quarta-feira, 2 de abril de 2008

O Índio na História: Cap.4 - Tempos de Servidão: 1653-1759

Capítulo IV

Tempos de Servidão: 1653-1759

"Vejo que me dizeis: Bem estava isso se nós tivéramos
outro remédio. Este povo, esta república, este Estado
não se pode sustentar sem índios. Quem nos há de ir
buscar um pote d'água ou um feixe de lenha?
Quem nos há de fazer boas covas de mandioca?
Hão de ir nossas mulheres? Hão de ir nossos filhos?
Primeiramente não são estes os apertos em que vos hei
de pôr, como logo vereis; mas quando a necessidade e a
consciência obriguem a tanto, digo que sim e torno a dizer
que sim; que vós, vossas mulheres, que vossos filhos, e que
todos nós nos sustentássemos de nossos braços; porque melhor
é sustentar-se do suor próprio que do sangue alheio.
Ah, fazendas do Maranhão, que se esses mantos e
essas capas se torcessem, haviam de lançar sangue!"
Pe. Antônio Vieira, Sermão da Primeira Dominga da Quaresma, 1653


A Coroa portuguesa, seus administradores no Maranhão, colonos e missionários consignavam aos índios que iam sendo absorvidos ao sistema colonial duas possibilidades de convivência: ou como escravos, vivendo nas casas e quintais dos senhores, ou em ranchos nas fazendas; ou como livres ou forros, vivendo em aldeias de missão ou em aldeias de repartição, estas últimas também chamadas de aldeias de administração, ou ainda aldeias de serviço d'El Rei, quando eram exclusivas da administração da Coroa. Escravos eram aqueles tomados em guerras justas, resgatados de outras tribos que os tinham supostamente para serem sacrificados e comidos, ou comprados de alguém que legalmente os havia obtido. Índios livres eram aqueles que haviam se sujeitado a viver em aldeamentos organizados e supervisionados por portugueses próximos a povoados coloniais. Como vimos no Capítulo III, os índios livres eram em muito maior número do que os escravos, e ambos faziam parte do estamento dos índios, em oposição ao estamento dos brancos.

O presente estudo quer propor que a condição de liberdade dos índios aldeados será melhor entendida no processo histórico brasileiro sendo analisada ao invés como uma espécie de servidão, que significava uma forma específica de recrutamento do trabalho e um modo próprio, singular de relacionamento social. A liberdade que se presumia existir se limitava ao viver em comunidades, não pertencer a ninguém em particular e portanto não poder ser vendido ou transferido. Era, entretanto, uma liberdade cerceada por obrigações de trabalhar e servir aos brancos nos tempos que estes desejassem. Embora o trabalho fosse pago, tal era a natureza desse pagamento (irrisório em seu valor, em forma de panos de algodão ou algum instrumento de ferro) que melhor seria entendê-lo como um agrado ou recompensa pelo acatamento mais ou menos voluntário dos índios ao sistema colonial, pois fica claro que os índios se submetiam ao trabalho não pelo valor do pagamento mas pelo dever imposto. De fato, como apontou Vieira (1925: 308ff) em 1653, os colonos do Maranhão usavam esta força de trabalho mais à moda medieval de "corvéia", um recrutamento com sentido de compulsoriedade, particularmente para os serviços públicos. Porém, nas aldeias de missão, incluindo as dos jesuítas, o trabalho era regido como se os índios fossem servos. Caio Prado Jr. (1953:341-7) e Celso Furtado (1963:75), com base em dados históricos gerais, e analisando as práticas de trabalho dos jesuítas em outra parte da Amazônia, indicam também que estas práticas eram essencialmente de um tipo servil. Juntando-me a esses autores, queremos com isso dizer que os jesuítas tinham o poder de arregimentar os índios, como melhor entendessem, para trabalhar nas tarefas extrativas, agrícolas, pecuárias e dos engenhos, recebendo em troca os benefícios culturais e políticos oferecidos pela vida na missão. No caso do trabalho de extração de produtos da floresta (cacau, salsaparilha, copaíba e outra especiarias), realizados exclusivamente para a venda, recebiam em troca instrumentos de trabalho e outros bens de pouco valor.

Aldeias de repartição

Desde o início da colonização do Maranhão, a maioria dos índios subjugados, seja por tropas de guerra, seja por persuasão de missionários, com ou sem força militar, que não fossem declarados escravos, eram trazidos para viver em aldeias perto de povoados e fazendas dos colonizadores. Essas aldeias eram chamadas de repartição porque os índios que lá viviam podiam ser repartidos por cotas entre os fazendeiros ou oficiais do governo para trabalhar em tarefas variadas. Os índios eram considerados livres, mas não tinham comando sobre sua vida, e especialmente sobre sua força de trabalho. Os governadores, às vezes as câmaras das vilas, e ainda os jesuítas por breve período, lhes assignavam uma pessoa do sistema colonial, quase sempre um português, um mazombo (português nascido no Brasil), ou um mameluco para ser responsável pela aldeia. Se leigo, ganhava o título de capitão; se religioso, o cognome de "pai dos cristãos". Este era um cargo colonial bastante visado por religiosos e colonos. Pela lei de 1652, o preenchimento desse cargo passou a ser exclusivo de religiosos, embora nomeado pelo governador ou capitão-mor, na sua condição de presidente da Câmara. Entretanto, depois de 1663, predominou a administração de leigos. As aldeias livres de repartição tinham terras para fins de agricultura de subsistência, mas seus moradores tinham pouco tempo para si mesmos para que pudessem desenvolver essas atividades em grau satisfatório que fosse além do consumo familiar.

Sendo livre, a mão-de-obra indígena devia ser paga por meio de um salário cujo valor era estipulado às vezes pela Coroa, como o fizeram as leis de 1596, 1624, 1625, 1647 e 1649, ou, mais adequadamente, pela administração colonial através das câmaras das vilas. A partir da lei de 1596 os índios deviam trabalhar somente dois meses de uma vez e folgar por igual período. Antes, eles podiam ser submetidos a trabalhar até sete meses de uma vez só, o que prejudicava enormemente o funcionamento da aldeia. Todavia, a determinação de dois meses de trabalho raramente foi seguida no Maranhão. Em 1637, o Padre Luiz Figueira observou que os índios trabalhavam até sete, oito meses, ganhando pelo tempo não mais que quatro "varas" de pano (uma vara = 2,2 m), às vezes nem isso (Figueira 1637 apud Leite 1940: 209-10). As irregularidades continuaram até 1655, quando um novo regimento real reforçou a norma de dois meses de cada vez, tendo dois meses de descanso para cada um cuidar de suas roças (Kiemen 1973: 96ff). Em alguns casos, como remeiros em tropas de guerra ou em expedições de coleta de especiarias da floresta, o prazo podia ser dilatado o quanto fosse necessário. Entretanto, sem a vigilância contínua de um Vieira, o sistema de recrutamento, mesmo para as tarefas agrícolas, como nos engenhos de cana, prosseguiu com prazos mais dilatados. Analisando e sugerindo mudanças no sistema de repartição em 1682, o ex-procurador e vereador mais antigo e conceituado da época, cognominado "Pai da Pátria", Manuel Guedes Aranha (1883: 41-2), dizia que era impossível se seguir o prazo de dois meses, até porque para se devolver um índio da fazenda para a aldeia e pegar outro se gastava quase igual tempo, e que o prazo mínimo de quatro meses nos engenhos era necessário para o bom desempenho desse trabalhador livre, e que isto era comum. Desde a metade do século XVII, o salário básico estipulado era de duas varas de pano grosso, por período de dois meses, valor que permaneceu estável por um século até as mudanças realizadas por Pombal. Às vezes se acrescentava uma ferramenta, machado ou facão, pela dilatação do prazo do serviço, certamente como forma de agrado e demonstração de boa disposição do patrão.

A distribuição ou repartição da mão-de-obra indígena dessas aldeias foi motivo de disputa ferrenha durante todo esse período por parte dos colonos, oficiais da Coroa e missionários. Embora, por determinação régia, apenas um terço dos índios de uma aldeia de repartição pudesse ser recrutado a cada vez, essa regra era burlada com muita freqüência. Ademais, ocorria que os beneficiários tinham por costume reter trabalhadores por tempos mais longos até que alguém reclamasse ou o trabalhador índio resolvesse fugir e voltar à sua aldeia.

Não obstante o Maranhão ter sido conquistado no período em que Portugal pertencia à Espanha (1580-1640), o sistema de encomienda, usado nos primeiros anos da colonização espanhola no Caribe e no México, e em algumas regiões mais isoladas como Venezuela e Paraguai, por muito mais tempo, não chegou a ser implantado no território brasileiro. Bento Maciel Parente, quando era capitão-mor, pediu que esse sistema fosse estendido para o Maranhão, até para premiar os conquistadores (Maciel Parente 1637 apud Anais 1904: 358). Ele próprio é acusado pelo frei Cristóvão de Lisboa (1626 apud Anais 1904: 395) de ter uma aldeia só para seu uso. Ele próprio, quando governador do Maranhão, fez concessão de uma aldeia com 300 casais de índios a Pedro Teixeira como prêmio pela ousada viagem que este havia recém realizado subindo e descendo o rio Amazonas, entre 1637 e 1639 (apud Varnhagen 1962, Tomo IV; 153, nota de rodapé 18). Certamente que outras aldeias de repartição chegaram a funcionar como uma encomienda de alguém, porém as pressões dos missionários contra os maus tratos de um tal senhor e a disputa por parte de outros colonos pela mão-de-obra lá abrigada não permitiriam que o sistema de encomienda se particularizasse como na América espanhola. Na verdade, o sistema aqui implantado deriva do sistema de repartimiento, usado no povoamento espanhol após a expulsão dos árabes, que por sua vez deriva de uma instituição feudal1.

A legitimidade da corvéia, ou recrutamento compulsório, de índios moradores de aldeias missionárias ou de repartição permaneceu válida por muitos anos na mentalidade colonial. As aldeias jesuíticas, ao passarem para o jugo leigo após sua expulsão em 1759, também foram coagidas à corvéia. Em 1808, os descendentes dos índios Tupinambá (Tobajara) e Cahycahy que viviam na extinta missão de São Miguel, ao sul da ilha de São Luís, continuavam a ser recrutados anualmente para serviço de interesse público. Os índios das missões jesuíticas e franciscanas na ilha de São Luís foram usados para esses trabalhos ao longo de todo o período colonial e ainda durante as primeiras décadas da independência. Pela forma coatora em que se realizava a corvéia, defensores do sistema de escravização indígena chegaram a considerar que os índios escravizados eram melhor tratados que os livres, porque eram vistos como "algo próximo ao senhor" (apud Kiemen 1973: 70).

Os índios que viviam nas missões dos carmelitas, franciscanos e jesuítas podiam também ser colocados à disposição para trabalhar para os colonos e para as câmaras das vilas. Exceções a esse entendimento, que ficou estabelecido pelo Regimento das Missões de 1686, foram feitas apenas para determinadas aldeias indígenas, por requisição dos missionários e com a expressa anuência da Coroa. Ainda assim, quando faltavam braços os colonos reclamavam contra essa exclusividade. Vale dizer também que os missionários que recebiam salários da Coroa em forma de côngruas (que em 1652 era de 30$000 réis por missionário; e em 1684 chegava a 950$000 réis por um plantel de 30 missionários (Moraes 1860: 241-3) e recursos para suas missões eram obrigados a pagar salários aos índios, tanto os domésticos quanto os que trabalhavam no eito, exceto quando estivessem morando nas próprias missões.

