domingo, 30 de novembro de 2008
Homenagem a Claude Lévi-Strauss -- 4
Ainda lembrando a obra de Claude Lévi-Strauss, o aluno Philipe Costa discorreu com eficiência sobre as perguntas que lhe foram feitas na avaliação dos livros O Pensamento Selvagem e Totemismo Hoje.
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Philipe Roberto Asevedo Costa
Antropologia III
Professor Mércio Pereira Gomes,
Universidade Federal Fluminense
1-Porque, ao final de tantas discussões, Lévi-Strauss chega a conclusão que animais e plantas que são referidos em sistemas totêmicos são “bons para pensar” e não, como achava Malinowski, “bons para comer” ?
De forma incansável, Lévi Strauss em seu livro Totemismo Hoje, nos apresenta as teses correntes sobre o totemismo para ir contestando-as uma a uma com o rigor da sua argumentação.
No capítulo III, Teorias funcionalistas do totemismo, Lévi-Strauss nos apresenta na primeira parte o pensamento de Malinowski sobre o totemismo, que por sua vez se encontra reduzido a três questões de fácil resposta, segundo Malinowski. A primeira delas é relativa a presente questão: “Porque o totemismo utiliza animais e plantas ?”, e a resposta de Malinowski, nas palavras de Lévi-Strauss é “porque estes dão ao homem o seu alimento e porque a necessidade de alimento ocupa o primeiro lugar na consciência do primitivo, despertando emoções intensas e variadas” (STRAUSS, Totemismo Hoje p.139).
Respondendo Malinowski, e considerando ao longo de sua explanação outros autores e seus pensamentos (Radcliff-Brow, Úrsula McConnel, Spenceer e Gillen, Firth, Freud e Durkheim) põe em cheque a resposta dada para o totemismo por Malinowski, principalmente porque este defende que o totemismo não é um fenômeno cultural, mais um “resultado natural de condições naturais”, surgindo da biologia e da psicologia e não da etnologia (idem, p.140); assim como sua “procura da utilidade “a todo custo” se choca contra estes inúmeros casos em que os animais ou plantas totêmicas não oferecem nenhuma utilidade” sendo que “ o próprio Malinowski é incapaz de permanecer fiel ao axioma (que, contudo, fundamenta seu sistema) reduzindo as espécies totêmicas a espécies úteis e, acima de tudo comestíveis ...” (idem, p.144).
Defendendo os empreendimentos práticos da antropologia, concebida por Lévi-Strauss como uma ciência que nada mais faz que “verificar uma homologia de estrutura entre o pensamento humano em exercício e o objeto humano ao qual se aplica” (idem, p.167), argumenta que, bem diferente do caminho seguido por Malinowski, porém muito aproximado por Radcliff-Brow, “o totemismo se reduz assim a um modo particular de formular um problema geral: fazer com que a oposição, em lugar de ser um obstáculo a integração, sirva antes para produzi-la” (idem, p.165). Lévi-Strauss com isto quer dizer, a partir do exemplo da divisão “falcão-gralha” das tribos do rio Darling, que esta se apresenta como modelo da aplicação de um principio estrutural, ou seja, união de termos opostos. Uma nomenclatura especial, formada em termos de animais e vegetais, exprimem basicamente correlações e oposições. Estas correlações e oposições, como demonstra, podem ser postuladas de formas diferentes tal como céu-terra, e é a união destes termos que em uma “resulta uma totalidade organizada”.
É a partir deste momento que concluí que as espécies naturais não são escolhidas por serem “boas para comer”, e sim por serem “boas para pensar”, uma vez que a realidade sensível dos animais do totemismo, demonstram relações e noções “concebidas pelo pensamento especulativo a partir dos dados da observação”. Em seu livro, Pensamento Selvagem, desenvolve mais esta questão, em termos da Ciência do Concreto, da qual partilham as sociedades primeiras.
2-Discorra sobre as diferenças e semelhanças entre a ciência do concreto e a ciência do abstrato.
