segunda-feira, 6 de abril de 2009

Ministro do STF Ayres Britto fala de seu voto sobre Raposa Serra do Sol


O ministro Ayres Britto, relator do caso Raposa Serra do Sol, deu essa entrevista ao Correio Braziliense. Ayres Britto confessa abertamente que se transformou num defensor da causa indígena -- foi de Buffalo Bill a Touro Sentado -- e que as ressalvas feitas pelo ministro Menezes Direito, a quem ele admira pela erudição -- são só de forma e não "conteudísticas", pois que o conteúdo das 19 ressalvas já estava contemplado em seu voto.

Realmente...

Quanto aos processos contestando demarcações ou pedindo a retirada de fazendeiros de terras indígenas reconhecidas pela Funai, que estão no STF, os jornalistas perguntaram-lhe especificamente sobre o caso da Terra Indígena Caramuru-Paraguaçu, dos índios Pataxó. Ayres Britto evidentemente não conhece o caso Pataxó, que está nas mãos do ministro Eros Grau, e confundiu com outros. Confirmou que não se pode ampliar terra já demarcada, em qualquer tempo, mas que vai tentar convencer seus colegas ministros a rediscutir o voto de não ampliação de terras demarcadas, nos casos de "vistosas retrações" de terras indígenas.

Bem, o caso daquela terra indígena não é de retração vistosa, e sim de completo esbulho. A terra indígena Caramuru-Paraguaçu já havia sido demarcada pelo SPI e pelo Governo da Bahia, em 1937, e dela os índios foram expulsos à força e a área foi parcelada e distribuída entre cacaueiros e outros apaniguados do governo.

Esperamos que o ministro Eros Grau, seu relator, que já deu o voto positivo em favor dos Pataxó, lembre o ministro-presidente do STF a colocar esse caso em votação final. Esperamos que o douto ministro Menezes Direito não traga novas restrições "de forma" ao voto de Eros Grau.

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Entrevista - Carlos Ayres Britto

Correio Braziliense, por Paloma Oliveto e Mirella D Elia

O óleo sobre tela retratando o rosto de um indígena foi presente de uma amiga, enviado de São Paulo há pouco tempo. O trabalho encanta o ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto, que colocou o quadro numa das paredes da sala de seu apartamento, na Asa Sul. Não é só a beleza da obra que o conquistou, mas a própria questão indígena. Ele foi o relator do polêmico processo sobre a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol. Nove dos demais 10 colegas de tribunal acompanharam seu voto, no qual defendeu a manutenção do decreto homologatório que destina a índios de cinco etnias uma área de mais de 1,7 milhão de hectares em Roraima.

Em entrevista ao Correio, Ayres Britto confessa que, antes de se debruçar sobre os mais de 50 volumes do processo, tinha opinião completamente diferente da proferida em seu voto. "Comecei me pegando preconceituoso. A gente pensa que não tem preconceito, mas tem. Está lá no fundo da gente." Para ele, até então, o índio era um ser primitivo, de cultura inferior. Mas num minucioso trabalho que compara a uma garimpagem, o ministro foi transformando suas ideias. "Fui explorando os veios da Constituição. Palavra por palavra." Literalmente, estudou cada termo do capítulo sobre os indígenas. Nenhuma preposição escapou. Entendeu que estava pensando com cabeça de branco e indo no sentido oposto do que prega a lei.

Ao fim, descobriu-se um admirador dos índios. "Estou feliz da vida com meu voto. O Supremo colocou o Brasil no lugar que lhe cabe constitucionalmente: na vanguarda mundial da questão indígena", admite. Defendeu com veemência seu relatório quando o ministro Marco Aurélio Mello, único voto vencido no processo, mostrou-se contrário à demarcação em área contínua. De acordo com Ayres Britto, para o índio, a terra não é um bem mensurável, que pode ser trocada por uma indenização. "Para eles, a terra é um ser. Tirá-los de perto dela é uma violência."

Com um livro de poemas escrito por índio nas mãos, o ministro-poeta diz que seu interesse pela questão indígena foi despertado. E faz uma comparação: começou como o atirador do Velho Oeste Buffalo Bill, e terminou como Touro Sentado, o célebre líder sioux norte-americano, que morreu lutando por seu povo.

De Buffalo Bill a Touro Sentado

O julgamento sobre a demarcação da Raposa Serra do Sol foi bastante polêmico. O senhor já tinha um posicionamento antes de ser relator?

