Sua voz ressoa como uma conclamação aos seus patrícios e parentes indígenas para tomarem consciência da situação que vivem, do momento atual em que uma revolução indígena vem ocorrendo espontaneamente, e das possibilidades de afirmação dos direitos indígenas.
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A Pergunta que não quer calar!
Por: Azelene Kaingáng[1]
Desde a publicação do Decreto 7.056/2009,
em 28 de dezembro de 2009, não se discute outro assunto no indigenismo brasileiro,
assim como entre os Povos Indígenas do Brasil.
Desde então se tenta buscar um
culpado para tal ação ou traição, como preferem muitos... seja qual for a
qualificação da ação, a verdade é que os Povos do Brasil e seus verdadeiros
líderes, aqueles eleitos de forma transparente, democrática e legítima se
sentem mais que traídos, se sentem nada... diante de tamanha arrogância do Estado
Brasileiro, mais especificamente do Executivo através da Fundação Nacional do
Índio – FUNAI. SE fizermos uma análise dos fatos ocorridos em 2009 e que acarretaram
irreparáveis perdas para os Povos Indígenas, entre os principais estão as 19
condicionantes do STF quando da homologação da Terra Indígena Raposa Serra do
Sol e logo depois a reestruturação da Funai, as grandes vítimas são os Povos Indígenas das regiões Nordeste, Sul e Sudeste.
Talvez seja por isso que o movimento
de resistência às mudanças trazidas pelo Decreto 7.056/2009, seja liderado
exatamente por esses Povos Indígenas, não menos legítimo e menos importante do
que os movimentos já liderados por Povos de outras regiões, ao contrário do que
tentam dizer aqueles comprometidos com a política equivocada, desrespeitosa e
preconceituosa desenvolvida pelo atual governo, como se os movimentos liderados
por Povos e Organizações do Norte do País fossem mais legítimos.
Desde o primeiro instante em que os
Povos Indígenas ocuparam a sede da Funai em Brasília, estávamos presentes e
pudemos presenciar um lamento ao mesmo tempo consciente, triste e aguerrido
carregado de revolta, mas também de uma força indizível, quando uma líder dizia: “extinguir os Postos da Funai
dentro dos nossos territórios é tirar a única referência que temos do Estado
Brasileiro no cotidiano dos nossos Povos”. A frase da Líder indígena nos remete a uma reflexão do
indigenismo brasileiro desde o século passado, quando as políticas desenvolvidas
pelo Estado sempre foram extremamente assistencialistas, sempre primaram por
tratar o índio como incapaz de decidir seu próprio destino e assim aos poucos
foram minimizando e reduzindo seus direitos sendo o último deles o direito a
ser escutado e consultado.
Se a reestruturação da Funai faz
parte de uma estratégia de governo para enxugar as estruturas dos órgãos
públicos, por que é que ao longo dos últimos anos os Povos Indígenas não foram
preparados para isso? Por que é que não se fortaleceu a autonomia interna, o
poder e a capacidade de gestão dos recursos naturais, a capacidade legal de
defesa dos seus direitos? Por que é que o Estado brasileiro resistiu tanto em
reconhecer que é necessário promover o desenvolvimento com identidade através
de políticas claras e eficazes para os Povos Indígenas? Ao contrário, cada vez
mais se dilapidou o patrimônio dos Povos Indígenas com ações
desenvolvimentistas intervindo em seus territórios. Além disso, a Funai foi
largada nas mãos de pessoas que não conhecem absolutamente nada de questão
indígena e que quiseram “brincar de índio” durante três anos e que de repente
decidiram que não querem mais essa brincadeira e que agora querem brincar de
bang bang, colocando a polícia federal para prender índio que se manifesta,
índio que protesta e que reivindica seus direitos...aliás esse é o resultado
antecipado do novo Estatuto dos Povos Indígenas que está tramitando no
Congresso Nacional e que acaba com a obrigatoriedade da proteção do Estado
Brasileiro aos Povos Indígenas (tutela). Se estamos estarrecidos com o Decreto
7.056, melhor prepararmo-nos melhor para recebermos a bomba que é o Estatuto
que a Funai e a CNPI - Comissão Nacional
de Política Indigenista -- elaboraram para os nossos Povos.
A Primeira Conferência Nacional dos Povos Indígenas apontou caminhos
importantes para a política indigenista do País, como a criação do Parlamento
dos Povos Indígenas que tinha como objetivo articular as ações de Estado numa
parceria respeitosa entre Povos Indígenas e o Estado Brasileiro. Porém criou-se
a CNPI – Comissão Nacional de Política Indigenista -- que se perdeu de seus
verdadeiros objetivos e do seu compromisso com os direitos humanos e
fundamentais dos Povos Indígenas, servindo apenas para legitimar atos como o
decreto 7.056/2009. Aconselho todos a estudarem melhor a Convenção 169 e seu
artigo 6º que é escandalosamente claro quando diz que as consultas aos Povos
Indígenas devem ser feitas através de suas instituições representativas Ou
seja, a CNPI não é uma instituição representativa dos Povos Indígenas, é uma
Comissão de governo! Até quando irão distorcer os conceitos contidos na
Convenção para encobrir interesses escusos, tentando dizer que a CNPI foi
consultada em lugar dos Povos Indígenas para legitimar questões do nosso
interesse?
