O vetusto Estadão vem hoje com um dos seus freqüentes editoriais em torno da questão indígena no Brasil. Desta vez o texto está mais desvirtuado do que o comum. Parece até mais sem objetividade. Não sabe, de fato, o quê dizer sobre essa questão.
Começa citando a comissionária-chefe de Direitos Humanos da Onu, a Sra. Louise Arbour, a propósito do sequestro do seu funcionário feito sábado passado pelos Cintas-Largas. Ela nota que o Brasil tem boa legislação indígena, mas falta-lhe vontade de encarar os desafios para aplicar essa legislação. O dito comissário da ONU veio aos Cintas-Largas a convite de uma liderança Suruí, que esteve em Genebra o mês passado, com a idéia de que iria ensinar a eles os princípios de seus direitos, conforme saiu em outros reportagens essa semana. Foi detido como refém, junto com um procurador federal de Rondônia, que em seguida iria soltar uma declaração dizendo que tinha pena dos Cintas-Largas e dos demais povos indígenas brasileiros.
O Estadão segue em sua algaravia sugerindo que a Funai opta por demarcar terras e deixar os índios ao léu, sem condições de ter uma vida decente. E arremata com a frase da moda, que a Funai está desaparelhada e incapacitada para realizar suas funções. Sugere que os índios Cintas-Largas prenderam o comissário e o procurador por conta desse desleixo. Nem sabe metade do que está por trás de tudo isso. Aliás, numa entrevista no mesmo jornal o indigenista Possuelo diz a mesma coisa e reclama mais uma vez que o Governo Lula abandonou os índios, como se algum governo os tivesse abrigado de boa fé.
Tudo pode ser verdade, mas qual o sentido que esse editorial quer dar? De que posição ele fala? Que o governo invista mais na Funai, ou que outros órgãos assistam aos índios?
O que acha o Estadão de um comissário internacional que nunca esteve numa área indígena vir dar aulas de direitos aos índios?
Veja essa e outras matérias na íntegra na seção Notícias Online
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A confusão indígena
No Brasil há problemas que se imagina terem sido solucionados, simplesmente porque sobre eles foram feitas leis. Há também problemas que se agravam, precisamente por serem tratados de forma irrealista pelo ordenamento jurídico. Certamente a questão indígena se enquadra nesses casos. Examinemos o que disse, sobre o problema, a comissária de Direitos Humanos da ONU, Louise Arbour: “É verdade que a Constituição garante os direitos dos indígenas, mas os esforços para aplicá-los precisam ser maiores (...). Sabemos das dificuldades (dos indígenas) diante da mineração e do desmatamento em suas regiões. Isso tudo também gera muita frustração.”
Aí está, sucintamente, a questão: na dinâmica da realidade vivida pelas populações indígenas nas áreas já demarcadas ou ainda por demarcar, até que ponto o Estado, por suas instituições - a começar pela Fundação Nacional do Índio (Funai) -, está conseguindo dirimir conflitos e oferecer a essas populações condições pacíficas e estáveis de sobrevivência? Ou será que, em lugar de um trabalho competente e estruturado nesse setor, os poderes públicos se contentam com a contemplação de um conjunto de leis “perfeitas”, como se isso bastasse para proteger os indígenas - que ocupam áreas demarcadas de vastidão desproporcional ao tamanho de suas populações - das influências por vezes nefastas da vida moderna ou, como dizem os utópicos, “do mundo exterior”?
O seqüestro praticado pelos índios cintas-largas em Rondônia, desde sábado passado, quando deixaram presos numa maloca da Aldeia Central, na Reserva Roosevelt, o funcionário da ONU, de nacionalidade espanhola, David Martins Castro, e mais quatro reféns, acabou tendo um final feliz, mas poderia ter se tornado uma tragédia. Não nos esqueçamos de que foram esses mesmos cintas-largas que, em abril de 2004, massacraram 29 garimpeiros que estavam em suas terras - e, novamente, o principal motivo do seqüestro agora praticado foi a atuação de garimpeiros à cata de diamantes, praticamente incessante desde a descoberta dessas gemas na região.
A repetição e intensificação de conflitos entre indígenas e pessoas que desenvolvem atividades predatórias em suas terras - seja no garimpo, na extração ilegal de madeira ou outras operações - não deixa de ser uma conseqüência, também, da ineficiência do Estado no cumprimento das regras legais de proteção ao índio e de preservação de seu meio ambiente. Mas há que exigir de uma instituição como a Funai, em termos de recursos e qualificação de pessoal, um nível de atuação muito mais eficiente do que o atual, para que a questão indígena seja tratada como um problema real, e não como enredo de refinadas utopias - que, esbarrando na realidade, sempre geram confusões explosivas.
sábado, 15 de dezembro de 2007
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