A escravidão e a servidão coexistiram lado a lado durante todo o período colonial. Porém, a servidão raramente foi reconhecida claramente como uma forma de arregimentar força de trabalho. Vieira, que foi acima citado ao falar de corvéia e comparar o sistema colonial ao feudal, na maioria das vezes considerava os índios das missões e das aldeias de repartição como livres. Aranha (op. cit.: 12, 28) também usa a palavra "servo", sem distinguir entre escravo e forro, além de considerar que os índios haviam nascido para servir aos portugueses. Na famosa provisão real de 9 de março de 1718, a Coroa considera que os índios autônomos são livres, e dá a entender que o sistema de aldeamento compulsório reduz os índios a uma quase escravidão: "Estes homens são livres e isentos da minha jurisdição, que os não pode obrigar a sahirem de suas terras para tomarem um modo de vida de que elles se não agradam, o que se não é rigoroso captiveiro, em certo modo o parece, pelo que offende a liberdade" (apud Lisboa 1865, Tomo III: 137). Parece que a consciência de que os índios aldeados eram como se servos fossem aumentou nas décadas seguintes, pois vemos, em 1743, numa petição que faz ao rei o procurador dos colonos Paulo da Silva Nunes, citando os "indios já domesticos, e seus vassalos, seja forros, ou escravos, mamalucos, caffuzes, pretos, ou outros quaesquer servos".

A noção de servidão surge no texto acima como a forma mais genérica de controle social, sendo a escravidão uma variação. Tomando essa indicação como hipótese, aqui considero que o trabalho livre era na verdade trabalho servil e as relações que então se estabeleceram foram de ordem de amo para servo, um tanto diferente da de senhor para escravo, e certamente longe da relação característica do trabalho livre entre patrão e empregado.

A servidão constitui um sistema de organização do trabalho em que os homens se sentem no dever de trabalhar para os seus senhores em virtude de sanções religiosas e ideológicas. O trabalho se dá pela oferta gratuita, ou apenas recompensada, da mão-de-obra, através de um recrutamento, a corvéia, ou pela doação estipulada de parte de sua renda, em forma de bens produzidos na terra do senhor. Em contrapartida, os senhores devem prover aos seus súditos proteção e segurança militar, meios de subsistência e o sentido de pertencimento ao sistema cultural maior. Essa relação é sancionada por direitos consuetudinários e fundamentada em princípios religiosos. Esse sistema de organização do trabalho contrasta, formalmente, com o trabalho livre, regulado por via de contrato e pago com alguma forma de salário. Contrasta, igualmente, com a escravidão.

A escravidão de índios foi abolida diversas vezes, mas quase sempre com ressalvas que permitiam novas possibilidades de escravização, ou que aceitavam como escravo quem já o fosse. Apenas na lei de 1609, que chegou ao Brasil em 1610, e foi revogada pela lei seguinte de 1611, é que se proíbe qualquer tipo de escravidão. Assim, a escravidão colonial só foi totalmente abolida em 1757, com a promulgação das leis que constituem o chamado Diretório de Pombal (Gomes 1991: Cap. II). Porém, mesmo na valência do Diretório, havia subterfúgios para contornar a proibição de escravidão, que era de fazer "doações" de índios capturados em guerras defensivas ou ofensivas para serem criados e educados para o trabalho. A partir de 1804, o regente Dom João, depois Dom João VI, reinstituiu formalmente a escravidão indígena para quem quisesse dar combate e destruir os povos indígenas dos vales do rios Mucuri e Doce e os índios Coroado de São Paulo. Essa legislação foi estendida para outras províncias, inclusive os índios do Piauí e leste maranhense, e permaneceu com validade até 1831 quando a Regência aboliu definitivamente a escravidão indígena no país.

Já a servidão funcionou camuflada durante todo esse tempo e com isso teve vida mais longa e contínua. Sua funcionalidade se estendeu para além dos limites dessas instituições. Desse sistema, que rejeitava a escravidão, mas também não reconhecia a noção de trabalho livre, surgiu um novo tipo de relacionamento desde o período pombalino, o qual vem se mantendo em várias áreas da vida social brasileira até os dias presentes. É o que trataremos nos próximos capítulos chamando-o de relação patrão-cliente, patronagem, ou clientelismo social. Pode-se dizer que este vem sendo o modo mais generalizado de se tratar índios aldeados desde então.

A Companhia de Jesus

A Companhia de Jesus foi, sem dúvida, a mais importante das ordens missionárias que se fizeram presente no Estado do Maranhão e Grão Pará. Foi ela a responsável pela missionização dos Tenetehara, desde suas primeiras investidas em 1653 até o final de sua presença em 1759. Lá também estavam, complementando e rivalizando-se com os jesuítas, a ordem das Mercês, os carmelitas calçados, os capuchinhos de Santo Antônio da Conceição e os capuchos da Piedade, com igrejas em São Luís e Belém. Ao longo de 140 anos de convivência freqüentemente conflituosa, os jesuítas e demais ordens foram se firmando no cenário colonial por força tanto da sua função religiosa, como representantes da Igreja, quanto através do comando político-econômico de um grande número de aldeias indígenas, ou, no dizer da época, tanto como poder espiritual quanto como poder temporal. Por um cálculo oficial, que intencionava fazer cobrança de dízimo, na década de 1740, essas ordens administravam 51 aldeias indígenas, além de possuírem 56 fazendas de gado e cana-de-açúcar. Das aldeias, os jesuítas controlavam 25, os mercedários 3, os carmelitas 10, os capuchos da Piedade 8 e os da Conceição 5. Os dízimos calculados seriam respectivamente, 14:660$000 (quatorze contos e seiscentos e sessenta mil réis), 2:198$000, 3:246$000, 1:503$000, e 500$0002. Pelos cálculos dos jesuítas, eram 28 as suas aldeias, que somavam 21.031 índios. Ao final de seu tempo, por volta de 1756, eles administravam não menos que 54 aldeias no Maranhão e Grão Pará e provavelmente cerca de 35.000 índios (Kiemen 1973: 102, 179-80).

Tal patrimônio, de bens e homens, foi obtido em razão da capacidade de organização, disciplina, determinação e trabalho de quem via no que fazia a única via de salvação pessoal, bem como o remédio para a salvação dos demais homens. Os jesuítas em particular, cuja ordem foi fundada em 1539 por Inácio de Loyola, se comportavam como soldados prontos para defender a ortodoxia católica contra hereges e protestantes, e viviam determinados a espalhar a fé cristã pelos gentios afora. Chegados ao Brasil com o primeiro governador geral, em 1549, logo se firmaram como uma ordem que se dispunha a todo e qualquer sacrifício para doutrinar e converter os índios do Brasil. Mostraram-se igualmente leais à Coroa portuguesa em tudo que foi necessário para consolidar o predomínio português no Brasil, ajudando a livrá-lo de franceses - fossem eles católicos ou huguenotes - no Rio de Janeiro e Maranhão, holandeses no Maranhão e Ceará, ingleses e até irlandeses católicos no rio Amazonas. Nesse mister, entretanto, foram consolidando a reputação de defensores dos índios contra a cobiça dos colonizadores, que os queriam escravizar. Com isso, freqüentemente eram repudiados pela sociedade branca colonial e mal falados pelas demais ordens. Por duas vezes foram agressivamente expulsos do Maranhão (1661 e 1684), além de terem sido convidados a se retirar em 1621, no início da colonização, e terem sido processados por procuradores dos colonos em 1655, 1662, e nas décadas de 1720 e 1740. Foram também expulsos de São Paulo em duas ocasiões, bem como retirados da Paraíba e do Rio de Janeiro.

Dentre os jesuítas que estiveram no Brasil sobressai como figura ímpar o Padre Antônio Vieira (1608-1697). Além de homem visionário, pregador poderoso, carismático e arrebatador, consultor de reis e rainhas na Europa, amigo de judeus, tendo por tantos motivos sido processado pela Inquisição portuguesa, Vieira também foi missionário no auge de sua vida produtiva, entre 1653 e 1661, no Maranhão e Grão Pará. Aqui ele veio para implantar definitivamente a Companhia de Jesus e com o intuito de desfazer a desordem e as injustiças que prevaleciam nas relações entre colonos e índios, trazendo consigo sua já consolidada fama de pregador, amigo do rei Dom João IV, e homem inflexível. Desde 1626, por um acordo interno firmado em junta, da qual participaram uns poucos dos conquistadores que haviam expulso os franceses, o governador-geral Francisco Coelho de Carvalho, o jesuíta Luiz Figueira e o franciscano Cristóvão de Lisboa, ficou estabelecido, à revelia de outros atos da Coroa, que os colonos teriam o direito de escravizar índios por resgates ou guerras ofensivas, entendendo-se que o valor do índio escravo fosse igual ou maior que o valor de dez machados (Aranha 1883: 18-19). A Coroa não se inteirara disso formalmente, o que, do seu ponto de vista, constituía uma excrescência política se não uma verdadeira deslealdade. Daí porque dizia-se, e Vieira repetia, que a anarquia imperava no Maranhão. Vieira chegou em janeiro de 1653, pouco depois do novo capitão-mor Baltasar de Sousa Pereira, com leis e cartas régias para pôr em liberdade quem tivesse sido aprisionado injusta e irregularmente, para criar um sistema de entradas para trazer índios, como homens livres, para as aldeias de missão e para as de repartição, e enfim, para ajudar a impor ordem e justiça no sistema de trabalho colonial e nas relações entre colonos e índios.

Com destemor e ousadia, Vieira tentou implantar essas medidas e propósitos, e não se pode dizer que tenha sido de todo mal sucedido. Entretanto, seis anos depois de ter brevemente voltado ao Reino e retornado ao Maranhão (1654-55), terminou sendo expulso, junto com seus confrades, em 1661, não mais voltando à vida missionária. Deixou, contudo, marca indelével na história do Maranhão, como propugnador da liberdade dos índios (embora sendo a favor da escravização de africanos), crítico do sistema colonial e de muitos de seus costumes tais como existiam, e como moralista empedernido (Azevedo 1931).

Os jesuítas não constituíam uma ordem contra o sistema colonial como tal. Suas desavenças com os colonizadores se dariam em função de visões diferentes acerca dos índios e do uso de sua mão-de-obra. Estes os consideravam seres inferiores, nascidos para servir aos portugueses, e os queriam sempre ao seu lado, sob seu mando permanente e indiscutível, como escravos ou servos, para melhor dispor de sua força de trabalho. Acreditavam outrossim que somente pelo trabalho e convívio com os portugueses, os índios abandonariam seus costumes nefastos e subumanos e se tornariam como portugueses, cristãos e civilizados. Já os jesuítas achavam que os índios, embora inferiores, tinham alma e podiam ser convertidos ao cristianismo. Seu jeito infantil de ser poderia favorecer sua transformação numa cristandade mais pura3. Fosse pela escravidão eles se degenerariam cada vez mais, tornando-se perniciosos e devassos. Degenerariam-se também os próprios portugueses. Além disso parecia aos jesuítas muito desumano o modo como eram tratados mesmo os índios livres: longas e rígidas jornadas de trabalho nos tabacais e canaviais, açoitamentos, quebra da estrutura familiar. Assim, preferiam que os índios fossem juntados em aldeias, doutrinados na fé cristã e disciplinados por novos métodos de trabalho, enfim, "reduzidos" (o que significava então "conduzidos a") à cristandade e ao reino português4. As aldeias ou missões deveriam ser auto-suficientes, autônomas, sem portugueses no seu meio, mas comandadas pelos missionários coadjuvados por líderes indígenas. Viver uma vida regrada e religiosa, aos moldes de um cristianismo quase medieval, era o objetivo social dessas aldeias. Sua produção econômica era realizada em tarefas repartidas entre indivíduos com especialidade, grupos de homens e mulheres, e por famílias, e era dirigida para o bem de toda a comunidade, sendo seu excedente vendido para se obter mais bens para a missão. Algumas aldeias de missão deveriam ser de uso exclusivo das ordens, tanto os seus bens quanto a mão-de-obra, para sustentar as igrejas e as atividades dos missionários. Porém, a maioria delas estava à disposição dos colonizadores, que podiam recrutar um determinado número de índios (no máximo um terço da aldeia) por períodos de dois meses, com pagamento depositado de antemão nos cofres da missão. Este sistema de trabalho, realizado nas missões para as ordens missionárias, e recrutado das aldeias de repartição para as fazendas e para o serviço dos colonizadores, é o que aqui chamamos de trabalho servil, em oposição ao trabalho escravo.

A maioria dos portugueses, os administradores reais, os colonizadores, exportadores e os homens brancos sem cabedal respeitavam os jesuítas, freqüentavam suas missas, ouviam seus sermões, confiavam seus filhos às suas escolas. Entretanto, quando se viam em dificuldades com sua mão-de-obra, muitos protestavam com a fúria dos injustiçados que os padres da Companhia não somente queriam abolir a escravidão dos índios, mesmo daqueles obtidos em resgates e guerras justas, sancionadas nos artigos da esmagadora maioria das leis e cartas régias, mas também faziam de tudo para impedir o recrutamento dessa mão-de-obra servil não somente de suas aldeias como também das aldeias de repartição. O desígnio mais ambicioso dos jesuítas, não se pode deixar de concluir, era controlar todos os índios. Todavia, jamais tiveram número suficiente para tentar esse propósito, e só por um pequeno espaço de tempo (entre a lei de 1655 e a expulsão em 1661) é que chegaram a vislumbrar a realização de sua visão de hegemonia do controle dos índios. A acusação de querer controlar os índios iria prevalecer em todas as discórdias entre colonos e jesuítas, bem como nas diversas reclamações feitas diretamente na metrópole.

Métodos de missionização

Os jesuítas, como as demais ordens religiosas, usavam de dois métodos para reunir índios em aldeamentos. O primeiro se realizava como um empreendimento de risco no qual missionários e representantes da Coroa se associavam para entrar pelos sertões e convencer tribos indígenas a aceitar a presença de missionários para serem catequizados e se tornarem disponíveis ao recrutamento para o trabalho nas aldeias de repartição. Esse método combinava a persuasão, que operava através da distribuição de presentes e da promessa de que não seriam molestados por bandeiras escravistas e a coerção das armas. Quer dizer, junto com as técnicas e a boa vontade da persuasão era, às vezes, imprescindível aplicar uma lição de força para que os índios se submetessem; ou, por outra, eles já teriam experimentado semelhante violência pelas mãos de entradas ou bandeiras anteriores. Chamamos esse método de persuasão forçada, que parece ter sido utilizado mais especificamente em grupos indígenas que não falavam a língua geral e que desconfiavam com mais temor do estilo de vida dos luso-brasileiros que os aguardava.

Assim se deu com os índios Uruatis, Barbados, Guanarés e Tremembés do leste e nordeste do Maranhão. Essas tribos se destacaram no discurso colonial como sendo belicosas e intratáveis. Eram considerados povos nomádicos, perambulantes quais ciganos, no dizer de diversos cronistas da época, o que quer dizer, na interpretação antropológica atual, que tinham um estilo de vida aldeada diferente do estilo tupi. Na verdade, constituíam aldeias razoavelmente estáveis, de onde, durante a estação seca, se dividiam em grupos que debandavam em pequenas unidades para caçar e melhor aproveitar os recursos naturais do seu território. Este é, de fato, o estilo de vida dos povos jê da área de matas de transição e cerrados daquela região e do planalto central do Brasil (Nimuendaju 1946; Maybury-Lewis 1974; Vidal 1978 e outros). Esta característica cultural tornou mais difícil, por via da persuasão pacífica, o subjugo desses grupos e sua redução à disponibilidade ao trabalho recrutado.

O segundo método, que chamaremos de acatamento voluntário, era menos traumático e talvez com resultados menos perniciosos. Uma tribo indígena era, de início, contatada por um emissário dos jesuítas, geralmente um índio da tribo ou que falava uma língua parecida, e que já vivia no meio colonial. O emissário falava a respeito dos jesuítas e de seu desejo de fazer missão entre eles, o que significaria receber bens antes inalcansáveis e ter segurança contra ataques de outros portugueses. Tendo uma resposta positiva, em seguida vinha um jesuíta como uma comitiva de índios de missão e uma carga de presentes para cumprir as promessas feitas (Vieira 1925: 395). Em alguns casos, a própria tribo indígena enviava por sua conta um emissário para conversar e negociar seu relacionamento com os jesuítas. Finalmente, escolhia-se um local para a missão e tratava-se de persuadir a tribo a mudar-se para tal local, em geral, de fácil acesso a uma vila ou povoado português, mas não tão próximo que favorecesse o contato permanente com os colonos.

Foi desta forma que um povo indígena (não especificado) que vivia a oeste do baixo Pindaré, foi trazido para ser aldeado em Tapuitapera (Marques 1970: 66). Foi assim que se deu o estabelecimento da missão jesuítica entre os Tenetehara. Esse método ficou valendo até o fim da permanência dos jesuítas, pois, em 1755, os Amanajós, de língua tupi, da região do alto Pindaré e alto Gurupi, foram persuadidos a descer para um local próximo a São Luís (Leite 1943: 195; Fay ([1753-55] apud Boglár 1955). Há inúmeros outros exemplos para o Pará e a Amazônia em geral, bem como para o resto do país.

Uma variante do acatamento voluntário era aplicado em associação com a administração colonial. Nesse caso, os jesuítas agiam como embaixadores e os retornos desses empreendimentos eram bastante rendosos. Na década de 1650, em três entradas que foram acompanhadas por jesuítas (inclusive a que estava o próprio Vieira), mais de 3.000 índios livres foram convencidos a deixar suas aldeias e descer para viver em aldeias de repartição perto de Belém, onde deveriam ser catequizados e postos à disposição como índios forros. Ao mesmo tempo, trouxeram 1.800 índios não tupi para serem vendidos como escravos para donos de engenho (Kiemen 1973:114). Ao menos 2.000 dos índios persuadidos eram Tupinambá do rio Tocantins (Vieira 1925: 554-555).

A missionização dos Tenetehara

Para os Tenetehara, o tempo da servidão se inicia com a chegada dos jesuítas ao alto Pindaré e a decisão de fazer missão entre eles. Daí por diante vai diminuir o perigo de serem atacados por expedições de guerra e eles passam a conviver com a sociedade luso- brasileira pela mediação jesuítica. O ano de 1653 é o marco inicial dessa fase de relações interétnicas porque foi quando os Tenetehara foram contatados pela primeira vez pelo jesuíta Francisco Veloso, que subiu o rio Pindaré a mando do Padre Antônio Vieira.

Foi através do método de acatamento voluntário que os jesuítas estabeleceram sua missão entre os Tenetehara. Entretanto, tal não se deu de uma feita só, mas por um processo bastante demorado que durou de 1653, data do primeiro contato jesuíta com uma aldeia tenetehara, até praticamente 1683, quando a missão seria estabelecida definitivamente num sítio à beira do lago Maracu. Os Tenetehara já eram conhecidos dos portugueses do Maranhão devido às duas expedições escravistas anteriores. Em algum tempo anterior, uma aldeia de repartição havia sido formada com índios Tenetehara descidos forçosamente para um sítio chamado Itaquy, localizado no Boqueirão, distante de São Luís uns oito dias de viagem de canoa. Em 1653, era uma aldeia pequena, com cerca de 70 índios, porque os Tenetehara freqüentemente fugiam para seu território original no alto Pindaré. Porém, ao que parece, não eram tão molestados pelos portugueses, pois a distância não compensava aos fazendeiros portugueses ou ao governador recrutar mão-de-obra. Por outro lado, é de supor que havia então um certo número de Tenetehara vivendo em fazendas como escravos, embora os jesuítas não falem sobre isso.

A iniciativa da missionização partiu do Padre Antônio Vieira, logo que ele chegou a São Luís e soube "que no rio Pindaré habitava uma grande nação de índios, divididos em seis aldeias, todos da língua geral e da mais polida do Brasil", segundo o relato de Moraes (1860: 400). Vieira "parece não cabia dentro de si de contentamento" com a possibilidade de iniciar seu trabalho em "huma tão dilatada seara", especialmente depois que chegara um índio "embaixador" enviado pelos principais do alto Pindaré pedindo a vinda de missionários jesuítas. Logo determinou aos padres Francisco Veloso e José Soares que fossem aos Tenetehara do Itaquy e tentassem de lá mandar mensageiros para persuadir os que viviam no alto Pindaré, numa região chamada Capiytuba, ou ainda Capitiba, a descerem para serem missionizados. Ao chegar a Itaquy, os jesuítas se espantaram de não ver índios na aldeia, pois todos haviam fugido e se escondido nos matos por medo do "abaré", como escreveu Vieira5. Retornando aos poucos, os Tenetehara contaram aos missionários que seu grande medo era de serem recrutados pelos portugueses para trabalhar como escravos. Em seguida, após a distribuição dos presentes de ferramentas e alguns avelórios, os jesuítas passaram a pregar a doutrina, com a promessa de que aqueles que estivessem sob sua guarda não seriam perseguidos pelos portugueses. Ao mesmo tempo, enviaram um grupo de Tenetehara ao alto Pindaré para convencer aos que lá estavam a descer. Passado algum tempo, sem retorno dos mensageiros, e com falta de farinha na aldeia, o Padre Veloso despachou emissário com um apelo ao capitão-mor do Maranhão para providenciar mantimento, ao que este respondeu que eles que viessem morar perto de São Luís. Os missionários não vêm outra saída senão descer para a ilha de São Luís esses 70 Tenetehara, menos alguns que se desligaram do grupo e voltaram para o alto Pindaré. Assim, desse modo circunstancial, ao que parece, porém de conseqüência negativa, ocorreu a primeira experiência missionária com os Tenetehara. Ao serem levados para São Luís, naturalmente foram alojados numa das aldeias d'El Rei, de onde podiam ser recrutados ao trabalho com facilidade.

A chegada dos Tenetehara à ilha provocou um episódio curioso, pois o Padre Vieira se entusiasmou com um garoto de seis ou sete anos que aprendera todo o catecismo ensinado pelo Padre Veloso, e passou exibi-lo na igreja como prova da fé e da capacidade de cristianização dos Tenetehara. Contudo, sem mais índios para iniciar uma missão, Vieira se decepcionou e deixou de lado os Tenetehara, partindo para Belém.

Algum tempo depois, o Padre Manoel Nunes, que ficara como sub-prior do Colégio Nossa Senhora da Luz, decidiu retomar a missão dos Tenetehara. Não obtendo ajuda do governador nem da Câmara, mas se fiando no potencial dos resultados de um aldeamento tenetehara, o Padre Nunes e seus colegas determinaram que valeria a pena tentar a missão por conta própria. Entrou em acordo com as autoridades no sentido de garantir para o Colégio o "serviço privativo" da aldeia que estabelecessem com os Tenetehara, já que o direito a uma aldeia indígena só podia sido concedido por El Rei (Moraes 1680: 407; Bettendorf 1990: 80-81). Assim, o próprio Padre Manoel Nunes se dispôs a subir o rio Pindaré acompanhado de algumas famílias de Tenetehara, inclusive os "neófitos do Padre Veloso", numa jornada que levou 35 dias de canoa até o lugar Capiytuba. A distância deste lugar até São Luís calculada na época era de 60 léguas (aproximadamente 396 quilômetros), o que, se descontarmos a sinuosidade do rio, estaria pela altura da embocadura do igarapé Buriticupu. Afinal estava feito o primeiro contato entre jesuítas e índios bem no coração do território tenetehara.

É possível estimar que o território tenetehara original abrangia uma larga faixa de terra ao longo de boa parte do rio Pindaré, desde uma certa altura do igarapé Buriticupu, ao sul, até um tanto abaixo da desembocadura do rio Zutiua, ao norte, na altura do que é hoje a cidade de Pindaré-mirim. Em largueza o território se estenderia, a oeste, até a Serra do Tiracambu, e, a leste, ao longo do rio Zutiua. Ao sul e a leste desse território, incluindo o cerrado e a mata de transição do rio Grajaú, estavam os povos jê, especialmente os Krikati, Gaviões e diversos outros. A sudoeste, nas franjas da floresta amazônica, se localizavam os Amanajós, ou talvez estes teriam chegado aí algum tempo depois, vindos do Pará, pois só seriam mencionados pelos jesuítas em meados do século XVIII. A fronteira norte, abaixo da confluência do Zutiua com o Pindaré, pela altura da atual cidade de Pindaré-mirim, o que aqui chamamos de baixo Pindaré, e incluindo a área para leste, até o baixo rio Mearim, e para oeste, até o rio Turiaçu, parece ter sido uma região que, após a derrocada dos Tupinambá, passou a ser invadida e disputada por diversos povos não tupi, entre eles os Krejé e os Gamela, talvez da família jê-timbira.

Por meio de um discurso de persuasão, distribuindo presentes e prometendo que os Tenetehara não seriam recrutados pelos portugueses, e que só metade deles trabalhariam alternadamente para a missão, o Padre Nunes convenceu uma certa quantidade de Tenetehara a descer até o sítio de Itaquy, sede da abandonada aldeia de repartição, onde constituíram aldeamento. Lá ficaram por algum tempo, porém atrapalhados pelas confusões que levaram à expulsão dos jesuítas, em 1661, cujo retorno em 1663 se deu destituído do poder temporal sobre as aldeias. Assim, os jesuítas não conseguiram manter a promessa de preservar os Tenetehara do serviço nas plantações. Tanto que, num certo momento, o governador Ruy Vaz de Siqueira "mandou lá fazer tabaco, por serem terras boas para tabacaes, mas ficaram tão escandalizados os índios daquillo que muitos delles se tornaram para os mattos por não quererem por nenhum modo servir aos brancos" (Bettendorf 1990: 81).

Além da ameaça de trabalho forçado, os Tenetehara não se sentiam seguros em Itaquy por medo de ataques de outras tribos indígenas, visto que estavam longe de suas aldeias e de seu território. Assim, o aldeamento foi transferido para um sítio chamado Cajuipé, uma jornada mais abaixo. Segundo Bettendorf (1990:81), o cacique se chamava Pero, o primeiro Tenetehara a ser nomeado na historiografia jesuítica. Aí, por volta de 1667, o Padre Bettendorf mandou construir boa igreja e vivenda para o padres, e nomeou como missionário o Padre João Maria Gorçoni e seu coadjutor o irmão Manoel Rodrigues. Com poucos neófitos na missão, o Padre Gorçoni mandou emissário ao Capiytuba para buscar mais índios, porém eles recusaram o convite com medo de serem recrutados pelos portugueses. Então, o Padre Gorçoni e o irmão Rodrigues subiram o rio até aonde lhes foi possível a passagem de canoas, interrompida pela densa quantidade de mururu, uma planta aquática comum no alto Pindaré. Aportaram as canoas e saíram em direção ao Capiytuba, que alcançaram com oito dias de viagem, dois índios carregando um pequeno altar. Nas aldeias do Capiytuba, foram bem recebidos pelos Tenetehara, que se dispuseram a descer para uma missão que não estivesse próxima dos portugueses. Embora afiançados de que não seriam jamais obrigados a servir aos brancos, muitos ficaram para trás, e só no decorrer dos anos é que novas levas de Tenetehara iriam se juntar à missão no Cajuipé. Como desconfiavam os Tenetehara, em 1673, a missão foi atacada e sitiada por índios desconhecidos, provavelmente Krejé ou Gamela da região. Tiveram que apelar para ajuda militar oficial de São Luís para defendê-la. Alguns anos mais tarde, um grupo de Tenetehara foi atacado no baixo Pindaré, quando subia de canoa vindo de São Luís, onde trabalhava na construção da igreja de Nossa Senhora da Luz. Nove deles foram mortos (Bettendorf 1990: 568).

Em 1683, havia duzentos e tantos Tenetehara na missão do Cajuipé, quando o Padre Pedro Pedroso resolveu transferi-la uma vez mais, desta feita para um sítio na beira do lago Maracu, "o mais delicioso que tem o Estado", nas palavras de José de Moraes (Moraes 1860: 414). Os jesuítas aproveitavam o bom momento da nova legislação a seu favor, a qual, entretanto, foi de tal forma desafiada que resultou na dura Rebelião de Bequimão. Situado nas franjas da floresta amazônica, numa região lacustre, aí havia terras boas para a plantação de cana-de-açúcar e belas campinas para criar gado. Além do que, ficava próximo de São Luís, alcançável por barco a vela. Porém, antes que a missão do Maracu se consolidasse de todo, os jesuítas foram impelidos ou forçados pelos termos do Regimento das Missões de 1686 a transferi-la, desta vez para o rio Monim, próximo de engenhos e povoados portugueses. Lá é que se desenvolvia a economia maranhense e os colonos queriam mão-de-obra confiável e acessível para suas lavouras. Ademais, é possível que os jesuítas também quisessem criar uma base a partir da qual pudessem ampliar suas missões para o rio Itapecuru, e até então a missão no Pindaré não dera resultados apreciáveis. Contudo, a grande maioria dos Tenetehara se recusou a ir, inclusive o cacique Pero, provocando a retirada de muitos deles para o Capiytuba e para um lugar chamado Cayaramá, provavelmente também no alto Pindaré. Aqueles que chegaram a ir passaram tanta necessidade que logo tentaram retornar a Maracu, o que forçou o prior dos jesuítas, João Felipe Bettendorf a providenciar a volta deles. Assim, a missão foi formal e definitivamente retornada a Maracu (Bettendorf 1990: 456, 468-470, 505, 568; Leite 1943: 186, 188; Moraes 1860: 416-7).

A missão Maracu se localizava num alto à beira do lago que recebe águas do rio Pindaré, se conecta com outros lagos e escoa suas águas já quase na baía de São Marcos, sofrendo a influência das marés. Na estação chuvosa esses lagos se esparramam por uma vasta área de terras baixas, como se fosse um pantanal. Na seca, formam-se pastos com um capim nativo conhecido como "perizes". Essa região faz parte da chamada baixada maranhense, que é a área de drenagem do rios Pindaré, Grajaú, Mearim e outros rios menores, tendo no seu limítrofe ocidental a floresta amazônica. Provia, nas palavras de Vieira ''a melhor terra para pastagens do Maranhão" (Kiemen 1973: 113, n.f. 111), própria para a criação de gado, assim como abundantes áreas cobertas de matas que podiam ser derrubadas para as plantações de cana-de-açúcar. Bettendorf (1990: 344) conclui a sua descrição dessa missão como sendo "o sustento e maior renda do collegio do Maranhão, em tão aprazível paragem que parece um paraíso terreal". Os jesuítas capitalizaram tão bem esses recursos, com sua bem reconhecida eficiência administrativa, que, em 1730, Maracu contava com 15.600 cabeças de gado, 500 cavalos e burros e um próspero engenho de cana, o São Bernardo, assim como 440 Tenetehara como ovelhas da Igreja e mão-de-obra disponível.

Ao longo de seus 75 anos de existência, a missão Maracu prosperou mais que todas as outras missões jesuítas do Maranhão, provocando inveja e cobiça nos colonos, especialmente aqueles da região do Itapecuru e Monim, os quais, de tempos em tempos, tentavam fazer com que lhes fosse cedido o direito de recrutar mão-de-obra tenetehara daquela missão. Para isso se valiam de petições que partiam da Câmara de São Luís à Coroa. Essas petições geravam discussões e posicionamentos dos conselheiros da Coroa e resultavam em decisões ora favorecendo ora desfavorecendo as demandas. Não havia passado nem dez anos de estabelecimento da missão de Maracu e a Câmara de São Luís faz petição para administrar aquela aldeia, sendo indeferida pela Coroa (apud Lisboa 1865, Vol. III: 437). Em 1701 os colonos tentam de novo, e parece que esse pedido é acatado, pois, em 1712, uma carta real reitera uma ordem para que os jesuítas permitam aos habitantes da vila de Icatu, no rio Monim, participação no direito de uso da mão-de-obra tenetehara. Como sempre, os jesuítas protestam, e a Coroa se vê com a tarefa de tomar novas decisões a respeito do mesmo assunto. Parece que essa controvérsia se estendeu pelas décadas seguintes, pois em 1718 surge novo pedido, o qual não se sabe como foi respondido. Em 1725, nova carta real proíbe os colonos de tentar recrutar mão-de-obra tenetehara da missão do Maracu, exceto no caso de guerra contra inimigos externos ou contra índios selvagens (Anais 1948: 101, 211-212). Segundo o historiador jesuíta Serafim Leite, novas tentativas de recrutamento dos Tenetehara dessa missão se repetiriam em 1728, 1730 e até 1740 (Leite 1943, Vol. III: 187).

Entrementes, os jesuítas se sentiram obrigados a criar uma nova missão para os Tenetehara do alto Pindaré para que os colonos, que continuavam atentos às atividades dos jesuítas e às suas relações com os Tenetehara, pudessem usufruir de uma mão-de-obra confiável. Assim, pouco antes de 1723, uma nova missão foi estabelecida no alto Pindaré, precisamente no porto onde o Padre Gorçoni tinha deixado suas canoas, antes de entrar para o Capiytuba. (É provável que este lugar esteja próximo de onde é hoje o povoado de Boa Vista.) Porém, como ficava trabalhoso para subir ou descer canoas carregadas na época da seca, a missão foi trazida para mais abaixo, na confluência do rio Caru com o Pindaré.

Em 1730 essa nova missão, chamada São Francisco Xavier do Pindaré, abrigava quase 800 Tenetehara. Naquele mesmo ano, uma carta real endereçada ao governador e capitão general do Maranhão, Alexandre de Souza Freire, concede aos jesuítas permissão para transferir essa nova missão para um local a cinco dias de distância a jusante, com o explícito intuito de ficar mais próxima da aldeia Maracu e de São Luís. A permissão de translado especificava que os jesuítas manteriam o direito de utilizar mão-de-obra tenetehara do modo como o vinham fazendo no seu engenho de cana em Maracu (Anais 1948, vol. 67: 237-238).

Organização das missões

As missões de Maracu e São Francisco Xavier, que a partir de então também seria conhecida como aldeia do Carará ou Acarará, se tornaram a base de riqueza dos jesuítas no Maranhão, embora não fossem as únicas. Na verdade, era Maracu que sustentava os jesuítas, pois São Francisco Xavier estava mais afastada e não teve tempo ou condições sociais e ambientais de florescer. A organização da vida tenetehara nessas missões não foi descrita por nenhum dos cronistas jesuítas do período colonial (Antônio Vieira, João Felipe Bettendorf, Bento da Fonseca, Jacinto de Carvalho e José de Moraes), nem por historiadores, jesuítas ou não, mais recentes (João Lúcio de Azevedo, Serafim Leite e Mathias Kiemen). Os dados de que dispomos são parcos e esparsos, e só podem ser entrevistos no sentimento que aflora dos textos originais. A valência é procurar comparar com os dados existentes na literatura seiscentista e setecentista das missões jesuíticas do Paraguai, cujas descrições originais e análises de antropólogos e historiadores são amplas e detalhadas (Antonio Sepp 1980 [1698], Antonio Ruiz de Montoya (1639), François Lugon (1977), Charles Boxer (1962: 281-4), Elman Service (1974), Regina Gadelha (1984), Magnus Mörner (1953) e Maxime Hubert (1990).