É fácil entender a revolta dos nossos
Povos, que há um século recebem ações sempre criadas e implantadas sem a sua
participação porque alguém as julgou importantes, e agora no apagar das luzes
de 2009 o Presidente Lula decidiu mais uma vez que extinguiria uma série de
direitos sem se quer consultar os Povos Indígenas, violando flagrantemente o
Artigo 6º da Convenção 169/OIT que ele mesmo em 2004 ratificou e depositou o
compromisso de cumpri-la junto às Nações Unidas, assim como a Declaração das
Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, igualmente firmada pelo
Estado Brasileiro.
As declarações do governo e seus
parceiros dão conta de que o Decreto que reestrutura a Funai é bom e que trará
muitos benefícios aos Povos Indígenas e ao órgão indigenista. A pergunta que
não quer calar é: Então por que é que se fez tanto segredo em torno da discussão
e da formulação de dito Decreto que foi segredo de Estado durante meses?! Por que
é que não se permitiu a participação dos Povos Indígenas, servidores da Funai,
sindicatos e todos os seguimentos interessados na discussão? Que papel foi esse
do Governo Democrático, Popular e Participativo?
Território Indígena Serrinha, 20 de janeiro
de 2010.
[1] Socióloga,
Povo Indígena Kaingáng, Prêmio Nacional de Direitos Humanos, Prêmio Antonieta de
Barros de Direitos Humanos.
9 comentários:
Quero parabenizar essa índia Kaingang pela coragem de escrevertd isso, vc esta de parabéns...Isso mesmo continue lutando pelos seus direitos...Aproveita e da o troco nas eleições ao Presidente Lula e ao Traidor Presidente da Funai....Deixa Lula as eleições é esse ano.
Parabéns Azelene!
Obrigada por ter mostrado a esta corja que o índio é inteligente, estuda, tem capacidade de raciocinar e conhece os seus direitos
Continue crescendo em conhecimentos a nação indígenas, precisa de pessoas como você.
Me sinto orgulhosa por você ter conseguido o seu espaço com honra.
Márcio,
Faça com que estes comentários cheguem a outros meios de comunicação, para os cidadãos brasileiros conhecerem a insatisfação de muitos quando a publicação deste decreto.
Sempre Azelene,
Apesar de todas as perseguições que Você sofreu da atual direção da Funai, continuas com a dignidade de uma grande líder!
Você é o nosso orgulho maior!
Parabéns e continue assim.
Fernando
Azelene,
Trabalhei com voce de perto e conheço bem sua percepção das coisas e sua competência. Boa pontaria a sua. Parabéns!
Moacir Santos
Indigenista
http://parlaventos.blogspot.com/
Azelene como sempre, e no presente artigo, mostra sua profunda e inteligente avaliação da questão indígena pelo prisma sociológico.
A testemunho da verdade, e no seu presente quadro de comentários, aproveito para expor o seguinte: Ainda quando eu era coordenador da CGPE, logo no início da gestão de Márcio Meira, eu e Azelene fomos chamados na sala da Chefia de Gabinete da presidência. Ao chegarmos enconramos as Sra. Salete (chefe de gabinete), juntamente com o diretor e vice-presidente da FUNAI, Sr. Guapindaya,que na nossa presença nos informaram que "o atual quadro da FUNAI tinha como objetivo acabar com essa coisa de indigenismo e indigenistas que ficam protegendo e abraçando índios, que estavam lá para fazer uma nova Funai e que isso significava, unicamente, implantar o PAC nas áreas indígenas, e reestruturar a Funai. (segue)
segue comentario:
"...ainda que não reconheciam a existência do índio da floresta, e Guapindaya aos risos compartilhado de Salete dizia: ...e por acaso existe índio da floresta??? Ao que retruquei (enquanto Azelene estava pasma e perplexa...) que ainda existiam, inclusive, inúmeros índios isolados e que eu mesmo acabava de vir da chefia Frente Guaporé em Rondônia..., ao que aos risos os mesmos retrucaram: ha,ha,ha,ha..índios da floresta, índios isolados...." Dissemos então aos mesmos, que estavam trabalhando no Órgão errado, e que jamais eles iriam acabar com os índios e indigenistas. São esses os atuais responsáveis pelo destino dos índios no Brasil!!!! Moacir Melo
em tempo: ressaltamos e lembramos ainda nessa mesma reunião, com os srs. da cúpula da presidência do Órgão de assistência ao índio , a existência, na própria FUNAI sob a administração desses srs., da CGII - Coordenação Geral de ìndios Isolados, razão essa, inequívoca e incontestável, da existência dos índios isolados, e dos que ainda habitam as florestas, e que foram objetos das esdrúxulas e irônicas críticas dos mesmos!!!
Azelene,
Indigenas politizados, coerentes,competentes no Brasil temos e a ditadura da tacaca ainda acha que não precisa consulta-los para definir politicas, vão dar com os burros nagua...
Parabens Parente tenho orgulho de você.
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