A Câmara Federal vem com uma matéria pesada sobre as Ongs que trabalham com povos indígenas.
Mostra para que lado a CPI das Ongs está mirando esta semana. Para o lado das Ongs que trabalham com povos indígenas, especificamente aquelas da saúde.
Mais de 740 milhões de reais foram gastos com saúde indígena desde 1999. Parece pouco ou parece muito. Só uma Ong de Santa Catarina recebeu 73 milhões. E usa o nome de Rondon! O secretário do CIMI, um dos que tem o discurso mais agressivo daquela corporação, diz que o serviço é grande e não acha a quantia suficiente. Seu discurso é eivado de ambiguidades. Por um lado, faz crítica feroz, diz que o CIMI e as Ongs são contra o sistema implantado pela Funasa; por outro lado, é membro do Conselho de Saúde Indígena, isto é, participa diretamente naquilo que é contra.
A ambiguidade das Ongs na saúde indígena é só discurso. Na verdade, todas elas foram a favor da retirada da saúde da Funai, apoiaram o esquema criado pelo ISA, com o desenho atual dos distritos sanitários, e fizeram o possível para desmoralizar a saúde que a Funai parcamente realizava. Ao menos a Funai tinha um quadro de enfermeiras excelente e dedicado. Nenhum se declarou pela volta da saúde ao indigenismo brasileiro.
Agora tudo é terceirizado. As Ongs têm participado na farra de receber dinheiro, se aparelhar e deixar a saúde ao léu. Na lista da Câmara Federal, um terço delas está inadimplente. Os outros dois terços estão adimplentes por obra e benemerência dos auditores. Ou por negociação com as Ongs e o governo, como sabemos a respeito da inadimplência da Coiab.
Essa CPI pode ainda dar muito o quê falar, ou pode ser abafada quando os interesses dos políticos estiverem na reta. Por enquanto, estão batendo nos políticos do PT, como Ideli Salvatti. Mas são tantas as conexões que muitos estarão envolvidos.
_____________________________________________________________
CPI mira repasse para ONGs indígenas
Valor repassado para entidades desde 1999 supera a execução direta da Funasa em saúde indígena no mesmo período
Lúcio Lambranho e Eduardo Militão
A CPI das ONGs vai apurar irregularidades nos repasses da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) a entidades ligadas à questão indígena. Segundo levantamento ao qual o Congresso em Foco teve acesso com exclusividade, entre janeiro de 1999 e o dia 26 de outubro deste ano, o valor total dos convênios com ONGs do setor, mais de R$ 744 milhões, é maior do que a execução direta da Funasa, de R$ 618 milhões, em saúde indígena no mesmo período.
Além da transferência de responsabilidade e de elevado volume de recursos para as ONGs, também é alto o percentual de inadimplência dos convênios nos casos em que foi constatado algum tipo de irregularidade. Dos 223 convênios (veja a lista completa), 60 foram considerados inadimplentes, uma média de 26,9%. O percentual está muito acima dos 3,4% observados nos mais de 45 mil convênios do governo federal com o terceiro setor entre 1999 e 2007.
Três entidades estão classificadas na chamada inadimplência suspensa, o que segundo os técnicos da CPI, pode ter dois motivos: ações na Justiça cancelando as irregularidades pegas pelas instituições de controle ou a existência de uma tomada de contas especial do Tribunal de Contas da União (TCU) em andamento.
Os senadores acreditam que, além desses dois problemas, os valores aplicados não estão dando resultados. É o revelam os dados sobre saúde indígena em todo país. Em 2005, a taxa de mortalidade infantil entre os índios era de 53,1 para cada grupo de mil nascidos vivos. Naquele mesmo ano, a média brasileira era de 21,1, segundo o Ministério da Saúde.
No mesmo ano, o país registrou 46,3 casos de tuberculose para grupo de 100 mil brasileiros. Entre a população indígena, essa taxa chegou a 76,4 mil em 2005. E, no ano passado, subiu para 101,1.
Em outra frente de problemas, um estudo coordenado pela Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), publicado no início deste ano, revela que 38,4% do total de índios entrevistados disseram que consomem bebidas alcoólicas. Quase metade do mesmo grupo, 46,7%, informou aos pesquisadores que tentou parar de beber, mas não conseguiu. A pesquisa faz parte de um estudo em 11 comunidades de sete etnias diferentes, um total de 1.455 indígenas.
Outros dados da mesma pesquisa também chamam a atenção para a fragilidade da saúde indígena no Brasil. Um em cada dez entrevistados disse já ter pensado em suicídio. Entre os que admitiram pensar em acabar com a própria vida, 118 tentaram levar a idéia adiante. Desses, 41,6% são consumidores de álcool, 8,8% disseram fazer uso de maconha e 2,9%, de cocaína.
Rondonistas de Santa Catarina
Um dos alvos já escolhidos pelos senadores na investigação, segundo apurou este site, é a Associação Estadual dos Rondonistas de Santa Catarina, a ONG que mais recebeu recursos entre as entidades ligadas à saúde indígena entre todas as instituições do chamado terceiro setor (organizações não-governamentais, entidades sem fins lucrativos e filantrópicas, entre outras).
