Estamos vivendo um tempo de muita tensão na questão indígena brasileira.
A suspensão da desintrusão dos arrozeiros da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, decretada pelo STF quarta-feira passada, levou toda a questão indígena brasileira a um paroxismo de indefinições.
Primeiro, deu muita força aos arrozeiros. É como se eles tivessem ganho a parada, quando, na verdade, só houve uma breve parada para refletir e refazer a estratégia de retirada dos arrozeiros. É o que nos garante o próprio presidente Lula, quando disse, na Holanda, que os arrozeiros não são vítimas coisa nenhuma e que serão retirados da terra indígena. Mas, mesmo com essas palavras reconfortantes, o chefe dos arrozeiros está se comportando como um pequeno Napoleão e já se vê tomando a coroa da política em Roraima. Sua entrevista ontem, na Folha de São Paulo, é um primor de arrogância.
Segundo, a liminar do STF abriu a questão indígena para o re-posicionamento dos militares brasileiros que se preocupam com a defesa da Amazônia e a soberania nacional. O general Heleno, comandante do Comando Militar da Amazônia, deu entrevistas em diversos jornais e noticiários televisivos, e chegou ao ponto de dizer que o Brasil poderia perder território por causa das terras indígenas em Roraima. Acho que, nesse aspecto, ele foi mal interpretado. Vi a entrevista do general Heleno no programa "Canal Livre" da TV Bandeirantes, e apesar dele ser provocado pelos entrevistadores, em nenhum momento perdeu a linha e falou algo contra os povos indígenas. Preocupa-se, isto sim, pela presença de Ongs na região amazônica, fazendo ressalvas entre elas, sem as citar. Mas, alguns nacionalistas que não entendem o papel dos povos indígenas na formação do Brasil também se manifestaram contrariamente aos povos indígenas. Infelizmente um deles foi o querido deputado Aldo Rabelo, com quem já conversei tantas vezes para ajudá-lo a ter uma visão mais ampla da nossa questão indígena, mas, até agora, inutilmente. O artigo do deputado no Estadão dá calafrios.
Terceiro, a liminar abalou as convicções dos povos indígenas quanto ao nosso sistema jurídico. Como o STF daria uma liminar dessas quando há três anos vem dando liminares confirmando os direitos indígenas e a necessidade da retirada dos arrozeiros? Em particular, estão chocados os índios de Raposa Serra do Sol, em especial aqueles ligados ao Conselho Indígena de Roraima (CIR). Agora, por outro lado, apelarem para a ONU e a OEA não me parece uma idéia sensata. O CIR, aconselhado por algumas Ongs e o CIMI apelou algumas vezes para a OEA, como se a OEA pudesse interferir em questões internas brasileiras. Eu mesmo, quando presidente da Funai, fui duas vezes a Washington para fazer a defesa da Funai e do Estado brasileiro em sua política indigenista e em seu propósito sobre a homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Considero que o CIR apelar a essas entidades transnacionais que gostam de chuchar o Brasil não é de modo algum conveniente nesse momento. Por outro lado, havemos de convir que os índios de Roraima estão muito tensos e chateados com essa demora. Daí terem surgido algumas ameaças de partirem para uma atitude mais contundente em campo.
Por tudo isso, e também pela insatisfação imensa dos índios de todo o Brasil, a não ser a cúpula atual da Coiab, com a direção da Funai, pela ingerência de outras instituições do Estado, pela ingerência direta das Ongs na Funai, pela intromissão de deputados interesseiros nas riquezas indígenas, pela grande preocupação que sentimos todos nós indigenistas, antropólogos, advogados, jornalistas, servidores da Funai, enfim, todos que têm o espírito rondoniano nesse país sentimos a questão indígena em perigo.
Minha sugestão ao governo é esta:
A Funai tem que ser refundada, recriada, refeita, recomposta, reestabelecida, reinstitucionalizada. É este órgão que, em novas condições, será capaz de dar um rumo seguro à questão indígena brasileira. Qualquer outra coisa a ser refeita será mero remendo em um soneto que perde seu ritmo e seu significado.
