Eis seu relato:
Caros companheiros Indigenistas,
Na verdade a participação no 4º Congresso do Partido dos
Trabalhadores e as manifestações de repúdio ao Decreto Presidencial, etnocida,
nº 7056/09, contra os atos do presidente da Funai e a ingerência das ong's no
órgão indigenista não foram ações exclusivas dos índios e/ou militantes do
Partido dos Trabalhadores, conforme consta no blog do Mércio Pereira Gomes.
Lá estava presente o grupo de índios integrantes do
chamado movimento indígena revolucionário (Kraô, Pankararu, Kaingang, Xavante,
Munduruku e outros) que se
encontram acampados na Esplanada dos Ministérios ainda que privados de
abastecimento d'água e de alimentação por conta de posições ideológicas
contrárias ao que acontece atualmente com os índios e indigenistas; constavam ainda servidores da Funai, a
representação do Sindsep-DF, no órgão indigenista apoiados pelo sindicato, pela
Condesef e pela CUT.
Praticamente invadimos o congresso no seu segundo dia de
realização já que não estávamos credenciados a participar nem como observadores,
como tentamos de início.
A nossa presença ostentando duas faixas com os dizeres: "Abaixo a ditadura do Decreto
7056/09" e Fora Márcio Meira e as ong's CTI e ISA que ora subjugam os
povos indígenas ", não foi pacífica como parecer ser! Houve muitas
confusões e desentendimentos contrários a nossa presença. O militante do
partido, Paulo Okamoto, presidente
do Sebrae, num ato reacionário, estridentemente pedia a nossa saída e a
retirada das faixas. Neste momento, perguntei-lhe em alto e bom som se o
congresso era "racista".
Apoiado pelo Deputado Estadual -GO, Mauro Rubem, e por
outros manifestantes adquirimos o direito de manter as faixas levantadas e
permanecer no local que estávamos, não obstante as constantes ameaças dos
seguranças no sentido de nos retirar do local.
No decorrer do evento, várias vezes as duas filhas da Lúcia
Munduruku, lideradas pela irmã de nome Suami Muduruku, tentaram furar o
bloqueio da segurança para entregar uma carta ao presidente. Depois de mais cinco
tentativas elas conseguiram, mas retornaram sem uma resposta para o pedido de
audiência com o presidente ou uma manifestação a respeito da carta que lhe
entregaram.
Em seguida começamos a gritar: “LULA O ÍNDIO QUER FALAR!” e " FORA MARCIO MEIRA JÁ ! "
Inúmeras vezes um representante do gabinete do presidente,
denominado Mauro, esteve junto ao
nosso grupo garantindo que o presidente iria nos receber.
O presidente Lula ao iniciar o seu discurso reconheceu a
legitimidade da manifestação e retoricamente garantiu que resolveria o problema
na semana seguinte.
Os ânimos se acalmaram e entendendo ter transmitido a nossa
mensagem, deslocamo-nos do centro do corredor onde estávamos para a lateral
esquerda do auditório no sentido de quem entra, onde estava parte da imprensa.
Lá iniciou-se um novo conflito : os seguranças alegavam que o espaço era
destinado a imprensa, mas continuávamos com as nossas faixas estendidas. Mais
uma vez o Sr. Mauro se dirigiu ao
nosso grupo alegando que o presidente
Lula iria ao final nos receber.
Quando chegávamos ao
citado local um senhor que se dizia ex deputado e prefeito de uma cidade
baiana se desentendeu com um pajé Pankararu,
um segurança interveio rispidamente aí a índia Lúcia Munduruku o agarrou pela gravata e exigiu respeito aos
direitos indígenas dizendo que a atitude
dele era racista! Logo depois que o pajé conseguiu passar pelo bloqueio e se
reintegrar ao nosso grupo o prefeito baiano pediu desculpas e se identificou...
continuamos com as duas faixas estendidas durante todo o tempo.
