domingo, 23 de março de 2008

Domingo, dia de Páscoa de 2008


Domingo, 23 de março, no Rio de Janeiro. Dia de tirar umas fotos do alto do Corcovado, ver a Lagoa Rodrigo de Freitas, o Pão de Açúcar, a Ponte Rio-Niterói e o Maracanã. A vitória do Fluminense sobre o Vasco (2 X 1) coroou esse dia lindo, de uma Páscoa brasileira.

Lembrei-me também que precisamente há um ano deixava a Funai e vinha morar no Rio definitivamente, voltar a dar aulas na Universidade Federal Fluminense e terminar meu livro sobre Antropologia. O qual, a propósito, sai nessa sexta-feira e já pode ser pedido à Editora Contexto (www.editoracontexto.com.br). Creio que vocês vão gostar de ler esse livro.

Nos três anos e sete meses que fui presidente da Funai conseguimos realizar coisas irrealizáveis antes. Os Xavante da Terra Indígena Maraiwatsede voltaram à sua terra depois de passarem sete meses acampados na beira da estrada e enfrentarem a resistência dos posseiros, políticos locais, e, por que não dizer, políticos nacionais, que não os deixavam entrar. Graças à sua força e determinação, a Funai pode ajudá-los, com Edson Beiriz, Demerval e tantos funcionários exemplares. Hoje os Xavante estão vivendo em terra própria, mas que precisa ser trabalhada. Há muito que fazer pelos Xavante de Maraiwatsede. Considero-me amigo do peito de todos eles, em especial de Damião, seu grande líder. A propósito, por que os Xavante prenderam a comitiva enviada pelo direção da Funai? Esta é a primeira vez que acontece na história das relações entre Funai e índios Xavante! Há algo de errado aí!

Na minha gestão 67 terras indígenas foram homologadas pelo presidente da República, para um total de 12 milhões de hectares. Homologamos Raposa Serra do Sol, Munduruku, Panambizinho, Coatá-Laranjarl, Awá-Guajá, Krikati, estas que estavam pendentes e em dificuldades extremas de serem homologadas. O ministro Márcio Thomaz Bastos emitiu 31 portarias de demarcação e eu assinei 52 laudos antropológicos de reconhecimento de terras indígenas. Conseguimos fazer um bom relacionamento entre os povos indígenas e a Funai, tanto em Brasília quanto nas administrações. Os funcionários passaram a se sentir mais valorizados, mesmo que não tenhamos conseguido o Plano de Carreira, para o qual trabalhei com muito afinco e estava pronto para ser assinado pelo ministro do Planejamento antes de deixar o cargo. Aliás, era para ter sido assinado este ano, por que não o foi? Será que houve empenho da atual gestão, tão prestigiada pelo Gabinete Civil, em troca dos trabalhos que prometeram fazer para adiantar o PAC?

Não foi pouca coisa, apesar das fortes e constantes críticas das Ongs e da direção atual da Coiab e Apoinme contra minha gestão. Aprontaram de tudo, vilipendiaram a Funai e seus servidores de todos os modos e por todas as palavras. Hoje são eles -- as Ongs -- que controlam a Funai. O nepotismo graça, com irmão, filho e sobrinho de membros de Ongs que comandam a Funai com toda fúria e brutalidade, rechaçando seus funcionários mais competentes, quando antes viviam para denegrir o órgão, sua história, sua função constitucional e seus funcionários. Fazem contratos de consultoria com amigos e compadres, sem que nem a administração da Casa saiba do que se trata.

Pelo que entendo a situação está muito difícil na Funai. Insuportável, dizem os funcionários. Já para as populações indígenas a coisa ficou pior ainda. A atitude das Ongs neoliberais de desrespeito à Funai está ficando cada vez mais grosseira, até para os ingênuos que acreditavam que alguma coisa pudesse ser feita por eles. Se antes prometiam a participação dos índios, o que fizeram foi demitir mais de 10 índios administradores e coordenadores gerais da Funai, num acinte ao potencial que os índios têm. Extinguiram núcleos de apoio por puro ódio aos povos indígenas. Demitiram funcionários que os índios respeitavam e puseram outros que, ao final, foram retirados à força pelos próprios índios. Fiam-se no apoio da Coiab e da Apoinme, do CIMI (calado, calado) cujas direções atuais foram colocadas por eles mesmos e que sempre serviram de ponta de lança de seus interesses escusos. Mas as lideranças indígenas verdadeiras não deixarão isso passar impunemente.

E o que fizeram de bom até agora? Conseguiram o Plano de Carreira? Melhoraram as condições de trabalho dos servidores da Funai? Ao menos mantiveram o clima de diálogo entre coordenadores e direção, com reuniões de trabalho quinzenais? Deram transparência aos seus gestos? Quantas terras foram demarcadas, a não ser aquelas que deixamos nos finalmentes, como a Trombeta-Mapuera, Cantagalo, Balaio e Tupinikim? Cadê a demarcação das terras dos Kaingang de Santa Catarina? O que provocaram foi um impasse total que repercutirá negativamente para os índios por muitos anos. E as terras dos Guarani de Mato Grosso do Sul? Cadê o repeteco dos estudos do antropólogo que vive da exploração de seus falsos serviços? Alguém acha que ele se comprometerá com a proposta dos tais tekohá-guaçu, das terras guarani com 80.000 hectares nas bacias dos rios Brilhante e Apa? Por trás está fazendo relatórios para as usinas de açúcar que vão se instalando pelo Mato Grosso do Sul. E as terras dos Enawene-Nawe, dos Terena, dos Kayapó (Capoto-Ninhore), dos Murá, dos Baré do rio Negro, que tanto prometeram?

A Funai está em grave crise. É a crise de sua alma, de sua possibilidade de continuar a ser o fulcro do indigenismo rondoniano ou de expirar. Se tal acontecer, os índios estarão a mercê das forças econômicas do capitalismo brasileiro, da ingerência direta dos estados e municípios, dos terceirizados que nenhum compromisso têm com os povos indígenas e seu destino na nação brasileira.

O futuro da Funai está nas mãos dos índios e dos funcionários.

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