fernando Schiavini, Wagner Senna, João Valladares e tantos outros, continuou e ampliou essa preocupação pela abertura ao diálogo com os índios, pela atitude de receptividade em dar oportunidade para todos continuarem a falar por todos.

O que o segmento indigenista neoliberal e oportunista almeja é criar lideranças que obedeçam a suas determinações, que sigam suas atitudes e propostas. Fingem que não os querem brancos, e sim militantes radicais em prol de causas que eles os missionários laicos constroem. Frequentemente eles incentivam jovens para serem lideranças, algumas legítimas entre seus patrícios, mas quando elas começam a pensar sobre o mundo com suas próprias categorias, o indigenismo neoliberal as corta e as abandona. Quantas lideranças genuínas eles abandonaram e até detrataram e vilipendiaram, para depois, por única opção de vida, essas lideranças se virarem contra eles.

Quando os índios aquiescem aos objetivos das Ongs neoliberais e vêem vantagens pessoais, eles ficam sob o patrocínio desse segmento indigenista e de outros que estão por aí fazendo seu indigenismo de oportunismos pessoais e corporativos.

Estes são os mamelucos de que estou falando nesse Blog. Eles se encontram em parte do movimento indígena que é tutelado pelas Ongs neoliberais, cujos objetivos em relação aos povos indígenas se esparramam por interesses corporativos, financeiros e políticos. Alguns desses líderes mamelucos adotam o discurso mais radical possível, as atitudes mais duras e espalhafatosas para demonstrar que têm poder, tem cobertura de seus atos. Dele se ouve o discurso inflamado contra o branco, como se ele fosse um aprendiz de revolucionário, tal como os brancos oportunistas fazem o mesmo discurso, sem sentido e sem responsabilidade. Na hora do vamos ver, a traição vem sem escrúpulos, contra seu próprio povo, se possível, contra seus próprios companheiros, porque, na ética do mameluco só existe a força do oportunismo e da cobiça pela vantagem pessoal.

O mameluco prolifera na atualidade com o discurso fácil dos brancos que fazem pose de radicais. Na hora da verdade, fogem. Um mameluco se reconhece fácil. Basta perguntar ao seu povo se ele tem liderança e responsabilidade. Mesmo assim, se a generosidade do povo indígena não o expuser ao ridículo, ficará evidente o seu deslocamento do seu povo pelo discurso empolado e pelo estranhamento social.

3 comentários:

Anônimo disse...

É verdade que a palavra "maluco" como a usamos hoje deriva de "mamelucos", sendo, portanto, um termo de origem pejorativa?

Anônimo disse...

Caro Mércio Gomes, bom dia
Por favor, que fontes o senhor usou para elaborar o texto, especialmente, mas não apenas, as alusões dos jesuítas aos índios como mamelucos e ao fato de Domingos Jorge Velho ter combatido em Palmares?
Meu nome é Roberto e meu e-mail é robertoguedesferreira@gmail.com.
Cordialmente,
Roberto Guedes

professorBambam disse...

Sou filho de branco com mameluca ,neto de avó índia com branco.

 
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