Ao todo, o projeto Rondon, como é conhecido, recebeu, entre 1999 e 2007, R$ 76,5 milhões do governo federal. A CPI já pediu ao TCU e à Funasa todas as prestações de contas da entidade de Santa Catarina.
A coordenadora da ONG, Cleide Maria Marques Grando, justifica em nota enviada ao Congresso em Foco (leia a íntegra) que o volume se refere ao trabalho de saúde de 20 mil índios nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro.
Recentemente, segundo Cleide Maria, os rondonistas foram chamados pela Funasa para assumir parte das ações de saúde indígina em Tocantins. Por outro lado, desde o ano passado, de acordo com a coordenadora da ONG, o grupo não cuida mais dos indígenas paranaenses.
“Temos gente de todas as filiações partidárias e é só buscar os dados da Funasa para verificar que temos feito um bom trabalho. Se não fosse isso, não seríamos os escolhidos entre outras duas propostas para trabalhar no Tocantins”, avalia.
Cleide Maria é ex-mulher do ex-prefeito de Florianópolis Sérgio Grando (PPS), que administrou o município entre 1993 e 1996. Socióloga, a dirigente do Projeto Rondon diz que a ONG foi registrada apenas em junho de 1999, justamente para não vincular suas atividades à gestão do então prefeito da capital catarinense.
Alertada sobre a possibilidade de investigação pela CPI, Cleide diz que não teme qualquer auditoria nas contas da entidade. Ela afirma acreditar que a Funasa poderia controlar melhor os repasses às ONGs.
“Eu acho que falta um maior controle por parte do órgão que faz os repasses. O bom mesmo é o controle social sobre o trabalho e não como a CGU faz: fiscaliza convênios de 2002 só agora”, dispara a coordenador do Projeto Rondon ao se referir a uma auditoria recente da Controladoria Geral da União (CGU) sobre a sua entidade.
Fracionamento
“O volume de dinheiro repassado pode até ser aquém do necessário. Mas atuo nessa região e sei que o trabalho desta ONG é complementado por recursos repassados aos municípios. Eles não dão conta de todo o trabalho”, adverte o vice-presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Roberto Liebgott.
Ele também não poupa críticas ao sistema de saúde das comunidades indígenas, que desde 1999, está sob a responsabilidade da Funasa. "Desde que o governo Fernando Henrique terceirizou a saúde indígena não há controle efetivo do que é proposto nos convênios e a Funasa não tem estrutura para fazer o controle. Isso tanto no caso das ONGs como nos repasses para os municípios. O fracionamento das ações faz como os índios sofram", avalia Liebgott.
Segundo o dirigente do Cimi, os caciques das tribos da região Amazônica também já denunciaram o desvio de recursos da saúde repassados aos municípios nos chamados distritos sanitários indígenas (são 34 em todo o Brasil, que cuidam de 482 mil pessoas) de Roraima e do Amazonas
Campanhas irrigadas
O dinheiro, segundo o representante do Cimi, irrigou campanhas eleitorais quando não foi aplicado corretamente pelos municípios. Devido a essas denúncias, o Cimi e outras entidades ligadas à questão indígena são contra a municipalização do sistema de saúde das comunidades.
“É no município que as comunidades e aldeias têm uma oposição no sentido mais amplo. Oposição na demarcação de terras e agora também na área de saúde caso esse projeto da Funasa vá adiante”, explica.
Liebgott, que também faz parte da Comissão Intersetorial de Saúde Indígena, órgão consultivo vinculado ao Conselho Nacional de Saúde, sugere que a questão seja incorporada ao Sistema Único de Saúde (SUS) e que o Ministério da Saúde crie uma secretaria específica para tratar da saúde das comunidades.
“A Constituição prevê que a saúde dos índios é responsabilidade do Ministério da Saúde e não das ONGs ou das prefeituras”, diz o vice-presidente do Cimi.
Informação
Outro problema é o Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (SIASI), apontado em trabalho publicado em maio deste ano pelos pesquisadores Maria da Conceição de Sousa (da coordenação Regional de Mato Grosso da Funasa), João Henrique Scatena (do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso) e Ricardo Ventura Santos (da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, da Fundação Oswaldo Cruz e do Departamento de Antropologia do Museu Nacional, no Rio de Janeiro).
Dizem os estudiosos: "As principais limitações do SIASI referem-se aos instrumentos de coleta, à capacitação dos recursos humanos, à ausência de interface com os demais sistemas nacionais de informação em saúde, à dificuldade de acesso às informações e a não utilização das informações para o planejamento das ações".
O vice-presidente do Cimi concorda com o diagnóstico. "A própria Funasa já admitiu em reunião que o sistema é falho, os dados são precários e que as informações sobre de mortalidade infantil e outras doenças são parciais", completa Liebgott.
sexta-feira, 9 de novembro de 2007
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário