terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Entrevista do CTI deixa mais ambiguidades sobre convênio com a Funai

Gilberto Azanha, fundador e coordenador do CTI, toma a frente da atual presidente do CTI (Regina Muller) e explica o convênio firmado com a Funai pelo qual visa criar "normas e regras" para o etnodesenvolvimento, sem esquecer também o desenvolvimento político e cultural dos povos indígenas mencionados, além dos índios isolados e dos índios de recém-contato. Ao todo, cerca de 80 povos indígenas poderão estar nas mãos do CTI para serem agraciados pelo seu conhecimento, dedicação e benemerência.

O convênio tem sido motivo de muito zunzunzum na Funai, tanto pelo caráter esquivo com que foi elaborado quanto pela amplitude do domínio que é dado ao CTI. O Ministério Público já sabe desse convênio e até agora não se manifestou em nada. O Congresso Nacional está tomando conhecimento.

Azanha não se comove com as críticas que lhe foram feitas por esse Blog. Diz na entrevista abaixo, feita pelo site Amazônia em Revista, que a Funai não está cedendo nada ao CTI, só reconhecendo sua presença. Que o único propósito do convênio é estabelecer normas e regras, ora, ora.

Perguntado na bucha se ele é a favor das hidrelétricas do rio Madeira e do rio Xingu, especialmente a UHE Belo Monte, todas elas muito controversas, ele foge da questão completamente. Responde comovido e criticamente que os índios não são ouvidos e são os últimos a serem consultados. Eis sua cantinela indigenista. Entretanto, quando questionado sobre porque os índios que estão incluídos no Convênio não foram consultados, diz, num segundo momento, que os índios não precisam saber sobre esse convênio porque é "muito abstrato". Eita, a coisa é feia.

Na verdade, Gilberto Azanha não diz o que pensa porque gosta de jogar nas duas pontas da questão indígena. Faz estudos para empresas de todos os tipos sobre os impacto ambientais que os índios possam sofrer, define que compensações podem ser feitas, de um lado; de outro lado, diz aos índios que tal empreendimento é um escândalo e que vai acabar com suas vidas. Joga uma ponta contra a outra para ver se tudo dá em soma zero. Foi assim que fez no caso da UHE Estreito, no rio Tocantins, e deixou um impasse sem fim, os custos disparados, e os índios no cúlpitro e a ver navios.

Mais recentemente, o CTI, sem ambiguidades, é a Ong neoliberal que está com um baita contrato com a empresa CNEC para fazer precisamente os estudos de impacto étnico e econômico sobre os povos indígenas que serão afetados pela UHE Belo Monte, a maior de todas as hidrelétricas brasileiras.

Ao ser perguntado se era a favor ou contra de hidrelétricas no rio Madeira e no Xingu, podia ao menos ser honesto e dizer que é a favor, como foi a favor das hidrelétricas do rio Madeira, cujos estudos de impacto etno-ambiental também foram feitos pelo CTI. Ou que é contra, mas que está aproveitando os estudos que lhe foram incumbidos para alertar os índios sobre os perigos que advirão dessa hidrelétrica. Mas não, ficou no disse que não disse.

Azanha deveria, aliás, dizer de cara aos índios Kayapó, sem subterfúgios, que sua Ong está trabalhando para convencer os índios Juruna, Xikrin do Bacajá, Assurini, Arara, e outros mais de que a UHE Belo Monte é uma maravilha da engenharia brasileira e que será muito bom para o país e para todos. Ao menos para justificar seu trabalho, seu dinheiro, seu pão de cada dia, sua dignidade de cidadão brasileiro.

Muita gente pensa isso, que a UHE Belo Monte é maravilhosa, e não é ilegítimo pensar assim, digo eu. O que não se pode fazer é fugir de suas responsabilidades perante os índios.

Aliás, por falar em Kayapó, eles estão planejando fazer uma grande assembleia, em meados de março, na aldeia Kriketum, para discutir esse assunto de Belo Monte. Os Kayapó querem a presença inclusive do presidente Lula para ouvir a voz deles. Um dos seus principais líderes, Akyaboro, está hoje de manhã na Casa Civil tentando falar com o presidente Lula para transmitir o convite. Será que a ministra Dilma Roussef não poderia ir? O mesmo convite será feito para o ministro do Meio Ambiente, de Minas e Energia, da Justiça, e o presidente da Funai.

Os índios querem as coisas em pratos limpos. Não carece enrolar eles.


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Entrevista: "Os índios são sempre os últimos a falar", diz antropólogo - 16/02/2009

Local: São Paulo - SP
Fonte: Amazonia.org.br
Link: http://www.amazonia.org.br

Thais Iervolino

Gilberto Azanha é antropólogo e coordena o Centro de Trabalho Indigenista (CTI). Há mais de 30 anos trabalhando com os povos indígenas da Amazônia, Azanha conta, em entrevista exclusiva, quais os principais desafios que povos indígenas enfrentam hoje, a situação atual dos índios isolados, além de contar um pouco da atuação o CTI na região e sua relação com a Fundação Nacional do Índio (Funai).

Amazônia.org.br - Quais os desafios com relação à questão indígena na Amazônia?
Gilberto Azanha - Primeiro é o Estado realmente ter presença para acabar com as atividades irregulares que ocorrem na Amazônia e acabam afetando as terras indígenas.