Cotejando algumas dessas missões com a missão do Maracu, podemos afirmar com confiança que a prosperidade de Maracu exigia um tipo de infra-estrutura e disciplina similar à das mais bem sucedidas missões paraguaias e brasileiras descritas. Certamente devia haver um rígido esquema de organização, com horário determinado para o estudo do catecismo, para as orações diárias, para atividades recreativas e para o trabalho. João Felipe Bettendorf (1990: 272), que chegou ao Maranhão em 1663 e aí permaneceu até sua morte em 1699, tendo sido subprior e provincial dos jesuítas no Maranhão e Grão-Pará, e que esteve na aldeia Maracu nos primeiros anos de sua formação, declarou diversas vezes o quanto o Colégio e Igreja de Nossa Senhora da Luz dependiam da mão-de-obra tenetehara (1990: 344, passim). Porém, seu interesse etnográfico é limitadíssimo, como, aliás, já o era o de Vieira, e o seria dos missionários seguintes, como Jacinto de Carvalho e Bento Fonseca. Nem José de Moraes, que escreveu em 1757 um balanço das atividades dos jesuítas, se interessa pela cultura desses índios e aliás por de nenhuns outros. Embora participante ativo na formação da missão Maracu, Bettendorf só se referiu a ela em algumas poucas passagens, quase sempre para considerar os Tenetehara como gente pusilânime, por se embrearem nos matos ao menor sinal de perigo, e por não gostarem de viver perto dos portugueses. Num único momento em que fala de alguma atividade recreativa Bettendorf diz que o Padre Gorçoni havia ensinado aos Tenetehara a tocar a gaita, e que nos dias de festa eles saíam em procissão carregando a imagem da Virgem pela aldeia e cantando "Tupã cy angaturana, Santa Maria Christo Yara", o que significa aproximadamente "Mãe de Deus, padrinho, Santa Maria, Senhor Cristo" (Bettendorf 1990:272).

A economia da missão Maracu, em cujas matas não havia abundância de produtos extrativos de valor comercial na época, funcionava de forma bastante estável com lavouras de cana-de-açúcar, a produção de açúcar e aguardente num engenho próprio e a criação de gado. Para que desse resultados positivos, fazia-se necessário, obviamente, uma organização de trabalho mais disciplinar e eficaz com programações cotidianas de tarefas bem definidas, designadas a cada grupo de trabalhadores. Sobre isso reinava a forma e mentalidade do catolicismo jesuítico da época, que resultava num tipo de organização do trabalho e de cultura bastante comparável àqueles da sercidão européia medieval.

Na missão Maracu certamente não se fazia pagamento em salário, pelo menos para a maioria dos seus habitantes e trabalhadores. Porém, é possível que, para aqueles que se especializavam em algumas tarefas mais valorizadas, como a purgação do mel da cana, recebessem algo mais por seu trabalho. Os pagamentos podiam ser efetuados parceladamente antes e depois do serviço. Talvez o sistema de pagamentos funcionasse à semelhança do sistema usado nas aldeias de repartição. Ali, ao deixarem suas aldeias, o contratante era obrigado a depositar parte do salário numa caixa da aldeia, como forma de garantia de que cumpririam com sua obrigação. Como a circulação de moedas no Maranhão só começou a existir a partir de 1749 (Marques 1970: 337), os pagamentos eram efetuados em ferramentas e cortes de pano grosso. Uma das chaves dessa caixa era mantido com o administrador da aldeia (jesuíta ou leigo, conforme o caso) e a outra pelo chefe nomeado pela aldeia (Kiemen 1973: 96ff). Concluído o trabalho, ao retornar à aldeia, recebiam seus salários.

Apesar de um servo não ter o direito de compartilhar dos lucros dos empreendimentos do seu senhor, neste caso, gado e açúcar, era-lhe permitido possuir parte dos produtos de seu trabalho, especificamente os produtos da agricultura, caça e pesca. Havia serviçais tenetehara designados a prover os jesuítas de carne e peixe sem que recebessem por isso nenhuma recompensa. Desde o Regimento das Missões, ficou consignado a cada jesuíta de missão o direito de manter 20 índios a seu serviço pessoal. Qualquer trabalho realizado para o bem-estar geral da missão, como a construção da residência dos missionários, da Igreja ou da escola, e abertura de estradas de comboio também era realizado sem pagamento (Kiemen 1973:110).

Nas missões, ao contrário do que a historiografia brasileira dá às vezes a entender, os (índios) Tenetehara não viviam isolados do contato com os colonos de outras regiões do Maranhão. Muitos visitavam e trabalhavam em São Luís, quase sempre recrutados pela Companhia de Jesus para serviços de seu interesse, ou levando gado para vender no mercado da cidade (Moraes 1860: 415). Eles sabiam que faziam parte de um sistema mais amplo, ao qual as missões estavam subordinadas. Entretanto, não há indícios de que, em função desse convívio ou pelo fato de terem em mãos a responsabilidade do transporte de bens produzidos na missão para o mercado de São Luís, os Tenetehara tenham em algum momento adquirido preparo para tornarem-se livres e poderem se tornar pequenos empleiteiros ou artesãos ou mascates ou qualquer outra profissão que pudesse elevá-los acima do nível de servos e índios dependentes de uma economia de subsistência. Tais tarefas eram exclusivas de portugueses pobres ou mamelucos inseridos na economia de mercado.

Os jesuítas e outros índios no Maranhão

Os primeiros jesuítas a chegar ao Maranhão foram os padres Manuel Gomes e Diogo Nunes, que vieram na armada de Alexandre de Moura, em 1615. Falante da língua geral ou nheengatu, o Padre Manuel se incumbiu de tentar convencer os Tupinambá a permanecer na ilha de São Luís após a derrocada francesa (Anais 1904: 331). Visitou a nova povoação de Belém e informou que na região havia, além de inumeráveis índios Tapuia, quatorze povos que falavam a língua geral. Entretanto, a presença jesuítica incomodava os colonos na sua fúria de estabelecer fazendas e ter índios como escravos, e por isso eles se sentiram forçados a sair do Maranhão em 1618 (Carvalho 1995: 91-2). Ainda naqueles anos passou pelo Maranhão o jesuíta Domingos Ruiz que, por ter tomado parte na expedição que tomou os fortes holandeses no Xingu, é elogiado por um cronista da época como um experiente missionário (Anais 1904: 333).

Em 1622 chega o Padre Luiz Figueira, um dos jesuítas mais importantes da época, homem de iniciativa e talento, já experimentado em viagens ousadas com índios hostis, como a que fizera pelos sertões do Ceará no começo do século, e intelectual de mérito, tendo chegado a escrever uma gramática da língua geral; ao mesmo tempo, espírito mais contemporizador, tendo aparentemente aceitado os desmandos dos primeiros conquistadores do Maranhão e sendo ele um dos artífices do acordo de 1626, acima referido (Leite 1940: 55). Nos anos seguintes, Luiz Figueira, junto com Bernardo Amodei, vai erigir a primeira igreja jesuíta e a primeira missão na ilha de São Luís, no lugar Anindiba (atual Paço do Lumiar), juntando índios Tupinambá que tinham vindo de Pernambuco com os conquistadores, e outros que haviam aceitado o subjugo português. Na verdade, como havia apenas três jesuítas para todo o Estado na década de 1630, essas aldeias só iriam virar missões propriamente ditas duas décadas depois. Compreendendo a enormidade da tarefa de missionização e vendo as atrocidades cometidas pelos portugueses contra os índios, Figueira escreveu à Companhia em Portugal pedindo missionários para ajudá-lo. Em 1637, ele mesmo vai a Portugal para obter melhores condições de estabelecer a missão do Maranhão. Sua presença em Lisboa ajuda na decisão real, formulada através do alvará de 25 de julho de 1638, o qual, ao mesmo tempo que cria a administração eclesiástica do Maranhão e Grão Pará, concede à Companhia de Jesus as honras de administrar as aldeias indígenas subjugadas. (Os capuchos da Piedade, que administravam algumas aldeias de missão haviam desistido do trabalho missioneiro em 1630.) Voltando em 1649, junto ao novo governador geral, Pedro de Albuquerque, Figueira traz consigo quatorze missionários jesuítas, indo diretamente para Belém porque São Luís estava sob o controle dos holandeses. Entretanto, os navios, que transportavam 173 pessoas, encalharam nos baixios defronte à ilha do Marajó, e a tripulação teve grandes dificuldades para tomar canoas. O governador, três jesuítas e mais umas quarenta pessoas conseguiram sair em um batel e chegar a salvo a Belém. As demais 126 pessoas ou morrem afogadas, ou, como no caso de Figueira e uns nove jesuítas, que conseguiram aportar na ilha de Marajó, irão padecer nas mãos dos índios Aruãs. A Companhia de Jesus sente essa tragédia, que retarda ainda mais seu estabelecimento no Maranhão.

Outro evento trágico para a Companhia ocorre nesse mesmo ano de 1649, quando dois padres e um irmão, dos poucos que haviam restado no Maranhão, resolvem pacificar e missionizar os índios Uruatis, localizados no baixo Itapecuru, que há muito viviam atazanando os três engenhos e algumas fazendas que por lá haviam sido levantados. Foi numa dessas fazendas, concedida à Companhia de Jesus por Antônio Moniz Barreiros, ex-capitão-mor e homem de posses, enquanto durasse a menoridade de seu filho, que estava sob a guarda da Companhia, que os jesuítas tentaram atrair os Uruatis. Após algumas semanas de instável convivência, surgiu de repente um outro grupo de Uruatis (também chamados de Barbados), que atacou e matou os jesuítas da incipiente missão. O motivo alegado teria sido porque os padres haviam mandado açoitar uma índia escrava, oriunda daquela tribo, fato que nunca foi negado pelos jesuítas (Bettendorf 1910: 69), o que confirma que a punição a faltosos podia chegar a esse ponto nas missões.

Havia portanto que restabelecer a missão dos jesuítas no Maranhão. Afinal quem se incumbe dessa tarefa é o Padre Antônio Vieira. Sua influência junto ao rei Dom João IV estava naquele momento aparentemente abalada, desde que sua proposta de negociar com holandeses sobre o Nordeste brasileiro tinha sido rejeitada pelos próprios pernambucanos. Assim ele achou melhor mudar de vida, sair da Corte e entrar de corpo e alma no trabalho missionário. Vieira chegou a São Luís em janeiro de 1653, tendo enviado antes um grupo de 12 padres e irmãos jesuítas. Trazia consigo a nova lei de 1652, que proclamava a liberdade dos índios, exceto daqueles obtidos em cativeiro legalmente, e uma carta régia dirigida a si mesmo que lhe dava diversas prerrogativas para dirimir e adjudicar questões de escravidão indígena. Sentindo a resistência e animosidade que se levantaria caso tornasse pública essa lei, Vieira ainda esperou alguns dias até a oportunidade de fazer um sermão na igreja dos jesuítas. Apesar da grande retórica do afamado jesuíta, o teor da lei não era boa para os colonos, que se sentiram prejudicados. O novo capitão-mor do Maranhão, Baltasar de Sousa Pereira, achou por bem não persistir na aplicação da lei que trazia.

Enquanto isso, o Padre Vieira, tomando pé da situação dos índios e do papel que lhe cabia, logo tentou recriar a malfadada missão junto aos Uruatis. Requisitou ajuda em homens e recursos ao capitão-mor, que lhe prometeu mas foi adiando até ficar claro para Vieira que não iria cumprir. Nesse mesmo tempo Viera enviava o Padre Francisco Velloso para entrar em contato com os Guajajara que estavam no Itaquy, conforme relatado anteriormente. Em meados de 1653 Vieira partiu para Belém de onde alguns meses depois iria comandar uma entrada ao rio Tocantins. Nessa expedição de resgate de índios Vieira vai ver e sentir o quanto era desumano o processo de contatar, subjugar, resgatar, descer e escravizar índios. Na volta a Belém ele se sentiu traído pelo cabo da expedição, que recolheu para si e seus amigos, como escravos, índios que teriam descido sob a promessa de viver em missões ou aldeias livres.

