domingo, 27 de abril de 2008

Ongs dominam a política indigenista brasileira

O jornal O Globo traz hoje uma longa reportagem, como principal manchete de capa e com três páginas, sobre a atuação desastrada da política indigenista brasileira, sobre os disfuncionamentos da Funai, Funasa e outros órgãos federais, e sobre a presença avassaladora das Ongs nos órgãos indigenistas.

Como trata de assuntos em que eu próprio sou entrevistado, deixo para os leitores sua avaliação.

A matéria abaixo saiu no Globo Online, a matéria completa está no jornal dominical, o qual não pude inserir nesse Blog.

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Política indigenista: governo repassa centenas de milhões para ONGs e está ausente das aldeias

O Globo Online

BRASÍLIA - Dispersa em vários órgãos do governo, e alvo das críticas do general Augusto Heleno, comandante militar da Amazônia, que a chamou de "lamnetável, para não dizrer caótica", a política indigenista está entregue a Organizações Não-Governamentais (ONGs) e não consegue atender os 740 mil índios em todo o país. Com a ausência do Estado nas aldeias, proliferam a criação de organizações, muitas arrancando para si vultosas quantias do orçamento destinado à saúde indígena; outras interessadas em catequizar e evangelizar esses povos. É o que mostra reportagem de Maria Lima, Evandro Éboli e Chico de Gois na edição deste domingo de 'O Globo'. Há no meio militar receio de que entidades ligadas a ONGs estrangeiras estejam de olho não só nos índios, mas na riqueza florestal e mineral da Amazônia.

A política indigenista brasileira não funciona na prática

- A política indigenista brasileira não funciona na prática - diz o ex-presidente da Funai Mércio Pereira Gomes, que ocupou o cargo em quase todo o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e em parte do segundo.

Além da Funai, as ações do governo para os índios estão espalhadas pelos ministérios da Educação, Saúde e Meio Ambiente.

Na Saúde, por exemplo, 51 ONGs cuidam dos indígenas, mas 26 delas foram trocadas, desde 2007, por irregularidades. Algumas são suspeitas até mesmo de desviar recursos. No início do mês, a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) editou portaria tornando mais rígida a contratação dessas organizações. As novas regras passam a valer em 1º de junho.

O atual presidente da Funai, Márcio Meira, empregou o antropólogo Paulo Santilli, irmão de Márcio Santilli, ex-presidente da Funai e sócio-fundador do Instituto Socioambiental (Isa), que realiza trabalhos para a fundação. Seu trabalho é fazer a demarcação física da terra indígena, com abertura de picadas, fixação de placas e marcos nas áreas.

- O critério foi a competência. Não há qualquer relação com o fato de ser irmão do Márcio Santilli, que só vim a conhecer recentemente - disse.

O advogado Aloizio Azanha, que também foi do Isa, atua como assessor na Diretoria de Assuntos Fundiários. Márcio Meira negou que qualquer um dos três tenha ligação com organizações não-governamentais.

Não há ninguém de ONG na Funai. E se houvesse, qual seria o problema?!

- Não há ninguém de ONG na Funai. E se houvesse, qual seria o problema?! - diz.

Hoje, a Funai administra 488 reservas indígenas ou 105,6 milhões de hectares, o equivalente a 12% do território brasileiro. Outras 201 áreas estão na fila para também se tornar reservas homologadas. Com isso, 15% das terras do país serão destinadas aos índios. O índio Teuê Camaiurá, do Parque Nacional do Xingu, desistiu de buscar ajuda na Funai. Conta que ao lado do parque, em Mato Grosso, há um posto da Funai que está caindo aos pedaços, e que a presença do órgão na aldeia quase não existe.

