domingo, 30 de novembro de 2008

Aldeia-favela em Campo Grande


Uma realidade que cada vez mais está presente em muitas cidades brasileiras é retratada nessa matéria abaixo.

Trata-se da urbanização de índios Terena, Kadiwéu e Guarani na cidade de Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul.

O jornalista da MidiaMax trata com um misto de sensibilidade e preconceito a presença de mais uma aldeia nos arredores da cidade matogrossense. Chama-a de aldeião-favela, apresenta-a tendo uma população de 60 famílias e descreve a vida de algumas pessoas. Não dá mais detalhes sobre sua relação com as demais vilas ou bairros indígenas localizados em Campo Grande.

Precisamos de outras matérias de igual natureza para apresentar semelhantes realidades indígenas urbanas em cidades como Manaus, Belém, Altamira, Porto Velho, Cuiabá, Curitiba, etc.

Não há como fugir a essa realidade. Só esperamos que, como diz um velho entrevistado, permaneça o desejo na maioria dos índios de viverem em suas terras e na prática de suas culturas.

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Índios fogem da miséria em aldeia e montam favela

Osvaldo Júnior


Há cerca de dois anos e meio, a paisagem de uma pequena região, que ladeia o bairro Tarsila do Amaral e as matas do Segredo, em Campo Grande, começou a mudar: de terra e mato para um aglomerado de minúsculos barracos, feitos de materiais recolhidos de lixões. Esse lugar é, por ora, uma grande aldeia improvisada, que reune índios Terena (a maioria), Guarani, Kadiwéu e Kaiowá – são perto de 60 famílias, fugitivas de outra miséria, a que existia em suas tribos originais. Algumas dessas famílias vêem, ansiosas, casas de alvenaria brotarem do chão em um ritmo aquém de suas necessidades.

Esse aldeião-favela recebeu, há sete dias, o seu novo membro: o indiozinho Ailson. A casa dele, a exemplo das demais, é um barraco, construído com compensado, paus e lona. São restos de material de obras, tirados de lixos e convertidos em lar. A mãe de Ailson, Vitoriana Paulina, 35, é de poucas palavras. Mesmo assim, ela fala sobre algo que os olhos confirmam facilmente: a situação de pobreza extrema.

Feliz com a chegada do filho, Vitoriana faz questão de apresentá-lo. Também mostra sua casa. A beleza da criança contrasta com a pobreza do lugar. Feita de peça única, o barraco comporta uma cama de casal, uma velha geladeira, um antigo fogão, uma cama de solteiro, uma TV, posta sobre um caixote de madeira e um banco. A presença de outro móvel não é impossibilitada apenas pela falta de recurso, mas também pela ausência de espaço.

Vitoriana, índia Terena, calcula que deixou a aldeia, em Aquidauana, há seis meses. Segundo ela, o conselho para a mudança veio da sogra, que acreditava que a vida na cidade era melhor. Por enquanto, a melhoria não chegou. Com o dinheiro minguado, os bens básicos também se tornam escassos. Ao falar das dificuldades, ela lembra que, por vezes, até a comida some. A renda da família é conseguida pelo marido. “Ele trabalha na horta”, diz.

Da cana à verdura

A “horta”, mencionada por Vitoriana, é o local de trabalho de outros índios, como Márcio Gonçalves, 32. “Dá pra tirar de 120 a 150 por semana”, conta Márcio a respeito do ganho na horta – Vitoriana apresentara valor mais modesto, de R$ 50 a R$ 70.

Márcio mora com sua mulher, Luciana Dias Facuo, 23, em um barraco também construído com restos de obras. Uma cama de casal, uma geladeira e um fogão (todos velhos) formam a mobília. Antes, ele e a esposa moraram com a mãe e a irmã dele em outro barraco nas mesmas condições.