Em meados de 1654 os colonos, sentindo-se fustigados pelos sermões e atos de Vieira, constituem um procurador para os defender perante a Corte, para onde também segue Vieira, iniciando assim o padrão de relacionamento entre jesuítas e colonos que irá durar até a expulsão desses religiosos. Após alguns meses em Lisboa, Vieira volta em 1655, aparentemente vitorioso, já com um novo governador geral, André Vidal de Negreiros, descendente dos Tupinambá de Pernambuco, simpatizante dos jesuítas, que se empenha em fazer valer a nova lei de 1655, que dá exclusividade aos jesuítas na organização das aldeias de missão e no controle das aldeias de repartição. Negreiros convoca junta com representantes das câmaras e das demais ordens para julgar e verificar quais índios seriam considerados legitimamente cativos e quais seriam livres. Em Belém, outra junta é convocada, resultando na libertação de quase 800 índios, que passaram a viver nas novas aldeias jesuítas. Muitos cativeiros são julgados ilegais, os índios são proclamados livres, mas, ainda assim eles continuariam a trabalhar nas fazendas onde já estavam, por força de ameaças de seus senhores, causando repulsa aos jesuítas e ao governador. Logo o governador Negreiros desiste de ficar no Maranhão, tendo sido nomeado para igual posto em Pernambuco, deixando os jesuítas um pouco menos seguros de suas pretensões.

O novo governador, Pedro de Mello, chega em 1658, já sem qualquer simpatia pela causa indígena defendida pelos jesuítas. No entanto, Vieira persiste na sua tarefa incansável de criar novas missões, sancionar expedições de resgate e de descimento, protestar contra injustas escravizações, além de escrever para seus amigos, admiradores e superiores na Europa e não perder oportunidade para espinafrar os colonos junto com seus nefastos pecados em seus sermões. Dos rios Tocantins e Negro descem ilegalmente alguns milhares de índios que são em grande parte alojados em aldeias, muitos escravizados. Vieira funda aldeias jesuíticas no Pará e em 1658 sai de São Luís de barco até o rio Parnaíba, de onde segue a pé para a Serra do Ibiapaba, divisa atual entre o Ceará e o Piauí, onde cria missão entre os remanescentes Tupinambá. Tenta inutilmente missionizar os Nheengaíbas da ilha do Marajó, até que este são atacados em 1659 e muitos são mortos e escravizados. Aí fica fácil para que sejam persuadidos a se assemtar pacificamente em missão. Os colonos se sentem prejudicados com a falta de mão-de-obra e as exigências de Vieira. Em 1661, os líderes de São Luís e Belém terminam decidindo pela expulsão dos jesuítas, Vieira inclusive, e o governador nada faz para impedi-los. O retorno dos jesuítas se dará em 1663, porém já sem Vieira, que fica retido em Lisboa e passa a ser perseguido pela Inquisição, e em termos desfavoráveis, pois eles perdem o poder temporal sobre as aldeias livres e as possibilidades legais de escravizar índios se ampliam (Azevedo 1918: 20).

Praticamente até 1680 os jesuítas vão ficar no Maranhão e Grão-Pará sem o poder temporal sobre suas aldeias e sem direito a estabelecer novas aldeias. Naquele ano uma nova lei restitui o poder temporal sobre suas aldeias e lhes dá poder de controlar um terço dos índios das aldeias de repartição, além de nomear o chefe daquelas aldeias. Ao mesmo tempo, como parte de uma política de substituição de índios por africanos, a Coroa concede licença para a criação de uma empresa de comercialização com direito de monopólio, ou estanco, sobre o tráfico de escravos africanos, bem como sobre a importação de certos produtos básicos portugueses e a exportação de tabaco e algodão. Entretanto, os colonos logo vão se sentir duplamente prejudicados. Em março de 1684, estoura uma rebelião de fazendeiros, conhecida como Revolta de Bequimão, que não somente expulsa os jesuítas (pela segunda vez) como denigre a figura do governador, o representante de El Rei. A repressão chega com presteza em outubro de 1685 pelas mãos do novo governador Gomes Freire de Andrade. Seus líderes mais ousados, o irlandês naturalizado, Manuel Beckman, e o português, ex-procurador dos colonos na Corte, Jorge de Sampaio, são levados ao patíbulo e enforcados.

Os jesuítas retornam ao Maranhão e Grão-Pará, desta vez sob a égide de um novo conjunto de normas e regras de legislação indigenista, as quais ficaram conhecidas como Regimento das Missões de 1686, numa tentativa da Coroa de compatibilizar o trabalho missionário com os interesses dos colonos. Com efeito, a partir desse Regimento as relações entre missionários (jesuítas, carmelitas e capuchos), colonos e administradores reais - no que se refere ao estabelecimento de missões, forma de resgates, guerras justas, escravização e repartição de índios - iriam se estabilizar, sem, no entanto, chegar a prevalecer um clima de tolerância e aceitação mútuas.

Missões jesuítas, despovoamento e expansão colonial no Maranhão

O processo de despovoamento indígena no Maranhão e Grão Pará foi extremamente violento durante todo o período colonial. Além dos Tupinambá, que se situavam no litoral e no baixo Tocantins, e os Tenetehara do rio Pindaré, que vimos brevemente no capítulo anterior, muitos outros povos sofreram imensas quedas populacionais e desintegração cultural, ainda nas primeiras décadas da colonização e pelos anos seguintes. No Pará, esse processo foi intenso e permanente, menos custoso e mais lucrativo, devido à maior densidade demográfica dos povos indígenas e à navegabilidade dos rios. No Maranhão, após a sujigação dos Tupinambá e algumas entradas no baixo Monim e Itapecuru, quando derrotaram e subjugaram algumas aldeias dos Guanarés, a mão-de-obra indígena era corriqueiramente importada do Pará, visto que os povos indígenas que aqui habitavam eram mais dispersos e aparentemente mais difíceis de serem avassalados. Aqueles que viviam nas áreas melhor indicadas para o cultivo de cana-de-açúcar e tabaco opuseram no início feroz resistência à sua submissão, e só a muito custo e progressivamente por todo o século XVII e até as primeiras décadas do século seguinte é que foram sendo dominados, capturados e escravizados, ou reduzidos em missões pelos jesuítas.

O estabelecimento econômico do Maranhão se deu primeiramente na ilha de São Luís e a partir daí para o baixo Monim e Itapecuru, por um lado, e para o litoral oeste, onde ficava Tapuitapera, Cumã e o Caeté. Nesses lugares foram plantados tabacais e erigidos engenhos, além de plantações para subsistência. As missões foram sendo criadas acompanhando esses povoamentos e empreendimentos. Quando elas falhavam, como no caso dos Uruatis do Monim e Itapecuru, e dos Aruãs do Marajó, os colonos e os governadores se sentiam mais à vontade para exercer da força militar. Os Uruatis iriam sofrer perseguições logo depois do ataque aos jesuítas em 1649, inclusive de uns bandeirantes paulistas que por lá apareceram no final da década de 1660. Em 1671, eles estavam subjugados e provavelmente escravizados ou ajuntados para o serviço servil em aldeias de repartição. Em 1679, os Tremembé, que viviam mais no litoral, do baixo Parnaíba até o Camocim, foram caçados e destroçados em grande número por uma expedição formada por 140 portugueses e 470 índios aliados, comandada por Vital Maciel Parente, filho mameluco de Bento Maciel. Nos anos seguintes iria haver diversas entradas particulares nessa região do leste maranhense, sempre com resultados positivos, mas custosos. Em 1691, são repartidos trinta índios aprisionados pela tropa de um João de Morais (Lisboa 1865, Vol. IV: 729-32). Em 1715 o próprio governador-geral Cristóvão da Costa Freire (1707-18) iria participar de uma tropa de resgates contra uma populosa aldeia de índios Aranhis. Entretanto, desta vez eles conseguiram fugir, mas não de um outra que envia no ano seguinte e que lhes faz destruição.

Em 1719, os Guanarés mandaram oito mensageiros para pedir missão aos jesuítas em São Luís. Algumas semanas depois são enviados de volta com dois jesuítas e vários outros índios auxiliares. Poucas horas depois de aportar ao local esperado, e após um primeiro encontro e palestração, os padres e seus índios aliados são atacados por um grupo vindo de outra aldeia, que matam o Padre João de Vilar. Motivo para guerra justa, consideram os colonos e o governador-geral, Bernardo Pereira de Berredo, que logo em seguida organiza uma entrada oficial rumo aos campos do Peritoró, cujo resultado é o destroçamento dos Guanarés, a morte de 200 a 300 e o aprisionamento e repartição entre os participantes de 276 deles, menos o quinto para El Rei (Marques 1970: 332). O outro jesuíta e os índios auxiliares conseguem fugir a canoa. Instala-se um clima de desassossego e três engenhos de cana-de-açúcar são abandonados em 1722 (Marques 1970: 63). O jesuíta Gabriel Malagrida recebe a incumbência do governador de assentar missão entre os Guanarés ou Barbados da aldeia grande, sendo escoltado por medo de ataques de outros Barbados de uma aldeia mais acima, dita aldeia pequena (Marques 1970: 106).

Nesse meio tempo é criada a missão de São Miguel, no baixo Itapecuru, juntando índios Tupinambá (Tobajara) que teriam vindo da Serra do Ibiapaba e índios Cahycahy, provavelmente sobreviventes de uma outra entrada (Moraes 1860: 416). Segundo o censo jesuítico de 1730, eram 56 Cahycahy ainda catecúmenos, além de 251 Tobajara que viviam na aldeia de São Miguel (Leite 1943, vol. III: 151).

A aldeia grande dos Barbados se consolida por volta de 1730 com o nome de Aldeia Nova dos Barbados e Guanarés, com 459 índios catecúmenos e 173 já cristianizados. Alguns anos depois, mais uma missão é instalada para aqueles Barbados a montante. As duas missões iriam ser conhecidas como Aldeia Grande e Aldeia Pequena dos Barbados (Leite, ibid.: 152-3; Azevedo 1930, Mapa 1). Não se sabe o quanto essas aldeias de missão progrediram ou não. Segundo o Padre José de Moraes (1860: 388), que escreveu sua História da Companhia de Jesus em 1757, esses índios logo passaram a servir de condutores e remadores ao longo do rio Itapecuru. Com a saída dos jesuítas, uma das missões dos Barbados passaria a se chamar de lugar de São Mamede e suas terras seriam invadidas pela expansão agrícola rio acima. Anos depois, já no início do século XIX, um lugar por nome Pai Simão, na altura de uma dessas missões, é descrito por um viajante como um povoado humilde de índios civilizados e mulatos libertos que serviam de remeiros às canoas que subiam o rio e que são explorados pelos diretores de índios (Paula Ribeiro 1848:21).

Ainda subindo o rio Itapecuru, os jesuítas iriam fundar uma outra missão igualmente com índios Guanarés, em 1741, a qual ficou conhecida como Aldeias Altas. Lá, em 1754, os jesuítas tentaram criar um seminário, pois havia um considerável número de fazendeiros do Piauí e até de Goiás que para lá passaram a mandar seus filhos para serem educados (Marques 1970: 608). Em 1758, Aldeias Altas virou vila com o nome de Trezidela e suas terras foram sendo tomadas por fazendeiros e boiadeiros que mais tarde fizeram a vila de Caxias na outra margem do rio (Leite, Ibid.: 153). Seus remanescentes, anos depois, iriam servir de inspiração ao poeta Antônio Gonçalves Dias, natural de Caxias, que os viu como pobres índios deculturados (vide seu poema “Y juca pirama”), caboclos humildes que faziam louça de barro e outros objetos domésticos para os moradores de Caxias (Spix e Martius 1938, vol. II: 462).

Além desses índios missionizados, outros povos indígenas continuaram a viver autonomamente no curso mais alto do Itapecuru, o médio e alto Mearim e ao longo do médio e alto Parnaíba e só iriam ser subjugados pela força das armas a partir da segunda metade do século XVIII e até quase a terceira década do século XIX. No Piauí são chamados de Güegües, Acroás, Pimenteiras, Jeicós, Xavante e Timbira, e todos sofreriam terríveis guerras ofensivas que os iriam destruir ou reduzi-los em aldeias em condições de difícil possibilidade de sobrevivência. No Maranhão serão reconhecidos como Gamelas, no baixo e médio Mearim, e mais acima, bem como no rio Grajaú, como Timbira, em diversas ramificações étnicas, como Txakamekra, Ramkokamekra, Apanyekra, Krahô, etc. Eles estavam situados exatamente à frente da expansão da frente pastoril que vinha da Bahia, via Piauí, e de cara com a frente de expansão agrícola maranhense. Nesse fogo cruzado eram poucas as saídas, além da fuga para regiões mais ermas, como fizeram os Canela Ramkokamekra, ou, temporariamente, para alguns locais de mata, como os Txakamekra.

