segunda-feira, 16 de junho de 2008

Tragédia Guarani: Jovens guarani matam colega por desavença sem sentido

O pouco caso com que as autoridades indigenistas (Funai, Funasa, MEC, MDS, Ministério Público) estão lidando com a situação no Mato Grosso do Sul está levando os índios Guarani a paroxismos de desespero e violência.

A notícia abaixo é estarrecedora. Só podemos suportá-la se considerarmos que a descrição do que houve e da reação das culpadas é um exagero da Polícia local. Duas mocinhas guarani mataram outra mocinha por causa de uma discussão entre elas. Mataram-na barbaramente com facãozadas.

As estatísticas mostram que aumentou em mais de 200% o número de mortes de indígenas, de 2006 para 2007, perpetrado por indígenas dentro das terras indígenas ou em cidades vizinhas. Violência, ao que parece, gratuita, pois não compreensível por razões causais imediatas. Algo muito mais profundo está por trás dessa violência.

As autoridades indigenistas se escondem por trás da cortina de fumaça que é o discurso da falta de terras em relação ao número de índios Guarani que vivem na região. Com isso se esquecem do que é a cultura guarani, dos seus dilemas e aporias, de sua visão trágica do mundo, e da tragédia da incompreensão mútua que vem sendo o relacionamento desse povo com a sociedade colonial e moderna. Não compreender isto é deixar por conta do descaso e das forças culturais exógenas a situação imponderável dos Guarani, e intensificar o desespero em que estão vivendo.

A gestão atual da Funai e seus conselheiros antropólogos, procuradores e missionários vêm prometendo aos índios que serão feitos estudos de identificação de 36 novas terras indígenas, todas no Cone Sul do Mato Grosso do Sul. Essa promessa vem desde meados de 2007. Porém a Funai não consegue nem formar os grupos de trabalho para iniciar esse processo. A irresponsabilidade de fazer promessas que não cumprirão leva os índios a situações cada vez mais desesperantes. Os índios terminam apelando para posicionamentos que se chocam não só contra o órgão indigenista, quanto contra a sociedade dominante ao seu redor. Emerge disso tudo um radicalismo incontrolável, beirando a ilusão messiânica. Se nada for feito para reparar esse desleixo a situação interétnica na região poderá ficar ainda mais incontrolável nos próximos anos.

Outra frente de atrito, igualmente por promessa de demarcação de terras, está se abrindo na região das cidades de Miranda e Aquidauana, oeste do Mato Grosso do Sul. Um grupo bastante numeroso de 500 índios Terena, moradores da Terra Indígena Cachoeirinha, fechou uma estrada local e prendeu diversas pessoas que passavam de automóvel e caminhão. Reteve por várias horas um funcionário da Funai até que conseguiu a promessa de uma audiência com o presidente da Funai nesta semana. Os Terena estão acampados numa fazenda de 55 hectares que alegam ter pertencido aos seus antepassados e querem o cumprimento imediato da promessa feita pela Funai de que ampliará sua terra de 2.600 hectares para 36.000 hectares. É evidente que isto trará problemas insolúveis para a Funai. A promessa foi feita, aliás, pelo ministro Tarso Genro, ao assinar uma portaria de demarcação um ano atrás. Pode tê-lo feito sem saber do que se tratava, mas aí também seria irresponsabilidade de sua assessoria.

De promessa em promessa, sem cumprir nenhuma delas, a Funai vai perdendo sua moral perante os índios. Perante o Congresso Nacional a Funai vem sendo ameaçada por diversos Projetos de Lei no que tem de mais importante: o direito reservado de demarcar terras indígenas. Perante a sociedade nacional transmite a imagem da incompetência, do exagero, da irresponsabilidade e da incapacidade de ação.

