quarta-feira, 26 de março de 2008

Em Brasília, ninguém é culpado pela morte de crianças por desnutrição

Estou em Brasília. Vim ver a cidade e conversar com amigos e com companheiros. Aproveitei para visitar o Congresso Nacional. Lá fui ver o depoimento da sub-procuradora da 6ª Câmara, Dra. Debora Duprat Brito, sobre a questão da responsabilidade sobre a morte de crianças indígenas por subnutrição. A comissão é formada por deputados do Mato Grosso do Sul, Maranhão, Roraima e Paraíba. O presidente é o deputado Vital Rego, filho de um grande tribuno paraibano.

O depoimento da sub-procuradora está aí embaixo, divulgado pela Agência Câmara. Segundo seus comentários, não parece haver ninguém responsável pelas mortes dos pequenos Guarani, mortes que vêm acontecendo há muitos anos, e que tiveram seu auge em 2005. O verdadeiro culpado é uma coisa chamada a política indigenista brasileira, que não teria demarcado terras suficientes para a sobrevivência desse povo indígena. Para a sub-procuradora, o grande problema da desnutrição é a pouca terra que os índios Guarani controlam, o que provoca a sua incapacidade de produzir alimentos para si. Seguindo seu raciocínio, esse problema nasceu do fato de que, antes da Constituição de 1988, as terras indígenas eram consideradas transitórias, porquanto os índios eram vistos como povos em via de integração ao Brasil, e assim suas terras não eram demarcadas do tamanho adequado à sobrevivência de suas culturas. Depois de 1988, aí sim, os índios passaram a ser respeitados como povos, o Estado deixou de visar sua integração e as terras indígenas passaram a ser demarcadas de forma correta.

Lamento por essa opinião. Ela é veiculada como um dogma por um tipo de antropologia neoliberal praticada no Brasil desde o governo Collor de Mello. Recusam-se a reconhecer a história do indigenismo brasileiro, de Rondon e seus companheiros. Tanto a repetem que ficam cegos para a realidade e até para os ganhos dessa história. Acreditam que o presente não se faz como base no passado e no coletivo nacional, e sim, como um ato de vontade e consciência, como um passe de mágica.

Por que será então que fizeram o Parque Indígena do Xingu? Para ser transitório? Será que tanta luta em prol dos índios, tanto auto-sacrifício por parte de indigenistas e antropólogos de velha cepa teria sido tão-só para encaminhar os índios ao seu fim? Será que os rondonianos não acreditavam que a sobrevivência dos índios era, de algum modo, possível?

Vale a pena reler meu artigo sobre Rondon, aqui neste blog. Assim, poderemos ter uma perspectiva mais respeitosa com o nosso passado. De qualquer modo, alguém ou alguéns são responsáveis pelas mortes das crianças Guarani por desnutrição e suas consequências.

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Subprocuradora: MP não sabia de subnutrição indígena

A subprocuradora-geral da República da sexta Câmara de Coordenação e Revisão (Índios e Minorias), Deborah Macedo Duprat de Brito Pereira, afirmou que o Ministério Público Federal não tem informações sobre a subnutrição de crianças indígenas em todo o País. Segundo ela, o assunto chegou até o órgão devido às denúncias da situação no Mato Grosso do Sul e na população Xavante.

A subprocuradora-geral afirmou há pouco que, para o Ministério Público (MP), o maior problema indígena hoje é a demarcação de terras. Ela explicou que até 1988 o Brasil tinha um regime constitucional que impunha aos índios a progressiva integração à comunidade nacional. Diante dessa concepção, as terras indígenas eram encaradas como espaços transitórios, em que os grupos pudessem viver até serem integrados. "Elas nunca foram pensadas como espaço para sobrevivência do grupo", destacou.

Após 1988, com a nova Constituição, essa filosofia mudou, disse. Agora, na demarcação de territórios, leva-se em conta a forma de viver do grupo - seus usos, costumes e tradições. Deborah Duprat ressalvou, porém, que essa mudança não implicou providências administrativas em idêntico grau. Daí situações como a vivida em Dourados, no Mato Grosso do Sul, em que, de acordo com ela, a área ocupada pelos povos indígenas é de 1/4 do que seria necessário e não oferece condições para a continuidade dessas populações.

Questionada pelo deputado Iderlei Cordeiro (PPS-AC) sobre as dificuldades para se efetivar a demarcação de terras indígenas no Brasil, a subprocuradora-geral da República da sexta Câmara de Coordenação e Revisão (Índios e Minorias), Deborah Macedo Duprat de Brito Pereira, afirmou que, em termos normativos, pouco falta. Ela enfatiza que é necessário uma melhor compreensão por parte da sociedade e do Judiciário, principalmente, sobre a nova concepção do que seria o território adequado a essas populações. De acordo com Deborah Duprat, a Justiça ainda adota concepções da propriedade privada na demarcação territorial para indígenas, enquanto o correto seria levar em conta um espaço suficiente para garantir o modo de vida tradicional desses povos.

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