quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Na ditadura Funai espionava missionários -- II

Em prosseguimento à matéria central sobre a espionagem que a assessoria de segurança e informação da Funai fez contra missionários e outros, no tempo da ditadura militar, o jornalista Rubem Valente entrevistou o coronel-aviador Paulo Moreira Leal, que foi presidente da Funai entre 1981 e 1983 sobre esse período.

Segundo a matéria, foi o coronel Leal que reatou relações com indigenistas críticos à Funai, depois que 40 deles foram demitidos em abril de 1980, e com missionários do CIMI.

O coronel Leal fala com mágoas desse período. Eis sua entrevista.

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Coronel diz que Funai foi "folha negra na vida"

Folha de São Paulo, por Rubem Valente

Presidente da FUNAI entre 1981 e 1983, o coronel-aviador reformado Paulo Moreira Leal, 94, disse que sua passagem pelo órgão foi "uma folha negra na vida" e não quis fazer mais comentários. Ele foi procurado para falar sobre as funções da ASI, o braço do SNI (Serviço Nacional de Informações) no órgão indigenista. "Não queria voltar a esse assunto [FUNAI] porque o sr. sabe, magoou muito a gente. É a vida", disse o coronel.

Documentos da ASI mostram que a gestão de Leal reatou as relações com indigenistas críticos à ditadura e fez uma distensão com o Cimi, ligado à Igreja Católica. Em 1981, Leal voltou a autorizar a entrada de missionários em áreas indígenas.

Chefe do escritório do SNI em Manaus (AM) no final da década de 70, o coronel reformado do Exército Delcy Gorgot Doubrawa, 79, mandou ofícios à FUNAI, em 1979, para pedir informações à ASI da FUNAI sobre assembleia indígena no Amazonas. "Eu trabalhava em Manaus, que era o ponto central. E os comandantes dessas unidades de fronteira nos abasteciam com informações. Mas, no meu período, ali, não houve atritos." Doubrawa não se recordou do ofício. "Não me lembro, mas se o sr. está lendo, realmente o documento foi expedido. É que a FUNAI tinha mais contato, mais informações, e nós nos valíamos também dos dados da FUNAI, pois eram dados confiáveis."

O general-de-divisão reformado Francisco Batista Torres de Melo, 84, disse não se recordar do pedido feito pelo então presidente da FUNAI, general Ismarth de Araújo Oliveira, para que infiltrasse um militar entre os salesianos. Melo disse que a própria Igreja Católica "tomou providências" contra a parte do "clero à esquerda". "Você viu que a santa igreja foi em cima deles, "não pode ser assim". A santa doutrina da igreja está acima dos homens."

Alvos

O padre Antônio Iasi, 89, cofundador do Cimi, foi dos mais vigiados pela FUNAI nos anos 70. "De início, o Ismarth autorizou o trabalho do Cimi nas aldeias, mas quando percebeu que fazíamos relatórios para a imprensa, ele cortou completamente a autorização. Nós continuamos a fazer o trabalho clandestinamente, e a situação ficou tensa", relembrou Iasi. Os relatórios descreviam as más condições de saúde e alimentação nas aldeias.

O bispo dom Tomás Balduíno, 73, outro cofundador do Cimi, descrito em relatórios da FUNAI como "subversivo", ironizou a palavra. "De certa forma era verdade mesmo, nós fazíamos a subversão nas aldeias porque o índio começava a despertar para seus problemas. Quando o Cimi chegou, foi uma transformação radical. Eles [índios] começaram a buscar a recuperação de suas terras e de sua cultura", disse o bispo. (RV)

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