segunda-feira, 12 de maio de 2008
Filósofo gaúcho se posiciona sobre Raposa Serra do Sol
O filósofo gaúcho Denis Rosenfield tem se destacado na mídia como um ferrenho crítico das ações do MST, das posições do PT em questões éticas e da ideologia marxista que prevalece canhestramente em diversos setores da esquerda brasileira. Ou seja, Rosenfield vem atuando como um filósofo da direita brasileira, não obstante sua condição de filósofo político de origem esquerdista.
Por isso mesmo vale a pena ler esse artigo publicado em O Estado de São Paulo, seção editorial, sobre o imbróglio que se tornou a questão Raposa Serra do Sol. A crítica principal de Rosenfield é contra o CIMI e a Igreja Católica de cunho teologia da libertação. Considera que essas entidades estão insuflando os índios da Terra Indígena Raposa Serra do Sol a desacatar as ordens do STF quanto à suspensão da extrusão dos arrozeiros de lá. Isto porque não somente os índios haviam tentado construir um acampamento na suposta fazenda de Quartiero, quanto, na sexta-feira passada, fecharam a rodovia que sai do vilarejo Surumu e vai até Boa Vista, capital do Estado de Roraima, por onde trafegavam dezenas de caminhões carregados da safra de arroz das fazendas localizadas na terra indígena. E insistem, em matéria publicada na Agência Brasil, que jamais irão tolerar a presença de arrozeiros nestas que são suas terras.
Rosenfield é um filósofo de linguajar político que beira o linguajar de articulistas de jornais. Está aí para defender posições ideológicas, as quais considera como verdades. Não é nenhum ingênuo nas matérias que toca. Sua voz é importante para aqueles que querem encontrar justificativas contra a homologação da T. I. Raposa Serra do Sol. Seus argumentos são bem construídos e trazem informações que tecem uma rede de convencimento para quem não conhece todos os meandros da questão indígena. Seu posicionamento implícito parece desfavorável aos índios, embora não fale de razões econômicas nem de soberania nacional. Apenas quer que a lei seja obedecida.
Aí estão os seus argumentos. Fica para nós o sentimento de que os contrários à homologação de Raposa Serra do Sol estão encontrando motivos para produzir argumentos cada vez mais consistentes. A irresponsabilidade das Ongs que vêm intensificando suas ações nesse mister está levando os índios e suas associações a acharem que podem fazer qualquer coisa em virtude de seus direitos constitucionais. A sociedade brasileira, que está a favor dos índios, não vai aceitar tanto desafio à justiça, por mais que nela não confie inteiramente. Há muitas questões no ar nesse imbróglio, inclusive o sentimento da nacionalidade brasileira.
É preciso que tenhamos mais calma e ponderação. Temos que esperar a decisão do STF sobre essa questão para podermos nos posicionar posteriormente.
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Provocação
Denis Lerrer Rosenfield
A quem interessa a radicalização dos conflitos em Roraima, na Raposa Serra do Sol? O Supremo Tribunal Federal (STF) arrogou a si a decisão final, que deve ocorrer nas próximas semanas. Decidiu também pela manutenção do status quo enquanto esse processo jurídico se estiver desenrolando. Sustou, portanto, a retirada dos não-índios e dos índios que são seus aliados. Isso significa que tanto os indígenas quanto os proprietários rurais devem manter suas posições, sem que haja nenhuma movimentação que possa alterar essa situação. O que aconteceu? Um grupo de indígenas invadiu uma das fazendas em litígio, com um discurso de “ocupação”, e terminou suscitando uma reação, certamente desmedida, porém reação a uma ação que deveria ter sido impedida pela Polícia Federal, lá presente.
O mais surpreendente é que a atuação policial foi rápida na prisão dos que reagiram à invasão e nula, ausente, no que diz respeito aos invasores. Afinal, aguarda-se ou não uma decisão do Supremo? Ou se trata de desrespeitar a mais alta Corte do País, sob o manto de uma suposta legalidade? Quando a Polícia Federal chegou à região, cena do confronto com os arrozeiros, efetuou a desobstrução de rodovias que tinham sido ocupadas pelos manifestantes. Agiu de acordo com a lei, pois rodovias públicas não podem ser ocupadas, por quaisquer razões que possam ser apresentadas. O que ocorre agora? Os indígenas ocupam rodovias e nada é feito. Num caso é contrário à lei e no outro, não. Dois pesos e duas medidas são a melhor forma de desrespeito ao Estado de Direito.