O perigo de não termos um órgão indigenista forte é imenso. As Ongs querem o fim da Funai, e agora elas estão dentro da Funai minando-a, tirando-lhe o fôlego, sua capacidade diálogo com os índios. Todos os indigenistas e antropólogos do órgão estão escanteados, a não ser aqueles que sempre trabalharam contra a Funai. Os índios que defendem o fim da Funai ou seu aparelhamento político-partidário estão equivocados. Precisam conversar com seus parentes mais velhos que vivem nas aldeias. Não podem se enganar com as ilusões que as Ongs urbanas lhes oferecem.
Eis a questão que deve tomar e acalentar os corações de todos os indígenas brasileiros e todos os amigos dos índios brasileiros.
Desejo que essa SEMANA DO ÍNDIO sirva para fortalecer esse sentimento.
Abaixo, segue matéria do Estado de São Paulo sobre a questão de Raposa Serra do Sol e sobre o protesto dos índios nesta semana.
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Índios preparam reação ao STF
‘Já estou cansado de pedir paciência a eles’, diz coordenador de conselho indigenista
Roldão Arruda, BOA VISTA
A tensão entre indígenas e não-indígenas na Reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, continua. Nas últimas horas os índios intensificaram suas reuniões para discutir o que fazer diante da resolução do Supremo Tribunal Federal (STF), que, na última quarta-feira, suspendeu a operação de retirada dos não-indígenas da reserva de 1,747 milhão de hectares homologada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2005.
De acordo com o coordenador do Conselho Indigenista de Roraima (CIR), Dionito José de Souza, é alto o grau de inconformismo entre os chefes - chamados de tuxauas, na língua dos macuxis, o grupo indígena mais populoso da região. “Eu já estou cansado de pedir paciência a eles”, disse o coordenador ao Estado.
A Polícia Federal deve chegar hoje à reserva. Segundo o delegado Fernando Segóvia, coordenador do setor de defesa institucional da corporação, a missão do contingente de quase 500 policiais será garantir a paz e a segurança na região até uma decisão final do Supremo, prevista para um prazo de dois meses.
Ontem à tarde, cerca de cem índios, provenientes das regiões montanhosas da reserva, desembarcaram no Distrito do Surumu, uma das principais entradas da área, localizada ao lado da Fazenda Destino, pertencente ao líder dos arrozeiros, Paulo César Quartiero.
O coordenador do Conselho Indigenista de Roraima deverá encontrar-se com eles e com outros grupos da região nos próximos dias, para definir o que fazer.
Entre os arrozeiros, a preocupação agora é outra. Eles querem consertar o mais rapidamente possível as pontes e as estradas destruídas ou obstruídas dias atrás, para impedir o avanço da Polícia Federal. Sem isso será impossível escoar a produção de arroz, que começa a ser colhido nos próximos dias. O temor deles é que os índios tentem obstruir o transporte. Na opinião de seguranças da Fazenda Destino, a possibilidade de confrontos não está descartada.
AUDIÊNCIA
A questão da Raposa Serra do Sol deverá ser um dos temas da Semana dos Povos Indígenas, que começa na quarta-feira, em Brasília. Lideranças indígenas deverão solicitar uma audiência com ministros do Supremo, para expor o seu ponto de vista sobre a questão.
O STF acatou na semana passada uma ação cautelar impetrada pelo governo de Roraima. O governador José de Anchieta Júnior (PSDB) disse em entrevista ao Estado que não concorda com a atual política de demarcação de terras indígenas, porque esvazia as fronteiras do País e põe em risco a segurança nacional e a integridade territorial do Brasil. “Me parece preocupante destinar uma área de 1,7 milhão de hectares para uma comunidade que não chega a 7 mil índios. Como é que vai garantir a segurança dessa área de fronteira?”
segunda-feira, 14 de abril de 2008
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