Dando continuidade às homenagens a Lévi-Strauss, eis as respostas e considerações de Felipe Montalvão sobre O Pensamento Selvagem e Totemismo.
Vale a pena ler seu texto.
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Felipe Walviesse Moura Montalvão
Universidade Federal Fluminense – UFF
Instituto de Ciências Humanas e filosofia – ICHF
Ciências Sociais, segundo período 2008. Antropologia III
Professor: Mércio Pereira Gomes
1. Por que, ao final de tantas discussões, Lévi-Strauss chega à conclusão que animais e plantas que são referidos em sistemas totêmicos são "bons para pensar" e não, como achava Malinowski, "bons para comer"?
Em “Totemismo Hoje” Lévi-Strauss demonstra como várias correntes e intelectuais pensaram o totemismo até então, demonstrando com inegável erudição sobre o assunto as diversas falhas ou limitações que tal assunto teria sido tratado por todos. Essas falhas estão basicamente divididas em duas grandes maneiras de se tratar o totemismo: ou se negligenciou o tema sem o dar maior importância na organização cultural considerando-o produto de um pensamento primitivo (inferior) das sociedades não civilizadas que simplesmente se identificavam com uma espécie animal ou vegetal, ou, as consideraram como um fator de organização social, porém, com limites de um naturalismo que o estruturalista pretende superar.
Com tal objetivo Lévi-Strauss desenvolve em outra obra, O Pensamento Selvagem, uma teoria que valoriza o modo propriamente de se pensar dos povos ditos selvagens, ele expõe que um animal ou um vegetal não é pensado por um determinado povo por ser necessário ou útil a ele, é antes interessante, pensado, para que se torne algo para o uso cotidiano ou mesmo para as valorizações simbólicas que tais ou quais culturas a atribuirão. O princípio da obra do autor é demonstrar que não se pode reduzir o totemismo a uma ação mecânica e de resposta imediata a uma realidade primeira e não refletida pela sociedade através dos tempos.
É assim que fica clara a crítica ao pensamento de Malinowski sobre o totemismo, este só encara o tema como uma relação direta com a função que determinado animal ou vegetal tem com a dieta desta sociedade, daí que a idéia que se faz do selvagem é que sua preocupação primordial é com o problema da alimentação. Explica-se assim a afirmação de que para Malinowski um animal ou vegetal é totem à medida que é bom para se comer.
Lévi-Strauss defende que a razão pela qual um determinado animal é referenciado no sistema totêmico deve ser investigado em um âmbito mais profundo do que das relações materiais que tais sociedades tem quem com tal objeto (animal, vegetal ou mesmo um objeto inanimado). Ele chega a elogiar o caminho percorrido Boas que associa o totemismo à organização social, mas adverte do limite deste, e propõe que tal associação deve ser procurada na própria estrutura da organização social.
Na estrutura do sistema social de uma determinada sociedade, cada objeto é parte integrante de um todo que o põe em relação com os demais objetos, relações que diferem uns dos outros não só em significado prático da relação direta, mas também em diferenciação de valores, pesos e mesmo de oposição com os outros. Esses significados próprios que cada coisa obtém na estrutura podem conter em si as dicotomias formadoras de contrastes da estrutura. Vê-se, portanto, que a influência da lingüística ainda se faz presente na antropologia lévi-straussiana em comparação com os contrastes de fonemas que pertencem a cada língua no sistema integrado de seus fonemas.
Neste sentido, os objetos totêmicos não são escolhidos de forma arbitrária apenas por uma identificação nos hábitos deste animal, nem ao menos só pela sua importância na dieta desta sociedade. A escolha está baseada no próprio contraste que constitui a estrutura social, cada objeto totêmico está relacionado com o outro - referente a outro clã ou grupo - de acordo com a sua complementaridade ou mesmo oposição direta.
2. Discorra sobre as diferenças e semelhanças entre a ciência do concreto e a ciência do abstrato.
Em “O Pensamento Selvagem” Lévi-Strauss tenta combater a visão que predominava sobre o modo de pensar dos povos ditos primitivos, que, quem geral era comparado com o pensamento de uma criança, sempre posto como inferior ao pensamento ocidental civilizado. Assim, fica evidenciado no livro que o autor tenta estabelecer uma taxonomia sobre as diferentes formas de pensar sem em momento algum estipular uma hierarquia entre ambos.
A principal separação é a de ciência do abstrato e ciência do concreto, a primeira diz respeito ao pensamento civilizado e a segunda ao pensamento dos povos “primitivos”. Ainda há, para uma compreensão dos termos, algo que se pode chamar de um processo do pensar que vai da imagem como o fator significante ao conceito como o significado e simbólico. E ainda, o signo que é algo que está entre a imagem e o conceito, mas não é nem uma nem outra propriamente, não é puramente significante nem significado, flerta – por assim dizer – com características de ambas. Os signos então são significantes na medida em que não se separaram inteiramente da imagem e estão em relação direta com o concreto, com a vida cotidiana estando assim, nunca puros como no conceito, mas o signo é também significado por ser um identificador, embora carregado pelas informações prévias que a cultura o dá na relação com o todo.