Convém aqui ressaltar o papel desempenhado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), pastoral da Igreja Católica. Observemos que os indígenas têm sido objeto de uma destruição cultural levada a cabo por grupos religiosos de diferentes proveniências, que não têm nada a ver com arrozeiros, produtores rurais e empresas. Refiro-me à destruição das religiosidades nativas, provenientes de cultos animistas, que são sistematicamente aniquiladas. Pouco subsiste de tais cultos e estes não são objeto de uma política de preservação. O assunto não é nem tema de discussão, quando, historicamente, se trata - ou pelo menos se tratava - de uma das mais importantes questões antropológicas. Há aqui um completo silêncio, como se este tema fosse extremamente comprometedor para aqueles que dizem, no entanto, defender a cultura indígena.
Ora, a política desse setor da Igreja é ancorada em posições esquerdizantes, utilizando todo um linguajar que tem como objeto a implantação do socialismo autoritário entre nós. Em nome da justiça social, as posições cristãs são progressivamente abandonadas, culminando numa outra conversão, a do marxismo como redenção dos povos. O seu vocabulário é revelador. Num documento recente da Cimi Norte I, de 2/5, é afirmado, a propósito dos conflitos em Roraima, que o problema central reside na “ditadura do mercado sobre o direito dos cidadãos”.
Não deixa de ser curiosa essa mensagem religiosa, simplesmente retirada do arsenal dos dogmas comunistas, totalmente descomprometidos com a justiça, a liberdade e a democracia, além de falsos. Lá onde o mercado se desenvolveu, com regras e instituições, a democracia representativa se afirmou, produzindo direitos sociais, civis e políticos. Exemplos não faltam: Inglaterra, países nórdicos, França, Alemanha, EUA. Lá onde o mercado foi abolido, a pobreza foi generalizada, os direitos sindicais e políticos, abolidos e a política se tornou a perseguição e eliminação dos próprios cidadãos. Exemplos não faltam: União Soviética, Camboja e Cuba, entre outros.
Evidentemente, num documento desse tipo não poderiam faltar menções às “forças neoliberais articuladas no governo Fernando Henrique Cardoso”, pois a encenação estaria incompleta. O “neoliberalismo” seria o verdadeiro responsável pelo que está acontecendo por ter permitido a atuação na Amazônia de empresas de capital estrangeiro radicadas no Brasil. Quanto às ONGs internacionais, em número impressionante - alguns avançam a cifra de 100 mil -, atuando nessa região, sem nenhum controle, nenhuma palavra é dita. Aos colaboradores, tudo! Ainda em outro documento, datado de 19/2, da Assembléia dos Movimentos Sociais da Amazônia, atribuem-se todos os conflitos da região à “força brutal do capitalismo”, como se uma política socialista guiada por esses “iluminados” fosse capaz de trazer a paz e a concórdia universais. Nos países onde chegaram ao poder, conseguiram destruir qualquer traço de humanidade.
Nesta perspectiva, a sua luta precisa de símbolos - símbolos que captem a opinião pública, tendo como objeto infletir a política governamental e, mais especificamente, influir diretamente no STF. Estranhamente, silvícolas “fotografaram” o acontecido, como se o seu propósito fosse precisamente este: agir sobre a opinião pública. Mártires são necessários para essa concepção teológico-política. O sangue e a morte são os seus instrumentos. Ao invadirem uma fazenda dessa zona em litígio, seu objetivo consistia em suscitar uma reação, de preferência armada, pois ela viabilizaria o avanço de sua “causa”. Os que reagiram com armas de fogo terminaram fortalecendo a política que procuram contestar. Fizeram, apesar deles mesmos, o jogo dos seus adversários.
A Comissão Pastoral da Terra, num livro que é utilizado pelo MST em seus acampamentos, assentamentos e invasões, Cantos, Cantando com a Mãe Terra, de 2003, sustenta claramente essa posição: “Companheiros de jornada/ dessa longa caminhada,/ vamos falar um pouquinho/ dessa história que é formada/ com luta, sofrimento,/ com sangue que é derramado/ daqueles que dão as mãos/ aos companheiros massacrados.” Segue esse outro canto: “Acorda, América, chegou a hora de levantar!/ O sangue dos mártires/ fez a semente se espalhar.” Ou ainda: “Os nossos mártires, irmãos de sangue, são as sementes da caminhada.” Para o abismo, certamente!
Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS. E-mail:denisrosenfield@terra.com.br
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http://www.amazonia.org.br/noticias/noticia.cfm?id=214937
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