A semelhança que considero mais significativa no pensamento de Lévi-Strauss, em seu livro Pensamento Selvagem, entre a ciência do concreto e a ciência do abstrato, é que tanto o pensamento selvagem (ciência do concreto) como o nosso (ciência do abstrato) são lógicos. A aparente confusão e espontaneidade, no pensamento concreto, nada possui de verdadeiro.
Sendo assim, o selvagem não está exclusivamente governado por suas necessidades orgânicas e econômicas; este, pois, elabora um conhecimento sobre as espécies animais e vegetais, o que as torna úteis e interessantes porque são conhecidas e não o contrário. É neste ponto que a crítica ao pensamento funcionalista, naturalista, afetivo e utilitário de Malinowski se dá com excelência, pois demonstra que a lógica do pensamento selvagem é uma espécie de “bricolage intelectual”, onde elementos díspares e sem relação são unidos para formar um todo coerente. Desta maneira, é através do agrupamento de coisas e seres que os primitivos introduzem um principio de ordem no universo.
Discorrendo sobre a ciência do concreto Lévi-Strauss a relaciona a atividade do bricoleur, e sobre a ciência do abstrato relaciona-se a atividade do engenheiro (físico, cientista). Assim, Lévi-Strauss introduz dois elementos fundamentais que separam uma ciência da outra; enquanto o bricoleur trabalha com um instrumental fechado, matérias-primas bastante heteróclitas, o engenheiro trabalha com matérias-primas e instrumentos que deve buscar de acordo com seu projeto. Disto resulta, em sua analogia, que o engenheiro (ciência do abstrato) se situa além, está para o conceito (capacidade ilimitada); assim como o bricoleur (ciência do abstrato) se situa aquém, e está para o signo (capacidade limitada). Isto equivale dizer que o pensamento selvagem, expresso, por exemplo, nos mitos, está para metonímia da mesma forma que o pensamento cientifico está para metáfora.
Discorrendo sobre a arte, Lévi-Strauss a situa a meio caminho entre o conhecimento científico e o pensamento mítico ou mágico. O artista encerra o duplo sentido de possuir algo do cientista e do bricoleur. Neste momento que duas outras características que opõem a ciência do concreto e a ciência do abstrato se apresentam, pois enquanto o bricoleur cria fatos, pretendendo mudar o mundo através de estruturas, o cientista cria estruturas através de fatos (Lévi-Strauss adverte a inexatidão desta última informação, porém a análise que precede esclarece a questão). Assim, a ciência do concreto estaria para a contigência, sempre se reorganizando a partir dos seus elementos dados, limitados. Já a ciência do abstrato está a busca de estruturas, realizando uma necessidade da razão:
Compreende-se, assim, que o pensamento mítico ... já possa ser generalizado e, portanto, científico; ele trabalha também por analogias e aproximações, mesmo que, como no caso do bricolage, suas criações se reduzam sempre a um arranjo novo de elementos cuja natureza só é modificada à medida que figurem no conjunto instrumental ou na disposição final” (STRAUSS, O Pensamento Selvagem, p.36).
3-Discorra sobre o debate entre Lévi-Strauss e Jean-Paul Sartre a respeito das lógicas analítica e dialética e os sentidos da história e estrutura.
Difícil de compreender a resposta dada por Lévi-Strauss ao livro de Sartre Crítica a Razão Dialética. Porém um elemento se evidencia claramente, o papel da história que tanto Sartre enfatiza.
A história se opõe ao pensamento estruturalista desde o momento em que a prática historiográfica universaliza, unifica e totaliza os fatos de forma que, nas palavras de Lévi-Strauss: “mesmo uma história que se diz universal ainda não é mais que uma justaposição de algumas histórias locais, dentro das quais (e entre as quais) os vazios são muito mais numerosos que os espaços cheios” (STRAUSS, idem, p.285). Parece que o antropólogo afere valor de arbitrariedade a história, pois a narrativa que a história apresenta, através de uma espécie de sucessão de datas a fim de criar uma ordem, por mais complexa que fosse o estudo não seria capaz de cria significação. Esta significação e a possibilidade da história se tornam possíveis uma vez que para um grupo de indivíduos, em dado período, um subconjunto de fatos (e atente ai já a critica a parcialidade) a mesma significação para um outro grupo de indivíduos que não viveram estes fatos. Por este motivo sua crítica se faz pertinentemente ácida ao declarar que “a história nunca é a história mas a história-para”, e do mesmo modo se uma história fosse total ela se neutralizaria a si própria onde seu produto seria igual a zero.