Fica relativamente claro que o conceito, por seu caráter de abstração simbólica pura está diretamente relacionado com a ciência do abstrato, assim como o signo está com a ciência do concreto. Mas além da diferenciação estipulada, o autor demonstra que não é privilégio de nenhuma das duas formas de pensar a construção de ciências reais e de resultados concretos ou mesmo o de capacidades de inúmeros termos abstratos, como não raro é encontrado nas sociedades ditas primitivas. A bricolagem (forma de pensar da ciência do concreto) é uma forma de pensamento que está mais voltado para a realidade do cotidiano destes povos, como o de caçar, pescar, colher ou mesmo nas suas práticas medicinais, mas que geram conhecimento que a princípio é tão científico quanto o do engenheiro.
Além dessa equivalência nos modos de pensar, Lévi-Strauss também alerta que nenhuma sociedade pensa somente na lógica da ciência do abstrato ou só na do concreto, há predominâncias em cada uma de uma forma ou outra mas que ambas se fazem presentes como a ciência do concreto nas linguagens metafóricas e poéticas da sociedade civilizada e a ciência do abstratos nas diversas formas de conceitos puros que aparecem em palavras que designam pura abstração ns sociedades primitivas.
3. Discorra sobre o debate entre Lévi-Strauss e Jean-Paul Sartre a respeito das lógicas analítica e dialética e os sentidos de história a estrutura.
Jean-Paul Sartre que escreve “Critica da Razão Dialética” promove uma valorização do pensamento dialético em relação à razão analítica. Havia em torno de seu pensamento uma ambiente favorável ao pensamento dialético graças ao predomínio do historicismo ou filosofia da história, pensamentos sobre a lógica dos processos sociais e humanos.
Lévi-Strauss não elabora uma crítica no âmbito da filosofia, na qual a “Critica” se pretendia, mas no âmbito da sua área própria de atuação que é a antropologia. Sobre este ponto de partida ele demonstra os vários momentos em que Sartre se montra pobre sobre o assunto.
Mas a crítica mais profunda está no que diz respeito á própria razão dialética de Sartre, que elabora uma extensa obra de enriquecimento dos termos da dialética materialista que vinha fortemente valorizada desde Marx. Lévi-strauss põe em dúvida o método dialético como algo que realmente é alguma coisa em si senão a própria lógica analítica em marcha. Discorre na tentativa de mostrar que a razão dialética é o mesmo que um momento inicial da razão analítica, esta que pretende analisar o todo através de suas partes nada de inferior teria com relação àquela que faria este mesmo processo de decomposição para a recomposição em outro momento à frente de algo que é tido como o resultado de um processo. A lógica dialética fica assim, para o autor, como uma espécie de complemento da razão analítica.
O embate também se dá que diz respeito à História – que é em concepção a dialética na realidade em si – para o estruturalista não é possível se conceber a história como algo real, comparando inclusive ela com um pensamento mítico onde os historiadores encontrariam no passado uma ordem ou uma espécie de continuidade temporal coletiva. A história na concepção dialética seria um movimento espiral vertical de desenvolvimento sem volta ao passo que para Lévi-Strauss a história nada mais é do que as potencialidades de uma estrutura que podem ora se de uma forma, ora de outra mas que nada teria a ver com uma mudança completada estrutura, nada como de uma determinada sociedade A mudar para B, C etc. mas num movimento horizontal ou uma sociedade A só poderia mudar para sua variação A’, A’’, A’’’ e mesmo “retornar” de A’’’ à A’’ ou mesmo A’ e A.
4. Quais as grandes ambições do movimento estruturalista dentro da comunidade científica.
Desde que surgiram os primeiros encontros com o objetivo de se estabelecer os parâmetros do conceito de estrutura no final dos anos 50, mesmo que ainda se falasse em estruturalismo, já se pode perceber um movimento que se pretendia numa busca a um rigor científico metodológico, ora, é na definição rigorosa dos conceitos que, muito antes, Durkheim já alertava à distância das ciências humanas das ciências naturais, prima-donas do conhecimento científico.
É desta herança durkheimeana, que por sua vez descende de um positivismo comteano, que o estruturalismo vai se constituir como uma corrente sociológica – ou mais definidamente – antropológica, pelo menos nas áreas das ciências humanas, pois o movimento era muito mais abrangente, pois abarcava a psicologia, economia, filosofia, matemática e outras. Assim, entre as pretensões do estruturalismo na comunidade científica em seus primeiros passos está o projeto de diminuir esta “distância” entre as ciências humanas das ciências naturais ou brutas, na tentativa de tirar esse caráter de “ciências leves” que a primeira obteve em relação com a segunda. E estabelecer um grau de maior proximidade metodológica rompendo com as barreiras da interdisciplinaridade com todos os outros campos da ciência.