O outro é o governo respeitar os interesses dos povos indígenas e a autonomia administrativa que eles têm que ter nas terras deles. Eles são parcialmente ouvidos ou são ouvidos a posteriori, principalmente quando se trata de grandes projetos, por exemplo agora o PAC [Programa de Aceleração do Crescimento]. Esses são os desafios, que têm a ver com a presença do Estado, para o bem ou para o mal.

Amazônia.org.br - Qual a sua opinião sobre os grandes empreendimentos previstos na Amazônia, como as hidrelétricas do Madeira (RO) e Belo Monte (PA)?
Gilberto Azanha - É o que eu te disse anteriormente: de um lado tem a leniência do Estado com relação às atividades ilegais como o corte de madeira e do outro a história com relação às obras do PAC, na qual os índios são ouvidos na última etapa de um processo.

Não se discute antes com eles a necessidade disso, para eles entenderem e terem direito de responder 'nós temos outra necessidade'. Nunca é um diálogo, sempre é uma imposição. Os índios são sempre os últimos a falar e quando eles protestam e o Ministério Público entra no caso falam que "os índios e o ministério atrapalham o progresso da nação".

Amazônia.org.br - Com relação aos índios isolados, no ano passado vocês denunciaram a ausência do Estado peruano no atendimento a esses povos. Como está essa situação?
Gilberto Azanha - Continua igual. O Peru não quer saber. O peru colocou na cabeça que vai explorar petróleo na Amazônia, custe o que custar, independentemente do que se ocorre, se tem índio isolado em suas terras.

Eles [governo peruano] acham que "índios isolados" é pura "invencionice" de ONGs. Os peruanos continuam fazendo exploração predatória dentro das terras deles e empurram povos já contatados para o território dos índios isolados, isso faz com que haja problemas, os índios isolados migram - fugindo dessas lutas.

Os índios isolados, na verdade, são isolados porque eles fogem e não porque eles não sabem o que está acontecendo. Eles têm noção do que é avião, tem acesso a bens, mas eles não querem ter o contato, eles refutam o contato, eles fogem do contato. Mesmo com povos já contatados, eles vêem como uma ameaça.

Eles não têm noção de fronteira. Eles entram num lugar onde não tem esse tipo de pressão e esse lugar, por acaso, se chama Brasil. Este lugar, por acaso, tem uma política consequente e coerente da Funai - de duas décadas pelo menos - em deixar essas populações tranquilas e ter o contato quando elas acharem que é conveniente para elas.

A gente apoia esse projeto. A gente consegue financiamento de fora para apoiar porque a Funai nunca tem orçamento nem estrutura.

Essa questão é muito delicada, porque os povos isolados têm pouca resistência orgânica. A Funai tem que ser eficiente nessa área se ela quer preservar esses povos.

Como apoiamos, vamos captar dinheiro no exterior, elaborar um termo de cooperação com a Funai e comprar materiais, fazer expedições para a Funai executar, para colocar à disposição da Funai.

Amazônia.org.br - No ano passado, o CTI assinou um termo de cooperação com a Funai. Do que se trata o termo?
Gilberto Azanha - Estabelece normas e regras para a cooperação nessas áreas, para o desenvolvimento dos povos indígenas.

Amazônia.org.br - Há duas semanas, foi publicada no blog do ex-presidente da Funai Mércio Gomes (http://merciogomes.blogspot.com) uma denúncia dizendo que os índios não foram informados sobre o termo. Como foi o processo para a realização desse acordo com a Funai?
Gilberto Azanha - Trabalhamos na Amazônia há mais de 30 anos. Esse termo é uma maneira de a Funai regularizar a nossa presença em terras indígenas.

Eles [os índios] não precisam ser informados porque é uma coisa abstrata: um termo de cooperação para estabelecer normas e regras para a atuação do CTI em terra indígena. Não é o que o Mércio diz, que a Funai está entregando suas ações. É o contrário: a Funai está regulamentando a nossa presença em terra indígena.

Amazônia.org.br - Quais as atividades que o CTI realiza na região?
Gilberto Azanha - Desde estudos de demarcação de terras até projetos de saúde e educação.

Amazônia.org.br - Vocês atendem a quantos povos indígenas?
Gilberto Azanha - Diversos povos, mas especialmente os Xavantes. Já atendíamos antes mesmo da fundação da organização. O CTI foi fundado, em 1979, para dar uma estrutura institucional para as ações que diversos antropólogos. O que a Funai quis fazer é dar um exemplo de como se pode regulamentar. Estamos fazendo isso. Qualquer chefe de posto da Funai nas regiões em que trabalhamos sabe quem somos nós, qual a relação que temos com os índios.

Amazônia.org.br - Quais as próximas atividades do CTI?
Gilberto Azanha - Em relação à questão dos índios isolados no Peru, onde a situação é mais terrível, nós vamos continuar se aliando às organizações indígenas. Lá, a maioria das organizações de direitos dos índios são organizações indígenas. Fazemos encontro, atuamos, pressionamos a Petrobrás, que tem lotes de terrenos na Amazônia peruana...

No Brasil, conseguimos um financiamento da USAID [Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional] para continuar apoiando as ações da coordenação de índios isolados da Funai.

Com relação às outras populações indígenas da Amazônia, quais são as atividades previstas para este ano?
Gilberto Azanha - Para este ano, a gente continua com o nosso trabalho de educação no Vale do Javari, que é um projeto de conservação do vale. Temos um trabalho no médio Xingu e continuaremos com os trabalhos no Maranhão e no norte do Tocantins, que também é um trabalho de educação, de demarcação e regularização fundiária e de aliança e apoio às organizações indígenas locais.

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