sexta-feira, 6 de junho de 2008

José Sarney se sensibiliza com questão indígena!

Nunca pensei que iria colocar nesse Blog uma crônica do senador e ex-presidente do Brasil José Sarney.

Mas, aí está esta crônica, publicada em sua coluna na Folha de São Paulo, sobre a questão indígena brasileira e sobre a Funai, principal órgão responsável pela política indigenista brasileira.

É uma crônica bastante sensível, que vem mais do seu coração literário do que sua mente política. Mas, o homem é um ser íntegro, de modo que José Sarney deve estar sendo sincero nessa crônica. Sarney pede uma despolitização da política indigenista e um fortalecimento da Funai.

Entretanto, é de lembrar que, quando presidente, José Sarney nomeou Romero Jucá presidente da Funai. A partir daí o órgão passou a depender cada vez mais do discurso militar de segurança nacional. Nesse tempo foi criado o Projeto Calha Norte, a Terra Indígena Yanomami foi dividida em ilhas, as terras dos índios do Alto rio Negro foram divididas em "colônias", e muita corrupção, que estava restrita a alguns burocratas e a militares que dominavam o órgão, passou a percolar por diversas administrações regionais (antes chamadas delegacias regionais). Romero Jucá, atual senador pelo estado de Roraima, foi responsável pela abertura do garimpo desordenado e criminoso nas terras indígenas dos Yanomami e Cinta-Larga, entre outros.

De certo modo, Romero Jucá tem tentado se redimir de sua atuação maléfica na Funai. Ao contrário da bancada de Roraima, Jucá não fez carga política contra a homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, embora, sempre que possível, fez-lhe restrições graves. A última foi nesse período recente de crise quando levou ao STF a idéia de desfazer a homologação e recriar "ilhas", deixando fora da terra indígena diversos áreas essenciais, como a que chamou "Vale do Arroz", isto é, a região onde estão os arrozeiros, o rio Cotingo, onde se faria uma hidrelétrica e outras partes.

Bem, de qualquer modo, eis a crônica do Senador Sarney, com a devida vênia de todos e dele mesmo.

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A NOTÍCIA dos índios isolados nas nascentes do rio Envira, no Acre, fez a questão indígena voltar aos noticiários.

José Bonifácio, com sua visão de Estado e de grande pensador, afirmava que a Independência não se completara porque não abolira a escravidão nem equacionara a questão indígena. Os dois problemas permanecem, com outras faces.

É difícil saber se temos uma política indigenista. A questão foi politizada, os índios são qualificados no restrito grupo de "minorias" e como tal são tratados. Mas o problema é muito mais complexo, com aspectos históricos, científicos, sociais e humanos.

Encarregou-se dele a FUNAI, que vive em crise de permanente penúria existencial, voltada preferencialmente para o assistencialismo. A geração romântica dos indigenistas, sertanistas e apóstolos da causa passou, e os últimos de seus integrantes envelheceram. A entrevista dada por um deles, José Carlos Meirelles, é uma fotografia em palavras da solidão e da nostalgia de um ideal de vida. Ele coloca uma questão central, a de como fazer com que as políticas de educação e de saúde indígenas convivam com a intocabilidade do santuário de uma cultura milenar.

A tese da bondade natural do índio foi um princípio filosófico para Rousseau, Montesquieu e Voltaire. O "bom selvagem" do discurso sobre a desigualdade levava à conclusão de que é a civilização que o corrompe.

Talvez tenha chegado a hora de reavaliar, aprofundar, despolitizar e tornar mais efetivas as soluções e as ações sobre a questão indígena.

A FUNAI, problema que não é de agora, não pode ser esse espaço esquecido e discriminado nas prioridades governamentais. Ela lida com a nossa dívida com o índio, cujo sangue, martirizado, dizia Vieira no século 17, era a causa da infelicidade do Brasil.

Em 1986, quando eu visitava o Rio de Janeiro como presidente, o então deputado Cacique Juruna criou uma grande confusão dentro do ônibus onde estávamos, pois não entendia as regras do cerimonial, que desejava colocá-lo numa cadeira que ele não queria. O governador Brizola disse-me então: "Presidente, esse pessoal não entende que a cabeça desse homem não pode processar essas coisas. Ela tem mil anos".

Com objetividade, ele colocava o nosso desafio impossível: compatibilizar essa cultura com o avanço da humanidade, que leva a ela doenças, angústia, as contradições e os demônios do nosso tempo.

Talvez precisemos colocar em nossos corações o coração dos índios, para amá-los e entendê-los. Não basta apresentá-los com egoísmo como um fóssil antropológico na mídia mundial.

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