O governo Lula tem que fazer algo sobre isso já, agora. Não pode ficar com firulas administrativas, com divisão de poder em nome de uma suposta "transversalidade" e das verbas indigenistas sendo pulverizadas entre diversos órgãos e muitos programas sem resultados palpáveis. Deixar a Funai se desmilingüir nas mãos das Ongs e de pessoas que não se responsabilizam por seus atos é uma ofensa ao indigenismo rondoniano e à tradição indigenista que remonta ao Patriarca da Independência. Como no caso da Amazônia e do desmatamento desenfreado, não dá para se esperar pelo próximo governo.

Que o presidente Lula aproveite sua ida à Comissão Nacional de Política Indigenista, nesta próxima quarta-feira, e desembuche o Plano de Carreira Indigenista da Funai, a criação da Escola de Indigenismo, a melhoria dos salários dos atuais funcionários, uma re-estruturação racional do órgão (não a que está em pauta), a unificação da Funasa-Funai (não o simples reforço dos DSEI, como a Funasa vem apregoando) e a federalização da educação indígena. Aí dará para recomeçar a fazer política indigenista neste país.

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Indígena de 12 anos é morta por outras duas jovens em MS
Segundo a Polícia Civil, índias de 14 e 15 anos atacaram garota a golpes de facão e confessaram o crime, ocorrido em aldeia

Corpo foi encontrado com cortes no pescoço e fratura no crânio; agressoras teriam agido sob efeito de álcool, após um desentendimento

RODRIGO VARGAS
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CAMPO GRANDE

Uma índia de 12 anos foi atacada e morta a golpes de facão por duas outras índias de 14 e 15 anos, segundo a Polícia Civil. O crime ocorreu na madrugada de ontem, durante um baile na aldeia Limão Verde, das etnias guarani e caiuá, em Amambai (382 km de Campo Grande).

De acordo com a polícia, as adolescentes confessaram o crime e estão apreendidas na delegacia na cidade, à espera de uma decisão da Justiça. A vítima, Lívia Martins, foi encontrada nua, com vários cortes no pescoço, fratura no crânio e a mão direita quase decepada.

As agressoras afirmaram, segundo a polícia, que o ataque foi motivado por um desentendimento ocorrido no baile. Disseram que agiram sob efeito de álcool e que, por isso, não se lembravam de detalhes do crime.

Um morador da aldeia disse ter ouvido gritos por socorro, mas teve medo de intervir.

Um agente da Polícia Civil, que pediu para não ser identificado, disse que, neste ano, atendeu a cinco casos de homicídio e a três suicídios na Limão Verde. "Quase toda semana ocorre algum problema mais sério. O consumo de bebidas alcoólicas é muito alto." O agente se disse "impressionado" com o comportamento das garotas ao relatar o crime. "Estavam rindo, tranqüilas, com se tivessem matado um cachorro."

Em 2007, segundo dados da Funasa (Fundação Nacional de Saúde), o número de assassinatos de índios em Mato Grosso do Sul cresceu 214% em relação a 2006 -de 14 para 44 mortes. Os suicídios subiram de 40 para 42 casos, um aumento de 5%.
Um terço dos homicídios e todos os suicídios ocorreram em áreas das etnias guarani e caiuá. A maior parte -a Funasa estima um percentual superior a 90%- ocorreu dentro das próprias aldeias e foi motivada por brigas entre os índios.

Só no sul do Estado, são 40 mil índios, distribuídos por 30 mil hectares. Em Dourados, 13 mil índios ocupam pouco mais de 3.500 hectares. Confinados, eles têm se valido de cestas básicas do governo. A desnutrição infantil foi a causa da morte de quase 50 crianças da etnias guarani e caiuá desde 2005.

A superintendência da Funai (Fundação Nacional do Índio) no Estado informou que os episódios de violência têm estreita relação com o agravamento das tensões e conflitos por terra.

O Centro de Direitos Humanos Marçal de Aquino disse que enviará uma equipe de advogados para acompanhar o caso. Segundo o presidente na entidade, Paulo Ângelo de Souza, as adolescentes que confessaram o crime estão sujeitas às mesmas sanções previstas no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). "É preciso lembrar que, da mesma forma, elas também têm os direitos previstos no ECA, como o de cumprir eventuais sanções em estabelecimento próprio para crianças e adolescentes."

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