Não, vou contar a pura verdade. Quando eu comecei com meu voto, a minha cabeça era "de branco". Então, já fui dizendo aquilo mesmo: "Como é que se reserva tanta terra para índio?"; ou então: "Os índios fazem parte de uma cultura primitiva e os não índios de uma cultura evoluída". Comecei assim, me pegando preconceituoso. Às vezes a gente pensa que não tem preconceito, mas tem. Está lá no fundo da gente. A minha cultura me impunha esse condicionamento, de ver os índios como seres inferiores, à espera de tutela, como se fossem incapazes. Mas à medida que eu ia lendo a Constituição, palavra por palavra, termo por termo, expressão por expressão, eu, que tinha a obrigação de ser um militante da Constituição, fui percebendo que o capítulo versante sobre os índios foi feito por antropólogos e indigenistas de grande conhecimento. A Constituição é um sonoro não a essa cultura do branco. O que ela diz é que há duas civilizações. A do branco e a do índio. Há duas dignidades.

No seu voto, o senhor falou que os índios têm o direito de nos catequizar. O senhor foi catequizado por eles?

Sim, exatamente isso. A aculturação é uma estrada de mão dupla. Não é só o índio nos conhecer para aprender conosco. É a gente conviver com os índios para aprender com eles. Para a Constituição, a aculturação é uma soma, um ganho, uma justaposição. O índio aculturado ganha a cultura do branco sem perder sua cultura. O branco que convive com os índios aprende com eles. Eu fui aprendendo aos pouquinhos. Refletindo, estudando, indo atrás das coisas. Eu comecei Buffalo Bill e terminei Touro Sentado. Foi assim que o meu voto começou e terminou. Terminou por um modo diametralmente oposto de como começou. Para os índios, a terra não é um bem. Para eles, a terra não é uma coisa, é um ser, é um espírito protetor. A Constituição diz: "Os índios não podem ser removidos de suas terras, a não ser diante de uma grave calamidade". Na cabeça do índio é o seguinte: "Não adianta me pagar pela terra". Ele não quer ser indenizado nem reassentado. No imaginário do índio, ele pensa: "Eu vou sair daqui, mas meus ancestrais vão ficar". Então é uma violência para eles.

Com a aprovação da condicionante do ministro Menezes Direito, que impede a revisão de demarcações já feitas, como ficam os outros processos já impetrados no STF?

Na realidade, as 19 cláusulas foram uma inovação de forma, e não conteudística. Já estavam no meu voto e na Constituição. O Menezes Direito me disse várias vezes: "Britto, estudei, estudei, estudei, e nossos votos são rigorosamente convergentes. Em tudo. Apenas, eu vou inovar na técnica". E eu aplaudi. Ele é um ministro muito culto, muito preparado. E ele foi muito elegante quando sugeri a ele uma nova redação àquelas cláusulas. Ele acatou com uma elegância, tudo ele acatou. No conteúdo, nossos votos convergiram. Mas essa número 17 foi novidade. Ele disse o seguinte: que demarcação indígena, uma vez feita, está ungida e sacramentada, e nunca mais pode ser revista judicialmente. Eu discordei, mas fui voto vencido. Tentei ainda estabelecer um limite temporal. Demarcação feita depois da Constituição não se mexe, mas as de antes? É preciso se mexer, para assegurar aos índios a reprodução física e cultural. Mas fui voto vencido.

E o que ocorre com outros processos que já estão no Supremo, como o dos Pataxó Hã-hã-hãe?

Aí é que está. Ao levar ao pé da letra essa decisão, essa cláusula, não se reabre a discussão. Tenho esperança ainda de reverter. A Raposa Serra do Sol exaltou muitos ânimos, mas numa outra oportunidade acho que os ministros que apoiaram Menezes podem rediscutir isso, diante de um caso concreto de vistosa contração territorial em desfavor dos índios.

Um comentário:

Anônimo disse...

http://www.folhabv.com.br/fbv/noticia.php?id=59670

Índios entram em conflito pela posse do local


Da Redação
Informações recebidas no final da manhã pela Folha Web são de que índios integrantes do Conselho Indígena de Roraima (CIR) e da Sociedade dos Índios Unidos do Norte de Roraima (Sodiur) estão em conflito pela disputa do Lago Caracaranã.

Fontes dizem que mais de 30 indígenas ligados ao CIR e outros da Sodiur brigam pela posse da área, um dos pontos turísticos mais importantes do Estado. A confusão já teria gerado agressão. A Polícia Federal foi informada do fato.

E agora, a culpa é de quem?

 
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