quinta-feira, 15 de maio de 2008

Tarso Genro e Jecinaldo Barbosa fazem estilo na Câmara Federal



Ontem, por mais de quatro horas, as Comissões da Amazônia e a de Relações Exteriores e Defesa Nacional, da Câmara Federal, juntas, ouviram o ministro Tarso Genro e o governador de Roraima José de Anchieta Júnior em debate sobre a questão da homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.

O debate foi inicialmente morno, especialmente na sua primeira hora. O ministro Genro defendeu muito bem o ato presidencial de homologação e sua participação nos últimos meses em defesa da saída dos arrozeiros. Ao ser confrontado por um deputado ponderou que talvez não tivesse uma opinião pessoal igual à que estava defendendo, mas fazia a defesa da causa em nome do governo, e na expectativa de uma decisão cabal sobre a questão da parte do STF. Considera que o ministro Ayres Britto exarará seu parecer dentro de 20 dias. Observou que, se o parecer for contrário à homologação tal como foi feita, e se o STF o acatar, isso provocará o desencadeamento de processos negativos contra muitas terras indígenas já homologadas.

(De minha parte, acho que isso poderá vir a acontecer. Aliás, já escrevi sobre isso num contra-editorial para o jornal O Globo. Porém, considero que não caberia a um ministro de estado fazer disso um argumento para o STF, além do que poderá colocar toda a comunidade indígena em polvorosa. Ademais, ao Estado cabe preservar suas condições de exercer o poder e de manter seus atos, assim, ele terá que encontrar soluções para contornar as possíveis demandas que desafiem outras homologações.)

Porém, aos poucos, os debates começaram a esquentar. A bancada roraimense não parava de provocar e de reclamar. O direitista deputado fluminense Jair Bolsonaro, defensor da posição militar sobre a questão e contumaz anti-democrata, tentou e tentou tirar Tarso Genro do sério. Chamou-o de ministro terrorista. Tarso Genro estorou. É que, em certo momento, teria dito que havia pessoas na terra indígena com comportamento de "terrorista". Os deputados de Roraima se enfureceram com isso. Acusaram o ministro de chamar o povo roraimense de terrorista. Outros deputados, contemporizando, tentaram convencer o ministro Genro a voltar atrás em sua declaração. Ele não a abrogou.

De repente, presente na última fileira da platéia, o coordenador-geral da Coiab, Jecinaldo Barbosa Cabral, ao lado da advogada wapichana Joênia Souza, resolve aparecer em cena. Com espalhafato, joga um copo d´água em direção do tal deputado fluminense. Não foi o gesto mais grosseiro que Jecinaldo já fez, já que, uma vez, em Manaus, ele cuspiu na cara de um agente da Polícia Federal. Mas, na Câmara Federal, jogar água em deputado é mais sério.

Conclusão: os deputados estão cada vez mais raivosos e cada vem menos simpáticos à causa indígena. A próxima audiência nessas comissões terá a presença dos ministros Mangabeira Unger e Nelson Jobim. Vai ferver!


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Debate sobre reserva termina em bate-boca na Câmara
Índio tenta jogar copo de água em deputado do PP;
Tarso Genro condena moradores 'não-índios'

Luciana Nunes Leal, de O Estado de S.Paulo
Beto Barata/AE

Tarso se exalta durante sessão na Câmara BRASÍLIA - Em audiência pública na Câmara marcada por tensão, bate-boca e tumulto, o ministro da Justiça, Tarso Genro, condenou "atitudes terroristas" de moradores não-índios que se recusam a deixar a reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, e afirmou que as forças policiais instaladas na região vão reprimir a ação de grupos armados.

A sessão terminou em confusão, quando o líder indígena Jecinaldo Sateré Maué, presidente da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), tentou jogar um copo de água no deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ). "É que eu não tinha uma flecha naquela hora", lamentou o índio, ao comentar o incidente, antes de deixar a Câmara.

Em vários momentos durante mais de três horas de audiência, Bolsonaro e Tarso Genro discutiram. O deputado chamou o ministro de "terrorista mentiroso". "A mim não impressionam gritos e olhos arregalados", reagiu Tarso.
Sob protestos de vários deputados, que exigiam que o ministro retirasse o termo terrorismo, Tarso Genro não voltou atrás, disse que a maioria dos não-índios "está lá de boa fé", mas que na região há também "grileiros, traficantes e grupos violentos que estão lá para cometer ilegalidades".