Lévi-Strauss foi o que foi mais longe nessas pretensões, e isso fica claro logo no início de seu processo de desenvolvimento do estruturalismo na antropologia ao fazer uso da lingüística em seus trabalhos etnológicos. Isso é, ao buscar princípios metodológicos e teóricos na teoria da comunicação, do idioma, Lévi-Strauss está tentando elevar a antropologia ao nível de desenvolvimento da própria lingüística que já conhecia muito sobre o interior de seu próprio tema há mais de um século, conhecida como a mais rígida e, portanto, próxima das ciências naturais.
Foi na teoria lingüística que Lévi-Strauss estabeleceu os parâmetros do que ele vai chamar de estrutura de uma sociedade, comparando com as teorias da estruturação dos fonemas e morfemas das línguas. Que na lingüística permitiu um desenvolvimento sem igual do poderio científico nesta área, permitindo inclusive certa previsibilidade do comportamento dos fenômenos dos diferentes idiomas através do tempo e espaço.
Além disso, nos diversos embates que a antropologia teve com outras disciplinas e vencendo por consistência que a própria desenvolvera em seu interior, fica aparente que há certa tentativa da antropologia estrutural se tornar o princípio, ou o centro irradiador, que todos os outros ramos das ciências humanas teriam que se basear, isso fica evidente na crítica que Lévi-Strauss faz à Sartre e consequentemente à dialética e à história.
Por fim, o estruturalismo ambicionava encontrar a verdade máxima e última no que foi configurado como estrutura social ou cultural. Encontrar o elemento determinante e invariável que há em qualquer grupo humano, independente do lugar, da cultura o do tempo. Podendo assim, a exemplo da lingüística, poder um dia estabelecer o lugar de cada elemento de uma cultura e poder se arriscar numa previsibilidade do comportamento e movimento da cultura.
5. Por que e como o estruturalismo desmoronou do seu pedestal de respeitabilidade e vem sendo substituído por teorias chamadas pós-modernas?
O estruturalismo levou à antropologia e às ciências humanas em geral, um princípio epistemológico de uma consistência jamais vista até então, princípios rígidos de metodologia que deram um fundamento teórico muito mais profundo às analises sociológicas.
Tais princípios possuíam em si um dos germens de sua própria superação no que se convencionou chamar de pós-estruturalismo, pois que a supressão da história como algo que figurasse realidade, foi considerada princípio da crítica ao paradigma filosófico postulado pelo Iluminismo e ainda reinante no pensamento ocidental moderno. O próprio Lévi-Strauss ao desenvolver uma valorização do pensamento selvagem não diferenciando-o em potencialidades de abstração nem hierarquizando-o em relação ao pensamento ocidental civilizado foi precursor da crítica ao pensamento ocidental como detentor da única possibilidade de verdade ao se pensar a realidade.
O estruturalismo também entrou numa busca cega das análises estruturais que não teria mais finalidade, o que a princípio era a tentativa de se demonstra o espírito do inconsciente coletivo se perdeu num abismo das relações simbólicas da estruturas que no fim já sequer faziam parte do observável, ou mesmo da realidade. Isso se segue até indagações que não eram mais prováveis como a de que a estrutura, em seu princípio, estaria nos sistemas neurais sem que os conhecimentos sobre a composição da organização do cérebro e os neurônios estivessem prontas para afirmar qualquer coisa sobre tal estrutura. A medida que se conhece mais sobre os neurônios e sua forma de atuação, se percebe que não há possibilidades de se pensá-los como algo estruturado ou mesmo com um princípio binário como queria afirmar Lévi-Strauss ao dar a origem da estrutura nesta área. Significa também dizer que a estrutura adquiriu autonomia da cultura não tendo mais relação direta com a constituição da sociedade e da vida coletiva, mas sim de princípios neurais e humanos irredutíveis.
Isso deu origem a um questionamento do por que de se estudar a estrutura, o que ela informa que é realmente importante para o conhecimento real da vida humana na vida coletiva e cultural. O problema, portanto não é o de se questionar se existe uma estrutura, já que somente algo completamente disforme poderia ser caracterizado por não possuir uma, mas na utilidade de se chegar tão profundamente na análise de algo a ponto de se separar da relação com o real, de uma análise da estrutura por si só.
Os filósofos que se seguiram, não só aproveitaram a carona das grandes questões que Lévi-Strauss desempenhou como também viram nesse aprofundamento exacerbado algo infecundo, uma denominação arbitrária, final macabro do que se desenvolveu desde o modelo filosófico iluminista. A proposta, portanto, é a de saída desta busca pelo invariável ou princípio comum da verdade última para a valorização da diversidade.
quinta-feira, 27 de novembro de 2008
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Um comentário:
Ótimo curso e excelente homenagem. Parabéns, professor!
Marcos Milner
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