sábado, 29 de novembro de 2008

Drops indigenistas -- 4


De volta ao Rio de Janeiro, após passar três dias em Brasília conversando com colegas e amigos índios e não índios.

Na quinta-feira à noite estive no lançamento da Fundação Francisco Meirelles, que homenageia Francisco e seu filho Apoena Meirelles, uma das duas principais linhagens de indigenistras brasileiros, sendo a outra a dos irmãos Villas-Boas.

A Fundação Meirelles foi criada pela família e visa ajudar os povos indígenas, através de suas legítimas lideranças, a serem os protagonistas do seu destino. A grande novidade nessa fundação é que, por assim dizer, ela pretende passar a bola do indigenismo para os próprios povos indígenas. É como se estivesse querendo dizer: agora, lideranças indígenas, vocês não precisam mais dos brancos para fazer a mediação entre seus povos e o mundo dos brancos. Vocês já têm muitas lideranças capazes, agora é fortalecer esse sentimento perante o mundo. A Fundação está disposta a ajudar lideranças a tomar o destino de suas vidas pelas mãos. É uma atitude corajosa e inovadora, que vai muito além do sentimento e do propósito das Ongs indigenistas neoliberais da atualidade.

Estavam presentes na efeméride diversos funcionários da FUNAI, entre eles Neide Siqueira, José Maria, João Gilberto e Luzia, mas ninguém da direção do órgão teve a dignidade de prestigiar o acontecimento. Índios Xavante e Terena fizeram as honras do Memorial dos Povos Indígenas, à frente o diplomata indígena Marcos Terena. Da família estavam presentes a filha de Francisco e irmã de Apoena, Lídice Meirelles, que vai dirigir a Fundação, a filha de Apoena, Tainá Meirelles, e os netos de Francisco, Hugo Meirelles e Peter.

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Nesta sexta-feira uma assembléia de duas centenas de índios presentes deliberou pelo apoio ao ministro José Gomes Temporão em transferir a saúde indígena da Funasa para a futura secretaria especial de fomento à saúde do ministério. A principal alegação é de que a Funasa é um antro de corrupção, desvio de dinheiro e desleixo. O próprio ministro já tinha falado sobre isso.

Não sei o quanto essa assembléia é representativa, já que não foi uma convocação geral. Vieram os índios que obtiveram recursos das Ongs para protestar pela saúde. Mas também havia daqueles que vieram pela Funasa por pertencerem aos conselhos distritais e Ongs que têm contrato com o órgão.

Quer dizer, difícil de dizer o quanto o ministro Temporão pode se gabar de apoios para isso ou aquilo. De todo modo, a discussão entre os índios presentes foi muito veemente.

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Mas não é só de escândalos da saúde indígena que comove os índios. A revista Isto é lança hoje uma nota dizendo que 300 índios Pareci estão descendo de suas terras em Mato Grosso rumo a Brasília onde pretendem tomar a Funai e destituir o seu presidente.

Os Pareci vêm há tempos tentando uma audiência com a direção do órgão para rediscutir a questão do posto de pedágio que têm em uma estrada que atravessa uma de suas terras já demarcadas e homologadas. Essa estrada cortava caminho para os fazendeiros atravessarem com seus caminhões. Daí os Pareci terem instaurado um pedágio que funcionava a contento de todos. Agora que a estrada está para ser asfaltada, os Pareci querem a continuação do pedágio. Podem até diminuir o valor desse pedágio já que o trânsito vai ser intensificado. Porém a atual direção da Funai não está dando a mínima para esse diálogo com os Pareci e a coisa foi piorando.

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Também circulou em Brasília a notícia da união dos Xavante com os Kayapó para mudarem o panorama da FUNAI. A insatisfação entre índios e indigenistas com a FUNAI está alcançando limites de inaceitabilidade. O órgão está às favas, perdendo sua capacidade de se indignar, enquanto a gestão atual segue inabalada seu trajeto de incosistências.

Se essa união acontece, a coisa fica poderosa. Isto quer dizer que os índios querem mudança e já!

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No Rio Grande do Sul, na Terra Indígena Cacique Doble, uma das mais tradicionais daquele estado, pertencente ao povo Kaingang, o MPF logrou um acordo entre os índios que vai permitir uma espécie de reforma agrária indígena. É que esta terra indígena, com pouco mais de 4.000 hectares, há anos vinha sendo controlada por algumas poucas famílias Kaingang que chegavam até a arrendar seus grandes lotes para brancos. Grandes lotes em linguagem relativa, é claro, pois não passavam de 150 a 200 hectares os maiores. As demais famílias ficavam a ver navios, miseráveis e sem condições de sustentar a si próprias.

Pois bem, o MPF interviu, seguindo o exemplo do que eu, quando presidente da FUNAI, e minha equipe, havíamos feito na Terra Indígena Ligeiro, no mesmo estado. Intervimos, proibimos o arrendamento, e fizemos a redistribuição das terras para todas as famílias. No começo deu um trabalho imenso e precisou da presença da Polícia Militar do estado para resguardar a segurança da FUNAI e dos próprios índios. Depois, a comunidade viu que os resultados eram positivos, por democráticos e equânimes.

Esse exemplo deve ser seguido em outras partes do sul do Brasil e também no Mato Grosso do Sul, onde algumas pequenas terras indígenas têm lotes de terras arrendados para brancos.

Um comentário:

Anônimo disse...

Caro colaborador Mércio.

Quando escrevo colaborador é por que além de admirador e leitor assídio daquilo que consigo ter de sua autoria, ainda estou reproduzindo para meus 400 leitores diários de AGUABOANEWS, MUITAS MATÉRIAS DE SEU BLOG.

Mércio te conhecí aqui em nossa cidade quando Presidente da Funai. Eu vereador que também com minha família além de "trabalhar na Funasa" (porque mandaram nós 194 funsaúde e não pagaram os direitos até hoje)trabalhamos voluntariamente com os xavantes.

Mércio obrigado por tudo.

Clodoeste Pereira da Silva (Kassu)

vereador em Água Boa MT.

 
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