quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

26 índios Xukuru são condenados em Pernambuco. Por que?

Para seu conhecimento e sua reflexão sobre a quantas anda a imagem dos índios brasileiros diante da Justiça formal brasileira, leia a notícia abaixo.

Trata-se de uma sentença proferida por um juiz federal em Pernambuco contra 26 índios Xukuru, que vivem na Terra Indígena Xukuru, vizinhos da cidade de Pesqueira, na região do agreste pernambucano. O caso advém do seguinte acontecimento, resumido.

Em fevereiro de 2003, o índio Xukuru Marcos Luidson, conhecido como Marquinho Xukuru, filho do falecido cacique Chicão, que conseguira alguns anos antes dar partida ao processo de reconhecimento e retomada das terras dos Xukuru naquela região, e que havia sido assassinado, estava viajando de sua aldeia para a cidade de Pesqueira. Marcos Luidson era então um jovem de pouco mais de 20 anos, mas havia sido proclamado pelos pajés dos Xukuru, em consulta com os encantados que compõem o universo místico-religioso daquele povo, como o novo grande chefe dos Xukuru, em substituição ao seu pai falecido. Ao se aproximar da vila de Cimbres e ao diminuir a marcha para permitir a passagem de uma boiada, Marcos foi abordado agressivamente por alguns índios rivais com os quais se altercou em discussão e ameaças, luta corpórea e tiros, ao final dos quais, dois de seus companheiros quedaram mortos. Marcos conseguiu escapar do cerco e fugir por um canavial.

Esse acontecimento é relatado assim por Marcos Luidson, embora haja divergência com o relato na visão do lado oposto.

Alguns dias depois, uma multidão de índios ligados ao cacique Marcos Luidson atacou a vila de Cimbres, onde moravam duas centenas de famílias de Xukuru que não seguiam a orientação política da maioria comandada por Marcos. (Obs.: os Xukuru somam cerca de 5.500 indivíduos.) O resultado foi a queima de muitas casas, automóveis e criação e a expulsão dessas famílias à força, com a ameaça de que jamais voltariam a viver entre eles.

As famílias expulsas foram abrigadas pela FUNAI, que ficou com a incumbência ordenada pelo Ministério Público de cuidar delas até que fossem restituídas as condições sociais e econômicas em que viviam.

Durante anos a Funai reservou uma parte de seu orçamento enviado à AER de Recife para cuidar minimamente do bem-estar das famílias que lá permaneciam hospedadas em pensões ou em casas de aluguel. Em certo momento, em fins de 2003, havia cerca de 600 pessoas. Nos anos seguintes, algumas famílias retornaram a Cimbres, e se hospedaram em casas alugadas pela Funai. Por sua vez, houve diversas tentativas de se obter uma ou mais glebas de terras para abrigar famílias cujo retorno à Terra Indígena era impossível de ser realizado. Ademais, mesmo entre as famílias expulsas havia rivalidades difíceis de contornar. Um dos líderes queria uma boa fazenda só para si mesmo! O INCRA, em vários momentos, conseguiu terras de fazendas postas à venda, mas os índios concernentes não as aceitavam, preferindo outras mais difíceis de serem obtidas, por preços mais exorbitantes e fora das possibilidades da Funai.

Enquanto isso, corria em juízo o processo instaurado sobre o acontecimento da invasão da vila de Cimbres, cujos resultados judiciais começam a despontar nesses dias.

O que consta abaixo é precisamente um dos resultados. 26 índios Xukuru foram condenados, embora ainda tenham direito de recorrer em liberdade, a sentenças que podem variar entre 1 e 10 anos. São índios que participaram diretamente da invasão de Cimbres. O estranho inesperado é que os procuradores da Funai não foram chamados para fazer a defesa dos índios, a qual ficou nas mãos de um advogado pernambucano indicado pelo CIMI. A falta de conhecimento indigenista deve ter sido uma das fortes razões para o resultado embaraçoso que aí está. Os índios é que pagarão o pato.

De todo modo, parece uma condenação extremamente exagerada. Tumultos muito mais sérios perpetrados por multidões enfurecidas dificilmente recebem condenações desse tipo. Em segundo lugar, a explicação dada para isso implica uma visão de história que está longe de ser verdadeira. Eis como explica sua sentença o juiz:

"em nenhum tempo da humanidade, nas sociedades mais ou menos desenvolvidas, hoje ou antes, qualquer mínimo sentimento de idoneidade para com o coletivo poderia admitir o ataque desenfreado a membros de uma mesma comunidade e a crueldade pura e simples para com próximos muito próximos".

Será que esse juiz está no Brasil, no mundo, ou perto do Paraíso? Ataques de pessoas de uma mesma comunidade contra outras é moeda corrente em todo mundo, "civilizado" ou "bárbaro", de hoje ou de sempre. O que houve entre os iugoslavos, recentemente, só para citar um dos mais graves momentos de ódio intra-étnico?

Ao contrário do que imagina o juiz, em sua intenção de corrigir um erro humano, o que ocorre é que, em muitos desses casos, o alarme e o ódio levantados só podem ser remidos por uma negociação entre as partes para que haja a possibilidade de recomposição e reconciliação.