Tarso Genro defendeu a ação da Polícia Federal e da Força Nacional de Segurança que, na semana passada, resultou na prisão do líder arrozeiro Paulo César Quartiero, depois de confronto entre índios e funcionários da fazenda do agricultor. O ministro afirmou que a fazenda de Quartiero, que fica dentro da reserva, é uma "posse precária, sem titularidade".

O ministro considerou "fetiche" a idéia de que a demarcação contínua da reserva em área de fronteira tira a soberania nacional. Tarso Genro garantiu que as Forças Armadas têm total autonomia para agir nas terras indígenas e reiterou que o Ministério da Defesa apresentará em breve um plano de ocupação das fronteiras da Amazônia, com instalação de novos postos de vigilância e segurança.

Na mesma audiência pública, realizada pelas comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional e da Amazônia, o governador de Roraima, José de Anchieta Junior (PSDB), que tenta no Supremo Tribunal Federal (STF) a anulação do decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de demarcação contínua da reserva, disse que a Polícia Federal não estava preparada para iniciar, no início do mês passado, a operação de retirada dos não-índios da reserva. A operação foi suspensa por determinação do STF, que atendeu um pedido do governador. "Eu evitei uma tragédia. O presidente Lula tem que me agradecer por isso. Salvamos centenas de vidas. Morreriam índios, mas também muitos policiais federais. Seria uma tragédia", disse Anchieta aos deputados.

A maioria governista na audiência pública impediu o deputado Antonio Carlos Pannunzio (PSDB-SP) de exibir um vídeo de pouco mais de sete minutos com imagens da visita de Tarso Genro à reserva, logo depois do conflito da semana passada, e de militares da Força Nacional em ação para reprimir manifestação dos defensores de Quartiero. O vídeo mostrava também a prisão do arrozeiro e tinha as cenas intercaladas com trechos de declarações de Tarso Genro feitas na região.
Questionado sobre os custos da operação policial na Raposa Serra do Sol, o ministro informou que a União já gastou pelo menos R$ 200 mil. "Gastos bem inferiores à multa do Ibama pela devastação na região", acrescentou o ministro, referindo-se à multa de R$ 30,6 milhões aplicada pelo Instituto de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) por danos ambientais na Fazenda Depósito, de propriedade de Quartiero.

No fim da audiência, Tarso Genro informou aos parlamentares que o valor da multa vai diminuir "se ficar provado que o agente cometeu algum excesso". Pouco antes, o deputado Urzeni Rocha (PSDB-RR) tinha questionado o ministro, que é gaúcho, os motivos de a punição ao líder arrozeiro ter sido aplicada "só agora" e de "nenhum produtor do Rio Grande do Sul ter recebido R$ 30 milhões de multa."

O tucano foi um dos deputados que protestaram por Tarso Genro ter falado em terrorismo na reserva. "Não admito chamar o povo de Roraima de terrorista. Lá não tem bandido", bradou Urzeni, para quem "o Ibama é a arma, o braço do governo federal contra Roraima". "Nunca chamei o povo de terrorista", respondeu o ministro. "Os senhores viram pessoas encapuzadas atacando indígenas e atirando bombas. O laudo apontou que havia explosivos na casa do senhor Quartiero. Ele foi preso em flagrante", lembrou o ministro. Nova audiência sobre a reserva indígena está marcada para o próximo dia 28, com a presença de Tarso Genro e de dois ministros que faltaram ao compromisso ontem, o da Defesa, Nelson Jobim, e o de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger.

3 comentários:

Moacir Santos disse...

Lamentável que o presidente da FUNAI, Márcio Meira, ao ser interpelado sobre possível ilegitimidade do Laudo Antropológico de Raposa/Serra do Sol, durante entrevista ao Jornal da Globo de ontem, 14/05, declare não ter conhecimento dos detalhes do processo. O que só fortalece aos que tanto criticam a inoperância da FUNAI.

Anônimo disse...

Artigo 5.,XLIV, da Constituicao Federal:
-"constitui crime inafiancavel e imprescritivel a acao de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democratico."
A atitude dos arrozeiros e politicos tem manifestado alto grau de desrespeito ao Estado de Direito.E, indicustivelmente, de preconceito e discriminacao etnica, tambem prevista na Constituicao Art.5.,XLII, "a pratica de racismo constitui crime inafiancavel e imprescritivel,sujeito a pena de reclusao, nos termos da lei."

Mércio P. Gomes disse...

Bem pensadas as duas observações. Mercio

 
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