sábado, 3 de maio de 2008

Arrozeiros em Roraima, Bill Clinton na Amazônia

O jornal Folha de São Paulo traz hoje um breve perfil sobre quem são os arrozeiros que entraram, na década de 1990, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol. É matéria interessante com alguns dados que corroboram aquilo que vem sendo escrito pela imprensa e pelas falas de índios da região.

A ansiedade pela decisão a ser proferida pelo ministro Ayres Britto é muito grande. Ontem ele esteve com o presidente Lula, mas não se soube do que falaram. Claro que foi sobre RSS, mas não houve antecipação de suas idéias.

A entrada de arrozeiros é comprovada pelo laudo antropológico original que fez o reconhecimento da referida terra indígena. Até 1991 não havia arrozeiros entre aqueles moradores não indígenas na RSS. Só a partir de 1994 é que os arrozeiros abaixo citados começaram a comprar posses dos moradores antigos e montar suas fazendas de arroz.

O que decidirá o ministro Ayres Britto? Será que ele irá desmontar toda a tradição de reconhecimento do que é terra indígena por conta de alguns arrozeiros? Como será resolvida a questão da soberania brasileira sobre a Amazônia? Será que não se pode chegar a um acordo sério com os militares que temem pela presença de forças anti-estado na região? Será que o governo não irá reforçar a Funai e demais aparelhos do Estado para garantir a segurança da Amazônia?

A propósito, ontem, o ex-presidente norte-americano Bill Clinton fez um discurso em Nova Iorque em que elogiou a dedicação dos brasileiros e do nosso governo à preservação da Amazônia. Não sei se ele estava falando em tom de ironia ou em tom de alerta ou com toda sinceridade. Nunca se deve confiar em falas de ex-presidentes norte-americanos sem estar com um pé atrás.

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Produtores pedem R$ 90 mi de indenização para deixar reserva Raposa/Serra do Sol

KÁTIA BRASIL
da Agência Folha, em Manaus

Os arrozeiros que resistem em sair da reserva indígena Raposa/Serra do Sol deixaram o Sul do país e chegaram a Roraima a partir da década de 70. Mas foi a partir dos anos 90 que a monocultura do arroz cresceu na região. Além de uma terra propícia para o cultivo do arroz, eles encontraram um ambiente fértil para os interesses econômicos e políticos.

Hoje querem indenização acima de R$ 90 milhões para deixar a terra, segundo avaliações de peritos contratados pelos próprios arrozeiros. A Funai (Fundação Nacional do Índio) pagou R$ 2,2 milhões, já depositados na Justiça, em razão das benfeitorias instaladas na área. Ação que questiona o valor ainda tramita na Justiça.

Para os arrozeiros, a próxima semana é crucial quanto à sua permanência nas terras, pois apostam que o STF (Supremo Tribunal Federal) se manifestará a favor dos não-índios.

"Não queremos ser mal interpretados com os valores das indenizações. Nós queremos é produzir e ficar na terra. Sabemos que o STF fará justiça", afirmou o paranaense Nelson Massami Itikawa, 55, proprietário da marca Arroz Itikawa, plantado nas fazendas Vizeu e Carnaúba, dentro da reserva.

Ele pleiteia uma indenização de R$ 8,4 milhões e agora aproveita a alta nos alimentos para criticar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "O Lula se elegeu com a bandeira do Fome Zero. Agora, quando o mundo anuncia escassez de alimentos, quer esmagar um setor que produz arroz. Isso é estúpido."

A reportagem entrevistou outros cinco arrozeiros do total de sete que estão na lista de 32 ocupantes não-índios que devem deixar a terra por determinação do governo federal e pleiteiam indenizações.

Eles e suas famílias não moram dentro da reserva. As fazendas que estão dentro da reserva são administradas por empregados ou parentes. As sete propriedades foram adquiridas por cerca de R$ 3 milhões de antigos proprietários. Alguns tinham títulos definitivos, segundo os arrozeiros.

O primeiro plantador a chegar a Roraima, em 1976, foi o agrônomo Paulo César Quartiero, 55, de Passo Fundo (RS). "Minha família é de plantadores de terras arrendadas. O negócio não prosperou. Decidi ir para um lugar onde tinha terra", disse ele. Hoje Quartiero é prefeito de Pacaraima e presidente do diretório municipal do DEM. Ele quer indenização de R$ 53 milhões por duas fazendas que estão na reserva.

Luiz Afonso Faccio, 65, também é político. Filiado ao PDT, esse gaúcho de Erechim já foi deputado estadual (1990-1994) e candidato a vice-governador.
Faccio estudou filosofia e teologia antes de chegar a Roraima, em 1978, pelo Projeto Rondon.
Diz que comprou as fazendas Canadá e Guanabara por R$ 380 mil, em 1989. Quer indenização de R$ 14,5 milhões. "Não queremos indenização. Queremos trazer comida para a população."

Em 1980, chegou Ivalcir Centenaro, 52. "Vim convidado pelo governador Ottomar Pinto [morto em 2007]. Na minha terra [RS] sempre trabalhei na agricultura." Na fazenda Praia Grande, ele produz o arroz da marca Pajé. Disse ainda ser arrendatário das fazendas Iemanjá, Milagre e Realeza. Pede indenização de R$ 3,7 milhões.

Outro gaúcho, o técnico agrícola Ivo Barilli, 48, da fazenda Tatu, pleiteia indenização de R$ 9,4 milhões. Ele questiona a ocupação de índios na sede da antiga fazenda. "Depois que homologou [a terra] é que eles [índios] invadiram a sede."

Já o catarinense Natalício Mayer, 56, arrenda a fazenda Conceição do Maú. Os herdeiros do local pedem R$ 1,8 milhão de indenização -Mayer deixou a Raposa. "Parei de plantar arroz em 2005 [ano da homologação]. Cansei das denúncias da Funai, dos padres, do Ibama. É uma pressão muito grande, fui obrigado a sair."

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