terça-feira, 14 de abril de 2009

Semana do Índio no Yahoo! Brasil


A jornalista Júlia Magalhães dá prosseguimento à sua série de matérias sobre questões indígenas para o jornal eletrônico Yahoo! Brasil.

Esta de hoje trata da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol e do voto dos ministros do STF que trouxe uma série de 19 mais 1 ressalvas que contrariam o espírito indigenista rondoniano e faz a política indigenista brasileira retroceder ao tempo do Império.

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Questões do chão

Por Julia Magalhães, especial para o Yahoo! Brasil
Michel Blanco


Em 19 de março deste ano, o julgamento da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, foi vitorioso no Supremo Tribunal Federal (STF). Reconheceu-se, por 10 votos a 1, a legitimidade do processo administrativo que homologou a área de 1.747.460 hectares de forma contínua. Também foi derrubada uma liminar que mantinha agricultores dentro da terra demarcada. Mas, diante de uma conquista importante como esta para os povos indígenas, a decisão do STF trouxe 19 condições para a demarcação de novas áreas. Sobre essas condicionantes, a líder indígena e socióloga Azelene Kaingang diz: "O STF legaliza a marginalização dos povos indígenas. Estamos sofrendo um processo de recolonização."

Para ela, a questão territorial ainda representa o grande conflito entre a sociedade nacional e os povos tradicionais brasileiros. E as novas regras impostas pelo STF devem retroceder alguns aspectos já superados no país. "Apesar de não compor as 19 condicionantes, um dos pontos mais graves da decisão do STF é a de somente reconhecer como terras indígenas aquelas que estavam ocupadas pelos índios no dia de promulgação da Constituição de 1988", explica Luiz Fernando Villares, ex-procurador geral da Funai e autor de "Direito e Povos Indígenas" (Editora Juruá), lançado no início deste ano. Ele esclarece que, com a regra, povos que haviam sido expulsos violentamente de suas terras antes desse período não poderão mais reivindicar a área. Azelene completa: "Essa é a 20ª condicionante."

"O STF impôs um limite muito claro. Foi uma decisão jurídica que, no fundo, se deu por uma escolha política", afirma Luiz Fernando, que também foi consultor jurídico do Ministério do Meio Ambiente durante a gestão de Marina Silva. Ele ressalta que há muitos aspectos negativos nas condições, como a de vetar a revisão de áreas já demarcadas e a de excluir a participação e a consulta das comunidades indígenas nos assuntos de uso e gestão das terras tradicionais. "Isso afeta radicalmente a autonomia dos índios", diz.

As condicionantes do STF vão contra a Declaração Universal dos Povos Indígenas, um compromisso político dos Estados aprovado em 2007 na Organização das Nações Unidas (ONU), do qual o Brasil é signatário.

As demarcações

As demarcações das terras indígenas tiveram início com a criação do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) em 1910. Até a extinção do órgão - substituído pela Fundação Nacional do Índio (Funai) em 1967 -, a intenção do Estado era integrar os índios à sociedade e usá-los como mão-de-obra. Por esta razão, as áreas eram demarcadas como pequenos vilarejos, chamados de "aldeamentos". Exemplo claro da época são as terras de Mato Grosso do Sul, cuja mais emblemática, a terra indígena Dourados, enfrenta problemas graves consequentes dessa política.

Ali, índios das etnias Terena, Guarani Kaiowá e Guarani Ñandeva convivem em situação de constante violência e sofrem influências negativas da vida sedentária e da proximidade com as pressões urbanas. Já na década de 1920, funcionários do SPI identificaram alta incidência de prostituição na área. Hoje, o arrendamento de terra e a desnutrição são os problemas mais graves enfrentados na reserva.

O fracasso da política proposta pelo SPI e o novo olhar da Funai, com a formação de um quadro de sertanistas e indigenistas engajados em uma postura de respeito às diversas culturas tradicionais, deram outro rumo para a questão territorial. O conceito de territorialidade indígena passa a ser um espaço culturalizado por gerações anteriores, destinado à presença permanente de um povo e de gerações subseqüentes, de grande importância para o futuro do País.

Ao longo dos anos, o processo administrativo de demarcação de terras indígenas passou por muitas modificações e hoje é feito da seguinte forma:

Identificação: equipes coordenadas pela Funai elaboram um estudo para identificar se determinada área pode ser declarada terra indígena ou não.

Delimitação: depois de identificada e proposta a extensão da área, a delimitação deve ser aprovada pelo ministro da Justiça.

Demarcação: a demarcação física das terras indígenas é feita, geralmente, com blocos grandes de concreto. A Funai é responsável por esta etapa.

Homologação: traduz o reconhecimento da União com relação aos territórios. É a assinatura do presidente da República que chancela o processo administrativo.

Registro em cartório de imóveis da região correspondente e no Serviço de Patrimônio da União.

O que muda a partir da decisão do STF é que, se antes estados, municípios ou qualquer outra parte interessada podiam contestar a demarcação da área, agora eles podem participar de todo o processo administrativo. Segundo Luiz Fernando Villares, isso pode torná-lo mais lento.

Um comentário:

Walter Alberto Sá Bensousan disse...

Cara jornalista me parece que ultimamente está havendo, novamente, um desvio de propósito quando se esquece da FUNAI e se redireciona as discussões atinentes às políticas indigenistas, desta vez, para as novas regras do STF. O breve resumo dos encaminhamentos de um processo demarcatório, exposto no seu comentário, é apenas uma retórica. Comandam muitos dos processos demarcatórios na FUNAI, por curtos períodos, na posição de Coordenadoras de Processos Demarcatórios, Diretoras de Assuntos Fundiários, ou até mesmo antropólogos (as) nomeados para definirem uma provável TI – Terra Indígena, membros funcionais de Ongs. De passagem pelos quadros da FUNAI estão ali para defenderem uma “posição ideológica”, sempre as margens da lei e dos princípios humanitários. Estas posições das Ongs estão revestidas de fortes interesses financeiros, em detrimento dos valores antropológicos. Parece-me que estamos negligenciando a eficiência da crítica assertiva, pontual e contundente. Só se fala das novas premissas do STF, enquanto o que as originaram, permanece incólume. Refiro-me a FUNAI. O que está sendo feito para corrigir o descarado entra e sai de Ongs nos quadros funcionais da FUNAI? Contratos de “antropólogos” ongueiros que somente executam os seus interesses dentro da FUNAI e depois somem? Criam problemas, agregam mais desgraça ainda na conturbada política indigenista, aniquilam culturas sem o menor pudor ao amontoar diferentes povos indígenas em guetos insalubres. E tudo isto tramita na FUNAI na forma de processos demarcatórios para fins de pretensas futuras "Reservas Indígenas". Cito o que está acontecendo em Santa Catarina: um crime contra a humanidade. Xogleng, Kaingang, Tambeopé, entre outros distintos grupos guarani provenientes da Argentina e Paraguai, estão sendo ardilosamente amontoados ao longo do litoral catarinense, em guetos inabitáveis. Falta dinheiro para uma melhor locação deste povos? Por aqui em Santa Catarina não! Há verbas milionárias oriundas de medidas compensatórias, mas como estão sendo usadas? Devemos consultar as premissas do STF? Há uma mania nacional de desviar o foco das discussões, para fora da verdadeira fonte dos problemas.
Walter Alberto Sá Bensousan. www.antropowatch.com.br

 
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