segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Rede Globo faz matéria sobre os Kulina e o suposto canibalismo

Ontem à noite, a Globo mostrou no seu programa de variedades O Fantástico uma matéria sobre o suposto caso de canibalismo perpetrado por índios Kulina, da região do rio Purus, no oeste do estado do Amazonas.

O programa foi narrado por uma repórter da Globo e contou com entrevistas de um ex-indigenista, do presidente da Funai e de um antropólogo acreano. A repórter filmou a aldeia, as casas e o ambiente ao redor e entrevistou alguns índios Kulina, na própria aldeia onde o suposto fato teria acontecido. O suposto fato do canibalismo foi negado por um índio entrevistado. Já os policiais civis que a acompanharam confirmaram ter ouvido de outros índios que o fato teria acontecido mesmo.

O que há de certo nessa história é que um rapaz da cidade de Envira foi convidado por alguns jovens indígenas Kulina para visitar a aldeia. Lá beberam muito álcool juntos e o rapaz foi assassinado cruelmente, com muitas facadas, seu corpo foi esquartejado e atirado em diferentes lugares e parte de suas vísceras foram achadas num panelão. Um policial local disse que o fígado teria sido assado. Dois índios teriam dito anteriormente que os índios que participaram do assassinato teriam comido parte do corpo do rapaz.

Na entrevista com a repórter, um índio adulto, muito constrangido, negou que os outros tivessem comido parte do morto. Foi uma negativa diplomática ou verdadeira?

Para os efeitos da repercussão da notícia, o modo como a matéria foi editada deixa poucas dúvidas de que houve alguma coisa estranha nesse assassinato. O ex-indigenista disse que duvidava do fato porque os índios já estavam em contato permanente com a sociedade brasileira, sugerindo nas entrelinhas que já sobre os índios isolados não se pode ter tanta certeza de que tais coisas não aconteçam.

Ora, é o cúmulo do sensacionalismo barato. Deixar no ar a ideia de que índios isolados possam estar praticando canibalismo é incoerência indigenista e falta de visão sobre o que consiste o canibalismo ritualístico que já foi praticado pelos índios Tupinambá no Brasil, pelos Carib, da região caribenha e por dezenas de outros povos mundo a fora.

Já esse caso de suposto canibalismo não passa de uma bizarrice individual, fruto de rivalidades e ódios incontidos entre pessoas. O abuso irrefreável do álcool, não só da cachaça como tal, mas do puro álcool etílico, consumido pelo grupo atacante, foi evidente instrumento desse ato. O assassinato aconteceu há mais de duas semanas e foi relatado nesse Blog. Estava restrito à mídia local e só tomou a mídia nacional depois que passou na TV CNN e nos jornais americanos e europeus.

Pesquisei no Google sobre casos desse tipo e vi que são muitos. Esquisitices, bizarrices, escabrosidades e perversões individuais e coletivas ocorrem pelo mundo a fora aos montes. São sensacionalisticamente chamados de canibalismo e frequentemente as matérias jornalísticas intencionam incutir nas pessoas a ideia de que existe um sentimento atávico de selvageria representada pela vontade de dominar o outro que leva o ser humano a perpetrar tais atos. A especulação sobre esses casos corre solta, desde explicações psicanalíticas até neurológicas.

O caso presente, por estar acontecendo nesse momento, tem outra dimensão. Esse acontecimento parece ter alcançado a mídia nacional pela proposição, inconsciente ou conscientemente, de disseminar a ideia de que os índios brasileiros estão saindo fora dos limites da aceitabilidade social. Isto é inaceitável.

Sobre isso devemos cuidar. Se houve consumo de partes do corpo humano do infeliz rapaz, tal se deu não por causa da cultura kulina, nem de nenhuma cultura indígena da atualidade, mas por distúrbio mental momentâneo daqueles que participaram do suposto ato. Tal ato não é perdoável e esses rapazes têm que ser ouvidos e trazidos a julgamento. Mas não se pode deixar que a sociedade brasileira seja contaminada por alusões de selvageria e bizarrices dos povos indígenas.

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