Durante o almoço fomos recebidos gentilmente em nossa mesa
pelo Dr. Perly Cipriano, Subsecretário
Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos que pacientemente ouviu as reclamações do grupo com referência a presença da Força Nacional na porta da
Funai, portando escudos, cassetes e armas de grosso calibre com se estivessem
preparados para uma guerra, impedindo a entrada dos índios e de pessoas do povo
como é o caso dos servidores das administrações regionais extintas: Alexandre
Krone, Stela Barnes, Waldira e Paulo de Recife; da aposentada Ana Lange; do
representante da Condesef, Sérgio Ronaldo e tantos outros. Com relação à violação da convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho. A respeito da ausência de diálogo com os órgãos de governo (ministério da justiça e
gabinete presidencial) apesar dos inúmeros pedidos de audiência sem
resposta. Sobre a atuação das ong's ,CTI, ISA, IEPE e outras cujos representantes e familiares ocupam cargos
estratégicos no órgão indigenista em detrimento das organizações indígenas que
o presidente e sua direção alegam que foram consultadas para edição do
famigerado decreto e que propala serem aliadas. Relativas ao nepotismo, ao assédio moral perpetrado
contra os servidores mais antigos, a ocupação
majoritária dos cargos comissionados (DAS) por pessoas alheias as questões indígenas
e não pertencentes aos quadros da fundação.
O representante da Secretaria de Direitos Humanos
responsabilizou-se em receber a comissão e cumpriu em audiência realizada na
segunda feira passada na qual ficou incumbido de restabelecer o diálogo e
verificar as denúncias.
Logo após, os indígenas observaram que o Sr. Mauro, representante do gabinete
presidencial, encontrava-se ainda no refeitório, então a equipe dirigiu-se à
mesa onde ele estava. De imediato a índia Lúcia
Munduruku pediu a ele que não mais mentisse para os índios nem prometesse
aquilo que não poderia cumprir.
Encerrado o diálogo com o representante do gabinete
presidencial que saiu resmungando e afirmando categoricamente que o decreto
jamais seria revogado ou modificado, o grupo dirigiu-se na companhia do
sindicalista Chiquinho do MJ para um encontro com representantes sindicais do
Ministério da Agricultura e dos Professores do DF, que ficaram encarregados de
intermediar uma audiência com a Direção Nacional do Partido que encontrava-se
reunida em uma das salas do Centro de Convenções. Enfim, acompanhados do
Deputado Mauro Rubem, conseguimos expor aos membros presentes as críticas
feitas ao decreto e a gestão do presidente Márcio Meira. Da mesma forma, a
Direção comprometeu-se em estabelecer uma via de diálogo e garantir uma
audiência com o ministro ou com o Presidente da República.
O Deputado Estadual Mauro Rubem participou da reunião e
entregou a Direção Nacional do Partido um documento solicitando a revogação do
Decreto 7056/09. Entretanto, hoje, consultando o site do partido,
principalmente ao observar o álbum de fotografias do evento, surpreendentemente
constatamos que em nenhuma das fotos aparecem as faixas e o grupo indígena. Todavia,
o presidente Lula numa ação de marketing aparece recebendo e beijando
carinhosamente as duas indiazinhas Munduruku. Sobre a carta a ele entregue nada
se fala, assim como com relação ao pronunciamento que na próxima semana estaria
resolvendo o assunto.
O QUE PARECER SER NÃO É O QUE É......
A Funai continua sitiada pela Força Nacional, que mantêm
dois carros ostensivamente em cima do gramado. Os policiais passam o dia todo
sentados atrás da portaria manipulando notebooks com acesso irrestrito a
internet, conversando e às vezes cochilando, enquanto os guardas patrimoniais
cobram documentos de índios que nem sempre têm carteira de identidade, tampouco
sabem falar fluentemente a língua portuguesa, proíbem o acesso de servidores das administrações
extintas e de pessoas do povo que pretendem ingressar num órgão público com as peculiaridades do órgão
indigenista, num atentado ao Estado de Direito Democrático jamais visto em
outros órgãos de governo a não ser
nos tempos de chumbo.
Até quando seremos desrespeitados e enganados!
Wagner Tramm
Indigenista/Geógrafo e servidor da Funai há 28 anos.