O pensamento estruturalista não poderia produzir uma crítica de outra forma, uma vez que abandona a busca da origem e se ocupa em decodificar as estruturas implícitas aos fenômenos, estando dentro de um sistema a ser explanado e demonstrar seus modelos. Desta maneira, a história seria entendida como mudanças no arranjo dos modelos originando uma nova combinação dentro de um mesmo sistema. A história para o etnólogo e para o pensamento estruturalista é, portanto, descontinua, e pelo fato do pensamento sartriano privilegiar exclusivamente a história e o pensamento dialético ao qual originaria o processo histórico é que Lévi-Strauss remete tão incisivamente sua crítica não somente a história como a dialética. Sua crítica se entrelaça a crítica ao humanismo e ao sujeito, que com o desenrolar do pensamento estruturalista aparecerão de forma mais demarcada, restando somente estruturas reduzidas a combinações binárias.
Em defesa da lógica analítica, apresentada por Sartre como falsa, Lévi-Strauss demonstra categoricamente que Sartre ao discorrer na Critica a Razão Dialética, utiliza a dialética analítica. Segundo a visão sartriana, a dialética possui uma realidade sui generis existindo independentemente da razão analítica. De acordo com o pensamento marxista, a oposição entre as duas razões é relativa e não absoluta, e como a reflexão de Lévi-Strauss parte da marxista, ele nos esclarece sua posição afirmando que a razão dialética é como uma passarela infinitamente prolongada e melhorada que a razão analítica lança sobre um abismo e não chega a outra borda, mesmo sabendo que esta existe. Desta maneira, a magia volta-se contra o feiticeiro, e Lévi-Strauss afirma que o termo razão dialética encobre os contínuos esforços que a razão analítica deve fazer para reformar-se, a fim de abarcar a linguagem, a sociedade e o pensamento.
A crítica a história, de acordo como apresenta Sartre, segue como um prolongamento da crítica a razão dialética uma vez que se definiu o homem pela dialética e a dialética pela história; e então o que fazer com os povos “sem história”, uma vez que seguindo a lógica do pensamento exposto, estes então nem seriam homens? E é por ai que pretende Sartre, ao separar as duas dialéticas, a “verdadeira”, razão dialética das sociedades históricas, e a dialética repetitiva de curto prazo, as das sociedades primitivas, o que as aproxima muito a biologia. Ora, reaproximar as sociedades primitivas a biologia é negar todo o esforço empreendido pela etnologia ao longo de décadas, assim como ir contra todo o estudo do Pensamento Selvagem ! Cabe atentar que Lévi-Strauss não recusa a validade da história.
4-Quais as grandes ambições do movimento estruturalista dentro da comunidade científica ?
Ao que me parece ser, a Antropologia Social suplantou em seu programa a história e a filosofia durante o período em que Lévi-Strauss esteve a frente do Collége de France .
Dentro da comunidade científica, os ecos da ambição da ciência antropológica não poderiam ter outros resultados. Lévi-Strauss considera o etnólogo como um primeiro patamar a ser vencido, uma vez que a proposta é chegar a elaboração de uma síntese final onde o homem fosse entendido, desde sua fase hominídea aos tempos modernos, em sua totalidade. O antropólogo afirma ser a etnologia o único projeto científico que pode passar do singular para o geral, do consciente para o inconsciente.