Um exemplo de ONG que tem despertado a suspeita de militares sobre sua atuação é a Jovens Com Uma Missão (Jocum), criada em 1960 pelo californiano Loren Cunningham. Tem bases em todo o Brasil e em dezenas de países. A principal fica em Porto Velho, responsável pela catequização e assistência a 16 tribos da Amazônia. Mike Bunn cuida do programa de rádio e aviação. A rádio da ONG tem uma estação em cada aldeia onde atua. As antenas de Porto Velho despertaram a atenção dos órgãos de segurança. O missionário Reinaldo Ribeiro e a esposa, Bráulia, são os responsáveis pela base de Porto Velho. Ele diz que a ONG atua na região há mais de 20 anos:

- Mas não nos envolvemos em conflitos por demarcação.

Com a sociedade civil de parceira, é possível compartilhar a gestão para melhor atender os povos indígenas
Márcio Meira considera que a política indigenista do país é um sucesso. Ele também defende a atuação das ONGs nas reservas.

- Com a sociedade civil de parceira, é possível compartilhar a gestão para melhor atender os povos indígenas - disse Meira.

As bases da política indigenista do governo, segundo o presidente do órgão, ainda têm como ponto central a política de estado lançada pelo Marechal Rondon em 1910, ou seja, há quase cem anos.

- O foco central é que os índios sejam protegidos e sobrevivam. O índio precisa viver. Então vem dado certo, na medida que o índio está sobrevivendo e a população indígena, crescendo substancialmente. Para isso, o mais importante é que sejam protegidos e suas terras, garantidas - disse Márcio Meira.

Mércio Gomes concorda com a crítica do general Augusto Heleno de que a política indigenista é caótica.

- Concordo. Acho a política indigenista brasileira uma das melhores do mundo, mas está sendo conduzida de maneira caótica. O general prestou um grande serviço à nação ao alertar para o perigo da ameaça à soberania, mas apontou o rifle para o lado errado. A culpa não é dos índios, mas do Estado, que não fortalece o Ibama, a Funai e o próprio Exército, órgãos que devem proteger a Amazônia.

2 comentários:

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...

Mércio: do mesmo modo que deve ser difícil falar da FUNAI no estágio atual de sua institucionalidade, pior fica se contrapor a você sobre o papel da FUNASA. Mas a minha tese é a mesma tua, com uma diferença na conclusão. A tese é que precisamos de uma única política indigenista com seus componentes próprios e considerando a complexidade do mundo interligado. A FUNASA de hoje não é herdeira de grande coisa, aliás nem o ministério da saúde o é, mas certamente na formação dos médicos de saúde pública existe um fio solto que ainda pode ser resgatado. Se houve uma política coerente no passado, não seria difícil pegar a FIOCRUZ ou outra escola de saúde pública do Brasil e retomar a linha de Noel Nutels. Estou falando da linha, não cabe simplesmente considerar as diferenças de técnicas que são enormes entre os anos. Mas algumas linhas são dele e podem ser retomadas: forte logística com as forças armadas; ações de promoção de saúde (autonomia do índio, proteção dos contatos com doenças infecciosas, recursos locais); equipes de governo dedicadas ao assunto (especializadas antropologicamente, em doenças mais típicas, em ecologia médica etc.); forte sistema de informação com vistas ao conhecimento; liderança e disciplina de objetivos. A vantagem de que isso faça parte do Sistema Único de Saúde é que no seu imenso orçamento tem que haver finalidade em relação ao índio. Agora uma ressalva que a política indígena não pode aceitar: é ser municipalizada, não pode pois a política é única, a sua divisão é territorial mas de base étnica e não administrativa. Ou seja a políitica indigenista não segue a diretrizes de descentralização administrativa da educação e saúde.

Anônimo disse...

Na verdade só tenho a dizer que é sofrivel essa reportagem, pois deveriam no minímo levantar melhor as informações...Paulo Santilli é da identificação e não faz demarcação física! e o Advogado Aloisio era do CTI...nossa que orientou e informou O GLOBO estava muito sem informações!!!!

 
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