Tendo criado missões no Itapecuru, os jesuítas passaram a se interessar pelo rio Mearim, cujo curso baixo já havia sido palco de entradas de tropas de resgate na segunda década do mesmo século e em cujas ribeiras havia alguns engenhos e fazendas. Nessa região, em 1747, é relatada a existência de onze aldeias de índios que passam a ser conhecidos como Gamela do Mearim (e mais tarde, como do Codó) (Leite, Ibid.: 170-182; Paula Ribeiro 1841: 364; Marques 1970: 450; Nimuendaju 1937: 61), distinguidos dos demais pelo uso de um batoque de uns seis a sete centímetros de diâmetro encravado na parte interna do lábio inferior. Provavelmente isso daria uma população de 2.000 a 2.500 índios. Com algum atropelo e confusão, como relatou o Padre Antônio Machado, que se encarregou de fazer essa missão dos Gamelas, entre 1751 e 1753 (apud Melo Morais 1872, Tomo II: 347-61), os jesuítas conseguiram estabelecer um missão com algumas dessas aldeias6. Porém, após a sua expulsão, em 1759, sem missionários para lhes dar ordens, os índios voltaram aos matos e passaram a ser hostilizados por tropas de guerra a mando dos governadores, ou potentados locais interessados na colonização dos campos do baixo Mearim. Em 1766, algumas aldeias foram atacadas e dominadas e uma parte dos Gamela foi levada para o lugar Lapela, no baixo Pindaré, em 1767, a mando do governador Joaquim de Melo e Póvoas. Porém outros grupos de Gamela ainda livres continuariam perturbando os fazendeiros de gado da região do baixo Mearim, dirigindo-se nos anos seguintes para o baixo Pindaré. Por volta de 1785 os Gamela da Lapela haviam sido transferidos para o lugar Cajari, à beira do lago Cajari, no baixo Pindaré. Sua população cairia ainda mais e, em 1796, restava apenas uma das aldeias naquele sítio (Marques 1970: 131, 344).

Desde Luiz Figueira, passando por Antônio Vieira, e por todos os percalços possíveis, a Companhia de Jesus atravessou quase um século e meio de batalhas tornando-se a principal ordem religiosa do Pará e Maranhão, chegando a ter 57 aldeias de missão no final da década de 1750. Para isso não mediu esforços e não fugiu ao conflito direto com colonos e oficiais da Coroa, e até com outras ordens religiosas, sofrendo acusações, calúnias e perseguições. Em certos momentos a pressão oficial era absolutamente negativa, como nas administrações dos governadores Bernardo Pereira de Berredo (1718-22) e Alexandre de Souza Freire (1728-32); em outros era-lhe favorável, como nos anos do governador João da Maia da Gama (1722-1728) e de Pedro de Mendonça Gurjão (1747-51) (Marques 1970: 337; Kiemen 1973:169-170; Azevedo 1931). Porém, ao final, o destino lhes reservava a derrota pelas mãos do Marquês de Pombal, em 1759.

Entre jesuítas e colonos

Os jesuítas têm sido acusados por muitos historiadores de terem mantido os Tenetehara e muitos outros povos indígenas em suas missões afastados do convívio com a sociedade colonial e ignorantes das "artes da civilização" (Varnhagen e Prado Jr., por exemplo). Há, também, ao contrário, outros que os imputam de terem sido os grandes "civilizadores" dos índios, de serem responsáveis pela grande obra de colonização do Maranhão e Pará e particularmente pela "integração" dos índios na sociedade colonial (Azevedo, Kiemen e Leite, por exemplo). Em minha visão, ambas as posições são extremas e incorretas. É certo que os tantos conflitos entre jesuítas e colonos por todo o Brasil representam a disputa renhida que havia pela mão-de-obra indígena, disputa esta que os jesuítas alegavam ser, de sua parte, para o bem-estar físico e espiritual dos índios. Porém, foram muitas as ocasiões em que os jesuítas realmente fizeram o papel de auxiliares dos colonos, ao colaborar na transferência de índios para a esfera de influência colonial. Igualmente, como demonstrou Kiemen, para se manter em posição de poder, os jesuítas fizeram uma série de concessões tanto à Coroa quanto aos colonos, que possibilitaram a utilização dessa mão-de-obra vinda de suas missões.

No plano civilizador mais geral, pode-se afirmar que, nas áreas em que a economia era vigorosa e próspera, os jesuítas ensinaram aos índios algumas técnicas de trabalho importantes com as quais eles fortaleceram a economia das missões e, posteriormente, puderam ganhar a vida. Spix e Martius (1938, vol. II: 462), em sua bem documentada viagem através das províncias do Norte e Nordeste brasileiro, na segunda década do século XIX, passaram pelo interior do Maranhão, relataram que os índios de Aldeias Altas, antiga missão jesuítica até 1758, viviam da manufatura e venda de objetos de cerâmica, uma técnica que já dominavam, obviamente, mas que fora adaptada ao gosto e às necessidades da população luso-brasileira. É importante notar aqui que a região de Aldeias Altas (que iria se transformar na próspera vila de Caxias) havia sido importante entreposto e mercado de compra e venda de gado desde a década de 1730, e de algodão após a década de 1760.

Em brevíssimas palavras, podemos aquilatar que os jesuítas não devem ser responsabilizados nem pelo atraso cultural da região amazônica, nem pela falta de integração dos índios. É fácil dizer, no entanto, que as condições políticas e econômicas do Maranhão não teriam admitido outra possibilidade de desenvolvimento social, senão pela forma que efetivamente se realizou. Por outro lado, os jesuítas não devem receber indevidamente o crédito pela sobrevivência de povos indígenas graças à sua alegada preocupação em dar proteção aos índios contra a depredação colonial. É verdade que os jesuítas abominavam a idéia e as práticas da escravidão de índios pacíficos e aldeados, mas não de índios em geral. Além disto, nunca demonstraram o menor escrúpulo quanto ao baixíssimo pagamento que faziam pela mão-de-obra indígena, nem tentaram melhorar as condições sociais para que pudesse haver algum desenvolvimento econômico e social das populações indígenas que estavam sendo forçadas a se assimilar ao projeto colonial. Pior ainda, a escravidão indígena foi vista até como um fato incontornável do projeto colonial, como atestam muitas cartas do Padre Antônio Vieira (por exemplo, Vieira 1925: 279; Azevedo 1901: 111), onde argumenta pela necessidade de suprir os jesuítas com escravos para serviço pessoal, prática que durou até sua expulsão.

Em carta ao rei de Portugal escrita do Maranhão, Vieira (1925: 436) propõe que os índios cativos deveriam ser destinados ''preferencialmente aos colonos mais pobres". Mais adiante, ele sugere que as missões religiosas não deveriam estabelecer plantações de tabaco nem de cana-de-açúcar, e que os índios não deveriam ser obrigados a trabalhar nelas. Obviamente esta foi uma sugestão que nem os jesuítas levaram a sério e a Coroa nunca estabeleceu qualquer regulamento a respeito.

Vieira sonhava, e trabalhou obstinadamente para realizar seus sonhos, que o Maranhão viesse a ser colonizado por pequenos empreendimentos familiares que usassem uma quantidade limitada de mão-de-obra além da capacidade de trabalho da própria família, e não por fazendas com grandes números de escravos ou agregados. A filosofia de Vieira era semelhante à de outro jesuíta, Fernão Cardim, que vivera na Bahia como provincial do Brasil e fora o mentor intelectual do jovem Vieira (Cardim 1939). Tal filosofia refletia, certamente, o melhor do pensamento jesuítico. Era uma proposta alternativa de colonização que nunca foi possível ser realizada, e que, alguns anos depois, já nem era cogitada.

O Padre Antônio Vieira teve, em importantes momentos no século XVII, considerável influência pessoal sobre a política portuguesa na colônia, especialmente durante o reinado de Dom João IV, que recuperou o trono português do domínio espanhol. Porém, às vezes, sua estatura política e seu papel de missionário se assomam maiores do que a realidade permitia. Vieira era um pleonasmo vivo, e a Coroa acatava suas sugestões e pedidos na medida em que os considerava viáveis dentro da política geral de colonização. Ao fim de uma longa vida (1608-1689) Vieira vai perdendo sua força de persuasão sobre seus superiores e até sobre seus irmãos, cujo sentimento colonialista se adequa cada vez mais ao status quo das administrações locais e da Coroa, como podemos ver nos escritos de um Antonil (1928) e de um Benci (1954), no início do século XVIII7.

A Coroa necessitava de povoadores para suas colônias a fim de consolidar seu domínio territorial e estabelecer uma economia que gerasse riqueza para si. Esse tipo de economia só poderia funcionar num ambiente em que os colonos trabalhassem e se mantivessem subservientes a ela. Por essa razão, não se pode fugir ao argumento de que a Coroa atendia aos jesuítas em seus conflitos com os colonos por motivações políticas, não por considerações humanitárias ou religiosas. Os jesuítas se mostravam em geral mais obedientes à Coroa que os colonos, os quais, à medida em que se tornavam economicamente fortes, tentavam obter controle maior sobre as condições econômicas em que viviam, inclusive sobre o comércio com a metrópole. Tanto que, no Maranhão, a celebrada Revolta de Bequimão, de 1684, foi direcionada tanto contra o "estanco" - que era um monopólio comercial de alguns produtos básicos importados da Europa, cedido pela Coroa a uma companhia portuguesa, e que ia contra os interesses econômicos dos colonos - como contra os jesuítas, que haviam obtido o poder temporal sobre suas aldeias e sobre a repartição dos índios do Maranhão através de um alvará de 1680 (Kiemen 1973: 143-151ff; Marques 1970: 320-322).

A autoconsciência dos jesuítas de serem vassalos portugueses é ilustrada em uma carta de Vieira ao rei, que trata da "pacificação" dos Nheengaíbas da ilha do Marajó, a qual se dera a custo altíssimo de mortes de jesuítas e soldados. Diz Vieira que após os índios terem se declarado vassalos do rei, "o Pará estava agora seguro e impenetrável para todo e qualquer poder estrangeiro" (Vieira 1925: 568-569). O historiador franciscano Mathias Kiemen (1954: 170, 180, 186), cujo livro faz uma apologia do sistema de missões jesuítico, considerando-o a melhor e mais bem aplicada experiência de tratamento com índios, mesmo se comparado com os métodos modernos, admite o estreito relacionamento entre a Coroa e os jesuítas, especialmente no período do auge de Vieira que vai até a morte de Dom João V em 1670.

Entretanto, no que concerne ao relacionamento entre jesuítas e colonos, há que se considerar que o século XVIII foi bastante diferente do século anterior. Até a chegada de Antônio Vieira, em 1653, os jesuítas haviam feito muito pouco no Maranhão que provocasse a ira dos colonos. A missão que intentaram fazer com os Uruatis foi apoiada pelos herdeiros do capitão-mor Antônio Menezes de Barreiros, em cujas terras foi estabelecida a infortunada missão. A partir de Vieira, que chega com cartas régias conferindo-lhe poderes de fazer missões e com a veemência de um purgador de pecados, a animosidade chegou às vias de fato, com a expulsão dos jesuítas em 1661 e em 1684. O retorno aconteceu, em ambos os casos, em forma negociada, sendo que, na última vez, a negociação resultou no estabelecimento do princípio do poder temporal dos jesuítas (e de outras ordens missionárias) sobre as aldeias que conseguissem estabelecer, mas com os colonos tendo o direito a fazer escravos e a usar a mão-de-obra das aldeias de repartição.

