domingo, 5 de abril de 2009
José Carlos Meirelles fala de sua vida de sertanista e dos índios que vêm do Peru
O sertanista José Carlos Meirelles deu essa entrevista para a revista National Geographic falando um pouco de sua experiência como sertanistas e de suas preocupações com a questão dos índios autônomos na fronteira do Acre com a Bolíva.
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Pela liberdade dos índios
National Geographic
A discreta cicatriz entre a barba e a bochecha esquerda concentra um pouco da história do sertanista José Carlos Meirelles dos Reis Júnior. Ele ganhou a marca nas águas do rio Envira, no oeste do Acre, em julho de 2004. Índios isolados lançaram flechas contra Meirelles enquanto ele pescava. Uma delas penetrou em sua face e saiu no pescoço. Meirelles correu. Mas o único tiro que deu com a arma que levava na mão foi para o ar - um grito de socorro para seus funcionários. No posto da Funai, ele pediu resgate ao Exército. Seis meses depois, recuperado, estava de volta à ativa. Não é dos índios, contudo, que vem a ameaça que mais o faz temer. Conflitos ainda piores se anunciam. Com a intensa atividade madeireira no Peru e a chegada de garimpeiros atrás de ouro, algumas etnias estão em fuga no território brasileiro protegido por Meirelles. Dos quatro povos isolados que se estima existirem na região, três foram fotografados em uma expedição aérea de fiscalização realizada há um ano. As imagens rodaram o mundo. Mas pouco se falou sobre as ameaças reais à sobrevivência desses indígenas. Com o aumento da pressão humana em torno das reservas, diz Meirelles, "infelizmente, o destino dos índios isolados não está nas mãos deles".
Quanto tempo ainda os índios isolados vão ter para escolher o momento de iniciar um contato com nossa sociedade?
Depende da pressão que eles sofrem em cada local. No caso da região do rio Envira, onde atuo, espero que ainda haja um bom tempo antes que aconteça esse contato inicial. A pressão sobre eles agora não é mais brasileira, ela vem do Peru, o que gera um problema novo para nós resolvermos. Creio que nestes últimos anos os índios descobriram, no caso particular dos entornos do rio Envira, que nós, da Frente de Proteção Etnoambiental Envira, da Funai, somos vizinhos diferentes daqueles que eles tiveram no passado e que os caçavam. Não nos temem como temiam seringueiros, madeireiros e garimpeiros. Já não mascaram tanto os vestígios quando andam perto de nossas bases, o que não significa, creio, que haja uma intenção de contato. Temos de ficar atentos a pressões externas e aos sinais que esses povos nos dão para que o futuro contato, se ocorrer um dia, seja o menos traumático possível para eles.
Um ano atrás, foram divulgadas fotografias feitas em uma expedição aérea coordenada pelo senhor. Quais são as conclusões desse trabalho?
O principal é que a terra deles foi demarcada sem nenhum problema, como era o nosso objetivo ao realizar o voo de reconhecimento. As fotos são do grupo que vive na cabeceira do rio Humaitá e nos igarapés da margem esquerda do rio Envira, em território brasileiro. Entretanto, outras fotos do mesmo sobrevoo nas quais aparecem duas malocas dos isolados do igarapé Xinane, oriundos do Peru, foram encaminhadas à Funai para pesquisa. Essas malocas não existiam em 2004, quando sobrevoamos a mesma região. A importância da divulgação é que as imagens podem ajudar a proteger esses povos. A opinião pública tem de entender que tais índios existem, e que temos o dever de garantir o direito deles de permanecer isolados.
Uma vez o senhor foi flechado e por pouco não morreu. Como é a aproximação desses indígenas do posto da Funai?
Eu já vi um bocado de índios da etnia masko piro, que andam pelas cabeceiras do Envira no verão. Uma vez a gente se encontrou sem querer pelas praias e eles correram atrás de nós. Outra vez eles apareceram lá mesmo no posto. Foi em 2004. Mais de 100 homens desse grupo invadiram a casa, mexeram em tudo e foram embora. Mas não levaram nada. Além deles, um outro grupo, o que aparece nas fotos divulgadas apontando flechas para o avião, uma vez invadiu a base e colocou fogo nos telhados. Havia dois trabalhadores no local, e eles tiveram de fugir, à noite, de barco. A ordem, quando acontece uma coisa dessas, é que todos no posto partam imediatamente. A gente tem um barco com motor, com combustível, sempre preparado para uma fuga de emergência.
Logo no início da carreira o senhor fez os primeiros contatos com o povo awa-guajá.
Essa história de que é o sertanista que faz o contato com o índio tem de ser revista. Na verdade, é sempre o índio quem faz o contato. É ele que vai até o branco. Chega uma hora em que o território está tão pressionado que eles não têm mais para onde correr. Foi o que aconteceu com o povo awa-guajá, que estava espremido pelos urubu-caapor e guajajara e pelos arrozeiros que não paravam de chegar ao Maranhão. Os awa-guajá do rio Turiassú fizeram contato com um caçador chamado Antônio Raposo, em 1972, e em 1973 conosco, da Funai, nas cabeceiras do Turiassú. Eles estavam acuados.
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