A sentença do juiz, seus argumentos refletem uma posição preconceituosa, eivada de sentimentos negativos para com os índios Xukuru. Não é que não seja preciso algum tipo de punição, porém se tal sentença chegar a ser cumprida, o ódio entre os grupos rivais Xukuru vai permanecer indefinidamente. Se o juiz considera que isso é só uma advertência, porque há recurso, então ele está alimentando o sistema jurídico sem senso de objetividade para com a solução do caso.

Portanto, não é aceitável que uma sentença venha a acirrar ódios intra-étnicos. É preciso que a Funai e o Ministério Público contestem essa sentença e não permitam que ela danifique intempestivamente as possibilidades de reconciliação entre os grupos Xukuru rivais.

Talvez o que esteja acontecendo é que a Justiça brasileira está dando sinais de que vai endurecer em seu julgamento sobre os povos indígenas. As tais 19 ressalvas feitas pelo ministro do STF, Menezes Direito, seguidas por sete ministros durante o julgamento do caso Raposa Serra do Sol, em 4 de dezembro último, podem ser interpretadas como um ponto inicial dessa nova inclinação.

Certamente que segmentos regionais do Judiciário brasileiro acompanham o STF e suas sentenças majoritárias. É de se esperar que uma reflexão mais profunda feita por ministros e juízes brasileiros resultem numa visão equilibrada e não distorcida da realidade indígena e sua relação histórica com a sociedade nacional.

Não carece enquadrar essa realidade pela visão ilusionista e messiânica que prevalece em certas hostes indigenistas. Há sólidos elementos históricos para se formular uma visão equilibrada e justa da relação entre índios e sociedade nacional diante das mudanças sociais e culturais pelas quais a sociedade brasileira está passando.


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Justiça condena 26 índios por ataques de 2003 em PE

Agência Estado, por Angela Lacerda

Recife - Vinte e seis índios da tribo Xucurus foram condenados nesta semana a penas que variam de um a 10 anos de prisão, em primeira instância, pelo juiz da 16ª. Vara da Justiça Federal, Francisco Glauber Pessoa Alves, por destruição e incêndio de carros e casas em 2003, na Vila de Cimbres, no município de Pesqueira, no agreste pernambucano. Eles podem recorrer ao Tribunal Regional Federal (TRF-5 região), no Recife, aguardando os trâmites do processo em liberdade.

O conflito foi provocado como represália pela morte de dois índios Xucurus de Ororubá, supostamente assassinados por índios Xucurus de Cimbres. Os Xucurus de Ororubá são dissidentes da tribo dos Xucurus que vivem na Vila de Cimbres. De acordo com a Justiça Federal, o processo original foi desmembrado em sete ações a fim de dar mais rapidez ao trâmite. Deste total, seis ações já foram julgadas, com a oitiva de 30 réus, 17 testemunhas arroladas pelo Ministério Público Federal e 43 testemunhas da defesa. Quatro dos réus foram absolvidos.

Os 26 índios foram condenados por porte ilegal de armas, incêndio, constrangimento ilegal e dano. Os réus chegaram armados e incendiaram casas onde se encontravam mulheres e crianças, "num episódio de tensão e horror", qualificou o juiz federal. Na sua sentença ele observou que "em nenhum tempo da humanidade, nas sociedades mais ou menos desenvolvidas, hoje ou antes, qualquer mínimo sentimento de idoneidade para com o coletivo poderia admitir o ataque desenfreado a membros de uma mesma comunidade e a crueldade pura e simples para com próximos muito próximos".

3 comentários:

´THEODORA disse...

Caro Mércio:
O caso do "queima-queima", já resultou em ação de reintegração de posse, concedida pela justiça federal e mantida pelo TRF5. Está em fase de cumprimento de sentença. Por outro lado, o advogado que oficiou no crime, foi contratado pelos índios, a peso de ouro. A comunidade arrecadou $$$ e vendeu renascença nos EUA, através da Ilma Paixão. Não se pode afirmar que tenha sido indicado pelo CIMI, mas se pode afirmar que os procuradores da Funai - ADR/Recife, o tinham como um dos melhores criminalistas brasileiros, o que influenciou os xukúru, na escolha.

Unknown disse...

Querido Mércio, sou professora de escola pública, leciono atualmente na antiga 4ª série, e tenho recorrido ao material que você disponibiliza para estudos acerca de nossos indígenas. Meus alunos e eu estamos conhecendo um pouco mais os índios da região norte e, em breve, pousaremos aqui no nordeste, com intenção de visitarmos uma aldeia pernambucana. Sou aborígene etnocêntrica, de alma e coração. Infelizmente não consegui adquirir seus livros, todavia, continuaremos acompanhando seu blog. Publicarei alguns trabalhos em meu blog: htpp//www.educarencantando.blogspot.com
Um grande abraço e parabéns pelo lindo trabalho.
Professora Sunamita Oliveira

Mércio P. Gomes disse...

Prezada Profa. Sunamita, vi seu blog e gostei muito. De minha parte, fico feliz por estar servindo a jovens que querem saber sobre os índios brasileiros. Abraços, Mercio

 
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