Tratando de um universo de objetos muito diversos, tal como o mito, a arte, a linguagem, parentesco e magia, a etnologia estruturalista enuncia uma ambição a hegemonia no campo do saber que pretende abarcar o estudo sobre o homem e as sociedades buscando uma unidade estrutural que possa explicar todas as variantes do mesmo fenômeno independentemente da sociedade e do tempo em que ela tenha se encontrado. Desta forma, Lévi-Strauss define a antropologia como “teoria geral das relações”. Ao trabalhar sobre as relações, escapa-se ao que por ele foi considerado o obstáculo da antropologia: a tipologia e a classificação tipológica.
O estudo da antropologia social não separa a cultura material da espiritual, e reconhece que é no cérebro, no neurônio, que se encontra a chave para compreende o que engendra o universo simbólico; ela engloba tudo e visa alcançar a estrutura dos fenômenos. Assim a ambição do programa da antropologia era uma mudança geral nas ciências humanas, que por sua vez deveriam inspirar-se nas ciências da natureza até se identificarem com elas, ou seja:
“... fazer prevalecer uma modelização quase mecânica no âmbito de um resfriamento da temporalidade e de uma significância que escapa ao indivíduo e se constrói a partir de um tempo lógico sem que ele [o homem] se aperceba disto ” (DOSSE, História do Estruturalismo, p.217).
5- Por que e como o estruturalismo desmoronou do seu pedestal de respeitabilidade e vem sendo substituído por teorias chamadas pós-modernas?
Lévi-Strauss, através da tensão entre natureza e cultura, culmina na pretensão em ter acesso as “leis intangíveis da natureza neuronal do cérebro humano”. Renegando a história e o sujeito, o que ficam são somente estruturas; um binarismo presente no cérebro e na estrutura nervosa do ser humano que reproduz a natureza do funcionamento do corpo humano, sendo o denominador comum que contém uma espécie de código que fazem coincidir entre si as mais diversas experiências humanas.
Chega-se então a uma estrutura vazia, não possui nenhuma mensagem, a não ser que deve morrer. Ela é. “Esse gigantesco esforço chegou, portanto, ao seu fútil limite; ele desemboca nessa NADA, que é a última palavra colocada, não por acaso, ao termo desse suntuoso ‘finale’” (Lévi Strauss, apud DOSSE, História do Estruturalismo, p.297).
Entendo que o próprio movimento estruturalista foi significativo para o desenvolvimento das bases críticas, que com o percurso da pós-modernidade, vieram a questionar o próprio estruturalismo. Um profundo pessimismo, uma crítica relativista avassaladora está em concomitância com a crise dos discursos de legitimação. O que se tem é uma vontade de desconstrução de tudo que se apresenta como totalizante e globalizante, colocando-se até a noção de realidade em duvida, apos já se ter dissolvido o sujeito, e retirado o homem da história. O saber torna-se então uma questão de poder, deslocando-se para uma crise das grandes narrativas. O que importa agora é a proliferação dos múltiplos discursos, da pluralidade.
O estruturalismo então se apresenta, em última instância, como “causalismos e determinismos simplicistas”, dissolvendo a si mesmo perante o real. No processo da pós-modernidade que desencadeará esta mudança de paradigma, Heidegger influenciou toda uma geração, impregnado e potencializando o pensamento Nietzschiano. Desta maneira desconstrutiva, a-histórica, do não ser, sem o sujeito, anti humanista e iluminista, ao meu ver não poderia propiciar outra coisa senão um desencantamento profundo do mundo, uma espécie de campo devassado infinito, que por não conter nada além dele próprio, permite a possibilidade do florescimento de qualquer todo considerado em sua multiplicidade de fenômenos; a própria pós-modernidade relativista. É Jacques Derrida quem, mesmo participando da orientação geral do estruturalismo, elaborará uma crítica a Lévi-Strauss, Foucault e Lacan, o que o diferencia do estruturalismo, contribuindo para seu desmoronamento conjuntamente com Deleuze e Guatarri.
Bibliografia
STRAUSS, Claude Lévi. O Pensamento Selvagem. São Paulo: Papirus, 1989
STRAUSS, Claude Lévi. Totemismo Hoje in Os Pensadores. São Paulo: Abril, 1980
DOSSE, François. História do Estruturalismo Vol. I
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