quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Notícias do assassinato do Xakriabá

Mais informações sobre o assassinato brutal e sem sentido do índio Xakriabá, no norte de Minas Gerais. O jornal O Estado de Minas traz uma reportagem com entrevistas dos parentes do assassinado que refletem o estado de pobreza e o drama em que vivem os Xakriabá da região.

Vale a pena ler a matéria.

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Aldeias clamam por justiça

Morte de xacriabá, agredido a socos e pontapés por três jovens, revolta moradores de reserva, que protestam contra preconceito

Revolta e clamor por justiça são os sentimentos que tomaram conta da comunidade indígena xacriabá, em São João das Missões, com o assassinato do índio Avelino Nunes Macedo, de 35 anos, cujo corpo foi sepultado, no fim da tarde de segunda-feira, dentro da reserva. Ele foi espancado até a morte por três jovens, na madrugada de domingo, na localidade de Virgínio, no município de Miravânia, nos limites da área demarcada.

Avelino era considerado um inocente

"Eu só quero justiça, a fim de que um crime desse não se repita nunca mais", disse, com a voz embargada, Abdias Pereira Lopes, de 44 anos, primo de Avelino e morador da reserva, que vive um clima de consternação. A área é o maior território indígena de Minas Gerais, com 53 mil hectares e 23 aldeias, onde vivem 7,8 mil pessoas, cerca de 70% da população de São João das Missões.

Para o cacique Domingos Nunes de Oliveira, chefe da tribo, a morte do xacriabá foi mais um ato de violência que resultou da discriminação que muitas pessoas ainda têm em relação aos índios, o que precisa acabar. Segundo o cacique, depois do crime, com medo da violência, os índios estão evitando sair da área demarcada, fugindo do contato com o homem branco.

Avelino foi morto na madrugada de domingo, pouco depois de sair de uma festa, promovida por estudantes, na quadra esportiva da escola municipal do distrito de Virgínio. O jovem Edson Gonçalves Costa, de 18 anos, e os menores V. S., de 16, e G. P., de 16, tentaram tirar sua roupa no meio da rua. Ele resistiu, foi agredido a socos e pontapés até a morte. Ainda na manhã de domingo, os suspeitos foram detidos pela Polícia Militar e levados para a delegacia de Manga, onde confessaram o crime. O caso alcançou repercussão em todo país. A polícia revelou ontem que, antes da agressão, os jovens teriam posto fogo numa barraca na quadra de uma escola municipal de Virgínio, durante a festa.
Edson Gonçalves (D) e os menores disseram que queriam assustar o índio

Entre as 23 aldeias da área xacriabá, a Riacho do Buriti, onde morada Avelino, é uma das mais isoladas e de acesso difícil, situada a 62 quilômetros de São João das Missões. Os visitantes só conseguem chegar à aldeia de jipe, depois de superar bancos de areia, que se multiplicam ao longo do caminho, em meio à seca.

O índio Avelino Macedo, que ficou viúvo havia um ano e dois meses, morava na casa do seu primo, Abdias Pereira Lopes, líder comunitário das aldeias Riacho do Buriti e Pedrinhas.

Ao falar sobre o crime, Abdias não resistiu e foi às lágrimas. "O Avelino não sabia ler nem escrever. Era um índio inocente mesmo, não sei porque fizeram tanta covardia com ele", afirmou, anunciando o desejo de que a Justiça Federal agilize o processo para a punição dos acusados envolvidos. Ele disse acreditar que os rapazes tenham se inspirado nos jovens que puseram fogo no índio Galdino de Jesus, em Brasília, em 19 de abril de 1997.

A mulher de Abdias, Melinda Pinheiro da Silva Lopes, de 32, também lamentou o ato de violência. "Ele era uma pessoa que nunca fez mal a ninguém", disse Melinda, que, assim como o marido, era também parente do índio assassinado. "A gente nunca esperava uma coisa dessa. Eu não sei nem o que dizer", lamentou Carmosina Nunes da Silva, de 32 anos, irmã de Avelino. Ela contou que também ficou sabendo pouca coisa sobre o crime. "Só ouvi que, primeiro, os rapazes puseram fogo numa barraca e depois mataram o meu irmão". explicou.

Medo de homem branco

Devido à discriminação e à violência, os índios estão evitando o contato com o homem branco e por isso não querem mais sair de dentro da área demarcada. A informação é do cacique Domingos Nunes de Oliveira, chefe da comunidade indígena xacriabá. Segundo ele, o assassinato do índio Avelino Macedo, integrante da sua tribo, é conseqüência de discriminação e preconceito.

Carmosina Nunes da Silva ficou responsável pelo filho do irmão assassinado

O cacique lembra que a morte de Avelino foi muito parecida com o caso do índio Galdino, que morreu queimado em Brasília. "A gente sofre muita perseguição por parte dos não-índios", afirmou o cacique, cobrando providências das autoridades para a punição dos envolvidos. Abdias Pereira Lopes, primo de Avelino, reclama que a perseguição começou na época em que o Brasil foi descoberto:

"Quando o Pedro Álvares Cabral chegou aqui, as terras eram dos índios. Aí, eles as invadiram e as tomaram".
Outros integrantes da aldeia xacriabá protestaram contra a morte do companheiro. "O Avelino era uma pessoa pura, que nunca mexeu com ninguém. Se existisse justiça para valer no Brasil, os jovens não iriam matar um índio sem motivo", disse José Fiúza da Silva, de 64 anos, morador da tribo.
Para o cacique Domingos Nunes, foi um ato de violência e discriminação

ÓRFÃO

Marcados pela pobreza, os xacriabá sobrevivem quase exclusivamente do programa Bolsa-Família. Eles plantam lavouras, mas, todo ano, convivem com as secas que castigam o Norte de Minas.

Entre a comunidade indígena, Avelino Macedo parece que foi condenado ao sofrimento. Ele era integrante de uma família de 11 irmãos. Há 16 anos, perdeu a mãe, Robertina, que morreu quando daria à luz ao 12º filho. Cinco anos depois, perdeu o pai, Francisco. Em meados de 2006, Avelino teve outra perda: a sua companheira, conhecida apenas por Sininha, com quem ele teve o filho João Marcos, de 5 anos. A mulher morreu de doença de Chagas. Depois, o índio passou a trabalhar para outros moradores da reserva.
Uma das partes mais dramáticas do assassinato do índio tem como personagem o seu único filho. Desde que Avelino ficou viúvo, o menino foi morar com a tia Carmosina, casada com Salvi Evaristo da Silva, que tem cinco filhos e alega dificuldades para sobreviver, pois recebe apenas R$ 95 do Bolsa-Família. Ela relata que João Marcos tem um problema de má formação congênita e até hoje não conseguiu desenvolver a fala. A mulher disse que tentou levar o sobrinho ao médico, mas não consegue consulta no posto da reserva.

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