Eles deixaram uma tribo Terena, em Aquidauana, há quase dois anos. Márcio conta que trabalhava em usinas da região. O serviço era de empreita – as usinas contratavam os índios por um período de dois meses para cortar cana. A contratação temporária evitava vínculos empregatícios e dispêndios trabalhistas às usinas.

O trabalho árduo não era remunerado à altura – desproporção que pesou na decisão de Márcio de se mudar, com a família, para Campo Grande. Apenas o pai preferiu continuar na tribo. “Sempre que dá, eu vou lá”, conta o índio, salientando sentir saudade. “É porque...” – faz uma pausa, pensa e conclui – “...lá é diferente”. As diferenças, no entanto, não se estendem à renda – nos dois lugares, o dinheiro é curto. “Ah, dá pra gente comer, mas pra muita coisa não dá não”, contabiliza.

Saúde e educação

“Quando chove com vento forte, eu morro de medo”, diz a jovem avó, Rute Pereira, 35. O barraco, maior que a média (mas pequeno para a quantidade de pessoas na família), é dividido em três peças: quarto, cozinha e varanda. “Quase tudo foi feito com material do lixão”, detalha a índia. Ela lembra que, certa vez, sua casa ficou tomada pela água da chuva – as muitas frestas tornam inevitável a entrada da água. As telhas, único material que não foi trazido do lixão, impediram um estrago maior.

Rute se tornou mãe muito jovem (com 17 anos). Ela tem sete filhos e um neto, de um ano e cinco meses. A criança nasceu da filha mais velha, que tem 18 anos. Com Rute, moram o marido e cinco filhos. Eles vivem com cerca de dois salários mínimos, oriundos de duas atividades: a de pedreiro, exercida pelo marido, e a de feirante, praticada pelo casal.

Na opinião da Rute, que é Terena como Vitoriana e Márcio, a maior dificuldade é relativa à saúde. “Aqui precisa de um posto de saúde”, reclama. O posto mais perto fica a 50 minutos de caminhada. Em se tratando de unidade de 24 horas, a distância é muito maior. “O mais próximo é no [bairro] Nova Bahia. Um dia, minha mãe precisou ir lá e quando voltou já era de madrugada”, lembra-se. Em sua lista de ausências, também consta uma creche e uma escola.

Urbanização

A área com os barracos é a parte ainda não-contemplada com casas populares, construídas pela Prefeitura Municipal de Campo Grande. Trata-se de uma “favela indígena”. Os banheiros ficam do lado de fora. O lugar conta com fornecimento de água, mas a luz é “emprestada” da rede que serve as casas já prontas.
Alessandra Carvalho

Nos quintais de alguns barracos, as casas – com três pequenas peças – estão com o alicerce e o contra-piso findados. Ao lado dessa área, estão casas em fases terminais e, pouco adiante, as já encerradas. Conforme as lideranças locais, a transformação da favela em uma aldeia urbana também é fruto da persistência dos índios em evitar o despejo da área invadida.

O lugar é uma aldeia urbana em gestação e avizinha outra aldeia, a Água Bonita, edificada pelo governo estadual. De acordo com o cacique Adilson Joaquim, essa já é a quarta aldeia urbana de Campo Grande. Expansão de moradias que pode ser vista como aceleração da urbanização do índio. Entretanto, há os que estão decididos a permanecerem aldeados ou que querem voltar para as aldeias de origem. “O meu pai é um deles”, exemplifica o cacique da Água Bonita, Dionedson Cândido, que não acredita na urbanização completa dos índios.

Um comentário:

Anônimo disse...

A proposta da globalização é acelerar essas condições. E pouquíssimos se beneficiarem dos grandes latifundios de grãos, da mineração em terras indígenas e dos financiamentos de agencias bancárias e das políticas de exportações.
A péssima organização social e econômica de distribuição - promovida pelo capitalismo - é perturbante para a natureza e para as comunidades indígenas e não indígenas, é o maior de todos os terrorismos praticados pela Comunidade européia e EUA e outros poucos. E, contraditoriamente, pela Igreja Católica.

 
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