quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

O dia em que Letícia Sabatella chorou

Ontem, a atriz Letícia Sabatella esteve pacificamente fazendo vigília diante do Supremo Tribunal Federal à espera de uma decisão sobre o pedido da AGU pelo cancelamento de uma liminar que o Tribunal Superior de Justiça havia outorgado favoravelmente aos que estão protestando contra a transposição do rio São Francisco.

Os noticiários eletrônicos e agora os jornais do dia estampam sua beleza singela, seu rosto contrito, seu olhar angelical.

Mas, a notícia foi ruim. O STF cancelou a liminar, o que permite o governo prosseguir nas obras de transposição. Foi por isso que Letícia chorou, e mais ainda quando soube que o bispo Luís Cappio desmaiara ao ouvir a mesma notícia, já no seu 22º dia de jejum.

Na vigília político-religiosa, estava com Letícia um grupo bastante grande, quase uma caravana, mãos postas esperando ouvir o oráculo e uma benção. Foi um dia triste para esse povo de Deus. Quase todos tinham vindo das partes brasileiras que vêm protestando contra esse projeto do governo. Da Bahia, Alagoas, Sergipe, de Minas Gerais, e de outras regiões onde ambientalistas e religiosos estão convictos da luta contra a transposição e solidários aos habitantes do rio, à idéia da proteção, à missão de defender um patrimônio ambiental do Brasil. Solidários aos seus habitantes ribeirinhos e especialmente aos pobres rurais.

Os protestantes da transposição têm argumentos científicos, ideológicos e religiosos e esses argumentos se misturam numa salada só. Dizem que a transposição só favorecerá aos projetos econômicos dos ricos, que terão água barata para irrigar suas lavouras especiais. Que poucas pessoas pobres das caatingas nordestinas se beneficiarão dessa transposição. Que a água a ser retirada (cerca de 2% a 3% de sua vazão normal) vai fazer falta em várias partes ao longo do rio e talvez em sua foz onde é a força da corrente do rio que barra o mar de penetrar rio adentro, como na música de Luiz Gonzaga, que fala do peixinho que quer subir o rio e ir para o riacho do Navio. Que há alternativas melhores, a começar pela chamada revitalização do rio.

O auto-sacrifício do bispo franciscano, que preocupa os cânones da Igreja Católica, o choro de Letícia, o protesto messiânico dos manifestantes, nada, até agora, sensibilizou o governo a mudar de opinião. Ao contrário, presidente Lula já disse que pode até negociar um empenho maior na revitalização do rio, no reflorestamento das matas ciliares, na limpeza das cidades ribeirinhas, mas não o projeto em si, que é de levar água para as bacias dos rios Jaguaribe, no Ceará, e Açu, no Rio Grande do Norte, entre outros rios temporários do alto nordeste. A engenharia está planejada nos mínimos detalhes, as licenças ambientais concluídas, a viabilidade econômica garantida, até as primeiras licitações já foram feitas. Então por que parar um sonho nordestino que vem desde a colônia?

No Brasil, nada se faz sem protestos. Porém, hoje em dia os protestos são de todas as espécies, na maior parte das vezes com cunho religioso ou mítico. Será que isto vem da reação a essa modernidade perversa que vivemos?

O certo é que a população brasileira está perplexa. Quem será que tem razão nesse celeuma? Em quem podemos confiar? O brasileiro de boa fé quer apoiar alguma coisa, mas não consegue ter convicção de nada. É preciso, portanto, que o governo nos dê uma satisfação, nos explique com clareza não somente os benefícios que virão desse projeto, mas também as razões, digamos equivocadas, que estão levando essa multidão de gente a protestar com tanta veemência, com tanto fervor religioso, com tanta fé científica, que me perdoem o oxímoro.

Como nordestino eu gostaria de apoiar o certo. Qual é o certo nessa situação?

Um comentário:

Anônimo disse...

Mércio e amigos,

Recomendo a carta do Deputado Ciro Gomes à Letícia justificando a transposição, publicada hoje, dia 20 de dezembro de 2007, no o Globo.
Provocativa e inteligente.

Abraços,

Luiz Villares

 
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