No século XVIII, esse relacionamento não vai sofrer maiores divergências, mas continua a ser tenso. Os colonos do Maranhão e Grão-Pará vivem continuamente com carência de braços para suas lavouras, apesar da economia regional se manter bastante pobre, e a saída mais fácil parecia ser obter mão-de-obra das aldeias jesuíticas. A pressão aumentava ou diminuía conforme a simpatia ou antipatia que o governador geral daquele estado sentia em relação aos jesuítas. Entre 1718 e 1730, os três governadores, Antonio Bernardino de Berredo, João Maia da Gama e Alexandre de Freire Souza, tiveram, respectivamente, antipatia, simpatia e antipatia pelos jesuítas, provocando, proporcionalmente maiores dificuldades ou alívio ao trabalho da Companhia.

Entre os colonos surgiram figuras de proa no combate aos jesuítas. Ainda no século XVII, o personagem mais antijesuítico foi o ex-ouvidor Jorge de Sampaio, que escreveu diversas representações à Coroa contra os jesuítas, em especial contra Vieira. Mais diplomático, mas não menos favorável aos colonos, foi o ex-procurador da fazenda e "Pai da Pátria", Miguel Guedes Aranha. Na primeira metade do século XVIII, ia surgir uma figura igualmente determinada e que teve apoio de muita gente na colônia e na metrópole. Paulo da Silva Nunes chegou ao Maranhão na primeira década do século, no tempo do governador-geral Cristóvão da Costa Freire (1707-18). A partir de 1718, passou a representar aqueles que se sentiam lesados pelo poder dos jesuítas. Foi algumas vezes a Lisboa, voltando sempre a Belém, e, por fim, regressou de vez, sempre tentando fazer seus reclamos serem ouvidos pela Coroa. Morreu por volta de 1746, aparentemente numa masmorra de Lisboa, denunciando os jesuítas pelo mal uso dos índios, inclusive por mantê-los em ignorância, e por enriquecimento ilícito8. Sua contrapartida foi o Padre Jacinto de Carvalho, que chegou ao Maranhão nos últimos anos do século XVII e aí ficou entre São Luís e Belém até fins da década de 1730, com idas e vindas a Portugal. Chegou a ser subprior e depois visitador das missões do Maranhão e Grão-Pará. Tomou para si o encargo de empunhar a bandeira jesuítica e de rebater, ponto a ponto, as acusações de Paulo da Silva Nunes. No final, parecia que tinha vencido a batalha, pois enquanto seu adversário morria na desgraça, ele passava para a outra entre os seus irmãos, em Coimbra, em 17449.

Porém, os argumentos e escritos de Nunes é que determinaram o curso da história, pois, alguns anos depois, por volta de 1750, o Marques de Pombal fazia publicar e circular como justificativa e pretexto para a consecução de seus planos contra os jesuítas um dossiê baseado no memorial "Terribilidades jesuíticas no governo de Dom João V" (Azevedo 1930: 204-210).

De todo modo, essas brigas cheias de ódio denunciavam menos uma disputa pelo bem-estar dos índios do que pela sua força de trabalho. No frigir dos ovos, no que diz respeito aos índios, eram formas de ação de um mesmo corpo político que procurava recrutá-los para o projeto colonial, inscrevendo-os na classe social mais baixa da sociedade em formação. O sucesso desse projeto conjunto foi tal que a maioria dos índios com quem se relacionaram se extinguiram ou foram incorporados, deculturados, como membros dessa classe baixa. Se é verdade que, não fosse pelos jesuítas, alguns povos que sobreviveram até os dias de hoje teriam perecido, como pode ser considerado o caso dos Tenetehara, é igualmente verdade que muitos não teriam sido contatados naqueles tempos e levados à beira da extinção, como foi o caso dos Amanajós, Barbados, Uruatis, Cahycahy, Tremembé e tantos outros. O fato é que mais índios foram mortos e mais etnias foram dizimadas nestas duas fases de relacionamento interétnico do que em todos os períodos que se seguem. Os povos indígenas foram, afinal, a única fonte de mão-de-obra no Maranhão e Grão-Pará até o terceiro quartel do século XVIII. Eram o "ouro vermelho" da colônia, na visão do Padre Antônio Vieira, "a riqueza do Estado", nas palavras de Manuel Guedes Aranha, e "a riqueza do Maranhão", nas palavras abalizadas do principal historiador maranhense do século XIX (Marques 1970: 306).

Índios no Maranhão nos séculos XVII e XVIII

A partir dos dados apurados nos vários escritos dos jesuítas Antônio Vieira ([1653- 1662]1925), João Felipe Bettendorf ([1661-1694]1910), Jacinto de Carvalho ([1720-40]1993) e José de Moraes ([1757]1860), do cônego João Antônio Ferreira ([1693]1894), bem como aqueles encontrados no enciclopédico estudo da história do Maranhão feito por César Augusto Marques ([1870]1970) e na história da Companhia de Jesus compilada por Serafim Leite (1943), e ainda no Mapa Etnográfico de Curt Nimuendaju (1979), podemos reconstruir graficamente (Mapa 2) a distribuição dos povos indígenas pelo Maranhão nos séculos XVII e XVIII. Este é certamente um quadro compósito no tempo, pois a presença de determinada etnia não indica se ela estaria antes da chegada dos portugueses. Recordemos que no tempo dos franceses havia no baixo Mearim e Itapecuru diversos agrupamentos de Tupinambá, uns que teriam vindo da Paraíba, outros do rio São Francisco. Eles seriam recém-chegados, e ao serem dizimados ou terem fugido, esse espaço foi preenchido em ondas diversas pelas etnias jê. Desde o final do século XVII outros povos entraram no Maranhão vindos do nordeste. Em 1698, por exemplo, surgiram diversas hordas no baixo Itapecuru, que não eram Guanarés nem Barbados nem Cahycahy, as quais se presume serem índios que estariam fugindo desesperadamente das perseguições oficiais realizadas no interior do Rio Grande do Norte e Ceará (Marques 1970:394). Nas décadas seguintes novos povos indígenas teriam se refugiado no Maranhão, tais como os Gamela e Timbira, fugindo das pressões e ataques da frente pastoril que vinha da Bahia e que iria povoar o sudeste maranhense e o norte de Goiás até o século XIX (Paula Ribeiro 1841, 1849; Alencastre 1857: 23; Crocker 1995). A partir de meados do século XIX, as imigrações indígenas viriam do Pará, como foram os casos dos Urubu-Ka'apor e Guajá que aportaram nas bacias dos rios Gurupi, Turiaçu e Pindaré (Ribeiro 1974: 33; Gomes 1989).

O quadro aqui apresentado, entretanto, não durou muito. O estabelecimento de fazendas de gado vindo do leste foi incrementado, a partir de 1760, pelo grande impulso agrário que vinha do norte. Com a expulsão dos jesuítas, suas missões viraram vilas (Vinhais, Paço do Lumiar, São José, São Miguel, Tutóia, Trezidela, Viana) ou pequenos povoados (São João das Cortes, Pai Simão e São Mamede), e os índios aldeados foram experimentando as compulsões sociais e econômicos que os levariam progressivamente à perda de base demográfica para sustentar uma vida cultural própria. Embora o processo fosse relativamente lento, pois em 1820 essas vilas e até os povoados ainda se caracterizariam como indígenas (Spix and Martius 1938, vol. II: 462-3, 484; Paula Ribeiro 1848), eventualmente essas populações foram sendo absorvidas no cadinho que já produzira mamelucos e caboclos nos séculos anteriores, tornando-se todos camponeses sem terra própria, mas vivendo enquanto puderam em comunidades mais ou menos autônomas e distintas dos povoados brasileiros até o fim do século XIX (Amaral 1898), se não, em alguns casos, até o presente.
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Notas de rodapé
1. Consta em Varnhagen (1962, Tomo IV: 252, nota de rodapé 24, que foi incluída pelo anotador da edição Rodolfo Garcia) que através de uma carta régia de 20 de fevereiro de 1704, o rei concedeu a Tomas Bequimão o direito de descer cem casais de índios para estabelecer-se com lavouras no Maranhão. Ora, segundo João Francisco Lisboa (1865, vol. IV: 729-32, 736), que pesquisou os arquivos setecentistas do Maranhão antes dos documentos desaparecerem ou se destruírem, havia muitos desses pedidos e muitas expedições particulares para descer índios que resultaram em repartições entre particulares, sem passar por aldeamentos oficiais. Tais descimentos não poderiam implicar escravidão e sim uma servidão forçada e particular que, se levada a termo, iria significar escravidão na prática.
2. Esse cálculo se encontra no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Arquivo 1, 2, 36, folhas 30 a 47.
3. Na historiografia brasileira muito se diz e repete que os colonos queriam o corpo dos índios enquanto os jesuítas queriam sua alma. Na verdade, os dois queriam a mesma coisa, só que de modos diferentes. Desde o princípio os colonos queriam o trabalho mas também a lealdade dos índios, sua aceitação ao sistema colonial, sua transformação em portugueses pobres e servis.
4. O termo "redução", como sinônimo de missão, aparece na literatura colonial brasileira, mas não com a freqüência usada nas colônias espanholas, especialmente nas missões jesuíticas do Paraguai.
5. A palavra abaré podia ser uma corruptela de abade, ou, talvez, "homem invertido", em tupi.
6. Ver o relatório do Padre Machado, "Breve Relação do que tem sucedido na Missão dos Gamellas desde o ano de 1751 até 1753" em Melo Morais 1872, Tomo II: 347-361. Essa missão só foi realizada porque os jesuítas conseguiram convencer o capitão-mor da época, antes da chegada do governador geral Mendonça Furtado, de que os Gamellas não estavam incluídos na ordem de se fazer guerra justa aos Acroás e Güegües, que ficavam no Piauí. A missão nunca foi bem vista pelo governador geral, que suspeitava de que os jesuítas estavam buscando novas missões para mostrar serviço e dificultar o propósito da nova administração de Pombal de diminuir, se não acabar com o poder dos jesuítas no Maranhão e Grão Pará, como de resto no Brasil. Ver Mendonça (1970: )
7. Ver discussão apresentada a esse respeito por Carlos Moreira (1988).
8. Ver os comentários introdutórios do historiador maranhense Jomar Moraes apud Carvalho 1995: 20-21.
9. Além do seu livro sobre a história da Companhia (1995), diversos documentos do Padre Jacinto de Carvalho e do procurador Paulo da Silva Nunes podem ser encontrados nos Manuscritos de Évora, do Arquivo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, no Rio de Janeiro.

2 comentários:

BMB disse...

Mércio, gostaria de ouvir a sua resposta sobre a minha pergunta na mensagem abaixo.

Estava fazendo umas pesquisas com o seu nome e achei essa notícia aqui..

O governo indicou seu nome para a função na ONU de monitorar a situação dos índios no mundo, visitar países e denunciar violações.O cargo é ocupado por Rodolfo Stavenhagen, do México.
Na ONU, circularam mensagens entre os funcionários criticando a indicação de Mércio. No Brasil, entidades enviaram uma carta ao governo Lula, pedindo que a candidatura seja “imediatamente” retirada.

Não sei como se deu o fim dessa história, mas estou torcendo para que você consiga cada vez mais espaço, seja onde for.

Por favor, como posso entrar em contato com vc? Se puder, ao menos responda pelo meu blog.

Mércio P. Gomes disse...

Prezada Beatriz, desculpe não ter ainda dado as explicações que você perguntou nos seus comentários. Sim, alguns povos indígenas praticavam uma forma de eutanásia com os velhos, tipo Eskimó, sim, já existiu no passado. Creio que aqueles que o faziam não o fazem mais. Acho que Mayburry-Lewis fala disso no seu livro sobre os Xavante. Quanto ao caso da ONU, sim, o Itamaraty indicou meu nome para relator de direitos indígenas na Comissão de Direitos Humanos, em Genebra, e recebeu muita pressão por parte do novo presidente da Funai, do ISA e do CIMI, que sempre me atacaram quando era presidente. Agora estão com a Funai na mão e a estão levando ao caos. Enfim, o mundo gira. Abraços, Mercio (merciogomes@uol.com.br)

 
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